No quarto capítulo do livro sobre Ted Grant, Alan Woods destaca a defesa do Marxismo de Ted nos difíceis anos depois da Segunda Guerra Mundial.
Os ecléticos vivem através de pensamentos episódicos e improvisações que se originam sob o impacto dos acontecimentos. Os quadros Marxistas capazes de dirigir a revolução proletária são treinados apenas pela obra contínua e sucessiva dos problemas e conflitos (Trotsky, What Next for the German Revolution? 1932).
Como um cão retornando ao seu vômito, assim um tolo repete sua tolice (Provérbios 26:11).
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[No quarto capítulo do livro sobre Ted Grant, Alan Woods destaca a defesa do Marxismo de Ted nos difíceis anos depois da Segunda Guerra Mundial].
Os ecléticos vivem através de pensamentos episódicos e improvisações que se originam sob o impacto dos acontecimentos. Os quadros Marxistas capazes de dirigir a revolução proletária são treinados apenas pela obra contínua e sucessiva dos problemas e conflitos (Trotsky, What Next for the German Revolution? 1932).
Como um cão retornando ao seu vômito, assim um tolo repete sua tolice (Provérbios 26:11).
A URSS e a guerra
O final da guerra confrontou o PCR e a Quarta Internacional a uma situação totalmente nova, a qual não havia sido prevista por Trotsky. O resultado da Segunda Guerra Mundial foi diferente do que previu Trotsky em 1938. A guerra na Europa foi resolvida em grande parte como uma guerra entre a Rússia estalinista e o nazismo alemão. O imperialismo anglo-americano calculou completamente mal a perspectiva quando apostou que a Rússia seria derrotada pela Alemanha.
“A guerra se desenvolveu em linhas diferentes daquelas que até mesmo os maiores gênios teóricos poderiam esperar”, disse Ted em muitas ocasiões. Mas Trotsky não foi o único a errar. As perspectivas de Roosevelt, Churchill, Stalin e Hitler estavam ainda mais equivocadas.
Hitler pensou que poderia obter uma vitória rápida e fácil na Rússia. Em parte, ele estava intoxicado pela velocidade de sua vitória na França. Mas o principal fator que o convenceu foi a destruição em massa dos quadros do Exército Vermelho nos expurgos de Stalin. Isto recebeu mais uma confirmação com o fraco desempenho do Exército Vermelho na campanha Finlandesa de 1939-40. Ele desfez as objeções de seus generais, que pensavam que a Alemanha não poderia lutar uma guerra de duas frentes, dizendo: “Eles não têm bons generais”.
Trotsky temia que a União Soviética pudesse ser derrotada como resultado das políticas de Stalin. Isto sucedeu quase no início da guerra, quando milhões de soldados soviéticos foram cercados, capturado e enviado aos campos de morte onde pereceram de fome e maus-tratos. Os erros de Stalin permitiram aos exércitos de Hitler avançar até os arredores de Moscou.
Isto convenceu não só a Hitler, como também a Churchill, de que a União Soviética seria derrotada em questão de semanas. Mas as coisas aconteceram de forma muito diferente. Ted disse que, em parte, isto se deveu à natureza peculiar do fascismo alemão. A ideia de superioridade racial é comum a todas as nações imperialistas. O fascismo é apenas a essência destilada do imperialismo. Mas neste caso, a essência destilada teve um caráter particularmente venenoso.
Racista demente, Hitler via a Rússia como uma terra que devia ser ocupada pela raça superior alemã. O povo soviético era apenas eslavos inferiores, “untermenschen” subumanos, governados por “judeus bolcheviques”. Não esperava que eles lutassem seriamente. “Tudo o que temos a fazer é chutar a porta e todo o edifício podre vai desmoronar”, disse ele.
O tratamento desumano da população soviética, os massacres, pogroms e inumeráveis atrocidades galvanizaram imediatamente a população contra os invasores, não apenas a classe trabalhadora como também a maioria dos camponeses. Este foi um fator importante, como Ted assinalou: “Trotsky escreveu que para a URSS o maior perigo não eram os canhões e tanques do inimigo, mas as mercadorias baratas que eles iriam trazer em sua bagagem. Contudo, os exércitos de Hitler não traziam mercadorias baratas, mas câmaras de gás”. E acrescentou: “Se em vez do exército alemão, a Rússia tivesse sido invadida pelos americanos, as coisas poderiam ter sido diferentes”.
Frequentemente se diz que o ponto de virada foi a Batalha de Stalingrado, onde cerca de 800 mil soldados alemães e do Eixo foram ou mortos ou capturados, incluindo todo o Sexto Exército Alemão e seu comandante em chefe. Este foi um golpe demolidor para Hitler. Em comparação, a vitória britânica na Batalha de El Alamein foi um assunto insignificante.
No entanto, Ted sempre disse que a Batalha de Kursk, em julho e agosto de 1943, foi realmente a batalha decisiva da Segunda Guerra Mundial. “Esta foi a maior batalha de tanques da história”, disse ele. Os alemães tinham cerca de 3 mil tanques e canhões de assalto, 2.110 aviões e 435 mil homens. Foi uma das maiores concentrações de poder de combate alemão jamais reunido. Mas não foi suficiente.
O Exército Vermelho arrancou as tripas da Wehrmacht. Os alemães sofreram perdas irrecuperáveis e se puseram em fuga. No final, os soviéticos derrotaram os invasores alemães e avançaram ao coração da Europa, no que Ted descreveu como o maior avanço militar de toda a história. “A principal razão para a vitória da União Soviética foi a economia nacionalizada e planificada”, explicou ele muitas vezes. “Os russos foram capazes de desmontar todas suas indústrias no Ocidente – 1.500 fábricas – coloca-las em vagões de trem e enviá-las ao leste dos Urais onde estavam fora do alcance dos alemães. Em questão de meses, a União Soviética estava superando os alemães na produção de tanques, canhões e aviões”.
Alarmados com o rápido avanço do Exército Vermelho, que varria tudo a sua frente, Churchill e Roosevelt se apressaram a abrir uma segunda frente na Europa, depois de arrastar seus pés durante dois anos, esperando a União Soviética ser derrotada. “Se eles não tivessem organizado o desembarque na Normandia em 1944, teriam encontrado o Exército Vermelho, não no meio da Alemanha, mas no Canal Inglês”, disse Ted.
Ted não se cansava de elogiar o espírito de luta e as proezas militares do Exército Vermelho, e a coragem dos trabalhadores e camponeses soviéticos que foram bem sucedidos em derrotar os exércitos de Hitler, a despeito de todos os recursos da Europa à sua disposição. Sempre falava disso com o maior entusiasmo, como se fosse uma vitória pessoal, tão plenamente ele se identificava com a terra de Outubro, seu povo, suas vitórias e seus sofrimentos.
Esta grande vitória, apesar de toda a mitologia subsequentemente criada sobre Stalin como o “Grande Líder da Guerra”, foi apesar de Stalin e da burocracia. Eles tinham levado a União Soviética à beira da catástrofe. Basta um exemplo para mostrar isto. Ted disse:
“Tukhachevsky, o herói da guerra civil, era um gênio militar. Foi o primeiro a entender que a Segunda Guerra Mundial seria lutada com tanques e aviões. Suas teorias foram efetivamente postas em prática pelos alemães com sua Blitzkrieg [guerra relâmpago]. Em contraste, os estrategistas britânicos e franceses ainda trabalhavam com o pressuposto de que a próxima guerra seria baseada, como a Primeira Guerra Mundial, na guerra de trincheiras. O fracasso desta estratégia foi imediatamente exposto em 1940, com o fiasco da Linha Maginot. Entretanto, Stalin substituiu Tukhachevsky por homens como Budyonny que acreditava que a Segunda Guerra Mundial seria lutada com cavalaria”.
Somente a determinação sobre-humana dos trabalhadores e soldados soviéticos para defender a URSS e as conquistas da Revolução de Outubro, e a notável superioridade da economia nacionalizada e planificada salvaram a situação. No entanto, a despeito de todos os seus crimes e erros, foram Stalin e a burocracia os que mais ganharam com a vitória da URSS na guerra. Longe de ser socavada pela guerra, a burocracia estalinista emergiu enormemente fortalecida. Sua autoridade e prestígio foram impulsionados e o regime se habilitou para sobreviver durante longas décadas. A histórica vitória do Exército Vermelho mudou fundamentalmente o equilíbrio de forças na Europa e em escala mundial.
Além disso, o domínio da burocracia de Moscou sobre os Partidos Comunistas da Europa e do mundo era mais forte do que nunca. E para a Quarta Internacional, o caminho aos trabalhadores comunistas estava fechado. Isto teve consequências muito sérias para as perspectivas de revolução socialista na Europa.
A guerra estava se movendo inexoravelmente para o seu término. Os trabalhadores retornavam dos campos de batalha determinados a nunca mais retornarem à pobreza e ao desemprego em massa do período pré-guerra. Estavam confiantes e militantes – e ainda portavam armas. Na eleição geral de 1945, os Trabalhistas chegaram ao poder com uma grande maioria. Churchill foi humilhado. Os recém-eleitos deputados trabalhistas, exaltados pelo êxito, cantaram a Red Flag [canção “Bandeira Vermelha”] na Mãe dos Parlamentos. Alarmado, Churchill exigiu a desmobilização imediata do exército. Quando isto foi feito, ele em seguida lançou uma campanha contra os Trabalhistas por deixarem o país desarmado. Havia uma comoção geral na sociedade, mas os beneficiários foram os líderes trabalhistas, que estavam cumprindo com suas promessas de reformas, e não a Quarta Internacional.
Conflitos com a liderança da Internacional
Ted estava sempre em conflito com os chamados líderes da Quarta Internacional. Sua colossal admiração pelo Velho era igualada por sua pobre opinião sobre estas pessoas, que ele via como epígonos de Trotsky. Uma vez ele me disse: “Pensamos que pelo menos estas pessoas poderiam ser o adubo do futuro, mas não eram sequer isto”. Lembrou o que Marx e Engels escreveram em A Ideologia Alemã: “Quanta razão tinha Heine quando disse a respeito de seus imitadores: ‘Semeei dentes de dragão e colhi pulgas’”.
O próprio Trotsky duvidava do calibre dos líderes de seu próprio movimento. A velha geração de quadros bolcheviques havia sido dizimada por Stalin. Um a um, ou foram assassinados ou capitularam perante Stalin. O velho amigo e camarada de armas de Trotsky, o destacado Marxista balcânico, Christian Rakovsky, foi o último a romper sob pressão insuportável. Este foi um golpe terrível para Trotsky. Depois que Rakovsky capitulou, ele se sentiu completamente só, no sentido de que não havia mais ninguém com quem trocar ideias e discutir os problemas.
Em seu Diário do Exílio, escrito em 1935, ele escreveu:
“Rakovsky era praticamente meu último contato com a velha geração revolucionária. Depois de sua capitulação, não ficou mais ninguém. Apesar de que minha correspondência com Rakovsky tenha se detido por razões de censura, no momento de minha deportação, no entanto a imagem de Rakovsky permaneceu como uma ligação simbólica com meus velhos camaradas de armas. Agora, não ficou mais ninguém. Durante muito tempo não pude satisfazer minha necessidade de trocar ideias e discutir os problemas com mais alguém. Estou reduzido a dialogar com os jornais, ou melhor através dos jornais, com os fatos e as opiniões” (Trotsky, Diário do Exílio, 1935, p. 53).
Trotsky não tinha ilusões sobre os líderes do movimento Trotskista, como seus comentários anteriormente citados a Fred Zeller mostram claramente. Ele colocava todas suas esperanças na nova geração que seria forjada no fogo dos acontecimentos. Mas os acontecimentos ocorreram de modo diferente do que ele havia previsto.
Durante a guerra, o SWP (nos EUA) e a WIL/RCP (na Grã-Bretanha) foram os principais grupos capazes de manter uma estrutura legal. A oposição na URSS havia sido liquidada há muito; as seções europeias eram incapazes de manter contato regular, se é que houve algum, durante a guerra, e apenas sobreviviam. O SWP se tornou o principal ponto de referência depois da morte de Trotsky, mas as estruturas do SI (Secretariado Internacional) da Quarta eram quase inexistentes e dependiam do dinheiro de SWP.
Cannon, até onde sei, não estava diretamente envolvido no Secretariado Internacional, mas naturalmente era considerado como um político peso-pesado. Seus contatos com Trotsky lhe deram grande autoridade aos olhos das seções da Quarta, que tendiam a olhar para os camaradas americanos em busca de orientação e inspiração.
Isto foi reforçado durante o famoso julgamento dos 28 membros de SWP e do Sindicato dos Condutores de Caminhoneiros, que tinha começado em 27 de outubro de 1941. Dezoito foram considerados culpados de “defender a conveniência de se derrubar o governo através da força e da violência”, o que resultou na prisão de Cannon e outros líderes da SWP. A WIL, apesar de se manter oficialmente fora da Internacional, reproduzia regularmente material e notícias da SWP americana.
O surgimento do Secretariado Europeu perto do final da guerra logo mudou o centro de gravidade da Quarta para a Europa. Em fevereiro de 1944, uma Conferência Europeia da Quarta Internacional nomeou um novo Secretariado Europeu e elegeu Michel Raptis, um Trotskista grego que vivia na França, como o secretário organizacional de seu bureau europeu. Ele ficou mais conhecido como Michel Pablo.
Entre os novos líderes europeus estava Pierre Frank. Ele tinha desempenhado um papel muito ruim antes da guerra na seção francesa, quando era membro da facção do aventureiro Raymond Molinier e foi expulso. Quando, em 1940, Frank e Molinier tentavam voltar à Quarta Internacional escreveram a Trotsky, que estava extremamente cético em permitir a volta deles. “Sou dez vezes mais cauteloso do que antes. Infelizmente sua carta não dissipa minhas dúvidas”, escreveu ele em 1 de julho de 1940. Isto foi escrito a menos de dois meses antes de sua morte.
Era muito incomum para o Velho dizer tais coisas sobre qualquer pessoa e isto mostrava sua completa desconfiança em relação a Frank. Mas Trotsky não estava presente para levantar objeções. Apesar dos receios de Trotsky, Frank voltou à Internacional juntando-se à reunificada seção francesa, e logo se tornando delegado à conferência internacional de 1946. Ali foi não somente aceito de volta sem qualquer questionamento, como também lhe foi dada uma posição de liderança no SI. Mais tarde, trataram de ocultar os passados enfrentamentos de Frank com Trotsky. Em seu obituário de Frank, Mandel sequer os menciona. O mesmo ocorre com a chamada história da Quarta de Frank (The Fourth International: The Long March of the Trotskysts). Dessa forma, a história da Quarta Internacional tem sido sistematicamente reescrita e falsificada.
Pablo, Frank, Mandel e outros líderes tinham uma perspectiva totalmente falsa, que foi partilhada por Cannon e o SWP. Pouco antes de sua morte, entrevistei Ted e lhe perguntei qual era a base dos desacordos. Ele respondeu da seguinte forma:
“Havia toda uma série de divergências de caráter fundamental. Depois da morte do Velho, os dirigentes da Quarta Internacional estavam completamente por fora de sua profundidade. Mandel, Pablo, Frank, Hansen e os outros tinham uma posição totalmente ultra esquerdista. Eles repetiam o que Trotsky tinha dito em 1938 sem entender o método de Trotsky. Em consequência confundiram tudo.
“A razão disto era sua incapacidade de entender que a Segunda Guerra Mundial se desenvolveu de uma forma que não foi prevista por Trotsky em 1938. Isto não poderia ser previsto nem pelos maiores Marxistas. Não somente Trotsky, como também Hitler, Churchill, Roosevelt e Stalin não haviam previsto o que aconteceu. A Segunda Guerra Mundial na Europa foi na verdade uma gigantesca batalha entre o Exército Vermelho e Hitler, com os recursos de toda a Europa por trás deste último. A vitória da URSS fortaleceu o estalinismo por todo um período histórico. Ao mesmo tempo, os reformistas e os estalinistas salvaram o capitalismo na Europa.
“Isto forneceu as bases para uma recuperação do capitalismo que se desenvolveu mais tarde em um enorme crescimento econômico. Isto significou que as forças do Trotskismo estavam em posição difícil, porque o reformismo e o estalinismo foram fortalecidos. As ilusões no estalinismo foram ainda mais fortalecidas com a vitória da Revolução Chinesa em 1949, e com derrubada do capitalismo na Europa Oriental, embora de forma destorcida e burocrática.
“Por outro lado, o caminho aos trabalhadores reformistas também estava fechado para nós. O crescimento econômico permitiu que os dirigentes reformistas realizassem reformas de longo alcance. O governo trabalhista na Grã-Bretanha foi o único governo trabalhista na história que verdadeiramente realizou o seu programa. Havia enormes ilusões entre os trabalhadores. Estávamos isolados” (The Theoretical origins of the degeneration of the Fourth, Entrevista com Ted Grant, Outubro de 2004).
A liderança da seção britânica da Quarta Internacional (o Partido Comunista Revolucionário) tinha já concluído que devido a esses desenvolvimentos, as perspectivas que Trotsky tinha delineado em 1938 tinham sido frustradas pela história. Era necessária a elaboração de uma nova perspectiva, levando em consideração todos esses desenvolvimentos. O PRC britânico não concordou com a ideia de que o capitalismo estava indo imediatamente para uma profunda depressão, e afirmou que uma recuperação na economia já estava em andamento. Mas os chamados líderes da Quarta estavam cego para tudo isto.
Os camaradas britânicos obtiveram certo eco, mas os líderes tinham a maioria. Eles não gostavam do PCR porque os líderes britânicos pensavam por si mesmos e não tolerariam nenhuma brincadeira com eles. Ted disse: “Eles nunca poderiam nos vencer em uma argumentação política, então recorreram a intrigas e manobras organizacionais contra nós. Isto é a morte para uma organização revolucionária”.
Conflitos no SWP
Um furioso conflito irrompeu no SWP americano sobre a política a ser adotada em relação à revolução europeia. Foi uma luta entre os seguidores de James Cannon e uma minoria liderada por Felix Morrow, o autor de um livro muito bom, Revolução e Contrarrevolução na Espanha. Morrow formou um bloco com Albert Goldman que desafiou a liderança de Cannon sobre sua perspectiva para a Europa. Morrow explicava que ao invés de ditadura na Europa, apoiada pelas baionetas americanas, a burguesia se apoiaria nos estalinistas e nos reformistas para salvar a situação e introduzir um prolongado período de democracia burguesa.
Sob estas circunstâncias, Morrow sentia que o partido revolucionário necessitaria ressaltar as demandas democráticas e transicionais. Embora Morrow e Goldman certamente tivessem realizado uma análise mais correta do que a liderança de SWP, criticando sua perspectiva de depressão imediata e guerra, e timidamente levantando a possiblidade de uma contrarrevolução sob forma democrática, sua ênfase exagerada nas demandas democráticas trazia uma grande dose de confusão. Como de costume, com Cannon, a batalha foi travada com medidas organizacionais e “sem tabus”.
Morrow havia sido removido como editor da revista mensal Quarta Internacional porque se recusou a permitir que ela fosse usada como veículo das opiniões de Cannon. Esta luta fracional foi transferida para o Secretariado Internacional. Os escritos e discursos de Morrow foram divulgados em boletins internos através da liderança de WIL/PCR. O PCR tinha alguma simpatia com eles em contraste às falsas perspectivas de Cannon. Desde 1943, Ted havia levantado a possibilidade de que os estalinistas e reformistas seriam capazes de desviar a revolução aos canais do frente-populismo. Ele havia previsto, dado o fracasso da onda revolucionária, a possibilidade de uma contrarrevolução sob forma democrática, que foi o que finalmente aconteceu.
Contudo, Ted e Haston não apoiaram todas as posições políticas de Morrow, particularmente sua ênfase exagerada sobre as demandas democráticas. Certamente não estavam envolvidos em um sentido fracional. Estavam mantendo a mente aberta aos argumentos, enquanto Cannon exigia apoio baseado na lealdade cega. Cannon, no entanto, estava convencido de que o PCR apoiava ativamente a facção de Morrow, e novamente manobrou contra a liderança britânica. Isso não era verdade, mas Cannon julgava a todos através de suas próprias normas e métodos. Então para ele era muito natural lançar e respaldar a facção de Gerry Healy contra a liderança da seção britânica.
Quando perguntei a Ted por que eles não apoiaram Morrow, que parecia ter uma melhor posição do que Cannon, ele meramente encolheu os ombros e disse que não concordavam com nenhum dos lados. Ele disse: “Eles tinham uma posição melhor do que a de Cannon e Hansen. Mas eles também cometeram alguns erros, por esta razão não os apoiamos. Mas Cannon acusou-nos de apoiá-los e de interferência nos assuntos internos do SWP. Isto era típico vindo de Cannon, que sempre tinha interferido nos assuntos da seção britânica!”.
Para dar uma ideia dos métodos através dos quais Cannon lidava com a oposição interna, cito trechos de um discurso feito por Cannon em outubro de 1945 sobre o chamado bloco de Morrow com o PRC. Ele disse:
“Você fala sobre o regime em nosso partido. Você tem um parceiro de bloco na Inglaterra chamado a liderança do PRC. Você sabe que espécie de regime eles têm? Jock Haston se levantou na última Conferência do PRC e defendeu Morrow e Goldman contra os métodos de Cannon…
“Este é o regime no PRC que está apoiando Goldman e Morrow contra nosso regime, e com quem formaram um bloco. Desafio-os a negar isto. Fale sobre falta de princípios. Você vai negar isto e provaremos isto porque temos a droga em vocês. Vocês estão ajudando Haston e [Ted] Grant a combater Healy agora. Vocês estão enviando cartas pessoais a Haston para ajudá-lo na luta contra Healy – para utilizar contra Healy. Vocês estão em um bloco e vocês já estão abertamente envergonhados disto, mas vamos expor este bloco e todo o resto disto. E vamos levar a luta ao campo internacional. Vão em frente e alinhem seu bloco. Vamos trabalhar com aquelas pessoas que acreditam nos mesmos princípios, no mesmo programa e nos métodos que utilizamos. E vamos lutar até o fim e ver o que acontece na Internacional” (7 de outubro de 1945, de Cannon, Writings and Speeches, 1945-47, p. 183).
Este discurso é suficiente para revelar o tom de intimidação de Cannon e sua forma de tratar os oponentes políticos. Morrow foi finalmente expulso do SWP em 1946 por “colaboração não autorizada” com os seguidores de Shachtman. Com o tempo ele se moveu à direita e abandonou a política. A mesma coisa aconteceu a Haston mais tarde. Pode-se dizer deles o que se supõe ter Lênin dito sobre Paul Levi: “Perdeu a cabeça. Mas tinha uma cabeça a perder”.
Sua conduta contrasta fortemente com a resistência e persistência de Ted na defesa e desenvolvimento da posição a despeito de todas as dificuldades. Mas as manobras da liderança da Quarta contra a liderança britânica continuaram incessantemente. Isto está documentado no forte protesto emitido pelo bureau político do PCR contra Stuart (Sam Gordon) e as ações e informes de Cooper [7].
Prognóstico equivocado de Trotsky
Por trás das questões superficiais de prestígio, pequenas ambições e rivalidade dentro da liderança da Quarta Internacional, havia diferenças políticas muito sérias, que logo vieram à tona. Quando Trotsky foi assassinado por um agente estalinista em 1940, as débeis forças da Quarta Internacional ficaram privadas de seu espírito de liderança. Os líderes não provados da Internacional mostraram-se abaixo das tarefas colocadas pela história. Dobraram-se sob a pressão e abandonaram as ideias e métodos do Velho, mas Ted Grant e seus camaradas da liderança do PCR na Grã-Bretanha foram os únicos capazes de reavaliar a situação.
Os cálculos de Trotsky mostraram-se corretos no sentido de que a Segunda Guerra Mundial seria sucedida por uma vaga revolucionária na Grécia, Itália, França e outros países, mas as massas permaneceram sob a influência dos Partidos Comunistas e, em alguns casos (Grã-Bretanha, Alemanha), da socialdemocracia. Os estalinistas e socialdemocratas foram bem sucedidos em desviar a revolução e salvar o capitalismo. Esta foi a premissa política para o auge econômico do pós-guerra. As razões do auge econômico do pós-guerra foram explicadas por Ted Grant de forma detalhada em Teremos uma Recessão? (1960). Aqui só podemos dar uma breve resenha daquelas razões.
Havia muitos fatores diferentes, como a reconstrução do pós-guerra, a descoberta de novas indústrias durante a guerra e, em certa medida, o aumento da participação do estado (“capitalismo de estado”) através do gasto armamentista, do financiamento do déficit e da nacionalização, o que, por um período temporário, mitigou parcialmente a contradição central da propriedade privada dos meios de produção.
No entanto, o principal fator que atuou como a força-motriz da economia mundial foi a expansão sem precedentes do comércio mundial. The Financial Times (16 de dezembro de 1993) assinalou: “Durante todo o período entre 1950 e 1991, o volume do total das exportações mundiais cresceu doze vezes, enquanto a produção mundial crescia seis vezes. Mais surpreendente ainda, o volume das exportações mundiais de manufaturas aumentou vinte e três vezes, parcialmente porque é onde se concentrou a liberalização do comércio, enquanto a produção crescia oito vezes”.
Estes números mostram com clareza como a rápida expansão do comércio mundial no período pós-guerra atuou como uma poderosa força-motriz que impulsionou o crescimento na produção. Este é o segredo do crescimento capitalista de 1948 a 1974. Significa que, durante todo um período histórico, o capitalismo foi capaz de superar parcialmente seu outro problema fundamental – a contradição entre a estreiteza do mercado nacional e a tendência dos meios de produção de se desenvolverem em escala global.
De um ponto de vista Marxista, este foi um desenvolvimento historicamente progressista, porque cria a base material para a sociedade socialista. O fortalecimento da classe trabalhadora e a compressão do campesinato na Europa Ocidental, no Japão e nos EUA também mudaram o equilíbrio de forças dentro da sociedade em benefício do proletariado.
A liderança da Quarta Internacional, por outro lado, não entendeu nada. Mandel, que se supunha ser um economista, negou rotundamente qualquer possibilidade de que a economia poderia reviver. Mais tarde, quando a realidade foi esculpida à frente de seu nariz, ele foi obrigado a rever sua opinião. Ele dedicou sua dissertação de PhD à teoria do “capitalismo tardio”, baseado na ideia de uma “terceira era” de desenvolvimento capitalista – uma completa capitulação ao Keynesianismo.
Mas em 1946, junto com Pablo, Cannon e todos os outros, ele tinha uma perspectiva de imediata recessão econômica, de guerra e revoluções, e de ditaduras bonapartistas por todas as partes. Chegaram a manter a posição de que a Segunda Guerra Mundial não havia terminado. Isto era totalmente equivocado e ultraesquerda. Ted previu um período de democracia burguesa na Europa, não o bonapartismo ou o fascismo, mas a contrarrevolução sob uma forma democrática, e instou à Quarta Internacional a tirar as conclusões e agir em consequência. Mas os líderes estavam surdos a todos estes argumentos e cometeram todos os erros imagináveis devido a isto.
Eles se limitaram a regurgitar as ideias expostas por Trotsky a partir de 1938, sem digeri-las e sem a menor compreensão de seu método. Estavam irremediavelmente desconectados de seu método. A Quarta Internacional se recusou a aceitar que a vaga revolucionária, por enquanto havia sido derrotada. Em vez disso, se refugiaram em um falso otimismo, em lugares comuns e generalizações sem sentido, como as que encontramos nas resoluções de abril de 1946:
“Sob estas condições, derrotas parciais como aquelas na Grécia, períodos temporários de retirada como na França e na Bélgica, não desmoralizam o proletariado. Pelo contrário, no curso das próximas lutas econômicas, o caráter traiçoeiro de seus líderes é mais uma vez revelado pelas experiências. A repetida demonstração da burguesia de sua incapacidade para restabelecer um regime econômico e político com mínima estabilidade oferece aos trabalhadores novas oportunidades para passar a estágios cada vez mais elevados de luta”.
“Por outro lado, o inchaço das fileiras das organizações tradicionais na Europa, acima de tudo dos partidos estalinistas, refletiu a primeira etapa de radicalização das massas e atingiu o seu pico em quase toda parte”. A fase de declínio está começando [8].
O partido revolucionário está acima de todas suas ideias, perspectivas, métodos e tradições. Com estas perspectivas completamente erradas, não admira que a Quarta Internacional tenha entrado em profunda crise. Se eles tivessem dado ouvidos aos camaradas britânicos, as coisas teriam sido diferentes. Ainda assim teríamos que lutar contra a corrente durante um longo período, mas teríamos preservado os quadros, mantido o movimento junto e preparado para novos avanços quando a situação começou a mudar, como mudou e está mudando agora.
A Conferência de 1946
Em abril de 1946, delegados das principais seções europeias e uma série de outros participaram de uma “Segunda Conferência Internacional”. Esta se dedicou à reconstrução do Secretariado Internacional da Quarta Internacional. Michel Raptis (Pablo) foi nomeado Secretário e Ernest Germaine, um intelectual belga cujo nome real era Ernest Mandel, começou a desempenhar um papel de liderança.
Embora fosse membro do IEC, Ted não pôde ir porque não tinha um passaporte britânico. Mas ele me admitiu que, de toda maneira, não estava particularmente entusiasmado em participar, “porque eu sabia como seria”, disse ele. O PCR apresentou uma série de emendas detalhadas ao Manifesto da Quarta Internacional, que foram escritas por Ted e defendidas em Paris por Jock Haston e Jimmy Deane.
Quando eles voltaram a Londres informaram que se tratava de uma mistura de ultra-esquerdismo e oportunismo. Ficaram amargamente decepcionados com os líderes da Quarta – Pablo, Mandel, Pierre Frank e outros. Ted já tinha se chocado com Frank em 1945, quando este compareceu ao congresso do PCR, onde defendeu a criação de facções em cada uma das questões, não importando sua insignificância. Ele não entendia nada sobre esta ou qualquer outra questão, como sabia Trotsky muito bem.
Nunca poderiam convencer, seja a um líder ou a membro das fileiras do PCR através de uma discussão democrática e argumentação política. Então usaram um fantoche para fazer o trabalho sujo para eles. Este era Gerry Healy. Não tinha nenhuma ideia própria, mas agia como um completo zumbi, executando as ordens de Paris e reunindo uma pequena camarilha em torno dele.
Healy sempre estava 101% por trás da liderança internacional. De fato, ele foi o “plabista” original, acompanhando completamente a linha de Pablo. Mas há uma lei que diz que se alguém apoia você 101% hoje, ele estará 101% contra você amanhã. Mais tarde, ele rompeu com Pablo e apoiou Cannon, até romper com este também. No final, ele se desentendeu com eles em todas as questões. É assim que acontece com essas pessoas.
É sempre uma questão política no final. Em 1946, a liderança da Quarta era politicamente ultra-esquerdista (embora estes tipos de ultra-esquerdismo sempre se combinem com elementos de oportunismo). Mais tarde se tornaram completamente oportunistas. Isto é o que acontece a pessoas que não tomam uma posição dialética. Estas pessoas começam dizendo que cada palavra de Trotsky estava correta, sem entender o método do Velho.
Um deles, Sam Gordon (pseudônimo Stuart), voltou à Grã-Bretanha em 1947, e os camaradas o desafiaram sobre o que Trotsky tinha escrito em 1938, quando ele disse que dentro de dez anos “não haveria pedra sobre pedra” das velhas internacionais (isto é, a socialdemocrata e a estalinista), e que a Quarta Internacional se tornaria a força decisiva no planeta. Ele replicou: “Sem problemas. Ainda falta um ano para isto”. Este era o alcance de sua compreensão. Mais tarde eles deram um salto mortal de 180 graus sobre suas cabeças e assumiram a posição oposta – que Trotsky estava completamente errado. Eles, é claro, terminaram numa posição completamente revisionista. O resultado foi um desastre completo.
Europa Oriental: a teoria Marxista do estado
Depois da guerra, Ted e os outros líderes do PCR reconsideraram a situação na Rússia. Como parte da discussão sobre a natureza de classe da União Soviética, eles inclusive consideraram as várias teorias do coletivismo burocrático, que tinham sido avançadas por pessoas como o trotskista estadunidense Max Shachtman, como uma possível explicação do que estava acontecendo na Rússia e na Europa Oriental.
Shachtman disse que a burocracia estalinista era uma nova classe e que a União Soviética era uma nova espécie de escravidão. Como resultado de cuidadosa análise, durante a qual Ted conscientemente releu os escritos básicos Marxistas sobre o estado, ele chegou à conclusão que a teoria estava errada e a rejeitou decididamente. Ted ficou firmemente do lado da análise de Trotsky da União Soviética, conforme descrita em obras como A Revolução Traída e Em defesa do Marxismo.
Ele defendeu a ideia de que a União Soviética era um estado deformado dos trabalhadores – um estado em que a propriedade privada e o capitalismo haviam sido abolidos, mas onde os trabalhadores não detinham o poder político. Antes (e depois) da guerra, Shachtman argumentava que a classe trabalhadora devia ser a proprietária do estado no período transicional, mas que isto não era o caso na Rússia de Stalin. Em um discurso feito por ele em 2000, Ted resumiu sua resposta a estes argumentos. Cito a partir das notas que fiz daquela reunião:
“É preciso ter cuidado antes de se inventar uma nova teoria. Primeiro devemos tentar explicar as coisas com base na velha teoria. As teorias de Trotsky resistiram ao teste do tempo. Não podemos simplesmente inventar uma nova classe. A ela deve ser dado um papel na produção. Onde está? Não existe; é apenas a velha burocracia enxertada em um estado dos trabalhadores.
“Se existe uma nova classe de escravos, como Shachtman argumentou, então Marx, Engels, Lênin e Trotsky estavam totalmente errados. Teríamos de inventar uma formação social totalmente nova – capitalismo de estado ou coletivismo burocrático – que era inteiramente desconhecida para Marx e que não foi prevista por ele. Além disso, essa totalmente nova forma de sociedade de classe, baseada em uma espécie de escravidão, tem a capacidade de desenvolver os meios de produção a um nível inédito.
“Se dissermos que a burocracia é uma nova classe, certas coisas fluem a partir disto. Isto nos exigiria uma completa revisão do Marxismo. Mas isto não é necessário. Na verdade, um estado dos trabalhadores pode assumir diferentes formas de acordo com as condições concretas. Da mesma forma, pode haver todo tipo de aberração na história: o estado burguês pode ser democrático, fascista ou bonapartista. Mas a essência do capitalismo permanece a mesma: a contradição central de trabalho assalariado e capital permanece a mesma (escravidão assalariada).
“Se existe uma nova classe dominante que nunca existiu antes, qual é o seu papel historicamente? Marx se referiu à escravidão, ao feudalismo e ao capitalismo. Se existe uma nova classe dominante, deve haver uma nova classe trabalhadora também. Não pode haver uma sem a outra. Como explicamos a Shachtman, deve haver uma nova classe de escravos. Mas é o mesmo com a classe trabalhadora.
“A classe trabalhadora soviética não era a mesma classe trabalhadora que existia sob o capitalismo. Ela tinha uma consciência diferente devido à propriedade social dos meios de produção. Os trabalhadores olhavam para a propriedade estatal como ‘nossa propriedade’. Mesmo sob o domínio da burocracia estalinista este era o caso em certa medida”.
Na Grã-Bretanha, as teorias do coletivismo burocrático nunca ganharam muito apoio. Contudo, Tony Cliff, que veio para a Grã-Bretanha da Palestina em 1947, avançou a ideia de que, não somente os regimes na Europa Oriental, como também a própria Rússia era capitalista de estado. Em dois longos documentos em resposta a Cliff, Ted demoliu o argumento de que a Rússia era capitalista de estado, salientando que a teoria do capitalismo de estado leva de uma contradição a outra e finalmente rompe com o Marxismo:
“Se a Rússia era capitalista em qualquer sentido que o Marxismo pudesse entender, deve ter a lei do movimento do capitalismo, isto é, booms e recessões”, disse ele. “De início, Cliff tentou mostrar que havia booms e recessões na Rússia. Quando não pôde encontrar nada, ele disse: ‘OK, então não há recessões na Rússia. Mas também não há nenhuma recessão no Ocidente’”. Na época, o capitalismo se encontrava em um período de crescimento econômico. A partir disso, e usando o método do empirismo superficial que sempre foi sua marca registrada, Cliff concluiu que o capitalismo poderia evitar recessões através do que ele chamava de “economia de guerra permanente”. Esta era uma variante da economia burguesa Keynesiana e representou uma revisão completa do Marxismo. Como de costume, um erro teórico levou a outro. Em tudo isto não há um só traço de pensamento dialético.
Jimmy Deane escreveu a Ted, de Liverpool, em 16 de setembro de 1948. A primeira parte de sua carta é um longo informe da estadia de Jimmy em Coventry. Sua carta mostra a má situação do ramo do PCR ali, seus conflitos pessoais, a amargura em relação à liderança etc. Isto já é um sinal de que a difícil situação objetiva estava começando a afetar o moral dos camaradas. Portanto, se tornou imperativo que a liderança proporcionasse o necessário material teórico para rearmar o movimento. A questão da natureza de classe dos regimes na Rússia e na Europa Oriental era parte fundamental deste rearmamento ideológico.
Nesta carta, há uma anotação que revela um sentido de urgência que mostra a profunda preocupação de Jimmy naquele momento:
“Quando podemos esperar a publicação de uma réplica a Cliff? Estou ansioso por isto. Acho que você pode introduzir uma grande quantidade de material factual (talvez na forma de um apêndice) provando suas teses sobre a Europa Oriental. Se o documento é longo, tanto melhor. Uma exposição completa e clara de ideias sobre estas questões é exatamente o que tanto o nosso partido quanto a Internacional necessitam” (Jimmy Deane to Ted Grant, 16 de setembro de 1948, Arquivos Ted Grant).
Tenho a certeza de que as expectativas de Jimmy foram plenamente satisfeitas. Quando Ted finalmente concluiu seu documento, valeu bem a pena esperar. Em completo contraste ao empirismo superficial de Cliff, A Teoria Marxista do Estado, Resposta a Tony Cliff, mostrou um conhecimento magistral do método dialético Marxista. Em minha opinião, esta obra, e outras obras deste período, constitui a única realmente nova contribuição no período pós-guerra às teorias de Trotsky, onde estão firmemente enraizadas. Ted encontrou a resposta nos últimos escritos de Trotsky sobre a Polônia e a Finlândia. Por outro lado, foi necessário aplicar o método dialético de Trotsky às novas situações que estavam se abrindo na Europa Oriental e na China.
Em 1940, um pouco antes de ser assassinado, o Velho havia explicado que quando o Exército Vermelho entrasse na Polônia e na Finlândia, seria forçado a introduzir o sistema nacionalizado e planificado nas linhas da Rússia estalinista. Uma vez no poder, os estalinistas se apoiariam na classe trabalhadora para expropriar os latifundiários e os capitalistas. Teríamos de apoiar isto como uma medida historicamente progressista. Mas a classe trabalhadora logo se encontraria sob uma nova espécie de subjugação e teria de pagar por isto através de uma nova revolução, política, contra a burocracia.
Ted explicou o mecanismo preciso através do qual os estalinistas destruíram o velho estado burguês na Europa Oriental e se instalaram no poder sem a participação direta da classe trabalhadora. Depois de 1944-45, a burguesia fugiu da Europa Oriental ante o avanço irresistível do Exército Vermelho. Antes da guerra, em sua polêmica com Shachtman e Burnham, Trotsky explicou de antemão o que poderia acontecer quando a burocracia entrasse na Polônia e nos estados bálticos. Eles imediatamente nacionalizaram a economia. Indiretamente, eles se basearam no proletariado. Apoiaram-se nos trabalhadores para expropriar os capitalistas.
Usando a analogia com que Trotsky havia escrito sobre a Polônia e a Finlândia, Ted argumentou que os chamados países comunistas da Europa Oriental eram de fato continuações nas mesmas linhas da União Soviética, e ele usou o termo bonapartismo proletário para descrevê-los (Trotsky tinha de antemão usado o termo bonapartismo soviético ou proletário em seus escritos). Como ele explicou mais tarde em uma Carta Aberta à Seção Britânica da Quarta Internacional, em setembro-outubro de 1950:
“O colapso do capitalismo na Europa Oriental habilitou o estalinismo, como uma tendência bonapartista, a manipular os trabalhadores e a manobrar entre as classes – estabelecendo estados operários deformados de caráter bonapartista com maior ou menor apoio de massas. O estalinismo na atual e peculiar relação de forças de classe, baseando-se em última análise no proletariado – no sentido de representar a defesa da nova forma econômica da sociedade – é bonapartismo de um novo tipo manobrando entre as outras classes a fim de estabelecer um regime nos padrões de Moscou”.
Ted e o PCR acolheram estas revoluções porque elas levavam à abolição do latifúndio e do capitalismo. Entretanto, simplesmente não era suficiente caracterizar estes estados como estados dos trabalhadores sem qualificá-los. Era necessário explicar as condições concretas das quais emergiram, e que determinavam seu caráter como estados deformados dos trabalhadores. Enquanto defendia as formas de propriedade nacionalizada, Ted assinalou que a classe trabalhadora teria que anular as deformações burocráticas com uma revolução política no futuro, substituindo o totalitarismo burocrático com uma democracia dos trabalhadores.
Os líderes da Quarta não entenderam estes desenvolvimentos. De início, tentaram argumentar que, enquanto a URSS era um estado degenerado dos trabalhadores, os regimes na Europa Oriental eram capitalistas. Em seguida, no momento da divisão entre Tito e Stalin, deram um salto de 180 graus e proclamaram a Iugoslávia como estado operário saudável. Também proclamaram Tito como um Trotskista inconsciente. Tito foi o primeiro de muitos dos tais “Trotskistas inconscientes”.
A Revolução Chinesa
Os líderes da Quarta igualmente não tinham nenhuma compreensão do que estava acontecendo na China. Cannon estava prevendo que Mao Zedong capitularia perante Chiang Kai-shek. Isto foi em um momento em que o Exército Vermelho Chinês estava avançando rapidamente, varrendo tudo a sua frente, e o exército de Chiang tinha a maior taxa de deserção de qualquer exército na história. Ted disse que Shachtman tinhas seus seguidores rolando nos corredores de tanto rir quando ele ridicularizou a posição do SWP sobre a China. Shachtman brincou: “Mao está tentando capitular perante Chiang Kai-shek. O problema é que não pode se entender com ele!”.
É assombroso que Ted não somente tenha previsto a vitória de Mao Zedong, como também explicou que programa Mao realizaria – antes do próprio Mao colocá-lo à frente. Em um momento em que Mao ainda estava escrevendo sobre um longo período de capitalismo na China, Ted explicava que ele teria de nacionalizar os meios de produção e estabelecer um estado à imagem da Rússia de Stalin. Em outras palavras, Mao chegaria ao poder e estabeleceria um estado deformado dos trabalhadores (bonapartismo proletário). Foi exatamente o que aconteceu.
Ainda mais assombroso foi a previsão de Ted de que a China de Mao inevitavelmente entraria em conflito com a Rússia estalinista. Ele fez esta previsão no final dos anos 1940 em um documento chamado Resposta a David James, quando não havia o menor indício de qualquer conflito entre Moscou e Pequim. Levou mais de uma década para a previsão se tornar realidade, na forma do conflito Sino-Soviético, mas se tornou realidade no entanto.
Mais tarde, Ted escreveu um longo documento sobre a China no qual ele repassou toda a história desse país. Ele cometeu o erro de enviar este documento a Pierre Frank em Paris, e nunca mais o viu. Infelizmente, não havia nenhuma cópia e Ted sempre lamentou sua perda. No entanto, ele deixou uma grande quantidade de outros documentos valiosos sobre a China, a partir dos quais seu ponto de vista pode ser claramente entendido. Uma leitura cuidadosa dessas obras é totalmente indispensável para uma compreensão não somente da Revolução Chinesa, como da revolução colonial em geral.
Toda revolução tem características comuns, mas também importantes diferenças que refletem as peculiaridades do desenvolvimento nacional. No caso da China, Ted mostrou que por milhares de anos tem havido uma história de guerras camponesas, que terminavam derrubando a dinastia dominante. Mas tudo o que terminava acontecendo era que os cabecilhas dos camponeses se fundiriam com a classe dominante dos mandarins para formar uma nova dinastia. As relações sociais permaneceriam intocadas e o ciclo interminável da história chinesa continuaria ininterrupto.
Antes da guerra, Trotsky colocou a questão do que aconteceria quando o Exército Vermelho Chinês entrasse nas cidades. Ele sugeriu tentativamente que aconteceria o mesmo, mas com uma diferença. Pensou que era provável que os líderes do Exército Vermelho se fusionassem com a burguesia, preparando o caminho para o desenvolvimento capitalista na China. Mas devido ao peculiar desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial, as coisas funcionaram de forma diferente. Tal como acontece com todas as previsões de Trotsky anteriores à guerra, ele sem dúvida teria modificado esta perspectiva se não tivesse sido morto por um assassino estalinista. As perspectivas Marxistas são condicionais por natureza, e devem ser desenvolvidas e atualizadas na base das condições cambiantes – algo que os líderes da Quarta eram lamentavelmente incapazes de fazer.
A previsão de Trotsky era uma hipótese muito razoável, dada a política de frente popular que todos os partidos estalinistas do mundo aceitavam, incluindo o chinês. Ainda em 1949, Mao estava propondo a ideia de “cem anos de capitalismo”. Ele insistia que somente expropriaria o “capital burocrático”.
Nas primeiras etapas, Mao fez tudo o que era possível para evitar que os trabalhadores tomassem o poder, e para esmagar quaisquer elementos de um movimento independente dos trabalhadores que tinha emergido. Quando o Exército Vermelho entrou nas cidades, fizeram um apelo aos trabalhadores por nenhuma greve ou manifestação. Como na Espanha em 1936, Mao não formou uma coalizão com a burguesia, e sim com a mera sombra da burguesia. Mas enquanto que na Espanha se permitiu à sombra assumir corporeidade; na China, ela foi extinta.
A ideia original de Mao era a de formar uma coalizão de governo com os representantes dos trabalhadores, camponeses, a intelligentsia, a burguesia nacional e até mesmo latifundiários progressistas. No entanto, havia um pequeno problema. A burguesia tinha fugido para Formosa (Taiwan) com Chiang Kai-shek. Formalmente, este era um governo de frente popular. Mas havia uma diferença fundamental entre este governo e a frente popular na Espanha em 1936. Esta diferença era o Exército Popular de Libertação, o exército camponês controlado pelos estalinistas chineses.
Engels explicou que o estado, em última análise, é corpos de homens armados. O velho estado burguês tinha sido esmagado pelo Exército Vermelho. Havendo usado o Exército Vermelho camponês para esmagar o velho estado, Mao se equilibrou de forma bonapartista entre a burguesia, e os trabalhadores e camponeses, a fim de consolidar o novo estado e concentrar o poder em suas mãos.
Apesar de sua declarada perspectiva de um prolongado período de desenvolvimento capitalista, ao tomar o poder, Mao muito cedo entendeu que a podre e corrupta burguesia chinesa era incapaz de desempenhar qualquer papel progressista. Assim, apoiando-se na classe trabalhadora, ele passou a nacionalizar os bancos e toda a indústria em grande escala, e a expropriar os latifundiários e capitalistas.
Isto não foi tão difícil. Como disse Trotsky, para se matar um tigre necessita-se de uma escopeta, mas para matar uma pulga, é suficiente uma unha. Mao criou o novo estado à imagem e semelhança de Moscou – não o estado democrático de Lênin e Trotsky, mas o estado monstruosamente deformado dos trabalhadores de Stalin. Em seu Resposta a David James (1949), Ted escreveu:
“O método Marxista começa com uma análise de classe da sociedade e de qualquer de seus fenômenos ou órgãos, mas não termina aí. É necessário a partir daí analisar todas as correntes cruzadas e interações dentro da definição de classe dada. Ao tratar da Iugoslávia e da China, é necessário primeiro ter os elementos essenciais firmemente em mente. Sem a existência da Rússia como um estado degenerado dos trabalhadores, sem o enfraquecimento do imperialismo mundial em consequência da guerra, a Europa Oriental teria tomado um padrão completamente distinto. Os acontecimentos somente podem ser explicados na base da sobrevivência da Rússia com suas formas de propriedade nacionalizada; da sobrevivência do estalinismo no timão de uma enormemente fortalecida Rússia como resultado da guerra. É isto o que levou à extensão da revolução numa forma estalinista deformada aos demais países”.
Para explicar o caráter peculiar dos regimes pós-guerra na Europa Oriental, a Revolução Chinesa e a revolução colonial em geral, Ted tomou como ponto de partida a teses básica de Trotsky e a aplicou à nova situação. Em Contra a Teoria de Capitalismo de Estado – Resposta a Tony Cliff (1949), ele explica:
“Qualquer um que compare a contrarrevolução bonapartista com a revolução – pelo menos na sua superestrutura – encontrará uma grande diferença entre o regime de Lênin e Trotsky na Rússia e o de Stalin nos últimos anos. Aos observadores superficiais a diferença entre os dois regimes foi fundamental. De fato, na medida em que a superestrutura estava em causa, a diferença era evidente. Napoleão tinha introduzido muitas das ordens, condecorações e categorias similares às do feudalismo; ele restaurou a Igreja; ele até mesmo se fez coroar Imperador. No entanto, apesar desta contrarrevolução, é claro que nada teve em comum com o velho regime. Era contrarrevolução com base na nova forma de propriedade introduzida pela própria revolução. As formas ou relações burguesas de propriedade permaneceram como base da economia”.
A abolição do latifúndio libertou a China do fardo das relações semifeudais. A liquidação da propriedade privada da indústria e a introdução do monopólio estatal do comércio externo deram um poderoso ímpeto ao desenvolvimento da indústria chinesa. No entanto, a nacionalização dos meios de produção ainda não é socialismo, embora seja a condição prévia para ele.
O movimento em direção ao socialismo requer o controle, a orientação e a participação consciente do proletariado. O domínio não controlado de uma elite privilegiada não é compatível com o genuíno socialismo. Produzirá todo tipo de novas contradições. O controle burocrático significa corrupção, nepotismo, desperdício, má gestão e caos, que eventualmente mina as conquistas de uma economia nacionalizada e planificada. A experiência tanto da Rússia quanto da China comprova isto.
Mais uma vez, os líderes da Internacional não entenderam a natureza dos processos que ocorriam. Começaram caracterizando a China de Mao como capitalista e, em seguida, decidiram que era um estado saudável dos trabalhadores no final das contas. Mais tarde, eles chegaram a comparar a Revolução Cultural com a Comuna de Paris. Toda esta confusão mostra apenas quão longe foram ao perderem seus pontos de referência.
Degeneração nacionalista
Como foi possível para Ted antecipar estes desenvolvimentos mesmo antes de Mao chegar ao poder? Mais uma vez ele se baseou no que Trotsky tinha escrito já em 1928, durante as discussões do novo Projeto de Programa da Internacional Comunista, em que Stalin e seu (então) aliado Bukharin elaboraram sua teoria anti-leninista de socialismo em um só país, apresentada pela primeira vez em 1924 por Stalin.
Um erro teórico mais cedo ou mais tarde se manifesta em um desastre na prática. Isto sempre foi compreendido por Lênin e Trotsky, e Ted sempre repetia incansavelmente a mesma ideia. Trotsky, com assombrosa previsão, advertiu os líderes do movimento comunista internacional de que se essa falsa teoria fosse aceita pela Comintern, seria o início de um processo que inevitavelmente levaria à degeneração nacional-reformista de todos os partidos comunistas do mundo – estivessem dentro ou fora do poder.
Na época, as advertências de Trotsky foram ignoradas pelos líderes dos partidos comunistas. Eles se consideravam revolucionários internacionalistas e leninistas. Todos estavam pela revolução mundial. Como foi possível a Comintern degenerar em linhas nacional-reformistas? A ideia parecia simplesmente absurda!
Esses líderes arrogantes dos partidos comunistas que desdenharam o bom conselho de Trotsky em 1928, logo descobriram que ele tinha razão. Sob Stalin, os partidos comunistas estavam subordinados à URSS e obrigados a realizar uma política no interesse da política externa de Moscou – isto é, no interesse da burocracia soviética.
Tendo acompanhado todas as reviravoltas ditadas pela burocracia de Moscou, a Internacional Comunista foi dissolvida sumariamente por Stalin em 1943 sem mesmo se convocar um congresso. A história da Comintern foi traçada e analisada por Ted em A Ascensão e Queda da Internacional Comunista (Workers Internacional News, Junho de 1943).
Depois da morte de Stalin, os partidos comunistas da Europa Ocidental gradualmente se separaram de Moscou e se tornaram crescentemente independentes. Mas isto não significou um retorno à velha posição do internacionalismo leninista. À medida que os PCs se tornavam mais independentes de Moscou, eles se tornavam mais dependentes das pressões de sua “própria” burguesia nacional e do reformismo. Sob o pretexto do “Eurocomunismo”, eles se moveram para uma posição que era indistinguível do reformismo Socialdemocrata. Adotaram em sua totalidade a posição do nacional-reformismo.
Uma situação ainda pior existia naqueles países onde os estalinistas tinham tomado o poder. Toda burocracia nacional, começando com a Iugoslávia, afirmou o seu direito de seguir seu próprio “caminho nacional ao socialismo”. De fato, cada burocracia nacional estava defendendo seus próprios interesses nacionais estreitos contra os da burocracia de Moscou.
Um caso extremo disto foi o choque de interesses entre Moscou e Pequim. Este confronto não tinha nada a ver com diferenças de princípios políticos, como algumas pessoas imaginavam. Foi simplesmente ditado pelos interesses conflitantes das burocracias rivais dominantes da Rússia e da China. Não serviu aos interesses do povo trabalhador de nenhum dos estados.
Lênin sem dúvida defenderia a formação de uma federação socialista da URSS e China, ligando o imenso potencial produtivo de ambos os países. Tal passo seria no interesse dos povos tanto da União Soviética quanto da China. Em vez disto, Ted apontou para o espetáculo repulsivo de camaradas soviéticos e chineses “discutindo suas diferenças na linguagem fraterna de foguetes e artilharia”.
Este foi um crime contra o internacionalismo proletário e foi o resultado direto da teoria estalinista de socialismo em um só país. Levou à completa degeneração, desintegração e decadência do outrora poderoso movimento comunista mundial. Anos mais tarde, Ted comentou:
“Os estalinistas pensavam que entendiam tudo. Na realidade, não entendiam nada. Hoje, mais de meio século depois, a história puniu os estalinistas por seus crimes. Na Grã-Bretanha, eles foram virtualmente liquidados como força política. Os remanescentes dos estalinistas se tornaram indistinguíveis da direita da burocracia sindical. Mas naquela época ainda constituíam uma força a ser reconhecida no movimento operário britânico”.
De derrota em derrota
Por volta dessa época, Ted recebeu uma visita inesperada, uma “onda de choque do passado”. Murray Gow Purdy, que tinha desenvolvido tendências extremas de ultra-esquerdismo, deixou a África do Sul e foi primeiro à Abissínia, e em seguida à Índia, onde fundou um partido chamado de Partido Trotskista Mazdoor. Politicamente confuso, Purdy desenvolveu uma teoria errônea de que a casta dos intocáveis da Índia era a vanguarda proletária. Ele esteve, no entanto, envolvido na luta pela independência nacional em relação à Grã-Bretanha e foi sentenciado no início de 1946 a 10 anos de prisão como resultado de uma “expropriação revolucionária”.
Com sua libertação antecipada após a independência em 1947, ele foi imediatamente deportado. No ano seguinte, ele assistiu ao Segundo Congresso Mundial da Quarta Internacional em Paris e também visitou Ted em Londres para algumas discussões. Como ultra-esquerdista, Purdy era muito crítico da abordagem do PCR, que ele considerava insuficientemente revolucionária. Mas desiludido com o Trotskismo, ele posteriormente se retirou do movimento e desapareceu da cena política, e nunca mais se soube dele.
Politicamente, Ted era bem-humorado, mas financeiramente sua situação não era tão otimista. Sua irmã Rae o ajudou enviando-lhe roupas de Paris. Há uma carta de Jimmy Deane de Paris sobre este tema. Mas os outros camaradas não estavam em melhor situação. Como fica claro a partir da carta que se segue:
“Paris, 24 de junho de 1947
Caro Ted,
Outra nota apressada. Estou na casa de Raoul neste momento – ele está vivendo em grande pobreza. Ocorreu-me que você pode concordar em lhe dar um de seus quatro ternos. Ele só tem uma roupa nas costas – algo semelhante a minha própria situação atual.
Se você concordar, por favor escreva a sua irmã perguntando-lhe se me permite escolher um traje (não será o melhor) para Raoul. Aqui é impossível para um profissional encontrar roupas, enquanto na Inglaterra ainda se tem uma chance de se mendigar – como você bem sabe!
Você mencionou que poderia dar um de seus ternos a mim; bem, em vez disso, se você quiser, pode dá-lo ao Raoul.
Por favor, Ted, escreva sem demora.
Saudações cordiais,
Jim”.
A carta de Paris não é casual. Jimmy tinha sido enviado à França para a Conferência de 1946 e mais tarde viveu em Paris durante uns 18 meses. Deve ter se sentido muito só, enquanto a hostilidade da parte do Secretariado Internacional em relação ao partido britânico estava crescendo. Pablo e Cannon se enfureceram com a resistência do PCR ante a exigência de que entrasse imediatamente no Partido Trabalhista. Isto foi determinado por sua falsa perspectiva de uma catástrofe econômica iminente, de guerra mundial, fascismo, rápida ascensão de uma corrente centrista no Partido Trabalhista etc.
Jimmy tentou neutralizar o apoio da liderança da Internacional à minoria de Healy no PCR e deter a divisão da seção britânica. Como resultado, eles espalharam rumores venenosos contra ele. Isto foi obra principalmente do representante de Cannon, Sam Gordon (Stuart). Isolado e pessoalmente desapontado, ele no entanto fez algumas amizades, incluindo o representante indiano, Kamlesh Banerjee, e outros Trotskistas do subcontinente indiano, e alguns membros jovens da seção francesa, o Partido Comunista Internacional. Finalmente, a carga financeira de manter um representante em Paris se tornou demasiado pesada para o PCR com problemas de liquidez. No outono de 1947, Jimmy retornou a Londres.
Os documentos programáticos do PCR na década de 1940, praticamente todos escritos por Ted, mostram uma compreensão profunda da nova situação mundial que surgiu depois de 1945. Eles resistiram ao teste do tempo e podem ser lidos com proveito pelos Marxistas de hoje. O PCR britânico caracterizou os regimes na Europa Ocidental (França, Bélgica, Holanda, Itália) como regimes de contrarrevolução sob forma democrática. Em contraste, pessoas como Pablo e Frank insistiam sobre “bonapartismo”, o “estado forte”, o risco iminente de uma guerra nuclear, fascismo e assim por diante. Como já vimos, eles até mesmo argumentaram que a Segunda Guerra Mundial não tinha terminado.
Ted utilizou uma analogia militar para caracterizar a situação:
“Na guerra, quando um exército está avançando, os bons generais são importantes. Mas são milhares de vezes mais importantes quando um exército está na defensiva. Com bons generais, o exército pode se retirar em boa ordem, preservando a maior parte de suas forças e se segurando em posições-chave, preparando-se para um novo avanço quando as condições o permitirem. Mas os maus generais transformarão uma retirada em uma derrota”
É difícil imaginar piores “generais” do que os que se mantiveram à cabeça da Quarta Internacional depois da morte de Trotsky. Pablo, Mandel, Cannon, Frank, Maitan e outros cometeram todos os erros possíveis e mais alguns, de quebra. Era de pessoas como estas que Ted comentou: “Entre os quadros da Quarta Internacional, existem camaradas que não compreenderam bem esta lição. Continuam a viver sob a ‘receita de algumas abstrações pré-concebidas’ em vez de concretizar ou parcialmente retificar as generalizações anteriores”.
James Cannon foi provavelmente o melhor deles. Pelo menos, Ted costuma dizer, ele tinha raízes no movimento dos trabalhadores. Ele sem dúvida tinha talento, mas era o talento de um agitador e organizador. Nunca foi um teórico. Seus escritos são todos de agitação e sua compreensão do Marxismo era muito superficial. O único livro que poderia reivindicar um caráter teórico foi A Luta por um Partido Proletário, e que foi, de fato, ditado por Trotsky. As reservas de Trotsky sobre ele ficaram claras durante a luta com Shachtman e Burnham antes da guerra. Ted muitas vezes disse que não há nada mais perigoso na política revolucionária do que uma pessoa que teoricamente fraca, mas que se imagina a si mesmo como um grande teórico. Tais pessoas inevitavelmente recorrerão a manobras organizacionais para compensar suas deficiências políticas.
Ted uma vez disse: “Trotsky nunca aprovou os métodos organizacionais de Cannon”. Eu lhe perguntei como sabia disto, e ele respondeu: “Era de conhecimento geral. Todos sabiam disto naquele tempo”. Isto se confirma através de alguém que esteve muito próximo a Trotsky naquele tempo, seu secretário, Jean van Heijenoort. Em seu livro Com Trotsky no Exílio, lemos o seguinte:
“Eu tivera minha última conversa com Trotsky. Falamos sobre a situação no grupo Trotskista americano, que estava passando por uma séria crise… Trotsky temia que Cannon, com quem ele era politicamente aliado, tenderia a substituir a discussão das diferenças políticas com medidas organizacionais, precipitando assim a expulsão da minoria. ‘Cannon tem que ser travado no plano organizacional e empurrado para a frente no plano ideológico’, ele me disse (Jean van Heijenoort, Com Trotsky no Exílio, p. 145-6).
Como vimos, as relações da seção britânica com Cannon já eram más antes mesmo da guerra. Cannon pensava que os Trotskistas britânicos deveriam aceitar a liderança dos americanos. Ele estava convencido que suas relações pessoais com Trotsky deveriam lhe dar uma autoridade emprestada, sem entender que a única autoridade que um verdadeiro líder revolucionário pode almejar é a autoridade política e moral. Ele se guiava por prestígio político – uma enfermidade muito perigosa, com resultados que são invariavelmente fatais.
Quando Cannon veio à Grã-Bretanha antes da guerra para unir os grupos Trotskistas antes da Conferência de fundação da Quarta Internacional, ele esperava ser obedecido. Mas, para seu desgosto, ele descobriu que Ted e seus camaradas não estavam dispostos a serem intimidados ou empurrados a uma fusão que eles consideravam (corretamente) sem princípios.
Depois da guerra, o Partido Comunista Revolucionário estava em posição muito mais forte, depois de ter adquirido com êxito uma força considerável. Mas por expressar divergências com os americanos, estava buscando problemas com o Secretariado Internacional. As relações com o SI haviam sido tensas por algum tempo. Isto foi motivado por considerações mesquinhas como o ciúme de Cannon com respeito à crescente importância da seção britânica.
Acredito que um dos principais problemas que os líderes da Internacional tinham com os camaradas britânicos era que eles sabiam, desde o início, que não tinham a menor autoridade com eles. Ainda pior, os líderes britânicos simplesmente não os levavam a sério. Pessoas que estão obcecadas com prestígio pessoal levam-se a si mesmo muito a sério. Podem aguentar ataques e insultos, mas a única coisa que eles não podiam suportar era não serem tomados a sério.
Cannon, Pablo e Healy
Depois do assassinato de Trotsky em 1940, Cannon estava efetivamente no controle da Quarta Internacional. Mas carecia da moral e autoridade política de Trotsky. Contudo, ele era bem-escolado na nobre arte da manobra e a usava para promover seus objetivos, com resultados desastrosos. Não é acidental que Cannon foi inicialmente um apoiador entusiasta de Zinoviev e de seus métodos.
A liderança da Internacional não poderia ganhar em uma batalha de ideias, então eles recorreram a outros métodos. Com o apoio de Sam Gordon (Stuart), Cannon e, logo, de Pablo, Healy estava continuamente manobrando contra Ted Grant e os outros líderes do PCR para ganhar o controle da organização a partir de 1943 em diante.
Já mencionamos como Healy foi ganho para o Trotskismo por Jock Haston quando, ao fazer parte de um grupo de estalinistas, ele tentou interromper as atividades de WIL no Recanto dos Oradores [local situado em Hyde Park, Londres, onde qualquer cidadão pode fazer discursos críticos NDT]. Depois que se juntou a WIL, o ativismo característico de Healy foi considerado por Ted e Haston como um importante recurso. No entanto, ele manifestou total desrespeito à disciplina (como ficou evidente no episódio irlandês a que já nos referimos anteriormente), e era propenso à intriga. Como suas responsabilidades dentro de WIL aumentavam (incluindo responsabilidade de liderança no CE), Healy periodicamente explodia em reuniões e abertamente chantageava o restante da liderança ameaçando renunciar a fim de forçar uma decisão em particular. Ted e Jock Haston tiveram confrontos com Healy várias vezes, mas sempre o aceitavam de volta à organização, na esperança de que ele iria colocar suas habilidades de organizador a serviço do movimento.
Em fevereiro de 1943, as coisas chegaram a tal ponto que Healy foi expulso de WIL:
“A expulsão do camarada G. Healy de nossa organização sem dúvida veio como um choque para muitos de nossos membros. A aparente subtaneidade da ação tornou necessário para o BP (Bureau Político) explicar o contexto de sua expulsão de WIL.
“Na conclusão de seu informe industrial no segundo dia da reunião do Comitê Central Nacional, em 6 e 7 de fevereiro, a que assistiram delegados provinciais, bem como os funcionários do Comitê Distrital de Londres, o camarada G. Healy declarou que estava renunciando da organização e se juntando ao ILP no dia seguinte; sua ação não foi motivada por divergências políticas, mas por sua incapacidade pessoal de continuar desenvolvendo seu trabalho em nossa organização com J. Haston, M. Lee e E. Grant.
“Ele deixou a reunião e em seguida foi expulso unanimemente de WIL pelo Comitê Central.
“Na mesma tarde, ele discutiu a questão de entrar no ILP com dois líderes de Londres, membros de ILP, que deram a informação a Fenner Brockway.
“Seu ato foi uma surpresa completa para o Comitê Central uma vez que ele não tinha dado a entender suas intenções no transcurso da sessão anterior do CC ou em seu informe industrial. Enquanto muitos dos camaradas presentes testemunhavam esta cena pela primeira vez, a maioria dos membros de Londres do CC já tinham testemunhado ocorrência similar em numerosas ocasiões desde o início de 1939. Nas primeiras etapas desses ultimatos na forma de ‘renúncias’ da nossa organização, não havia nenhum problema político ligado as suas ações. Mas nas últimas etapas, estiveram geralmente ligadas a problemas políticos que foram objeto de controvérsias entre o CE, o BP e G. Healy.
“A primeira ‘renúncia’ foi apresentada à organização quando Youth for Socialism foi, por razões puramente técnicas, passou de uma revista mimeografada para uma impressa no início de 1939. O camarada Healy, que era então o editor oficial de Youth for Socialism, apresentou forte objeção porque a decisão foi tomada na sua ausência! Mais tarde, em 1939, ele mais uma vez ‘renunciou’ em uma questão insignificante similar na mesma base de ressentimento pessoal.
“No final de 1939, quando ele se encontrava na República da Irlanda como membro de uma delegação de camaradas enviada ali por nosso centro, em consequência de uma controvérsia sobre temas táticos secundários relativos à atividade local, ele ‘renunciou’ ali mesmo e declarou que tinha a intenção de se juntar ao Partido Trabalhista Irlandês, para combater nossa organização. Por esta ação, ele foi expulso pelo Grupo Irlandês. Depois de algumas discussões entre o Organizador Nacional e G. Healy, e entre o CN e o Grupo Irlandês, admitiu-se que ele fosse enviado de volta à Inglaterra sem a necessidade de denunciá-lo ante a organização como um todo, e, dessa forma, tornar possível utilizar sua energia no interesse de nosso partido na Grã-Bretanha.
“Em 1940, a primeira infração muito grave veio quando sua ‘renúncia’ esteve ligada a um tema político. Naquele momento, o camarada Healy, que era então o representante do CE em sua qualidade de Organizador Nacional, estava na Escócia. A constituição da organização foi reformulada pelo CE com o objetivo de trazer os estatutos da organização em linha com seu desenvolvimento, a partir da experiência local em Londres, em uma organização nacional. Como representante do CE, ele era responsável pela política do CE. Havendo qualquer divergência com o órgão que o elegeu, era seu dever elementar levantar tal divergência junto ao órgão, e, na falta de uma satisfação, levantar a questão junto aos filiados. Em vez de se conduzir como um funcionário responsável e discutir suas diferenças com o CE, ele seguiu adiante com uma série de emendas à Constituição por meio de elementos locais com quem ele tinha contato próximo na sua qualidade de Organizador Nacional. Essas emendas eram de caráter oportunista, reduzindo a Constituição a um federalismo, em vez de uma base centralizada. Ao ser convocado pelo CE para defender sua política, não conseguiu colocar qualquer defesa que seja, mas, em vez disso, lançou um ataque calunioso e pessoal sobre dois dos principais camaradas do centro e ‘renunciou’ à organização, por causa de sua incapacidade de trabalhar com esses camaradas.
“Em última instância, o informe industrial do camarada Healy merecia ser objeto de críticas e não há nenhuma dúvida de que seu gesto esteve ligado a esta questão. Embora fosse convidado a permanecer na reunião para a discussão política sobre o trabalho industrial, ele se recusou a fazer isto, mas declarou que não mais trabalharia como os camaradas mencionados.
“Em três outras ocasiões, situação semelhante emergiu quando o CC foi presenteado com ‘renúncias’ decorrentes de questões insignificantes.
“Durante este período o CE fez todas as concessões a ele, apesar dessa perturbadora e continuada forma de agir. Em todas as ocasiões, foram realizadas discussões com ele em que foi demonstrado o erro deste tipo de ultimato. Durante todo este período, o CE absteve-se de qualificar publicamente essas ações como eram exatamente: irresponsabilidade crassa, permitindo-lhe dessa forma que ele mantivesse alguma autoridade na organização, e oferecendo-lhe a possibilidade de continuar as atividades em nossas fileiras. Fez-se isto porque se acreditava que sua indubitável energia e capacidade organizacional poderiam ser aproveitadas no interesse de nosso partido, e que estas concessões eram em benefício tanto do camarada Healy pessoalmente quanto de nossa organização como um todo (Declaração do BP sobre a expulsão de WIL de G. Healy, 15 de fevereiro de 1943, em Ted Grant, Escritos, vol. 2, p. 347-8).
Healy foi então readmitido no WIL. Contudo, ele estava cheio de ressentimentos. Guardava rancor para com o restante da liderança de WIL e imediatamente começou a intrigar novamente, nesse momento juntando forças com Sam Gordon (Stuart) e mais tarde com Pablo.
Healy nunca seria bem sucedido em um debate político honesto. Em nenhum momento ganhou o apoio de mais de um quarto dos filiados do PCR, que, em 1947, já tinham diminuído e cujo número era de um pouco mais de 300. Contudo, suas constantes intrigas fracionais e métodos desonestos tornaram um debate político dentro do PCR impossível. E no contexto de uma difícil situação objetiva, espalhou-se a desmoralização entre os filiados.
As reviravoltas de Healy sobre questões políticas eram positivamente cômicas. Um de seus desacordos com a liderança da Quarta era sobre o tema do Exército Vermelho e da Europa Oriental. O PCR levantou a palavra de ordem da retirada do Exército Vermelho da Europa Oriental.
Em uma reunião do Comitê Central em fevereiro de 1946, Healy votou por uma resolução do PCR exigindo a retirada do Exército Vermelho. Dois meses mais tarde, perseguindo o que ele considerava ser a linha do SI, ele deu uma volta de 180 graus e lançou uma campanha ruidosa contra a política “revisionista” dos líderes do PCR, e que ele definiu como “a liderança anti-internacionalista da Seção britânica”. Infelizmente para Healy, em junho, o Comitê Executivo da Internacional da 4a Internacional se pronunciou a favor da retirada, uma mudança de linha que ele ignorava completamente.
O CE tinha enviado um telegrama a Paris pedindo esclarecimento sobre a posição da Internacional. A Internacional tinha reconsiderado sua posição anterior e percebido que ela era insustentável. Eles escreveram em resposta dizendo que eram pela retirada do Exército Vermelho. Healy não sabia nada desta carta e continuou a atacar o suposto revisionismo do PCR. Quando ele foi convidado a comparecer em uma reunião do Comitê Político sobre um assunto diferente, a carta lhe foi mostrada. Healy se viu completamente aturdido por um momento – então disse: “Bem, assim estamos de acordo!”. Então, era isso. Eles chegaram a um acordo – por carta! Os camaradas se entreolharam incrédulos. Uma ausência tão completa de princípios era sem precedentes no movimento.
Incapaz de ganhar uma maioria por meios democráticos, Healy começou a trabalhar abertamente por uma divisão. Seu grupo decidiu exigir do IEC dividir o PCR e permitir à minoria entrar no Partido Trabalhista. Isto foi um mero ardil para chantagear o partido, visto que Healy tinha a intenção de fazer isto de toda forma. Como donos da verdade, eles acusaram Ted e Haston de fomentar “uma atmosfera de crise e terror ideológico nas fileiras” e de perseguir os “trabalhadores críticos com expulsões e ameaças”.
Em setembro de 1947, apesar dos enérgicos protestos do PCR contra “uma manobra vergonhosa para livrar-se de uma liderança democraticamente eleita de uma seção da Quarta Internacional, o IEC aceitou o pedido da minoria, e no mês seguinte uma conferência do PCR ratificou a decisão da Internacional de dividir o partido. Foi um golpe mortal para o PCR.
Como resultado, o grupo de Healy rompeu com o PCR. Ao fazer isto, eles estavam realizando a política ditada pelo secretário da 4a Internacional, Michel Pablo, que a justificou como uma forma de conquistar “todas as seções dos trabalhadores no Partido Trabalhista e nos sindicatos filiados a ele à ação revolucionária”.
Em vão, os líderes do PCR tentaram explicar ao SI que não havia condições para se conduzir com êxito um trabalho revolucionário no Partido Trabalhista naquele momento. Como explicamos anteriormente, o governo trabalhista de 1945 era o único governo trabalhista na história que realmente realizou seu programa, nacionalizando as ferrovias, o carvão e o aço, e introduzindo um programa abrangente de reformas que levaram à educação gratuita e aos serviços de saúde gratuitos – o que hoje é conhecido como o estado do bem-estar.
Havia dessa forma muitas ilusões no reformismo. Como poderia ser de outra forma? Sob essas condições, a direita estava no completo controle do Partido Trabalhista. A esquerda trabalhista estava muito mais débil do que estava antes da guerra. O caminho aos trabalhadores estava dessa forma bloqueado para o Marxismo. Estas eram as condições nas quais o grupo de Healy começou seu trabalho dentro do Partido Trabalhista. Eles entraram no Partido Trabalhista, como Ted assinalou, no momento errado e com métodos errados.
Contudo, uma vez dentro, longe de lutar por um programa Marxista, eles mergulharam nas profundidades do entrismo profundo. Formaram uma organização secreta conhecida como o “Club”, e de fato se fundiram com os reformistas de esquerda de tal forma que ficaram virtualmente invisíveis. A política leninista da frente única se resume ao lema: marchar separados e golpear juntos. Mas o primeiro princípio da frente única é: não misturar programas e bandeiras. No entanto, foi isto exatamente o que Healy fez. Longe de ganhar os trabalhadores do Partido Trabalhista às ideias revolucionárias, como Pablo afirmava, Healy estava transformando os Trotskistas em reformistas de esquerda.
Suas Amizades Socialistas incluíam deputados de esquerda como Fenner Brockway e mesmo Bessie Braddock, e Healy colaborou com eles, não sobre temas concretos imediatos, o que poderia ser permissível, mas com base em um programa comum de reformas. O que temos aqui não são acordos episódicos com os reformistas de esquerda mas um bloco programático, que era puro liquidacionismo oportunista. O jornal do Clube de Healy, Socialist Outlook, era na realidade um jornal reformista de esquerda. Eles sacrificaram a construção de uma organização revolucionária em prol da aquisição de uma “influência” amorfa e fictícia na esquerda trabalhista.
O grupo de Healy atacou o PCR por não apoiar essa linha oportunista. “Eles [o PCR] se opuseram à tática central do movimento em torno de Socialist Outlook. Naquele momento, no Partido Trabalhista, a tarefa evidente para os revolucionários era ajudar na organização de uma Ala de Esquerda”, declararam os Healystas. Eles declararam que sua prioridade não era a de construir uma tendência revolucionária, e sim “construir a esquerda” em torno de Socialist Outlook e, mais tarde, de Tribune.
Em resposta a isto, os camaradas declararam: “Além da ideia incorreta de ‘organizar a esquerda’, a ‘tática’ de Socialist Outlook, implicou a completa subordinação de Healy e Cia a ‘esquerdistas’ como Bessie Braddock, que era o ‘parlamentar correspondente’ de seu jornal, bem como as ações que os prendem a ele”.
O camarada Ted sempre rejeitou a ideia de “construir a esquerda”. Em Problemas do Entrismo (1969) ele explicou:
“Nosso trabalho no período preparatório, que ainda existe, e o de ganhar pacientemente de um a um, talvez pequenos grupos, mas certamente não é a criação de uma corrente revolucionária de massas, que não é possível no presente momento. Tratar de gritar mais alto do que nossa voz somente resulta em rouquidão e, em última instância, a perda completa da voz. Temos de nos estabelecer como uma tendência no movimento trabalhista.
O oportunismo é apenas a outra cara do aventureirismo. Ambos nascem de uma falsa avaliação das circunstâncias objetivas ou da capitulação ao entorno imediato. Isto é assim porque, sem uma firme base teórica e o controle coletivo do movimento, é fácil sucumbir de um erro a outro (…)”.
Enquanto os Marxistas participarão da esquerda, nunca será nossa tarefa “construir a esquerda”. A esquerda somente poderá ser construída tendo por base os acontecimentos. Mesmo que queiramos fazer isto, nossas forças são demasiado pequenas. A esquerda somente pode ser construída através do golpe de martelo dos acontecimentos e não pelos esforços de um grupo pequeno. Os que tentaram fazer isto, inevitavelmente terminaram no pântano do oportunismo.
Esta não era uma questão nova. Toda tentativa de abraçar os esquerdistas levou ao desastre. Mesmo antes de Healy, Trotsky criticou fortemente Pierre Frank e Raymond Molinier (entre os líderes dos Trotskistas franceses) que propuseram um bloco, não com reformistas, mas com a tendência centrista. Trotsky rompeu totalmente com eles. Ele escreveu: “Quando Molinier tentou substituir o programa do partido por ‘quatro slogans’ e criar um jornal sobre esta base, eu estava entre os que propuseram sua expulsão” (Trotsky, Em Defesa do Marxismo).
Como o PCR foi destruído
Como Ted, Jock Haston era completamente contrário a este oportunismo. Mas naquele momento Jock estava desmoralizado. O partido estava enfrentando dificuldades crescentes e perdendo membros. Sob tais condições, Haston levantou a ideia de entrar no Partido Trabalhista. Ted e Jimmy não estavam de todo convencidos. Havia muitas dúvidas nas fileiras do partido. Alguns (a facção Partido Aberto) estavam a favor de manter o PCR como um partido aberto. Ted concordava que as condições de entrada previstas por Trotsky não existiam, mas argumentou que, dadas as condições objetivas, de qualquer forma somente ganhos modestos poderiam ser obtidos, dentro ou fora do Partido Trabalhista. Por outro lado, ele esperava que as condições para entrar apareceriam em algum momento, e os trabalhos preparatórios poderiam ser realizados e certos ganhos seriam obtidos. Mas principalmente para salvar Haston e manter a unidade da liderança, Ted e Jimmy consentiram. Este foi um grande erro.
O PCR se aproximou da Internacional em Paris, mas isto foi dito com todas as letras: não nos perguntem, falem a nossa seção britânica no Partido Trabalhista. As negociações foram abertas com Healy, que concordou com a unidade, mas somente sob certas condições. Alegadamente, a fim de facilitar a unificação, não haveria nenhuma discussão das questões controversas no período inicial de seis meses. Enquanto isto, todas as utilidades, escritórios etc., eram para ser entregues à liderança “unificada” – isto é, a Healy.
Ted se opôs a estas condições, mas a maioria da liderança desastrosamente aquiesceu e a “unificação” foi aceita. Em julho de 1949, o PCR formalmente se dissolveu e seus membros se juntaram individualmente ao Partido Trabalhista. Pelo edital do SI, eles seriam colocados sob a liderança de Healy, sob o argumento absurdo de que suas perspectivas políticas totalmente equivocadas tinham se comprovado corretas.
Os antigos membros da maioria do PCR superavam em muito os 80 ou menos apoiadores de Healy e certamente o teriam deposto na conferência de 1950 do Clube, se existisse um mínimo de democracia no grupo. Mas não havia. A decisão de deter a discussão sobre temas controversos era uma manobra com a finalidade de paralisar os camaradas que estavam em desacordo com Healy. Uma vez realizada a fusão, Healy agiu de forma ditatorial, expulsando pessoas sob os pretextos mais triviais acima e abaixo do país.
Ted recordou: “O ambiente era realmente terrível. O nível teórico era profundamente baixo. Era realmente ignorante”. Haston se quebrou. Em fevereiro de 1950, ele renunciou, incapaz de tolerar a atmosfera envenenada por mais tempo. A maioria dos poucos ativos que o PCR tinha estava no nome de Haston, mas, de acordo com Ted, nesse estágio, Haston estava muito desmoralizado para tentar uma ação legal, e, dessa forma, todos os ativos do PCR terminaram nas mãos de Healy. Por esta razão, Ted sempre insistiu em que a propriedade da organização nunca deveria estar no nome de um indivíduo, não importando o quanto este seja confiável.
Charlie Van Gelderen escreveu a Ted sobre a situação de Haston em uma carta datada de 8 de maio de 1950. Nela, Van Gelderen escreve sobre uma resolução do CE contra Jock Haston. Aparentemente, apesar de Haston haver renunciado, o CE (isto é, Healy) insistia em expulsá-lo, junto a sua esposa Millie. Ted se opôs a essa decisão e Van Gelderen parece concordar com ele, mas decidiu não defender esta posição e afirmar divergências sobre os procedimentos – uma atitude bastante covarde –, mas que foi ditada pela própria desmoralização e completa subordinação de Van Gelderen à liderança da Internacional. Ele escreve:
“Depois de revirar mais de uma vez o assunto mais uma vez na minha mente, tenho de chegar à conclusão de que este não é um problema que justificasse desafiar a decisão do Clube – embora eu ainda espere que o CE vai ser deslocado de sua posição. Se Jock tivesse emitido algum tipo de declaração que contivesse alguma refutação das acusações políticas do CE contra ele, poderíamos ter usado isto como base para uma luta contra a resolução do CE, mas ele se comportou de forma completamente irresponsável, tanto antes quanto depois de sua renúncia, deixando atarantados os que eram mais próximos a ele. Não temos apenas uma perna para andar.
Do meu ponto de vista, há um outro fator, que acompanha os pontos de vista que expressei a você. Não tenho divergências de princípio com a atual liderança, embora, naturalmente, haja uma possibilidade de que estas possam se desenvolver no curso da discussão sobre a Europa Oriental, sobre o que tenho ideias muito bem definidas. Para mim, a 4a Internacional é o meu único e definitivo lugar político. Se os acontecimentos forem tão decisivos ao ponto de eu ser compelido a minha ligação com ele, então será o adeus à política para mim e por um longo tempo a vir. Certamente não estou preparado para começar qualquer novo ‘reagrupamento’. Você estará de acordo, estou seguro, de que a questão de JH não é bastante importante para mim ao ponto de cometer hara-kiri político nesta etapa”.
A carta termina com uma divertida observação:
“PS: Por certo, como resultado de sua casa de apostas, você nos deve 6 libras menos ½ d, assim, quando você puder prescindir desta pequena soma será muito bem vinda (Van Gelderen a Ted Grant 8 de maio de 1950, nos Arquivos de Ted Grant).
A debilidade convida a agressão. A recusa em tomar uma posição contra a onda de expulsões somente encorajou Healy a continuar. Millie Khan (agora esposa de Haston), Roy Tearse, George Hanson e George Noseda foram expulsos. No Executivo, em março de 1950, Jimmy Deane argumentou que a resolução condenando a adoção de Haston do reformismo poderia esperar até ele produzir uma declaração escrita, mas a aprovaram assim mesmo. Quando ele posteriormente informou Healy de seu desacordo com a abordagem da liderança, foi obrigado “a indicar, por escrito, apoio político à resolução do CE condenando Haston, sem qualquer reserva e imediatamente” (EC Statement on the Conduct of JD, 24 de maio de 1950).
Esta foi a gota d’água para Jimmy. Ele foi expulso do Clube em junho de 1950 por falta de resposta. Ele escreveu a seu irmão Brian em 4 de junho de 1950: “(…) até mesmo os estalinistas não se comportavam dessa forma. O Clube não é um movimento Trotskista, mas uma camarilha degenerada”. Ele escreveu uma carta a Ted instando-o a reunir todos os que permaneceram para lutar e defender as tradições genuínas do Trotskismo, mas esta declaração tem um tom quase desesperado. É datada de 6 de maio de 1950:
“Caro Ted.
Espero que Arthur tenha lhe passado essa obra-prima de calúnia e evasivas de Healy. Gostaria de ter suas sugestões. Pessoalmente, sinto vontade de escrever uma longa resposta na qual tentaria mostrar o que realmente aconteceu ao movimento.
O que você está fazendo, Ted? Qual é sua perspectiva? E que está disposto a fazer dentro da atual equipe para promover uma linha?
Francamente, penso que devemos tentar juntar os poucos camaradas remanescentes capazes de pensar. Deveríamos organizar uma reunião e partilhar: a) a produção de uma resolução política sobre perspectivas para o Trotskismo; b) um documento crítico analisando o trabalho realizado e demonstrando a ausência de perspectiva, tática etc., contida na resolução de Healy de 1949 (que resolução estúpida ela é!).
Ambas as coisas são necessárias para o debate prévio da pré-conferência, supondo que ainda estamos no momento (Healy me isolou completamente, na medida em que a vida do Clube passa longe de Liverpool). De fato, o ramo de Liverpool não recebeu nada de Londres, nem mesmo resposta as suas cartas etc.
Se você permitisse, eu poderia ir a Londres para discutir com você e Harry; mas estou sentindo difícil manejar isto. Por mais que você não goste de escrever cartas, não poderia de vez em quando escrever algo?
Não sei se você pensou sobre a questão de seu próprio futuro político. Suponho que sim. Mas não pensa em elaborar um caminho no qual pudesse apresentar uma contribuição real? Pessoalmente, sinto que você poderia fazer muito se você (mesmo que seja à custa de tudo o mais) se concentrasse em escrever – nós produziríamos aqui, se outros recursos não pudessem ser encontrados… Você deve fazer algo, Ted, você é o único capaz de defender e desenvolver o programa verdadeiro de nosso movimento.
Qual a sua posição sobre Jock? Que crês que deveríamos fazer? Por favor, escreva, se não pessoalmente, dite a Arthur – faça o Arthur trabalhar duro como ‘secretário’ (!) (A propósito, gosto de como ele trabalha).
Peça a Arthur para retornar sua carta – devo responder a ela em breve.
Tome cuidado com você e por favor me escreva logo uma longa carta, o mais breve possível.
Tudo de bom para você, Arthur e Harry (está ele ainda em Londres?).
Jim
PS: Como estão Jock e Millie, sob que base Roy Tear renunciou? Por favor, você poderia perguntar a Millie para me enviar o endereço de Heaton [Heaton Lee]? Ele está em Birkenhead”.
Mas já era muito tarde. Healy começou a expulsar todos os que recusaram romper contato pessoal com Haston. Ted também foi expulso, depois de 20 anos como membro do movimento Trotskista. Ele também era membro do Comitê Executivo da Quarta Internacional, mas isto não fez nenhuma diferença para Healy ou seus patrocinadores em Paris. Há uma nota de desespero em uma carta escrita por Jimmy Deane a um camarada e amigo francês, Raoul, de 25 de junho de 1950, não muito tempo depois de sua expulsão:
“A situação do movimento na Inglaterra é terrível. Houve um colapso completo. Jock, Millie [ilegível] e os outros camaradas da liderança deixaram o movimento. Healy e seus seguidores ganharam completamente o controle do que resta. Somente recentemente fui expulso porque, junto a Ted Grant, representava uma potencial oposição política ao domínio de Healy. Você sabe, Raoul, como as coisas mais incríveis acontecem neste pequeno grupo. As pessoas são expulsas à direita e à esquerda sem qualquer razão séria. Naturalmente, estou lutando por minha reintegração no grupo e acabei de enviar um apelo a Izzie. Talvez G. [Gabriel, isto é, Pablo] saiba o que está ocorrendo aqui e apoie isto, mas se ele sabia ou entendia a verdade, deve estar horrorizado.
O agrupamento de Healy aqui tem evitado qualquer discussão por quase um ano. Nenhuma discussão política foi permitida nas células, e agora, às vésperas da discussão da pré-conferência, fui expulso e outros foram ameaçados de expulsão. Deixe-me repetir que as acusações são estúpidas ao extremo. Ninguém pode considerá-las seriamente.
Não há nenhum órgão público do Trotskismo. Healy combina as frases mais ultrarreacionárias com o oportunismo mais repugnante. O jornal não é nada além de um veículo através do qual os elementos mais estéreis e perigosos se expressam. Perigosos porque, como LT [Trotsky] assinalava, agem como cobertura de esquerda para a burocracia do LP. Em vez de expor estes demagogos de esquerda, ele os apoia. O jornal nunca atacou os estalinistas.
As coisas chegaram a uma bela situação. Vejo que G. [Pablo] já chegou à posição que propusemos sobre a Iugoslávia etc. O Grupo aqui e agora não tem nenhuma posição própria sobre qualquer coisa, mas continua, no entanto, a conduzir uma campanha contra as posições sustentadas pelo ex-PCR (você sabe, naturalmente, que fusionamos com Healy e que entramos no LP) sobre a Grã-Bretanha, onde temos sido cem por cento corretos, sobre a Iugoslávia, onde, mais uma vez, fomos os únicos na Internacional a declarar que este era um estado dos trabalhadores, sobre a recuperação europeia, onde colhemos amarga hostilidade porque dissemos que havia recuperação – e assim por diante.
Contudo, não nos sentimos desanimados. A verdade vem à tona no final. O fato de que Joe Hansen, E. R. Frank, G. e outros finalmente tenham chegado basicamente às mesmas conclusões nossas sobre a Iugoslávia e Europa Oriental apenas prova isto. O presente período é talvez um período necessário na clarificação e ordenamento de nossas ideias. Esta é a tarefa. Preparar de forma paciente e séria o futuro”.
Jimmy era demasiado otimista sobre os escrúpulos morais de Pablo e Mandel. A expulsão de Ted foi ratificada no Terceiro Congresso Mundial sob moção de Ernest Mandel que era conhecido por seu nome partidário, Ernest Germaine.
Havia uma ironia em tudo isto. Healy era conhecido em todo o movimento como um gangster. Um antigo membro da ILP, com quem me encontrei uma vez, o descrevia como um “horrível pequeno monstro”, e esta opinião era quase universal. Healy havia sido expulso de WIL em várias ocasiões por seu mal comportamento. Mas em todas as ocasiões ele pôde apelar contra sua expulsão e Ted e Jock aceitariam sua volta ao Partido, na esperança de utilizar sua capacidade organizativa. Mas agora que a bota estava em outro pé, Healy não mostrou nenhuma generosidade.
Jock Haston foi efetivamente expulso do movimento por Healy. Mas também foi vítima dos chamados líderes da Quarta Internacional. Logo depois, Haston rompeu com o Trotskismo completamente e se mudou para a direita, embora permanecendo no movimento trabalhista.
Eu somente o encontrei em uma ocasião, e foi nos anos 1970, muitos anos depois de que ele se separou do movimento Trotskista. Mas eu tinha uma vaga ideia do quão longe ele tinha se movido. Isto foi no tempo em que os patrões estavam pressionando duramente para introduzir acordos de produtividade e trabalho diário medido, no lugar de trabalho por peça que os trabalhadores haviam conseguido transformar em vantagem, com base na forte organização sindical nos locais de trabalho.
Para serem bem sucedidos, os patrões necessitavam envolver os sindicatos no que era realmente uma contrarrevolução no chão da fábrica. Quando estudava este plano, foi-me dado conhecer um documento publicado pelo departamento educacional da ETU, o sindicato dos eletricistas, que estava então sob a liderança da extrema-direita. Quando li o artigo sobre a medição do dia de trabalho, fiquei surpreso com a linha da argumentação, que defendia uma posição reacionária com argumentos que pareciam de esquerda.
O autor argumentava que Lênin estava a favor de elevar a produtividade do trabalho e que mesmo defendeu o Taylorismo nos anos 1920. Contudo, ele convenientemente esqueceu de mencionar que Lênin estava falando sobre a necessidade de elevar a produtividade do trabalho em um estado dos trabalhadores, e não sob o capitalismo! Ele inclusive afirmou que o dia medido de trabalho poderia ser um passo na direção do controle operário. O nome do autor era – Jock Haston. Esta é uma prova conclusiva do velho ditado: “o diabo pode citar a Bíblia”.
Creio que estava em uma Conferência do Partido Trabalhista quando Ted me apresentou a Haston. Ele estava visivelmente envelhecido, e não somente pela passagem dos anos. Foi embora o arrojado, belo e enérgico revolucionário do PCR. Em seu lugar via-se um homem envelhecido e quebrado, tentando esconder sua apostasia de si mesmo com uma fina camada de cinismo. No entanto, ele não era de todo hostil, mas me deparei com um homem cansado e desgastado, um homem com nada mais para dar, um fantasma vivo.
Muitas vezes tive ocasião de observar o mesmo fenômeno em pessoas que abandonaram o movimento, particularmente quando tinham anteriormente desempenhado um papel de liderança. Parecem ter perdido o rumo, não apenas na política, como também na vida. Eles derivam sem rumo, como um barco sem leme, até naufragarem sem deixar vestígios.
Eu observava o rosto de Ted enquanto ele estava perto de seu velho camarada de armas, e notei uma expressão que não tinha visto antes e que nunca vi depois. Era uma expressão de profunda dor, pesar e tristeza, como se dissesse: “Velho amigo, o que você fez? Que desperdício terrível!”. Mas Ted nada disse exceto algumas frases brincalhonas e eles se separaram sem comunicar nada um ao outro. Afinal, o que se poderia dizer?
Como um posfácio para este conto lamentável, parece justo acrescentar que Gerry Healy teve o final que merecia. Ele foi exposto por seus próprios camaradas como um vigarista e um tirano, e foi expulso de sua própria organização, tendo sido considerado culpado, entre outras coisas, de corrupção, abuso de poder e sérias ofensas sexuais contra camaradas do sexo feminino. Seu nome, se for alguma vez lembrado pelas futuras gerações, será sempre equiparado à vergonha e à iniquidade. Portanto, sempre restou alguma justiça na terra apesar de tudo.
“Eles destruíram a Quarta Internacional”
A destruição do PCR removeu o único obstáculo sério no caminho da degeneração da Quarta Internacional. Depois disto, Pablo, Mandel e Frank se sentiram livres para empezinhar a democracia interna e acabar com todos os dissidentes por meios organizacionais. Toda oposição foi esmagada impiedosamente. Eles só estavam interessados em uma organização obediente, esquecendo o que Lênin advertiu uma vez a Bukharin: “Você quer obediência? Você terá tolos obedientes”.
Quando Mandel e Frank timidamente tentaram levantar objeções à linha de Pablo, logo foram chamados às falas pelo patrão. Por trás disto, havia considerações de prestígio pessoal. Pablo é citado dizendo: “O que vocês desejam? Quanto a mim, tenho meu bastão como um marechal. Não posso aceitar ser expulso do Secretariado Internacional” (citado em R. J. Alexander, International Trotskysm, p. 381). Esta frase alada praticamente resume a mentalidade dessas pessoas; generais sem exército, inchados de sua própria importância e devorados pela enfermidade da política de prestígio.
Os métodos zinovievistas da liderança da Internacional eram uma receita pronta e acabada para novas crises e divisões. “Infeliz nas fusões e feliz nas divisões”, Ted costumava brincar. Em 1953, a Quarta Internacional devidamente se dividiu em duas: os estadunidenses criaram uma ferramenta rival à de Pablo em Paris. Esta foi apenas uma divisão entre duas camarilhas rivais. Mas para Gerry Healy, a divisão entre Pablo e Cannon era maná caído do céu.
Healy, antes seguidor servil de Pablo, imediatamente abandonou o barco e se aproximou de Cannon. Os camponeses russos tinham um ditado: “Deus está no céu e o czar, muito longe”. No que se refere a Healy, era preferível ter a liderança da Internacional em Nova Iorque do que em Paris: quanto mais longe, melhor. Ele agora tinha praticamente carta branca na Grã-Bretanha.
As mesmas manobras que tinham sido realizadas na Grã-Bretanha continuaram agora na França. Não é acidental que houvesse oposição feroz a Pablo na França. O SI se baseava em Paris e os Trotskistas franceses puderam ver como seus “lideres” estavam empenhados. O líder da facção de Raoul era Marcel Bleibtreu (também conhecido como Pierre Favre). Quando Pablo levantou a ideia de “entrismo sui generis”, a maioria da seção francesa (o Partido Comunista Internacionalista ou PCI) se moveu em oposição a Pablo, e em 1952, sua facção tinha a maioria do PCI, deixando Pablo em minoria. Mas estar em minoria nunca impediu Pablo de decidir sobre a linha política. Ele simplesmente suspendeu a maioria! Isto dividiu a seção francesa em duas.
Jimmy Deane, que estava particularmente interessado na seção francesa, olhava horrorizado com os informes que chegavam do outro lado do Canal. Ele escreveu uma carta indignada a alguém chamado Bob com instruções que foram passadas com urgência a Ted Grant. Ela é datada de Liverpool, 23 de julho de 1952:
“Caro Bob,
Grato por sua carta. Lamento por ser um pouco tarde em responder.
Recebi uma coleção de material e uma carta da França. Houve alguns importantes desenvolvimentos lá. É uma longa história e, em qualquer caso, ainda não tive a oportunidade de ‘ler’ os documentos – alguns dos quais devemos ter traduzidos e distribuídos. São pura dinamite. Temos de fazer que cada Healista receba as notícias.
Durante os últimos 18 meses o SI tem procurado destruir a maioria francesa – você se lembrará que os elementos anti-Pablo ganharam a maioria. Por um tempo, mesmo Pierre Frank, [Jacques] Privas e Germaine [Mandel] se opuseram a Pablo (Gabriel) e suas manobras. É claro que Pablo se excedeu em usar a ‘disciplina revolucionária’, ameaças de expulsão e sanções (uma repetição da experiência britânica), para forçar a maioria a aceitar a decisão da 8a Plenária do IEC que foi:
1) Que os apoiadores do SI (a minoria do partido) deviam ter uma maioria do BP [Bureau Político] para se preparar para o congresso do PCI e três meses depois deste congresso.
2) Discussão livre e democrática etc., estava garantida. O SI etc., não poderia tomar nenhuma medida organizacional contra a atual maioria do partido.
A maioria (em minha opinião estupidamente) aceitou isto sob a ameaça de expulsão da 4a Internacional.
Naturalmente, todas as garantias foram descumpridas e um pouco mais de dois meses antes do congresso do PCI, que foi realizado na semana passada, a atual minoria do partido (liderada por Frank, J. Privas, R. Mestre e Corvin) estava se preparando para dividir e roubar os equipamentos do partido. Em 27 de junho, eles realmente invadiram os escritórios do partido, usando chaves que eles tinham feito no início de maio, e roubaram um duplicador acionado eletricamente, dois duplicadores operados à mão, algumas máquinas de escrever etc. O PCI escreveu uma série de declarações endereçadas ao conjunto da Internacional denunciando Frank et al como ladrões e Pablo como o mentor.
A minoria foi orientada a devolver o equipamento do partido, mas se recusou a fazer isto. Então, foram suspensos.
Quinze dias antes do congresso do PCI, a minoria anunciou que não tomaria parte, que se recusava a reconhecer as decisões e a liderança eleita. Assim, na véspera do congresso, eles se separaram do partido.
Pablo agora está organizando (provavelmente já organizou) a expulsão da seção francesa. Os Healistas franceses serão ‘oficialmente nomeados’ etc.
Ainda não li as resoluções políticas com cuidado, mas a questão central parece ser que a facção de Pablo propôs, com base em uma completa caracterização neo-estalinista do PCF (Partido Comunista da França), a entrada do PCI no PCF. Sobre isto e toda uma série de argumentos revisionistas eles foram derrotados pelos membros do PCI. Somente uma minoria de elementos pequeno-burgueses verdadeiramente apoiaram Pablo e sua gang. Finalmente, a ‘facção pablista’ propôs uma ‘solução’ – realizar as duas táticas; que deviam manter o partido independente, mas em seu trabalho sindical. Nas fábricas etc.; submeter-se não a um bloco sobre temas práticos, mas literalmente se submeter às forças estalinistas.
Este é o pano de fundo da luta.
O PCI caracteriza a facção de Pablo como liquidadores neo-estalinistas; embora não mencionem a experiência britânica, é claro que a têm em mente.
Felizmente, eles estão em melhor estado de ânimo e em condições de resistir a Pablo e reconstruir. Todos os elementos operários estão com eles, e eles têm alguns camaradas capazes de liderar (Lambert). Contudo, temo que, isolados e com o SI em sua porta, será muito duro para eles sobreviver. Se tivéssemos algumas forças, poderíamos ajudar [com a] distribuição de documentos para países que falam inglês etc. É evidente que devemos entrar em contato com eles oficialmente, discutir pontos e ver como podemos trabalhar juntos.
Gerard Bloch (que está com a maioria) está impressionado com a nossa revista. Disse que vai escrever.
Tem você alguém em Londres que possa fazer traduções de primeira classe? As minhas não são de primeira classe (nem sequer da décima!) e em qualquer caso tomaria um grande tempo fazê-las. Mas temos de fazer com que as declarações sejam impressas em inglês e distribuídas. Vou fazer isto no meu nome para evitar quaisquer reflexos sobre o PCI – por acaso.
Este desenvolvimento é importante e, em minha opinião, bom. Mostra que ainda há esperança, eles não estão todos perdidos, e nossa avaliação de Pablo, Frank, Healy, Cannon et al, tem sido absolutamente correta. Estes bastardos destroçaram a 4a Internacional. Mais cedo ou mais tarde, esta verdade penetrará até nos duros crânios de [ilegível], dos indianos e dos estadunidenses (…)”.
Em 1952, houve dois congressos do PCI. A maioria tinha cerca de cem membros e a minoria cerca de trinta. Outros abandonaram desgostosos. Proeminente na facção de Bleibtreu era um jovem trabalhador, Pierre Lambert, um sindicalista e líder da Comissão do Trabalho do PCI. Bleibtreu mais tarde foi expulso por Lambert a partir de desacordos sobre a questão argelina, e Lambert assumiu a liderança de sua facção.
Os que seguiam a linha de Pablo e entraram no Partido Comunista Francês, foram logo absorvidos no meio estalinista ou expulsos. Em Brest, onde os Trotskistas tinham desempenhado um papel de liderança em uma importante greve em 1950, eles desapareceram completamente. Os efeitos destrutivos dos métodos zinovievistas continuaram a causar estragos nas já enfraquecidas fileiras do movimento. A derrota havia se convertido em debandada.
[7] Ver capítulo anterior. “Resposta aos camaradas Cooper e Stuart” e “Carta Aberta aos membros de SWP”, em Escritos, Ted Grant, vol, 2,
[8] “A Nova Paz Imperialista e a Construção dos Partidos da Quarta Internacional”, Resolução adotada pela Segunda Conferência Internacional da Quarta Internacional, Paris, abril de 1946.