A decisão dos tribunais poloneses de proibir de fato o aborto legal provocou uma resposta furiosa de trabalhadores e jovens (tanto homens quanto mulheres), que estão lutando contra este ataque reacionário.
O governo do PiS (Partido da Lei e Justiça) na Polônia, liderado por católicos de direita e nacionalistas, há anos tenta aplicar leis extremas contra o aborto, sob pressão da Igreja Católica. Todas as tentativas até agora foram repelidas pela mobilização em massa de mulheres, predominantemente jovens e da classe trabalhadora, nas ruas.
O dia 22 de outubro, no entanto, marca uma virada. O PiS levou suas provocações e ataques um passo longe demais. Devido ao maior aumento de casos de coronavírus desde o início da pandemia, o governo proibiu reuniões de mais de cinco pessoas, seja em ambientes fechados ou ao ar livre.
Em seguida, decidiu realizar o que se esforçou para implementar durante anos. Não é mais legal interromper a gravidez com base em defeitos fetais, o que constitui 95 por cento de todos os abortos realizados na Polônia. O Tribunal Constitucional, totalmente apoiado pelo governo, conseguiu fazer com que isso fosse aprovado. Esta é uma proibição de fato do aborto, que eles pensaram que iriam avançar por causa da pandemia.
Para o completo espanto do PiS e seus capangas, esse movimento explodiu completamente em suas caras. Uma onda de raiva está varrendo a Polônia. Grandes e radicais manifestações em todo o país ocorreram por sete dias consecutivos, atacando abertamente o establishment e a Igreja Católica por seu papel reacionário na sociedade, apesar da tentativa de intimidar e criminalizar os protestos.
Um movimento histórico
O que está acontecendo excede em muito os movimentos anteriores, tanto em termos de qualidade quanto de quantidade. Isso é sem dúvida agravado pelos anos de experiência do governo PiS, que foi visto como humilhante, especialmente para as mulheres, pessoas LGBT, bem como trabalhadores e jovens como um todo. Além disso, o PiS está administrando uma recessão acentuada, que está ameaçando o sustento de milhões. A Polônia evitou o principal impacto da crise de 2008, mas agora mergulhou nela com força.
O movimento começou com protestos espontâneos nas principais cidades, mas desde então ganhou um grande impulso. Na segunda-feira, 26 de outubro, 226 vilas, cidades e até aldeias protestaram. Na quarta-feira, a polícia confirmou 460 manifestações. As principais cidades de Varsóvia, Poznan, Cracóvia ou Lódz tiveram comparecimento em massa e foram efetivamente paralisadas.
Tens of thousands of people in Poland have defied Covid-19 restrictions to protest against a new high court ruling that imposes a near-total ban on abortion. https://t.co/eP11ZEiL1F pic.twitter.com/I0DfUZhjbj
— The New York Times (@nytimes) October 28, 2020
@nytimes Dezenas de milhares de pessoas na Polônia desafiaram as restrições da Covid-19 para protestar contra uma nova decisão do tribunal superior que impõe uma proibição quase total do aborto.
O estado de ânimo é totalmente contrário a qualquer coisa que se pareça com o status quo. Estátuas do papa João Paulo II, Ronald Reagan e outras figuras representativas da restauração capitalista foram vandalizadas. As missas de domingo foram interrompidas, as paredes das igrejas grafitadas pelos manifestantes. Os principais lemas incluem: “Gostaria de poder abortar o meu governo” e “Isso é guerra”. Essas cenas revelam uma profunda reviravolta na imagem da Polônia religiosa e politicamente tranquila do período anterior.
Surpreendentemente, cidades tranquilas em áreas rurais estão vendo uma participação sem precedentes nos protestos. Em Bialystok, um reduto tradicional do PiS , mais de 10 mil participaram de uma marcha. Pequenas cidades estão testemunhando grandes manifestações; por exemplo, Trzebnica, uma pequena cidade com uma população de 10 mil, viu uma manifestação de 2 mil pessoas. Na pequena cidade de Novy Dwór Gdansk, os fazendeiros bloquearam todas as estradas principais com seus tratores. Não há canto do país que não tenha sido afetado.
Na verdade, é a participação da classe trabalhadora e os métodos de luta proletários – incluindo as greves – que dão força a este movimento. Motoristas de bonde, ônibus e taxista participaram de bloqueios de estradas. Mineiros, enfermeiras e outros grupos de trabalhadores representados por sindicatos expressaram seu apoio. Esse tipo de apoio generalizado, direto ou indireto, não ocorreu nessa escala nos protestos contra a lei original do aborto de 2016.
Embora o papel da polícia tenha sido o de defender o status quo – com denúncias de abuso, violência e spray de pimenta – o moral em suas fileiras está visivelmente baixo. Em Cracóvia, grupos inteiros de policiais largaram os cassetetes e se juntaram aos protestos. Isso reflete a debilidade da força do ânimo do estado burguês.
Jaroslaw Kaczynski, do PiS, havia feito uma declaração na qual tentou intimidar o movimento. Ele corretamente afirmou que o ataque à Igreja Católica polonesa é “sem precedentes na história polonesa”. Ele concluiu que o objetivo do movimento é “destruir a Polônia e acabar com a história da nação polonesa”. Ele passou a apelar a seus apoiadores para “defender a igreja a todo custo”.
Esta é uma chamada direta à extrema direita, representada pelo partido Konfederacja (Confederação), e às camadas mais atrasadas de apoiadores do PiS, para atacar os manifestantes. Na verdade, houve vários relatos de carros atropelando os manifestantes e de fascistas usando violência para impedir os manifestantes de chegar a qualquer lugar próximo às igrejas. Konfederacja está criando uma “Guarda Nacional”, que visa organizar os “soldados do patriotismo polonês”.
Mas o equilíbrio de forças não está a seu favor. Suas ações podem apenas adicionar combustível ao fogo. 74% de toda a população se opõe à mudança e apenas 13% a apoia. Além disso, 56% apoiam diretamente o movimento de protesto. Houve cenas em que alguns torcedores do Legia de Varsóvia, um grupo tradicionalmente reacionário, se posicionaram em defesa dos protestos femininos e atacaram os apoiadores do Konfederacja em brigas. Este é apenas um exemplo de quão nítida e abrangente é a mudança na consciência de massa.
O movimento já supera a extrema direita e expõe sua fragilidade. Mas para se manter, esse poder precisa ser organizado, com o total apoio dos sindicatos e líderes dos partidos de esquerda, em um partido independente de massas da classe trabalhadora. Somente esse tipo de organização será capaz de esmagar a reação onde quer que apareça sua repulsiva cabeça.
Derrube o governo!
Strajk Kobiet, uma das organizações através das quais esses protestos foram convocados, exigiu a renúncia do governo e a convocação de um “conselho consultivo, como na Bielo-Rússia, para limpar a bagunça”. Exige que o conselho seja composto por “todos os grupos pró-democráticos” e por “especialistas”.
A demanda parece um passo na direção certa, mas não é suficiente. Quem são esses “especialistas”? Os mesmos economistas que supervisionaram a liquidação em massa da década de 1990? Ou liberais e acadêmicos que não têm ideia de como lutar contra o PiS e que não desempenham nenhum papel real nesse movimento? Esses elementos liberais, que disputam o controle do movimento, vão levá-lo a um beco sem saída.
Os verdadeiros especialistas da sociedade são os trabalhadores, que sabem administrar seus locais de trabalho. Em aliança com estudantes, aposentados, desempregados e todos os oprimidos, devem ser eles os dirigentes de tais conselhos, que nada serão se não forem constituídos por todas as camadas da classe trabalhadora.
O governo sabe que o tempo pode desgastar esse movimento. A liderança precisa dar um passo adiante e galvanizar a raiva que existe em toda a sociedade polonesa contra o governo PiS e o sistema que eles representam. Strajk Kobiet lançou pesquisas com seus apoiadores e ampliou as demandas para incluir:
- Banir a extrema direita e grupos de vigilantes fascistas.
- Condições de trabalho e de vida decentes para todos.
- Luta contra as mudanças climáticas.
- Direitos plenos para pessoas LGBT: não às “zonas livres de LGBT”!
A raiva nesses protestos é a raiva contra todo o sistema, que não oferece futuro para todos os trabalhadores e jovens.
Os marxistas poloneses, em torno da organização Czerwony Front, estão defendendo essas ideias e perspectivas dentro do movimento.
Não precisamos esperar o PiS renunciar para nos organizarmos. O jogo deles é esperar e torcer para que os protestos acabem. Não devemos permitir isso. Comitês interdistritais de greve devem ser convocados imediatamente em cada cidade, vila e aldeia – organizando todos os trabalhadores, estudantes, aposentados para coordenar o movimento e defendê-lo contra a Guarda Nacional e os apoiadores mais reacionários de Konfederacja e PiS. O objetivo não deve ser negociar com o PiS, mas derrubar esse governo reacionário e construir uma alternativa política independente baseada na massa da classe trabalhadora polonesa – tanto mulheres quanto homens – e na juventude.
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM