No fim de semana de 6 de junho, Los Angeles foi alvo de uma série coordenada de batidas do Serviço de Imigração e Controle de Alfândega dos Estados Unidos (ICE). Agentes federais militarizados, armados com fuzis de assalto e lançadores de granadas de gás lacrimogêneo, contaram com o apoio do Departamento de Polícia de Los Angeles (LAPD). Dezenas de agentes invadiram locais de trabalho em bairros operários do centro e leste da cidade, com alta concentração de imigrantes, prendendo pelo menos 44 pessoas.
Essas ações representam uma escalada dos esforços violentos e provocativos de deportação por parte do ICE, que até agora se concentravam em Chicago, Minneapolis e no sul da Califórnia. Trata-se de uma tentativa descarada de Trump de parecer duro e eficaz enquanto tropeça de fracasso em fracasso ao tentar cumprir um mandato impossível — enriquecer seus bilionários aliados enquanto, ao mesmo tempo, promete melhorar o padrão de vida dos trabalhadores americanos.
À medida que as notícias das batidas se espalharam, milhares de trabalhadores e jovens tomaram as ruas, e surgiram esforços espontâneos para impedir os veículos do ICE de deixar o local com os detidos. Um homem quase foi atropelado em uma tentativa desesperada de impedir a fuga dos veículos — apenas um exemplo da explosão de coragem vista nas ruas, enquanto cidadãos comuns de Los Angeles enfrentavam os ataques de frente. Cinco anos após a revolta por George Floyd, que forçou Trump a se esconder no bunker da Casa Branca, suas provocações agora correm o risco de desencadear um novo movimento de massas.
Nos dias seguintes, milhares se manifestaram por toda Los Angeles, com alguns protestos reunindo mais de 10 mil participantes. A maioria dessas manifestações foi declarada como reunião ilegal e reprimida com munições de controle de multidões. Vídeos nas redes sociais mostram policiais com equipamento de choque disparando gás lacrimogêneo, balas de tinta e granadas de efeito moral contra os manifestantes. Veículos do ICE e de outras agências foram destruídos e incendiados. No bairro latino de Paramount, manifestantes souberam que o ICE estava mirando trabalhadores migrantes diaristas em frente a uma loja Home Depot, e uma batalha tensa se seguiu. Desde então, o bairro se transformou em um verdadeiro campo de batalha.
Em resposta, pela primeira vez desde 1965, Trump federalizou a Guarda Nacional contra a vontade do governador do estado. Seguindo a recomendação do “czar da fronteira”, Tom Homan, 2 mil soldados foram enviados para a cidade. O Secretário de Defesa, Pete Hegseth, ameaçou mobilizar fuzileiros navais da ativa do acampamento próximo de Camp Pendleton.
A prefeita de Los Angeles, Karen Bass, e membros do Conselho Municipal da cidade logo derramaram lágrimas de crocodilo diante da agressão do ICE. Elogiam o trabalho duro dos imigrantes sem documentos, justamente aqueles que seus doadores bilionários exploram de forma brutal. Proclamam em alto e bom som que Los Angeles é uma “cidade santuário”, onde as autoridades locais jamais cooperariam com deportações. Mas a verdade é evidente: o LAPD facilitou de forma violenta os ataques do ICE nas ruas, sob o pretexto arrogante de “fiscalização de trânsito”. A ideia de que qualquer cidade possa ser um verdadeiro “santuário” para trabalhadores superexplorados sob o governo de democratas ou republicanos foi cruelmente desmascarada.
O terror não é um erro, mas uma característica essencial da política migratória de ambos os partidos. Os capitalistas e seus partidos políticos querem manter os trabalhadores imigrantes como uma fonte de mão de obra barata e explorável, sempre sob ameaça de deportação, para impedir qualquer tentativa de organização ou resistência. Como disse sem rodeios o arquicapitalista Milton Friedman: “A imigração é boa, desde que seja ilegal.”
Aterrorizar os setores mais explorados e trabalhadores da classe operária também se tornou um negócio lucrativo. GEO Group e CoreCivic, dois monopólios de prisões privadas, lucraram enormemente com contratos governamentais para operar campos de detenção. Ambos contribuíram significativamente para a campanha de Trump, e o primeiro viu suas ações subirem 50% após a reeleição do presidente.
Com o retorno de Trump ao cargo, os acionistas receberam exatamente o que compraram: um pagamento generoso bancado pelos contribuintes americanos para construir instalações para mais 100 mil detentos. Após décadas buscando contratos com o ICE em expansão — sob administrações de ambos os partidos —, o GEO Group finalmente chegou ao banquete do Estado e está se fartando. A empresa projeta um aumento de US$ 1 bilhão em sua receita anual neste ano.
Os democratas lamentam a força bruta e as táticas “deliberadamente inflamadas” do regime Trump, preferindo uma abordagem igualmente devastadora, porém mais “cirúrgica”, para intimidar os trabalhadores imigrantes. Não importa qual partido esteja no poder, a política anti-imigrante é mantida. Trump alimentou uma classe trabalhadora revoltada com a mentira de que os imigrantes eram os culpados pela crise do capitalismo americano, incitando a guerra cultural e dividindo trabalhadores nativos e imigrantes. Mas o fingimento cínico dos democratas é pura enganação. Os presidentes democratas Obama e Biden deportaram mais pessoas do que Trump em seu primeiro mandato.
Apesar de se apresentarem como a “resistência” ao Making America Great Again, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, propôs barrar imigrantes sem status legal do acesso ao sistema de saúde Medi-Cal. Pouco antes das batidas, Newsom cortou o financiamento de um programa que oferecia assessoria jurídica a crianças imigrantes. Os democratas do estado orgulham-se de leis inócuas que supostamente impedem o ICE de atuar em escolas e hospitais. Em uma ligação com Donald Trump, o governador Gavin Newsom assegurou ao presidente que conseguiria conter os protestos com as próprias forças armadas do estado. Após a federalização da Guarda Nacional por Trump, Newsom pediu sua retirada por meio de uma carta com tom duro — mas não fez qualquer oposição concreta à política de deportações.
Enquanto milhões de trabalhadores na cidade, no estado e em todo o país assistem à separação de pais e filhos, e veem qualquer um que proteste ser brutalizado, torna-se evidente que nenhum dos dois partidos está do lado do povo. A única defesa real contra essas batidas virá dos próprios trabalhadores.
O movimento sindical — especialmente os sindicatos que representam milhares de trabalhadores sem documentos em Los Angeles — deve mostrar, na prática e não apenas no discurso, que defende os direitos da classe trabalhadora. Já está claro que o Estado está reprimindo duramente o movimento: David Huerta, presidente do SEIU1 Califórnia e do SEIU-USWW2, foi espancado e detido pela polícia durante os protestos. Ele precisou ser hospitalizado devido a um ferimento na cabeça, e depois foi transferido para o Centro de Detenção Metropolitana, onde permanece sob custódia.
O SEIU conta com 700 mil membros distribuídos em 17 sindicatos locais em 58 condados da Califórnia — sendo 205 mil só na região de Los Angeles. Agora é a hora de transformar o lema “um ataque a um é um ataque a todos” em realidade! Como noticiado pelo The New York Times:
“O SEIU planejava realizar manifestações em Los Angeles e em mais de uma dúzia de outras cidades na segunda-feira para exigir a libertação do Sr. Huerta. ‘A prisão dele inflamou até mesmo os setores mais conservadores do movimento sindical’, disse a Sra. Dubal, professora de direito na Universidade da Califórnia, Irvine. ‘Se podem ir atrás dele, o líder do maior sindicato do trabalho na maior economia de um estado favorável aos sindicatos, de quem mais o governo não pode ir atrás?’”
Diversos sindicatos publicaram declarações exigindo a libertação de David Huerta, incluindo o ILWU e a AFL-CIO nacional, que representa quase 15 milhões de trabalhadores. A solidariedade em palavras precisa se transformar em solidariedade em ações. A AFL-CIO da Califórnia possui os recursos para mobilizar seus 2,3 milhões de filiados e iniciar um movimento de massas contra os ataques de Trump. Em nível nacional, poderia coordenar uma campanha de Leste a Oeste para sindicalizar milhões de trabalhadores — tanto imigrantes quanto nativos.
A única forma de organizar esse tipo de movimento de maneira eficaz é se uma direção com uma perspectiva e métodos de luta de classes conquistar o apoio das massas por meio da ação.
Os Comunistas Revolucionários da América (RCA) apoiam de forma entusiástica as corajosas demonstrações de solidariedade nas ruas e os esforços dos trabalhadores comuns para enfrentar o ICE. No entanto, como a experiência de 2020 nos ensinou, a espontaneidade em massa não é suficiente para travar uma luta eficaz contra os corpos armados do Estado. O que se exige é ação e organização da classe trabalhadora em larga escala. Esses protestos devem se tornar plataformas para a coordenação de assembleias de massas — não apenas para resistir à campanha de terror estatal, mas para discutir como derrubar o sistema que a produz.
Comitês de defesa de bairro, como os que surgiram durante a revolta por George Floyd, devem ser organizados em toda Los Angeles e em qualquer outro lugar ameaçado por ataques do ICE. Conselhos eleitos democraticamente devem ser formados e conectados entre si para coordenar protestos e greves em escala nacional. A maioria das munições usadas contra os manifestantes é produzida na Califórnia. Delegados desses conselhos poderiam entrar em contato com trabalhadores das fábricas de munição e convocá-los a largar as ferramentas e entrar em greve.
Em Los Angeles — e em todo lugar — os trabalhadores superam em número, de longe, os agentes do ICE e das forças policiais locais. Isso, em parte, explica por que Trump mobilizou a Guarda Nacional. Ele calculou que essa demonstração de força lhe renderia pontos políticos entre sua base endurecida e anti-imigrante. Ao retratar partes do país como “ingovernáveis”, busca forçar os limites do poder executivo ainda mais. No entanto, está brincando com fogo. Colocar tropas da reserva contra suas próprias comunidades é um jogo perigoso.
No verão de 2020, soldados da Guarda Nacional confraternizaram com os manifestantes. Em uma transmissão ao vivo feita por um correspondente da BBC em Los Angeles, era possível ouvir manifestantes se dirigindo à Guarda Nacional com apelos: “Foi pra isso que vocês se alistaram? Eu sei que não… Vocês não preferiam estar em casa com suas famílias? É por isso que estamos aqui, cara. Só queremos proteger o nosso povo.”
Um ex-capitão do Exército dos EUA, hoje comunista, analisou postagens nas redes sociais feitas por soldados da Guarda Nacional da Califórnia recentemente federalizados e fez a seguinte observação:
“É parecido com as conversas que tivemos em 2020, quando enviaram uma brigada de paraquedistas da minha divisão para Washington durante os protestos por George Floyd. Eles acabaram dormindo em galpões enormes, ‘de prontidão’, mas já estávamos debatendo a legalidade de ativar tropas federais em solo americano, como isso destruiria a confiança da população no Exército e como ninguém havia se alistado para reprimir protestos… As conversas agora são ainda mais intensas do que eram há cinco anos.”
Trump está perdido, se debatendo enquanto seus índices de aprovação despencam. Está desesperado para parecer forte e decisivo, especialmente diante de seus inimigos políticos. Para desviar a atenção dos sérios problemas que o capitalismo americano enfrenta dentro e fora do país, ele joga mais lenha na fogueira anti-imigrante numa tentativa de consolidar sua base. Ao mesmo tempo, seu “Grande e Belo Projeto de Lei” está prestes a cortar o Medicaid e outros serviços essenciais, inclusive para uma parcela significativa de seus próprios apoiadores.
É impossível dizer se a centelha acesa em Los Angeles resultará em uma conflagração mais generalizada. Mas uma coisa é certa: o espírito combativo que emergiu diante dessas batidas é um sinal do que está por vir. O que falta não é o sacrifício espontâneo e o heroísmo da classe trabalhadora, que já foram claramente demonstrados, mas uma direção capaz de reunir todos os fios da crise do capitalismo, oferecer uma explicação e apontar um caminho revolucionário para derrubar o ICE e o sistema capitalista que ele serve.
Muitos trabalhadores inevitavelmente tentarão “tomar os portões” em um ato de desespero. Mas, para esmagar o ICE, é necessário construir um aríete colossal — um partido comunista revolucionário com raízes em todas as cidades. Por meio de uma ação coordenada nacionalmente e com estratégia, essa ferramenta pode destruir todas as barreiras que impedem os trabalhadores de conquistar poder político e econômico. Ao derrubar o maior bastião da reação no mundo, uma Federação Socialista das Américas e o fim de todas as fronteiras artificiais se tornariam realidade.
Os Comunistas Revolucionários da América estão construindo esse aríete. Estamos lado a lado com a nossa classe na luta, não apenas contra essa administração racista e xenofóbica, mas contra todo o sistema capitalista apodrecido que ela serve.
- Um ataque a um é um ataque a todos!
- Nenhuma confiança nos democratas! Abaixo os dois partidos da classe dominante!
- Formem comitês de autodefesa dos trabalhadores em todo local de trabalho e bairro visado pelo ICE!
- Construam um partido capaz de esmagar o ICE e o sistema capitalista de uma vez por todas!
Notas
- O SEIU (Service Employees International Union, em português: Sindicato Internacional dos Trabalhadores de Serviços) representa quase 1,9 milhão de trabalhadores em mais de 100 ocupações nos Estados Unidos e no Canadá. ↩︎
- O SEIU United Service Workers West (SEIU-USWW), em português: Sindicato dos Trabalhadores de Serviços do Oeste), é uma seção regional do sindicato SEIU. Atua principalmente na Califórnia, especialmente na região sul e no oeste do estado. ↩︎