Imagem: BlitzkriegBoop, Wikimedia Commons

Portugal: Crise Imobiliária apenas para a classe trabalhadora

A sociedade portuguesa atualmente convive com um dos momentos mais dramáticos, em termos de política habitacional, da sua história. Acostumada a um baixo custo de vida, assiste a uma escalada impressionante nos valores dos aluguéis e dos imóveis e se vê totalmente refém de uma situação na qual não parece haver qualquer solução a curto prazo. Políticas governamentais de fomento ao turismo e ao investimento de capital estrangeiro, aliadas ao fraco trabalho de política habitacional, criaram um cenário insuficiente para aqueles que trabalham e buscam uma moradia dentro do seu orçamento.

Este contexto tem início com a crise de 2008, cuja bolha imobiliária dos Estados Unidos estourou e causou efeitos em todo o mundo. Portugal, nessa altura, foi um dos países mais afetados dentro da União Europeia (UE) e, junto com Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, formava o famigerado grupo dos PIIGS(nações que possuíam uma dívida muito alta e déficit público). Para resolver esse cenário, os governos dos primeiros-ministros José Sócrates (Partido Socialista) e Pedro Passos Coelho (Partido Social-Democrata) recorreram a empréstimos internacionais, sobretudo da Troika, formada pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário Internacional. Para receber o dinheiro, foram impostas duras medidas para reequilibrar o orçamento do Estado e aumentar a competitividade da economia portuguesa.

O mercado imobiliário teve sua primeira crise logo após o crash de 2008. Houve uma acentuada queda na procura por imóveis, dado o cenário de múltiplas declarações de falência de empresas e a consequente demissão de milhares de trabalhadores. Com isso, houve uma retração na demanda por imóveis e diversos projetos de construção foram parados ou suspensos, fruto de uma economia cada vez mais enfraquecida.

Internamente, o governo de Pedro Passos Coelho cortou salários dos funcionários públicos, privatizou empresas estatais, revisou a legislação trabalhista ao reduzir o valor de indenizações de pessoas despedidas, bem como o valor das horas extras, além de flexibilizar as leis sobre a jornada de trabalho. Também congelou o salário mínimo e promoveu um grande aumento na carga tributária então vigente. Externamente, buscou medidas de incentivo para investidores estrangeiros e o fomento ao turismo, políticas estas últimas também mantidas nos governos de António Costa (PS) e de Luís Montenegro (PSD).

Em 2012, foi implementada a Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI), também conhecida como Visto Gold, cuja concessão do direito de morar em Portugal seria garantida caso o interessado realizasse um investimento qualificado no valor mínimo de € 500.000 na economia do país. Nesse cenário, a compra de imóveis configurava-se como uma das opções. Paralelamente a isso, também foram promovidas campanhas voltadas ao turismo internacional e políticas de isenções fiscais para a reabilitação de imóveis antigos nos grandes centros, em especial para o segmento do alojamento local, destinado à estadia de curta duração através de plataformas digitais.

Imagem: Arquivo pessoal do autor

As consequências dessas políticas, em um primeiro momento, causaram um aumento no turismo urbano, especialmente em Lisboa e no Porto, mas também na busca estrangeira por imóveis. Com isso, as áreas centrais deixaram de ser acessíveis para a classe trabalhadora, pois houve um total descontrole diante da exploração especulativa para alojamentos locais, assim como da compra de edifícios inteiros nos centros históricos das cidades para transformação em hotéis, apartamentos de luxo ou empreendimentos turísticos. Moradias essas apenas disponíveis para uma elite capaz de pagar preços e aluguéis muito acima do salário mínimo nacional, cuja defasagem, pelos anos de congelamento, não acompanhou o ritmo frenético dos custos de habitação.

A pandemia de Covid desacelerou esse crescimento exponencial, mas a farra retornou nestes últimos anos pós-pandemia, com um novo fenômeno: os nômades digitais. A imagem difundida pelas campanhas de turismo, que vendem Portugal como um país belo, pacífico e seguro, atraiu a imigração de indivíduos cuja flexibilidade do trabalho on-line permite que exerçam o turismo residencial de longa duração, buscando melhor qualidade de vida, clima agradável e custo de vida mais baixo. Provenientes de países mais ricos, esses trabalhadores possuem renda mais elevada em relação ao trabalhador médio, o que faz de Portugal o destino perfeito para moradia. Junto a eles, muitos imigrantes de países em conflito ou que passam por crises internas também adquiriram imóveis.

As perspectivas para o futuro são incertas. É sabido que, atualmente, Portugal se beneficia de uma baixa política de juros do Banco Central Europeu. Tal situação, aliada à política até então de portas abertas para investimento estrangeiro e de entrada de imigrantes, gerou um aumento exponencial no custo habitacional ao gentrificar grandes áreas e remover do mercado imobiliário edifícios inteiros. A política de habitação é insuficiente, mesmo em comparação com outros países da UE. A elevada dívida pública, fruto das crises anteriores, fez com que os governos restringissem os orçamentos destinados a esses tópicos. Com isso, a classe trabalhadora precisou buscar imóveis em zonas periféricas das grandes cidades para alugar ou ficar à mercê dos juros de crédito habitacional aplicados pelos bancos.