Um ano depois da maior tragédia climática da história recente do Rio Grande do Sul, as chuvas intensas voltaram a assolar o estado em 2025, revelando a farsa da reconstrução prometida pelos governos e a permanência das mesmas políticas que alimentaram o colapso anterior. Em vez de uma ruptura com o capital, o que se viu foi a consolidação de um modelo que só pode resultar em destruição ambiental e precarização social. O risco de novos desastres escancara: ou a classe trabalhadora assume em suas mãos o controle da sociedade, ou viveremos condenados a morrer nas águas da barbárie capitalista.
As enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul escancararam as contradições de um modelo de desenvolvimento excludente, pautado na lógica capitalista que privilegia o lucro privado em detrimento da vida humana. Com mais de 1,9 milhão de pessoas afetadas, 149 mortes confirmadas e centenas de milhares de desalojados, não se tratou de uma tragédia meramente natural, mas de uma crise social, ambiental e política anunciada, resultado de décadas de negligência estatal, especulação imobiliária e destruição ambiental institucionalizada.
Mesmo um ano após as enchentes, os sinais da destruição ainda são visíveis nas cidades, nas estradas e na vida das famílias atingidas. O que se observa, no entanto, é a continuidade das mesmas políticas que contribuíram para o desastre: apesar dos vultosos repasses públicos, o Estado segue priorizando o setor privado na gestão da reconstrução. A chamada “resposta” institucional, marcada por improvisos, promessas vazias e marketing político, escancara a incapacidade do sistema vigente de assegurar o mínimo: moradia segura, acesso à infraestrutura e dignidade para os atingidos.
A realocação das famílias não pode ocorrer em abrigos improvisados e insalubres; deve ser pensada como política pública permanente, com garantia de atendimento psicológico, alimentação, saúde, educação e participação popular nos processos de reconstrução. A classe trabalhadora, por sua vez, que já enfrentava uma realidade de precarização e informalidade, foi duplamente penalizada: muitos perderam tudo, ficaram impossibilitados de trabalhar e ainda enfrentaram ortes salariais e demissões. Mais uma vez, quem paga a conta da tragédia são os de baixo, os mesmos que sustentam a máquina estatal e o lucro dos patrões com seu trabalho.
Enquanto isso, as promessas de inovação tecnológica, tão alardeadas após as chuvas, não passaram de retórica vazia. Discursos sobre “resiliência climática”, “smart cities” e “parcerias público-privadas” não se converteram em resultados concretos. O que se viu foi o uso da tragédia como pretexto para novos negócios, sem transparência, sem controle social e sem eficácia comprovada. Os programas criados foram, em sua maioria, inócuos, beneficiando mais empresas do que comunidades.
Essa realidade reforça o que a experiência concreta vem demonstrando: o capitalismo é estruturalmente incapaz de oferecer soluções reais para a crise climática. A destruição ambiental não é um acidente de percurso, mas um subproduto inevitável da busca incessante por lucro. A cada novo evento extremo, a resposta é sempre a mesma: improviso, transferência de recursos para empresas privadas e reconstrução precária. A tragédia se torna oportunidade de negócio, enquanto os direitos básicos (moradia, transporte, saneamento, saúde) seguem subordinados à lógica do capital.
Diante desse panorama, é fundamental romper com esse ciclo vicioso. A saída exige uma ruptura com o captialismo: é necessário suspender imediatamente o pagamento da dívida pública, taxar as grandes fortunas, expropriar terras improdutivas, reestatizar os serviços essenciais e realizar investimentos massivos em obras públicas voltadas à mitigação de desastres e à adaptação climática. O controle dos trabalhadores sobre o orçamento e os recursos naturais deve ser central nesse processo, colocando os interesses coletivos acima do lucro de banqueiros e corporações.
Exemplos de planejamento urbano eficaz e voltado ao bem comum existem e mostram que alternativas são possíveis. Casos como o Donauinsel, em Viena; os parques alagáveis de Buenos Aires; a reconversão de áreas de risco em Tulsa, nos EUA; e, especialmente, o modelo holandês de convivência com a água, constantemente citado como referência mundial, revelam algo em comum: investimento público consistente, planejamento estatal de longo prazo e compromisso com o interesse coletivo.
Nenhuma dessas experiências seria possível sob a lógica do lucro e da privatização. No entanto, no Brasil, apesar da peregrinação de autoridades como Eduardo Leite e Sebastião Melo à Holanda, o que se aplicou foi a versão caricata e imediatista da solução: os já famosos big sand bags, sacos de areia improvisados para conter o Guaíba. Enquanto o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) faz propaganda institucional sobre obras emergenciais, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH/UFRGS) alerta para novas cheias, e as ilhas de Porto Alegre voltam a ser evacuadas. A realidade insiste em mostrar que, sem rupturas estruturais e protagonismo da ciência e da população, não há reconstrução possível, apenas a repetição anunciada do desastre.
Não se trata, portanto, de um apelo humanitário isolado, mas de uma convocação histórica à luta política. A tragédia das enchentes de 2024 nos obriga a encarar, com lucidez, o fracasso das soluções reformistas e da conciliação com o capital.
A única saída concreta e estruturante exige a reorganização radical da sociedade. A resposta à calamidade não pode ser individual, improvisada ou apolítica: ela precisa ser coletiva e guiada por um programa de transição socialista, protagonizado pela classe trabalhadora organizada em um partido revolucionário. Diante da lama, a revolução socialista não é uma utopia: é a ponte concreta entre o desastre e a reconstrução com dignidade.