Imagem: Rogério Alves, TV Senado

Samarco, Vale e BHP absolvidas na Justiça e aconselhadas por Lula

A Justiça Federal absolveu a empresa Samarco (e suas acionistas Vale do Rio Doce e BHP Billiton) pelo “acidente” que rompeu a barragem de Mariana, em Minas Gerais, em 2015. Esse desastre foi considerado a maior tragédia ambiental do Brasil, e a maior do mundo envolvendo rejeitos de mineração. Foi acidente ou crime? E qual papel Lula está cumprindo? Vamos discutir essas questões.

A barragem de Fundão se rompeu despejando 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro que atingiu mais de 40 municípios. Matou 19 pessoas e deixou 600 desabrigados. Engoliu comunidades e plantações inteiras, poluiu cursos d’água com metais pesados, intoxicou peixes, infertilizou o solo, deixou um rastro de destruição em toda a bacia do rio Doce, com reflexos por 600 quilômetros até a foz no Atlântico, no Espírito Santo. O tsunami de lama tóxica soterrou a cultura e o trabalho de quilombolas e indígenas como os Krenak. Comprometeu o lazer das famílias na margem dos rios e nove anos depois muitas pessoas seguem com surtos respiratórios, e doenças de pele e outras.

O jornal Brasil de Fato publicou o levantamento sobre o impacto devastador na renda da população:

“Milhares de trabalhadores informais tinham o rio e seus 113 afluentes como fonte principal de subsistência. De acordo com dados divulgados pelo MPF, o rendimento médio geral das famílias na bacia do rio Doce passou de R$ 2.014,60 para R$ 826 após o crime, uma queda de quase 60%. Aquelas com renda mais baixa sofreram ainda mais. A variação média foi de R$ 1.504,52 para R$ 433,84, uma redução de 72% na arrecadação.” (grifo nosso)

Na época, a Procuradoria Geral da República afirmou que a barragem estava sobrecarregada, tendo havido negligência e omissão das empresas e órgãos públicos. Não havia nem mesmo um sistema de alarme, crime de um sistema que coloca os interesses privados acima da vida das pessoas. Hoje, as perspectivas científicas mais otimistas de restauração do Rio Doce e suas paisagens afirmam que o impacto será por décadas. Mas por que ninguém foi preso? Por que a Samarco (Vale e BHP) não foi estatizada?

Recentemente a Justiça absolveu sete pessoas, entre diretores, gerentes e técnicos, que estavam sendo responsabilizados. Entre eles está Ricardo Vescovi, presidente da Samarco. A juíza justificou sua sentença pela ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal dos réus.

O advogado que defendeu a empresa BHP, afirmou em áudio à Folha de São Paulo que a sentença merece “aplausos efusivos”. Ele ainda completou:

“(…) A principal testemunha de acusação, o professor Pimenta Ávila, foi expresso na audiência quando disse que nem Deus poderia prever o rompimento da barragem. No estado em que ela se encontrava, era imprevisível o acontecimento. Isso não pode ser debitado às empresas e aos engenheiros.” (grifo nosso)

Um mês antes da absolvição, Vale, BHP e Samarco firmaram acordo homologado pelo STF, TRF e TJ-MG para compensar os danos gerados por rompimento de barragem com medidas reparatórias. Lula discursou no evento aconselhando: “O que aconteceu em Mariana não foi assunto climático, foi irresponsabilidade. Espero que as empresas tenham aprendido uma lição, ficaria muito mais barato ter evitado a desgraça que aconteceu”. Ele deu exemplos da sua memória explicando que o “acordo” é melhor do que uma “guerra”.

Mas Andréa Zhouri e Sônia Magalhães, pesquisadoras da UFMG e UFPA, que têm outra opinião, denunciaram:

“(…)  As ações da BHP tiveram aumento de 1,42% e as da Vale subiram 4,16% desde o dia 25 de outubro, quando o acordo foi assinado, (…) o acordo foi fechado em R$ 170 bilhões e, da mesma forma como ocorrido em Brumadinho (MG), construído de forma sigilosa e sem a participação das pessoas atingidas. Os recursos serão pagos ao longo de 20 anos e, em grande medida, destinados às instâncias governamentais em nível municipal, estadual e federal. Trata-se de uma barganha celebrada pelos analistas do mercado de commodities. O acordo traz credibilidade para a Vale e cria um cenário atrativo para investidores, com perspectivas de retorno de US$ 5,4 bilhões entre os anos 2025-27. Perdem os atingidos que amarguram sofrimento ininterrupto por nove anos. Ficam desacreditadas as instituições de Justiça, que aderem ao modelo da resolução extrajudicial dos conflitos e dos desastres sem punição aos comprovadamente culpados.” (grifo nosso)

O impedimento da participação dos atingidos no acordo levou lideranças apelarem ao Presidente do STF, Luís Roberto Barroso, para não homologar o acordo. Uma petição com este objetivo foi ajuizada pela Associação Indígena Tupinikim da Aldeia Areal e por associações de remanescentes quilombolas de São Domingos e Morro da Onça, no ES.  A petição lembra que o Brasil é signatário da Convenção 169 da OIT, que obriga os governos a “consultar os povos interessados cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.

Isso é uma questão fundamental sobre a autodeterminação dos povos. Apesar disso, Barroso foi um dos entusiastas do pacto, disse que o acordo fortalece o princípio da soberania da Justiça brasileira. Mas teve que comentar que “tragédias não podem ser tratadas como investimento financeiro. Não faz bem a causa da humanidade a monetização da desgraça”. Chama atenção também a participação da ministra dos povos indígenas, Sônia Guajajara, do PSOL. Em seu discurso na cerimônia, Sônia ignorou a petição das entidades. E disse que o pacto firmado garante a participação dos indígenas na gestão e decisão sobre os recursos de hoje pra frente.

Comunidade de Paracatu, distrito de Mariana, atingida pelo rejeito após o desastre do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana / Imagem: Tomaz Silva, Agência Brasil

Nesse momento, o governo Brasileiro participa da COP29 em Baku e do G20 no Rio de Janeiro e quer assumir um protagonismo mundial em assuntos do meio ambiente. Entretanto, as instituições do Estado brasileiro estão submetidas aos interesses das mineradoras. Os atingidos pela barragem do Fundão, as pessoas que viveram o maior desastre da história da mineração desse tipo no mundo, e que continuarão por anos conviver com as consequências, pediram para serem ouvidos no processo. As empresas, a Justiça e Lula negaram. E nada se fala de reestatização… Essa é a democracia de Lula e Barroso?

E qual seria o conselho de Lula para os empresários das outras 45 barragens que estão sob risco nesse momento em 17 municípios de MG? Três dessas barragens estão sob o nível de alerta mais crítico, denuncia a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), nos municípios de Itatiaiuçu, Barão de Cocais e Ouro Preto, totalizando mais de 100 mil pessoas. O que um governo democrático deveria fazer? Intervir nas empresas que ameaçam a população? Ou garantir a continuidade de seus estabelecimentos precários, e impunidade em caso de crime, para os magnatas da mineração?

Em agosto, a Samarco (Vale, BHP) foram condenadas por “narrativa fantasiosa” em campanha publicitária, a condenação também atingiu a Fundação Renova, entidade responsável por gerir a reparação aos impactados do rompimento da barragem. Um tribunal em Londres começou a julgar a responsabilidade da BHP no crime. O processo é a maior ação ambiental coletiva da história da justiça britânica. Ele é movido por 620 mil vítimas com um pedido de 230 bilhões em indenizações. A Vale e a BHP estão envolvidas em processos em 4 países: Brasil, Reino Unido, Austrália e Holanda.

Nós seguimos acreditando na luta. Não baixaremos a bandeira pela reestatização de empresas como a Vale do Rio Doce, sob controle dos trabalhadores, junto com o monopólio estatal da mineração. E pelo atendimento das reivindicações dos atingidos pela Samarco. Acreditamos que a promiscuidade entre Estado e mineradoras não vai encontrar solução de outra maneira que não seja na exploração planejada dos recursos naturais com participação democrática da sociedade.