Pós-modernismo: nada novo sob o sol – a miséria da filosofia

Durantes os quatro dias da Universidade Marxistas Internacional 2020 os militantes da Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional (CMI) estão empenhados em disponibilizar em nossa página breves relatos dos 16 temas tratados na Escola. O objetivo é estimular nossos leitores a aprofundar o conhecimento sobre nossas posições e a juntarem-se a nós na construção da CMI. Para sua localização procure pelo dia e o tema que deseja fazer a leitura.

O pós-modernismo é uma das maiores tendências da ideologia burguesa, reinante na academia. Os termos, narrativas e as ideias de Foucault são amplamente divulgados. Em um informe de 45 minutos, nesse domingo (26), Daniel Morley muniu as centenas de militantes de argumentos para a discussão.

Explicou que enquanto houver capitalismo haverá uma luta ideológica contra o marxismo. Mas essa luta se modificou do século 19, quando a ideologia fazia uma defesa direta do capitalismo (apresentando-o como o melhor sistema, único capaz de oferecer liberdade, avanço e riqueza), para no século 20, quando não era mais factível essa argumentação, adotar vias indiretas.

Por isso, o pós-modernismo admite e, inclusive, denuncia as opressões e violências do capitalismo, mas de uma forma que não possibilita a compreensão do sistema como um todo nem vislumbra uma saída. Nega o progresso da humanidade e a existência de um mundo objetivo, por isso, é profundamente idealista – a consciência, para esta ideologia, é independente do mundo. Para nós, marxistas, reafirmou Morley, o mundo material gera a consciência e a filosofia. 

Combate ao marxismo

Na fase áurea do capitalismo, o individualismo jovem era um egoísmo que contribuía para a geração de riqueza. Mas, na atual fase decadente em que o capitalismo se encontra, o individualismo do século 20 é cínico e pessimista, causa problemas inclusive para a vida cotidiana. Há uma sensação de “solicismo”, a única coisa que você pode saber é sobre você mesmo e sua própria experiência, ou, mais profundamente, seus próprios sentimentos.

É também no século 20 que a ciência do proletariado, o marxismo, se consolida, ascende, se organiza e se torna grande demais para ser ignorada pelos reacionários. A burguesia abandonou, por exemplo, a teoria do trabalho, porque ela estava profundamente hegemonizada pelas ideias marxistas.

Nietzsche com seu anticapitalismo romântico e sua descrença no progresso da humanidade é uma das maiores influências para o pensamento pós-modernista. Um defensor da elite que se faz passar por um defensor das diferenças. Aliás, esses intelectuais são, na verdade, pequeno-burgueses. Isso explica seu pessimismo em relação ao sistema que também o trata com crueza e violência. Ao mesmo tempo, a teoria pós-moderna despreza os trabalhadores e tem horror ao poder das massas organizadas.

Dando continuidade às questões históricas, o informante abordou a Escola de Frankfurt, que apesar de ser considerada marxista e denunciar os horrores do capitalismo, revisava o marxismo e combatia as “falhas” das revoluções, principalmente da Revolução Alemã. Eles, apesar de serem anteriores ao pós-modernismo que se consolida em 1968 na França, guardam muita similaridade. Isso porque essa não é uma tendência rígida e bem delimitada.

Os membros da Escola de Frankfurt são puramente acadêmicos. Nunca construíram um partido ou participaram de movimentos da classe. A única exceção é Marcuse, que se filiou ao Partido Socialdemocrata Alemão (SPD), quando esse partido já havia traído os trabalhadores e feito afogar a revolução.

Outro membro famoso é Adorno. Em seu artigo “A impotência da classe trabalhadora”, além de não falar da Revolução Alemã, defende que a classe trabalhadora alemã é inerentemente dividida, pois tinha acesso a muitos produtos de luxo. Isso poucos anos depois desses trabalhadores terem realizado uma revolução.

A reflexão simplista, de que os trabalhadores não poderiam fazer a revolução porque ter um carro e uma TV “desviava sua atenção” é a mesma que hoje fazem alguns setores da esquerda que têm um determinismo tecnológico. Eles creem que nossa percepção é modificada pelos meios de comunicação, chegando ao ápice com as redes sociais. Sem dúvida, elas exercem uma influência, mas são só uma parte da realidade, da opressão a que está submetida a classe trabalhadora. As condições de opressão sobre a classe inclusive modificam a intensidade da capacidade de influência desses meios de comunicação. 

É da Escola de Frankfurt também a tese de que a dominação da natureza pelo homem causa obrigatoriamente a dominação do homem pelo homem.

No combate ao marxismo, os pós-modernos tentam fazer parecer que Marx e Engels não consideraram as limitações do iluminismo, quando eles sempre disseram que a ciência burguesa era incapaz de libertar a humanidade. Defenderam o caráter progressista da razão, mas sem deixar de criticar. Daniel retoma Engels: “O reino da razão da burguesia”.

Esses intelectuais trabalharam abertamente para o governo dos EUA durante a 2ª Guerra Mundial e chegaram a excluir a palavra marxismo de suas teorias. Para eles, todas as instituições (incluindo as organizações dos trabalhadores) têm inerentemente jogos de poder, exceto a universidade – provavelmente porque pagam seus salários.

Suas teorias rejeitam a possibilidade de emancipação humana e objetivam combater o modernismo. Agem como se não houvesse diferenças entre o marxismo e o liberalismo, considerando que ambas são teorias modernas que erram ao considerar o progresso. De fato o progresso parou, mas só porque o capitalismo o freou.

Dizer que não existem estágios do desenvolvimento humano é absurdo. Até hoje existem escravos, é verdade. Mas não estamos qualitativamente mais desenvolvidos que quando no sistema escravagista grego?

Lyotard é um pós-modernista francês que criticava as metanarrativas (ou seja, as teorias amplas) e, portanto, defendia as micronarrativas. Partindo da crença que o ser humano é incapaz de compreender o todo, criticando o que chama de “essencialismo” – teorias, como a do marxismo, que buscam compreender a essência das coisas, por exemplo quando afirmamos que a história da humanidade é a história da luta de classes. Consideram infantil a tentativa de explicar o complexo. Realmente não é fácil explicar sistemas complexos, muitas teorias são falhas e fazem generalizações muito ruins. Há que se considerar também que o modelo de marxismo destes pós-modernistas franceses era o PC Francês em seu período stalinizado, ou seja, uma caricatura do marxismo.

Consequências políticas do pós-modernismo

Daniel foi enfático ao explicar que essas teorias apenas conseguem criar uma lista infinita de classificação das opressões, dos comportamentos ruins da humanidade, mas não conseguem explicá-las nem resolvê-las. Então, passam a defender políticas identitárias. Contraditoriamente, essencializam a opressão, afirmando que o ser humano é naturalmente mal, o que leva ao pessimismo. Judith Butler propondo uma paródia das regras sociais, Deleuze e Guattari criticando a hierarquia das ideias, levam ao abandono do pensamento e a uma defesa de se guiar pelos desejos. Parafraseando Libtar, podemos dizer que uma hora de vida vale mais que trezentas palavras desses filósofos, que quando criticados rebatem: vocês estão hierarquizando as ideias! Elencam tantas formas de resistência e tantas diferentes lutas que parece impossível unificá-las. 

“Minhas ideias são novas, e só ideias novas podem mudar o mundo”

Daniel explicou que as ideias pós-modernistas se travestem de novas, o próprio “pós” dá esse caráter de novidade, mas não são. Lenin polemizou com elas em seu livro “Materialismo e empirocriticismo”. Qual a utilidade de uma filosofia que não se preocupa com a vida cotidiana e não se propõe a transformá-la? A vida e a prática devem ser o ponto de partida de toda teoria do conhecimento. Nós aprendemos com a luta, a observação e constantemente testamos nossas deduções na vida, na luta de classes. A classe trabalhadora é cheia de divisões, é impossível negar isso. Mas o nosso trabalho é unir e não criar mais divisões.

“Narrativas de esquerda”

Para fechar sua exposição, Daniel explicou a “narrativa de esquerda”. Líderes da esquerda reformista, como do Syriza e Podemos, começaram a usar o termo narrativa de esquerda. No livro “Por um populismo de esquerda”, Chantal Mouffe defende que devemos usar uma outra narrativa para combater essa que está aí. Parte-se de uma premissa que uma nova narrativa gera novos comportamentos e assim se muda a realidade. Basta ter gente suficiente para acreditar “nessa história”. Deve-se, para eles, dar a impressão que as experiências são compartilhadas, não importa se essas experiências aconteceram de fato (!). 

Isso é absurdo para os marxistas, porque a realidade objetiva da nossa classe é o que nos empurra para a luta. As “narrativas” levam os políticos a falarem muito e fazer pouco, uma ótima ferramenta para os reformistas que só o que querem é assumir cargos no Estado.

É possível (e preciso) entender o todo

O pensamento humano só é possível com generalizações. Conhecemos uma mesa, generalizamos o conceito, e podemos nomear outros objetos similares de mesa. Foucault,  outro crítico das generalizações, cai também em contradição. Sua teoria usou como fonte de observação os presídios e hospitais psiquiátricos, mas estendeu seu entendimento a toda sociedade. Uma baita generalização. Sua crítica é ao poder, à abstração de um poder assimétrico, desconectado da realidade de classe e, portanto, impossível de se tomar. Mas por que o poder, e não a economia?

O mesmo acontece com Deleuze e Guattari. Para eles, devemos negar as ideias, porque há nelas uma hierarquia que gera opressão. Então é preciso negar a ideia das ideias. Mas por que eles colocam as suas ideias, então? Acusam os marxistas de arrogantes, por tentar explicar o complexo, mas não enxergam o tamanho da sua própria arrogância.

Como o marxismo se propõe a explicar uma realidade muito complexa, acusam-nos de reducionistas. É verdade que não teremos todas as respostas, o marxismo admite isso. Mas em tudo há o simples e o complexo. Por exemplo, ninguém pode prever quando uma pessoa vai morrer, mas isso não nos impede de, nesse momento da pandemia de Covid-19, prever o número de mortes de um país. Negar a existência de leis básicas leva justamente ao irracionalismo de Trump, Bolsonaro e outros governantes negacionistas.

Da mesma forma, não podemos prever a revolução, mas as leis gerais mostram que as revoluções acontecem. Nosso otimismo não é aleatório, é baseado no estudo da história e da realidade concreta. Hegel já explicava que se você não reconhece a identidade entre as coisas, só a diferença, vai ter uma visão muito crua, porque a natureza é um todo conectado. As possibilidades são uma categoria muito pobre. É verdade que a lua pode colidir com a Terra amanhã, mas existem outras forças, outras possibilidades que devem ser consideradas. Mas o pós-modernista escolhe sempre a pior hipótese.

Daniel concluiu dizendo que é importante compreender também que a força do pós-modernismo é decorrente da pobreza do marxismo acadêmico, porque o marxismo não pode ter forças na academia burguesa, mas em iniciativas como a Universidade Marxista e na luta de classes, onde jovens e trabalhadores buscam na compreensão teórica se armar para transformar a realidade.