Teses sobre a Luta de Classes no Canadá: Perspectivas Canadenses 2013 – Parte 1

A situação política em todo o estado canadense se caracteriza por sentimentos latentes de descontentamento que irrompem em explosões esporádicas. Todos estes movimentos são manifestações da crise econômica subjacente. Para ajudar a armar os trabalhadores e os jovens para a luta que se aproxima, Fightback está publicando nossas perspectivas políticas para 2013: Teses sobre a Luta de Classes no Canadá. 
 
 
 
 
 
Cresce uma raiva latente na sociedade
 
A situação política se caracteriza por sentimentos latentes de descontentamento que irrompem em explosões esporádicas. O Movimento Ocuppy que foi previsto pelos marxistas, aparentemente irrompeu espontaneamente e logo desapareceu. A fantástica greve dos estudantes de Quebec, que ajudou a derrotar os liberais de Jean Charest, conseguiu mobilizar centenas de milhares de pessoas e desencadeou as inspiradoras manifestações das caçarolas. Atualmente, a opressão acumulada sentida, pelo povo da First Nations, [Termo canadense que se refere aos povos indígenas no que hoje é o Canadá] se expressa através do movimento Idle No More [Marcha Lenta]. Todos estes movimentos são manifestações da crise subjacente do sistema.
 
Embora explicitamente desvinculados em termos organizacionais, todos estes movimentos compartilham traços comuns. Em primeiro lugar, e de forma significativa, mobilizam de forma esmagadora a juventude. Em segundo lugar, sua crítica condena implicitamente todo o conjunto da sociedade. E, em terceiro lugar, há um significativo elemento espontâneo em todos eles. Nenhuma dessas semelhanças é acidental.
 
A juventude sente a crise do sistema de forma muito mais severa e, assim, é a primeira a se movimentar. Desprovida das sobrecargas do hábito, da rotina e das derrotas do passado, os jovens são muito mais sensíveis à enfermidade subjacente na sociedade. Este fenômeno é internacional. Na Grécia, o atual movimento de greve geral e de radicalização da opinião pública foi precedido por um levantamento da juventude, desencadeado depois do assassinato de um jovem de 15 anos de idade pela polícia, Alexandros Grigoropoulos, em dezembro de 2008. Na Espanha, o movimento dos indignados de 2011 abriu caminho à atual etapa de crise do regime. Não esqueçamos as revoluções árabes também iniciadas pela juventude.
 
Até aqui, a espontaneidade tem desempenhado um papel significativo. Isto pode aparentemente contradizer os marxistas que dão ênfase específica às organizações de massa da classe trabalhadora. A realidade é que existe uma enorme pressão dentro do sistema. Esta pressão está desesperadamente à procura de uma saída. Infelizmente, as estruturas que foram construídas para ajudar aos trabalhadores e aos jovens a expressar sua ira estão bloqueadas. A liderança burocrática e reformista do movimento dos trabalhadores e os partidos dos trabalhadores estão fazendo de tudo o que está ao seu alcance para amortecer a luta. Mas a crise econômica e social continua sem pausa e o movimento busca uma saída. É por esta razão que os movimentos Ocuppy, Caçarolas e Idle No More vieram à tona independentemente e fora das organizações de massa.
 
Contudo, a espontaneidade tem suas limitações. O que irrompe de forma espontânea pode se dissipar rapidamente se não houver uma estrutura estável que o consolide. Nas etapas iniciais, a espontaneidade pode produzir um incrível impulso e força. A natureza difusa do movimento significa que todos podem identifica-lo como sua própria causa. No entanto, a luta revolucionária não é algo simples. A reação aprendeu a lidar com tais movimentos sem liderança, usando tanto a repressão quanto o subterfúgio. Concessões oportunas podem servir para separar as massas de suas camadas mais avançadas, ou, alternativamente, o estado pode simplesmente esperar que o movimento dissipe o vapor por si só. As pessoas só podem participar de demonstrações por um tempo antes de voltar a dar atenção às suas próprias vidas. Isto se exacerba quando as massas não veem um caminho claro para a vitória. Foi este o caso com o movimento Ocuppy, e teria sido o caso dos estudantes de Quebec em numerosas ocasiões se o governo Charest não tivesse realimentado o movimento aplicando novas formas de opressão e, em seguida, dando ao povo uma nova saída através da eleição provincial. Os limites da espontaneidade ficaram evidentes nas revoluções árabes; depois de derrubar o regime não havia nenhum meio existente através da qual o povo revolucionário tomasse o poder. Nesta situação, os elementos islâmicos preencheram o vácuo organizacional. O povo agora tem de pagar o preço de novos levantamentos e sacrifícios antes da revolução ser completada.
 
Até hoje, a classe trabalhadora canadense não entrou na luta de forma decisiva. Isto é assim  não porque os trabalhadores estejam de alguma forma contente. Há um progressivo assalto contra a classe trabalhadora. Os trabalhadores de Air Canada, Canada Post, CP Rail e os professores de Ontário, para mencionar alguns, enfrentaram contratos forçados e a remoção do direito de greve. Isto levou a demonstrações de massas e mesmo a uma greve selvagem vitoriosa em Air Canada. Mas, sem exceção, a liderança dos sindicatos foi incapaz, ou se recusou, a realizar as ações necessárias para derrotar os ataques. Todos eles se curvaram perante o altar da legalidade burguesa e todos estes movimentos foram abortados antes que pudessem decolar. Há um velho ditado no movimento dos trabalhadores que diz que a fraqueza convida à agressão. A presente fraqueza no topo do movimento está sendo utilizada pelos governos de direita para ganhar vantagem. Direito de trabalhar e outras legislações antissindicais agigantam-se como perspectiva real.
 
No entanto, os burgueses estão aconselhados a proceder com cautela. Estão habituados a lidar com as burocracias covardes que capitulam perante uma luta de verdade. Mas se pressionarem muito os trabalhadores, estes vão afastar seus falsos líderes. Isso levará tempo e é impossível prever quando exatamente os trabalhadores empunharão o bastão de luta que lhes oferece a juventude, o que poderia ocorrer em seis meses, 12 meses ou cinco anos, a partir de agora. Não sabemos quando o movimento avançará, mas até que ele o faça, devem se esperar levantamentos espontâneos esporádicos. 
 
Devido à ausência de uma liderança revolucionária da classe trabalhadora, o movimento necessariamente será prolongado, com muitas derrotas e até mesmo períodos de reação e decepção. Mas o desenvolvimento geral à elevação da luta permanece imutável porque o sistema capitalista não oferece nenhuma outra saída para a classe trabalhadora em futuro previsível.
 
Nenhuma saída econômica sob o capitalismo
 
Os marxistas não são deterministas econômicos. A conjuntura econômica dá cores ao desenvolvimento da luta de classes no sentido geral, mas os detalhes de cada luta são independentes da economia. Há uma relação dialética, não linear, entre a economia e a luta de classes. Em geral, uma sociedade que pode desenvolver os meios de produção pode se permitir concessões que tendem a promover a estabilidade. Uma sociedade que não pode fazer isso entrará em um período de declínio e crise.
 
Não acreditamos que haja alguma perspectiva real de crescimento econômico no Canadá suficiente para desobstruir um novo período de reformas que beneficiem a classe trabalhadora. Este ponto de vista é compartilhado pelos estrategistas do capital. Por exemplo, Don Drummond, o ex-economista-chefe do Banco Dominion, de Toronto, fundamentou que não via taxas de crescimento que excedessem os 2% em futuro previsível. A burguesia não está prevendo crescimento e reformas; ela está prevendo cortes e austeridade pelo menos durante uma década, se não mais.
 
Em vez de ser pessimista, como alguns reformistas afirmam, parece que a previsão de Drummond e Cia um crescimento de 2% pode até ser demasiado otimista. Existem possibilidades reais de que a economia canadense sequer atinja esta morna taxa de crescimento. 
 
O endividamento das famílias no Canadá é presentemente mais de 160% da renda pessoal anual, e isto tem sido um fator importante no recente rebaixamento da classificação de crédito dos grandes bancos canadenses. A baixa taxa de juros desencadeada pelo crash financeiro de 2008 levou à produção de uma bolha nas maiores cidades do Canadá. Há 120 altos prédios que estão sendo planejados ou já se encontram em construção em Toronto. Este é o mais elevado nível de atividade no planeta, seguido por um número de projetos (perto de 30) sendo construídos na Cidade do México. Vancouver, Toronto e outras cidades canadenses, continuam a ter os menores e mais acessíveis preços de habitação no mundo. Isso atualmente dá impressão  de que os preços das moradias estejam desacelerando, mas os preços não estão agindo assim. Esta situação não pode continuar indefinidamente e uma correção será inevitável, mais cedo ou mais tarde. A freada da atividade econômica e do emprego associados à da construção civil será o choque que enviará o Canadá a novos maus tempos dos negócios.
 
Os comentaristas econômicos estão esperançosos sobre a economia dos EUA entrar em recuperação e com isso arrastar o Canadá, mas isso não está se materializando. O PIB dos EUA na verdade caiu 0,1% no quarto trimestre de 2012, mais de um ponto percentual abaixo do esperado. Isto reflete parcialmente a continuada crise econômica global, com a Europa em estado lastimável.
 
O demissionário governador do Banco do Canadá, Mark Carney, admoestou as corporações canadenses por estocarem mais de 500 bilhões de dólares em dinheiro morto que poderiam ser investidos para revitalizar a economia. Esta quantidade é 1/3 do PIB canadense, índice quatro vezes superior ao dos EUA. Essencialmente, as corporações canadenses estão embolsando todos os cortes e estímulos fiscais do governo sem investir na economia em geral.
 
Este dinheiro acumulado é algo perfeitamente lógico no insano sistema de livre mercado do capitalismo. O economista do Royal Bank of Canada, David Onyett-Jeffries, explicou: Dada a persistência de um alto grau de incerteza sobre o panorama da economia global, é, por conseguinte, razoável que as empresas optem por manter uma relativamente maior estocagem de dinheiro, a fim de não serem pegos desprevenidos quando a próxima crise mostrar seu feio rosto. Em outras palavras, os capitalistas não têm nenhuma fé em seu sistema e isto se expressa no idioma mais importante de todos: o dinheiro. Os capitalistas não investem para se divertir, investem para o lucro. Sem esperança de que o investimento vá trazer algum retorno, o sistema se paralisa. Esta é a condenação mais clara do sistema.
 
Muito se tem dito sobre a estabilidade dos bancos do Canadá. De fato, eles estão bem assegurados através da Canada Mortgage and Housing Corporation (CMHC) de propriedade do governo. Um fato pouco conhecido é que os bancos canadenses receberam um resgate financeiro secreto de 125 bilhões de dólares via CMHC depois do crash financeiro de 2008. Com base nas avaliações do mercado de ações, este dinheiro era suficiente para nacionalizar efetivamente o setor bancário canadense. No entanto, esta dádiva do governo não deteve os banqueiros de se outorgarem a si mesmos bilhões de dólares em bônus enquanto sugavam da teta pública. Do ponto de vista dos trabalhadores que enfrentam a austeridade, a injustiça desta situação é clara (e tem sido tratada além). Contudo, isto tem importantes ramificações para a própria estabilidade do sistema.
 
No caso de um novo crash do mercado imobiliário, combinado com um aumento no desemprego e com uma vaga de bancarrotas devido ao historicamente alto nível de endividamento pessoal, os bancos do Canadá encontrar-se-ão sob uma pressão significativa. Contudo, via CMHC, é quase garantido que nenhum dos grandes bancos afundará. Isto tem sido caracterizado como privatização dos lucros e socialização das perdas. As dívidas podres serão transferidas ao contribuinte, aumentando significativamente a dívida governamental. Em relação ao PIB a dívida canadense já é alta, mas este desenvolvimento seria suficiente para levá-la à níveis críticos.
 
De acordo com The Times Magazine, a dívida agregada do Canadá (federal + provincial + municipal + dívida corporativa da Coroa), em relação ao PIB, se compara da seguinte forma com outras economias:
 
Espanha: 75%
 
EUA: 75%
 
Alemanha: 83%
 
Canadá: 87%
 
Reino Unido: 91%
 
Itália: 121%
 
Grécia: 158%
 
Japão: 225%.
 
Os níveis atuais da dívida são a consequência lógica da onda internacional de austeridade. O Canadá não se exclui desta tendência. Alta dívida, combinada com uma taxa reduzida de crédito, aumenta o custo do serviço da dívida acima de todos os demais serviços governamentais. Os capitalistas não podem simplesmente ignorar isto. Na eventualidade de um novo resgate, o Canadá pode se encontrar numa situação de longe mais desesperada do que a atual. 
 
Todas as perspectivas são condicionais em termos de ritmo e extensão. Todos os que afirmam saber precisamente como a economia se desenvolverá são frequentemente as mesmas pessoas que estão a oferecer sistemas de vendas em pirâmide. No fim das contas, não há nenhuma crise final do capitalismo. O sistema capitalista sempre encontrará uma saída, de uma forma ou de outra. Contudo, esta afirmação não esgota a questão. De uma forma ou de outra não significa que se pode simplesmente chegar ao crescimento, automaticamente, de forma rápida ou indolor. A última grande crise do capitalismo somente foi resolvida depois de uma década de depressão, do extermínio de 50 milhões de pessoas, com uma potente erradicação de parte da civilização. Não sabemos que medidas a burguesia necessitará introduzir para reequilibrar seu sistema, mas estamos convencidos de que a construção de uma nova sociedade será de longe menos dolorosa e menos custosa do que manter a motivação do lucro.
 
continua na parte 2
 
Tradução: Fabiano Adalberto