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Stonewall: é preciso reviver o radicalismo LGBT

O presente artigo foi publicado originalmente em 2019, ano que marcou o 50º aniversário da Revolta de Stonewall — um marco que transformou a face e a natureza do movimento LGBT ao impulsioná-lo para a esquerda, em direção a posições revolucionárias que, embora ainda vagas, conectavam-se com o ascenso da luta de classes nos anos 1960 e 1970.

Este é um texto importante para compreender como a divisão entre os trabalhadores (forjada desde os tempos da escravidão e da colonização, nos diversos sistemas em que essas formas de opressão ocorreram) tem sido promovida pelo capitalismo como uma estratégia para impedir a unificação da classe trabalhadora. Hoje, essa divisão assume novas formas, em especial através do uso instrumental das políticas identitárias.

Para reverter essa situação, é indispensável a aliança entre todos os trabalhadores, independentemente da cor da pele, orientação sexual, identidade de gênero ou sexo. Apenas unida, a classe trabalhadora poderá lutar e vencer, construindo uma nova sociedade em que cada pessoa possa se expressar de forma livre e criativa.

No dia 28 de junho de 1969, uma revolta do lado de fora do bar Stonewall Inn, localizado na Rua Christopher, em um bairro chamado Greenwich Village, na cidade de Nova York, se tornou um marco na luta pela emancipação LGBT. Naquela noite, o bar sofreu uma batida policial — o que era bastante comum naquela época em bares gays. Mas, dessa vez, pessoas LGBT não permitiram que a polícia fizesse como bem entendesse. Elas enfrentaram a Polícia de Nova York em um fim de semana de revolta sem precedentes. Esse ato corajoso se transformou em um movimento que incentivou milhares de pessoas LGBT a “sair do armário para ir às ruas!” É importante revisitar esses eventos e retirar as principais lições para os dias atuais.

Para muitos, a revolta de Stonewall foi como um raio atravessando um céu limpo e claro — algo totalmente inesperado. Mas a luta pela libertação LGBT havia começado muito antes.

LGBTs da classe trabalhadora estavam, e ainda estão, entre as camadas mais oprimidas da sociedade dos Estados Unidos. Na época, era permitido por lei despedir alguém por conta de um “desvio” sexual, com a homossexualidade no topo da lista desses assim chamados “desvios”. Médicos consideravam a homossexualidade uma doença mental e recomendavam terapia intensiva ou tratamento com eletrochoques. Homossexuais eram até mesmo castrados contra a própria vontade em alguns momentos da história. A sodomia era punida com severas sentenças de prisão, e o comportamento homossexual em público era ilegal.

Na época do macartismo1, anticomunismo e homofobia estavam fortemente interligados. O próprio McCarthy declarou à imprensa, em tom de brincadeira, que “se você é contra McCarthy, meus amigos, só pode ser um comunista ou um chupador de pau.” Homossexuais eram considerados uma “ameaça à segurança” por conta da sua suposta “falta de estabilidade emocional” e da “fraqueza de sua fibra moral” e, portanto, deveriam ser expurgados do governo dos Estados Unidos. Nesse contexto de opressão e repressão, pessoas LGBT eram forçadas a esconder sua orientação sexual e/ou identidade de gênero.

Curiosamente, a primeira organização a defender os direitos homossexuais (se não contarmos a Sociedade de Chicago para os Direitos Humanos, que durou apenas alguns meses em 1924) foi fundada por um comunista: Harry Hay, em 1950, e se chamava Sociedade Mattachine. Essa organização foi a primeira do que se chamou, na época, de movimento “homófilo”.2

No entanto, o Partido Comunista dos Estados Unidos (CPUSA, na sigla em inglês), do qual Hay fazia parte, não aceitava homossexuais e lésbicas como membros. A homofobia dentro do CPUSA foi resultado dos atos vergonhosos de Stalin e seu grupo que esteve no poder na URSS, que criminalizou a homossexualidade no país em 1934, após ela ter sido descriminalizada em 1922 sob o governo de Lênin e Trotsky. A homofobia se espalhou pelos partidos comunistas ao redor do mundo.

A luta pela libertação LGBT já havia começado muito antes de Stonewall, mas os motins foram um ponto de virada / Imagem: Flickr, QZAP

Nessa situação, na qual Hay tinha a firme intenção de continuar seu ativismo gay enquanto o CPUSA se recusava a aceitar homossexuais e lésbicas no Partido, Hay propôs sua própria expulsão. Ele explicou:

“Como homossexuais estão proibidos de serem membros oficiais, de acordo com a constituição do Partido, acredito que os membros da Califórnia que conhecem a minha atuação saberiam que nunca prejudiquei a segurança do Partido. Mas, caso esse assunto seja veiculado no Mundo Popular ou Trabalhador Diário, membros de outros estados podem sentir que o Partido não tomou o cuidado necessário em relação à segurança de seus membros. Acredito que a proposta da minha expulsão pode exonerar o Partido da Califórnia aos olhos deles, e esse é o ponto mais importante.”

Hay foi, então, expulso.

Assim, os comunistas norte-americanos perderam uma chance de ouro de estar na vanguarda do movimento de libertação LGBT. Dessa forma, podemos enxergar o imensurável mal que a degeneração stalinista fez ao movimento comunista. Não é preciso dizer que a homofobia dos stalinistas não tem relação nenhuma com o que os verdadeiros marxistas defendem.

A Sociedade Mattachine foi a principal organização lutando pelos direitos homossexuais durante os anos 1950. Em 1955, as Filhas de Bilitis3 foram criadas. Era uma organização menos radical que a Mattachine e funcionava mais como um grupo de apoio para lésbicas. Ambas as organizações permaneceram às margens da sociedade; ao final dos anos 1950, a Mattachine tinha 230 membros, enquanto as Filhas de Bilitis, 110.

Como em qualquer movimento de emancipação dos oprimidos, um embate de ideias, perspectivas e métodos foi travado. O movimento de libertação gay4 não foi exceção. Alguns defendiam métodos radicais, enquanto outros buscavam convencer políticos liberais e “especialistas” no campo. Em última análise, isso reflete diferentes perspectivas de classe dentro do movimento.

Sempre houve uma camada do movimento que desejava mantê-lo dentro de canais “seguros”, ou seja, impedir que o movimento fosse “longe demais” e desafiasse o sistema capitalista como um todo, além de seus representantes políticos. Alguns não queriam um movimento de massas de maneira nenhuma. Por exemplo, Curtis Dewees, da Mattachine Nova York, propôs que o movimento fosse orientado “por pilares dentro da comunidade”, sendo a razão que “indivíduos estrategicamente posicionados podem fazer mais para mudar a opinião pública durante a próxima década do que um número muito maior do que esse, de pessoas escolhidas aleatoriamente entre a sociedade”. Os eventos de Stonewall mostrariam quão errada essa perspectiva estava, porque centenas de pessoas “escolhidas aleatoriamente entre a sociedade” mudariam o curso da história mais rapidamente do que todos os políticos liberais juntos.

Os ativistas LGBT da época enfrentaram muitos obstáculos, o mais notável sendo a própria falta de participação de pessoas da comunidade. De fato, muitos homossexuais não queriam que as pessoas soubessem de sua orientação sexual. Eles tinham medo até mesmo de que os ativistas se vestissem com “roupas consideradas normais”, o que poderia levar à suspeita da homossexualidade daqueles que estavam dentro do armário. O argumento era: “Nós não queremos que as pessoas saibam que nós [nos parecemos com] todo mundo. Enquanto as pessoas pensarem que todos são uma ‘travesti que grita bastante’5 com cílios postiços, estamos seguros. Não estamos sob suspeita.” Novamente, a revolta de Stonewall contribuiria para mudar isso.

No momento da revolta de Stonewall, pessoas LGBT eram constantemente assediadas pela polícia. Ela se valia de uma armadilha: policiais se vestiam como civis e faziam avanços sexuais em homossexuais em um bar gay ou outros locais públicos. Se funcionasse, os policiais usariam isso como justificativa para prender essas pessoas. Entre 1959 e 1963, entre mil e 1.300 pessoas eram presas todos os anos na cidade de Nova York por “atividade homossexual”.

Bares gays eram, frequentemente, o único lugar em que pessoas LGBT podiam se sentir seguras. Mas nem os bares escapavam completamente da opressão. Batidas policiais em bares LGBT eram uma ocorrência rotineira. Durante essas batidas, os policiais prendiam pessoas que estivessem “travestidas”, o que era ilegal na época. Em 1959, a Autoridade Estadual de Licores fechou uma dúzia de bares em Nova York por servirem álcool a homossexuais, o que era ilegal à luz da legislação vigente. Apenas em 1966 seria permitido aos homossexuais dançar em público e receber bebidas alcoólicas.

Vendo uma oportunidade para expandir suas operações, a Máfia assumiu o controle da “indústria” dos bares gays — o Stonewall Inn era um de inúmeros bares controlados pela Máfia. Esses criminosos tiravam vantagem de seu domínio para servir drinks superfaturados e aguados, além de chantagear patronos6 que buscavam manter sua orientação sexual em segredo. A população homossexual foi uma imensa fonte de lucros para a Máfia na década de 1960. Nas batidas policiais, a Máfia em si não era perseguida; a polícia a avisava previamente, e a Máfia pagava oficiais corruptos para continuar suas operações.

No caso de Stonewall, sob o pretexto de combater a Máfia, a polícia tentou fechar o bar. A primeira batida ocorreu no dia 24 de junho de 1969, uma terça-feira, para reunir evidências contra os donos do bar. De acordo com Ronnie Di Brienza, que estava lá nesse momento, o sentimento geral era de que esse seria só mais um assédio rotineiro em forma de batida policial, durante a qual os policiais corruptos pediriam dinheiro à Máfia. Mas Ronnie notou que, durante três dias, a frustração era claramente sentida na comunidade: “Predominantemente, o tema era ‘Essa merda precisa parar!’”

Então, logo cedo, na manhã de sábado, 28 de junho, os policiais fizeram uma segunda batida no Stonewall Inn. As pessoas com roupas que não estivessem de acordo com seu gênero foram colocadas juntas, para serem “examinadas” no banheiro — um procedimento humilhante, feito para verificar se estariam violando a lei reacionária. Mas a operação não saiu como o planejado. Dessa vez, os presentes se recusaram a colaborar com a polícia. Os patronos que estavam saindo do bar, em vez de se retirarem discretamente como normalmente fariam, começaram a se juntar na entrada para ver o que estava acontecendo com seus amigos lá dentro.

Enquanto empregados e “travestidos” estavam sendo colocados em uma viatura, a multidão começou a vaiar e zombar da polícia. Uma mulher lésbica foi empurrada para fora do bar e jogada em um carro policial. Ela escapou duas vezes, e foi relatado que gritou para a multidão: “Por que vocês não fazem nada?” Então, quando foi violentamente jogada novamente no carro, as pessoas presentes começaram a gritar “Brutalidade policial! Porcos!” para os policiais. A revolta havia começado.

A multidão passou a insultar a polícia, jogando moedas, garrafas e até mesmo paralelepípedos nos agentes. Depois de décadas de humilhação, opressão e exploração, essas pessoas estavam finalmente direcionando toda a sua raiva acumulada contra a polícia.

Os policiais foram forçados a recuar e se proteger dentro do próprio Stonewall Inn, enquanto recebiam uma chuva de garrafas vazias. Uma participante disse: “No movimento pelos direitos civis, nós fugíamos da polícia; no movimento pela paz, nós fugíamos da polícia. Naquela noite, a polícia correu de nós — os mais desprezíveis entre os desprezíveis.” As pessoas LGBT presentes naquela noite desfizeram o mito tão consagrado que as apresentava como fracas, vulneráveis e passivas. Elas gritavam “Gay power!” e “Queremos liberdade!” para os policiais chocados e assustados. Somente a chegada da tropa de choque permitiu às forças de repressão encerrar essa noite histórica.

No dia seguinte, as notícias da revolta se espalharam como fogo. Nas tábuas de madeira preta que substituíam as janelas quebradas do Stonewall Inn, slogans foram escritos com giz: “Apoie o Poder Gay – Vamos lá, garotas!”, “Eles querem que lutemos pelo nosso país, mas invadem nossos direitos”, e “Proibição Gay + Polícia Corrupta$ = Máfia Alimentada”. Naquela noite, um encontro espontâneo ocorreu em frente ao Stonewall Inn. Cerca de 2 mil pessoas se reuniram e entoaram os mesmos slogans da noite anterior, entre outros como: “A Rua Christopher pertence às rainhas!”7 e “Igualdade para homossexuais!” A manifestação gerou um novo confronto com a polícia, e novamente foi necessário o reforço da tropa de choque para encerrá-la.

Manifestação da Frente de Libertação Gay (GLF) / Imagem: Biblioteca da LSE

As revoltas de Stonewall são lembradas hoje porque marcaram o momento em que a comunidade disse “chega!” Nas palavras de um dos participantes: “Temos sido assediados por não fazer nada além de nos divertir, sem machucar ninguém. Pois bem, a ‘revolta gay’ significa que não vamos mais ficar aguentando.”

A revolta imediatamente espalhou uma onda de ativismo gay sem precedentes. Após a revolta, a camada de ativistas da Sociedade Mattachine de Nova York (SMNY) radicalizou os eventos, com o objetivo de tornar o movimento mais militante e aliado ao restante da esquerda que lutava contra a opressão do povo negro e a Guerra do Vietnã. Um comitê de ação se formou dentro da SMNY, e membros das Filhas de Bilitis decidiram participar. Mas esse comitê rapidamente entrou em conflito com a liderança mais conservadora da organização, especialmente com Dick Leitsch. Em uma reunião acalorada da SMNY, um participante relembra que Leitsch afirmou que queria que o movimento “se contivesse em favor do poder já estabelecido.” Um debate intenso se seguiu, durante o qual Leitsch foi interrompido por um ativista que disse:

“Todos os oprimidos têm que se unir! O sistema nos mantém fracos enquanto nos mantém separados.”

Mais tarde, a ala conservadora ainda decidiu se opor a uma manifestação de comemoração da revolta, argumentando que uma exibição de “poder LGBT” nesse nível arriscaria criar antagonismo com seus aliados liberais que estavam no governo da cidade! Sem dúvidas, hoje existem elementos semelhantes no movimento LGBT que desejam manter as manifestações da Marcha do Orgulho — e do movimento em geral — dentro de canais que sejam seguros para o status quo.

Ao final, o comitê de ação formou uma organização à parte: a Frente de Libertação Gay. Em um artigo publicado na revista Rat anunciando a fundação da FLG, em forma de entrevista, a resposta para a pergunta “O que é a Frente de Libertação Gay?” foi a seguinte:

“Nós somos um grupo revolucionário de homens e mulheres, formado com o entendimento de que a completa libertação sexual para todas as pessoas não pode existir sem que as instituições sociais existentes hoje sejam abolidas. Nós rejeitamos a tentativa da sociedade de impor papéis sexuais e definições para a nossa natureza…

Nós, como todos os demais, somos tratados como mercadorias. Nos dizem o que sentir, o que pensar… Nós nos identificamos com todos os oprimidos: a luta vietnamita, o Terceiro Mundo, os negros, os trabalhadores… todos esses oprimidos por esse sistema capitalista conspiratório, podre, nojento, vil, fodido.”

Essa radicalização à esquerda dentro do movimento LGBT não foi um acidente. Camadas inteiras da sociedade dos Estados Unidos, especialmente a juventude, estavam chegando à conclusão de que o capitalismo e as diferentes formas de opressão estão conectadas, e de que é necessário combater o capitalismo para libertar os oprimidos. Organizações semelhantes à FLG se formaram em outros países, como Inglaterra, Canadá, França, Itália etc. A FLG nos EUA teve vida curta, encerrando suas atividades em 1972. De qualquer forma, seu chamado para unir a luta das pessoas LGBT com os trabalhadores e os oprimidos em geral deve ser seguido hoje. Isso é o que os marxistas dos Estados Unidos procuram fazer!

A primeira comemoração da revolta de Stonewall foi realizada um ano depois, no dia 28 de junho de 1970. Para grande alegria dos organizadores, milhares de pessoas participaram da demonstração. Uma delas disse: “Esse foi o momento em que a porta do armário estava realmente se abrindo, e a comunidade LGBT, saindo para a luz.” A partir de então, a Marcha do Orgulho se tornaria uma tradição que continua até hoje. O ato heroico de milhares de pessoas lutando contra o Departamento de Polícia de Nova York (DPNY) foi o que deu o grande ímpeto para a luta de emancipação LGBT — não os truques parlamentares e a pressão gentil dos liberais. Foi isso que permitiu que a luta avançasse.

Infelizmente, desde então, a Marcha do Orgulho se afastou de suas raízes militantes. A demonstração anual, inicialmente realizada sob o slogan “Poder LGBT”, é hoje pouco mais que uma grande festa de rua, na qual políticos capitalistas como Justin Trudeau e Hillary Clinton se sentem bem-vindos. Até mesmo a polícia aparece nas manifestações, uniformizada, a mesma instituição que oprimia pessoas LGBT em Stonewall anos antes e que continua a fazê-lo até hoje. Neste ano, sentindo uma oportunidade de melhorar sua imagem, o DPNY cinicamente pediu desculpas por como tratou a população LGBT na época!

A corporativização do Orgulho também aumenta a cada ano. Grandes empresas patrocinam a marcha, e grandes bancos acrescentam arco-íris a seus logotipos. Em 2017, a Marcha do Orgulho de Nova York teve nada menos que 61 patrocinadores! A Witeck Communications, uma firma de comunicação especializada no público LGBT, calculou, em 2016, que o poder de compra dessa população, nos Estados Unidos, era de US$ 1 trilhão. Eis aí o interesse material dessas empresas em patrocinar e cooptar a Marcha do Orgulho.

Apesar da pura hipocrisia e da captura comercial do evento, a popularidade do Orgulho é, ainda assim, um testemunho admirável da mudança na opinião pública sobre a população LGBT. Enquanto, no passado, toda a sociedade burguesa era impregnada de profundos preconceitos homofóbicos, hoje muitos desses preconceitos diminuíram. Em 2004, 60% dos norte-americanos eram contrários ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Hoje, 61% são a favor. Que mudança memorável!

A luta pela igualdade deve estar vinculada a um programa de combate ao capitalismo e de defesa do socialismo / Imagem: Rhododendrites

A marcha em busca de igualdade tem sido extenuante, e os ganhos para as pessoas LGBT demoraram penosamente a chegar. Tivemos que esperar até 2003 para que todas as leis anti-sodomia fossem derrubadas pela Suprema Corte dos Estados Unidos, e até 2015 para que o casamento entre pessoas do mesmo sexo fosse legalizado em todo o país. Além disso, a luta está longe de acabar. Apesar de tantos direitos formais terem sido conquistados, pessoas LGBT continuam sendo um dos setores mais oprimidos da sociedade.

De acordo com um estudo de 2017, pessoas LGBT têm 120% mais chances de viverem em situação de rua do que heterossexuais. E há mais: segundo o relatório da GLSEN de 2017, 70,1% dos estudantes LGBT já sofreram assédio verbal na escola, baseado em sua orientação sexual. Pela primeira vez desde 2007, a vitimização escolar com base na expressão de gênero e orientação sexual permaneceu estável ou aumentou. De acordo com o Instituto Williams, pessoas LGBT enfrentam uma taxa de desemprego praticamente o dobro da registrada entre indivíduos não LGBT, e a porcentagem dos que sofrem de “insegurança alimentar” é de 27% entre LGBTs, contra 15% entre não LGBTs. Dados coletados pelo FBI e publicados em 2016 mostram que pessoas LGBT têm mais chances de serem vítimas de crimes de ódio do que qualquer outra minoria.

Como diz o ditado popular: “você não pode comer democracia” (you can’t eat democracy). Ainda que muitos direitos democráticos tenham sido conquistados, pessoas LGBT ainda enfrentam barreiras imensas na busca por igualdade econômica e social.

Até mesmo os avanços do passado estão sob ameaça. Isso é evidente sob a administração Trump, que implementou severas medidas de opressão contra LGBTs — especialmente pessoas trans. Por exemplo, Trump proibiu pessoas trans de servirem nas forças armadas e removeu a proteção federal para estudantes trans, que lhes permitia usar o banheiro correspondente à sua identidade de gênero. Em maio deste ano, Trump anunciou uma nova norma que permite a abrigos financiados pelo governo federal negarem admissões com base em convicções religiosas, ou forçarem mulheres trans a dividir banheiros e dormitórios com homens. Além disso, ele propôs deixar de considerar identidade de gênero como forma de discriminação sexual. Isso permitiria, por exemplo, que profissionais da saúde se recusassem a realizar procedimentos como cirurgias de redesignação sexual. Todos esses ataques desprezíveis são provas de que, enquanto o capitalismo reinar, nossos direitos básicos jamais estarão garantidos.

Hoje, o movimento precisa reviver o espírito radical da revolta de Stonewall. Muitas pessoas estão enojadas com a hipocrisia de políticos capitalistas que desfilam na Marcha do Orgulho, enquanto seguem impondo medidas de austeridade ou ignoram as desigualdades enfrentadas pela população LGBT. Essas pessoas estão igualmente revoltadas com a presença de policiais e grandes corporações que exploram a todos nós. Na luta pela emancipação, não podemos contar com ninguém que represente essas instituições burguesas.

Hoje, mais do que nunca, a luta por igualdade deve estar conectada a um programa de combate ao capitalismo e defesa do socialismo. O movimento dos trabalhadores deve incorporar a luta pelos direitos LGBT e uni-la à transformação radical da sociedade. Ao expropriar o 1% mais rico, poderemos utilizar os imensos recursos escondidos em suas contas bancárias para satisfazer as necessidades de todos. Quando a capacidade produtiva da sociedade estiver nas mãos da classe trabalhadora como um todo, poderemos oferecer salários dignos, moradia, saúde, educação e condições decentes para todos.

O controle democrático dos locais de trabalho e das escolas nos permitiria combater a discriminação e os preconceitos, estabelecendo que todas as pessoas que ensinam e lideram devem prestar contas e agir com responsabilidade. Grupos LGBT teriam garantidos os recursos necessários para atender às necessidades específicas dessa população. Como explicou a Frente de Libertação Gay: “a completa libertação sexual para todas as pessoas não pode acontecer a não ser que as instituições sociais existentes sejam abolidas.” E nós acrescentaríamos: até que sejam substituídas por um governo dos trabalhadores, socialista.

TRADUÇÃO DE DAVI FRANCO.

Ann Bausum, Stonewall: Breaking Out in the Fight for Gay Rights. Penguin, New York, 2015.

David Carter, Stonewall: The Riots that Sparked the Gay Revolution. St. Martin’s Griffin, New York, 2010.

David Eisenbach, Gay Power: An American Revolution. Carroll & Graf, New York, 2006.

Os três livros acima não têm versões em português. Por isso seus títulos estão como os originais, em inglês.

  1. O termo tem suas origens no período da história dos Estados Unidos conhecido como Segunda Ameaça Vermelha, que durou de 1950 a 1957 e foi caracterizado por uma acentuada repressão política aos comunistas, bem como por uma campanha de medo quanto à sua influência nas instituições estadunidenses e à espionagem por agentes da União Soviética. ↩︎
  2. Na morfologia botânica, significa a presença de folhas iguais, em forma e tamanho, nas diversas regiões de uma planta. ↩︎
  3. Filha de Bilitis é um nome que faz referência a “Songs of Bilitis”, uma coleção de poesia com temática lésbica, sobre uma personagem, Bilitis, contemporânea de Safo na ilha grega de Lesbos. ↩︎
  4. Nos Estados Unidos, é comum utilizar “gay” como um termo geral para se referir a pessoas LGBT. No Brasil, isso não encontra qualquer eco. ↩︎
  5. Um termo muito utilizado no movimento LGBT dos EUA é “queen”. Aqui, foi traduzido para “travesti”, mas não é exatamente essa a definição. Queens em geral se referem a homens que se vestiam de mulheres, sem necessariamente assumir a identidade feminina, mas que se sentiam confortáveis nessas roupas. ↩︎
  6. Patronos definem homens mais velhos, que buscavam se relacionar com homens mais novos de maneira discreta. Em geral, eles tinham certa estabilidade financeira, e procuravam manter sua orientação sexual em segredo – por isso a enorme surpresa de os patronos não terem sumido rapidamente quando a Revolta começou. ↩︎
  7. No original, em inglês, a rua pertence às “queens”. ↩︎