“Escravidão, aqui no Brasil, foi porque o índio não gosta de trabalhar, até hoje”, disse o procurador e ouvidor-geral do Ministério Público Estadual do Pará (MPPA), Ricardo Albuquerque. E foi mais longe, defendendo que “não há dívidas com quilombolas“.
Essas afirmações foram feitas durante uma palestra para alunos de Direito de uma universidade privada do Pará. O áudio vazou e foi publicado pelo jornal O Globo. O procurador não concedeu entrevista ao jornal, se limitando a enviar uma nota, onde reforça seu posicionamento racista em relação aos índios e negros.
A posição do procurador parte do arcabouço de desqualificações e estereótipos negativos que foi construído de forma planejada para justificar o genocídio histórico praticado contra os povos indígenas. Esse conjunto de ideias também autoriza os três séculos de escravidão negra no Brasil, que foi de 1550 até 1888, assim como a exclusão permanente da história da maioria esmagadora da população. Essa maioria é a classe trabalhadora, a que produz toda a riqueza social, montante esse que é apropriado por um número cada vez menor de pessoas e grupos que integram a classe dominante.
A manifestação do procurador mostra de forma objetiva o que é o racismo institucional, que é basicamente o tratamento diferenciado entre raças no interior de organizações, empresas, grupos, associações e instituições.
Os dados estatísticos que mostram a situação em que vivem negros e indígenas no Brasil não são resultado de coincidência ou “sorte”, mas do racismo silencioso e discreto, aquele que não aparece nos veículos de comunicação de massa. Mas que interfere diretamente na vida destas populações, pois não existem condições materiais para que possam escapar deste círculo vicioso de exclusão, pobreza e violência de todos os tipos patrocinados pelo Estado e suas instituições, cujas políticas implementadas e desenvolvidas decidem quem vai viver e quem vai morrer.
As instituições do Estado, nas quais está a elite do serviço público como juízes e promotores, são compostas de pessoas oriundas da classe média, majoritariamente brancas, que carregam uma bagagem cultural extremamente conservadora e reacionária em vários aspectos. O que os leva, pela posição de poder que ocupam, a serem agentes da aplicação política das leis, sustentadas por seus fundamentos culturais e de valores. Isso é o que ficou expresso na fala do procurador Ricardo Albuquerque.
Em artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, Márcia Pereira Leite afirma:
“No Brasil, os negros sofrem não só a discriminação racial devida ao preconceito racial e operada no plano privado, mas também e, sobretudo o racismo institucional, que inspira as políticas estatais que lhes são dirigidas e se materializa nelas.”
Em outra parte, diz:
“O racismo constitui, como se sabe, um mecanismo fundamental de poder utilizado historicamente para separar e dominar classes, raças, povos e etnias. Seu desenvolvimento moderno se deu com a colonização, com o genocídio colonizador.”
Hoje isso fica evidente na proposta do presidente Bolsonaro de oficializar o excludente de ilicitude, que permitirá, se aprovado, que os órgãos de repressão possam matar pessoas. O professor da USP Maurício Dieter, faz críticas duríssimas ao projeto de Bolsonaro:
“(…) é uma aventura jurídica, uma bobagem autoritária. É uma tentativa de criar uma licença para matar em um país que já tem um índice altíssimo de mortes em decorrência de ações policiais. Por que esse medo do júri? Se o policial agiu legitimamente, ele vai ser absolvido.”
Esta medida e outras integram o arcabouço de ferramentas da classe dominante, que seu Estado e suas instituições contraem para continuar a impor “seu modo de vida”, seja no plano do modo de produção de mercadorias, que gera riqueza concentrada, ou na construção cultural e dos costumes, para manter a exploração de uma classe sobre a outra e conter a rebeldia dos que estão sendo explorados historicamente.
Ao responder oficialmente sobre a fala do procurador, o MPPA afirma que a instituição “vem trabalhando para assegurar a implementação de políticas públicas para garantir às populações negras e indígenas a efetivação da igualdade de oportunidades”.
É preciso dizer as coisas como são. Esta retórica da igualdade de oportunidades não existe dentro do sistema capitalista. O que vemos hoje é cada vez mais o sistema excluir milhões da possibilidade de sonhar em ter uma vida digna. O que se apresenta para a maioria da população é a barbárie que se manifesta de várias formas, como por exemplo, o aumento de casos de violência racial.
Registramos o nosso repúdio a fala do procurador Ricardo Albuquerque, porque a mesma sintetiza os valores culturais e morais, que justificam todas as formas de exploração, discriminação e preconceitos, que oprimem a maioria da população brasileira.
É possível enfrentar esta situação. O Movimento Negro Socialista tem trabalhado para ajudar a população negra e trabalhadora a construir uma organização política independente e revolucionária. Que tenha como perspectiva, derrotar este sistema, colocar no chão seu Estado e instituições e construir uma sociedade nova, justa, solidária, livre, onde possamos viver os nossos sonhos, numa sociedade socialista.