Trotsky e a revolução permanente

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 12, de 06 de agosto de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

Além de ser um dos principais dirigentes da Revolução Russa, Trotsky foi também quem apresentou a mais precisa avaliação sobre aquele processo político, sistematizado na teoria da revolução permanente. Essa teoria trata das compreensões expressas por Marx e Engels na análise da dinâmica da revolução de 1848, mostrando que aquele processo dirigido pela burguesia poderia significar a antessala da revolução socialista. Em suas formulações teóricas, além de destacar o protagonismo do proletariado na revolução, Trotsky mostrou que as condições objetivas na Rússia estavam maduras para a tomada do poder pelos trabalhadores e que aquele processo invariavelmente teria seu desfecho decidido pela dinâmica da luta de classes em âmbito internacional.

Trotsky sistematizou sua teoria a partir do balanço da revolução russa de 1905, cuja eclosão está ligada à situação precária do país diante da guerra contra o Japão. Os textos mais conhecidos são os livros Balanço e Perspectivas (1906) e A revolução permanente (1929).

Frente à revolução de 1905, os marxistas russos apresentaram diferentes interpretações sobre o processo. Para os mencheviques, haveria na Rússia uma revolução burguesa clássica, que faria a transição para o modo de produção capitalista, levando a conquistas democráticas como reforma agrária, legalização dos partidos de oposição, voto republicano, entre outras. Os marxistas teriam o papel de organizar os trabalhadores em uma espécie de ala esquerda do bloco dirigido pela burguesia, pressionando-o para que as conquistas do proletariado fossem as mais profundas possíveis. Segundo Trotsky,

“o ponto de vista menchevique partia do princípio de que nossa revolução seria burguesa, isto é, que sua consequência natural seria a transferência do poder à burguesia e a criação de condições para a existência de um parlamento burguês” (Prefácio de Balanço e Perspectivas escrito em 1919).

Lenin e Trotsky divergiam dessa visão, particularmente no que se refere à direção burguesa, descartando qualquer possibilidade de unidade estratégica com estes setores na revolução. Também viam nos sovietes, criados durante a revolução de 1905, o embrião do poder revolucionário. Lenin afirmava que, na revolução de 1905, o soviete de Petrogrado, presidido por Trotsky, havia cumprido o papel decisivo de um governo revolucionário ao qual couberam tarefas fundamentais durante todo o processo.

Contudo, Lenin não compartilhava da mesma perspectiva de Trotsky sobre todo o processo revolucionário. Para o dirigente bolchevique, “embora reconhecendo a inevitabilidade do caráter burguês da revolução vindoura, apresentava como tarefa da revolução a criação de uma república democrática sob a ditadura do proletariado e do campesinato” (Prefácio de Balanço e Perspectivas escrito em 1919). Na compreensão de Lenin, nessa ditadura democrática de operários e camponeses, a burguesia não assumiria a direção do processo, mas o proletariado e o campesinato não superariam o programa da própria burguesia, nem atacariam de forma radical a propriedade privada.

Para Trotsky, a revolução não iria se limitar a formar uma república burguesa, com um governo democrático de coalizão de classes, para garantir ao capitalista russo o tempo necessário para se desenvolver, como defendiam os mencheviques. Trotsky era enfático ao afirmar que a revolução na Rússia não repetiria a mesma dinâmica das revoluções burguesas. Em 1906 afirma que “seria um erro grave simplesmente igualar nossa revolução com os acontecimentos dos anos 1789-1793 ou 1848. Analogias históricas, pelas quais o liberalismo vive e das quais se nutre, não podem substituir a análise social” (Balanço e perspectivas).

As tarefas da revolução, tanto as democráticas como as socialistas, só poderiam ser realizadas pela ditadura revolucionária do proletariado. Trotsky assim apresentava o processo:

“A revolução começa como burguesa, mas rapidamente provoca poderosos conflitos de classes e só chega à vitória se transferir o poder à única classe capaz de se colocar à frente das massas oprimidas: o proletariado. Uma vez no poder, o proletariado não quer e nem pode se limitar ao marco de um programa democrático-burguês. A revolução só poderá ser levada a cabo se a revolução russa se converter em uma revolução do proletariado europeu. Então, será superado o programa democrático-burguês da revolução, junto com seu marco nacional, e a dominação política temporária da classe operária russa irá se prolongar até a uma ditadura socialista permanente. Mas se a Europa não avançar, então a contrarrevolução burguesa não tolerará o governo das massas trabalhadoras na Rússia e empurrará o país para trás – muito para trás da república democrática dos operários e camponeses. O proletariado, então, chegando ao poder, não deve se limitar ao marco da democracia burguesa, mas deve empregar a tática da revolução permanente, isto é, anular os limites entre o programa mínimo e o programa máximo da social-democracia, passar para reformas sociais cada vez mais profundas e buscar um apoio direto e imediato para a revolução na Europa ocidental.” (Prefácio de Balanço e Perspectivas escrito em 1919).

Na sociedade russa, a burguesia era um pilar de sustentação do czarismo e estava ligada de forma íntima ao imperialismo europeu. Por isso, segundo Trotsky, as tarefas da revolução democrática seriam incorporadas em um processo maior, de derrocada capitalista e de transformação da sociedade. O proletariado russo não precisaria esperar a revolução socialista nos demais países para tomar o poder, assumindo, em sua revolução, tarefas que a burguesia havia abandonado, ainda que a manutenção do poder soviético necessitasse da vitória da revolução na Europa. Não era interesse da burguesia russa, submissa às burguesias dos países economicamente dominantes, a defesa da nação e de um desenvolvimento capitalista autônomo.

Trotsky salienta que os países dominados, além de terem processos diferentes entre si, não repetem, de forma mecânica, o caminho dos países dominantes. Na Rússia conviviam concentrações industriais desenvolvidas com relações semifeudais no campo. Trotsky dizia que “a originalidade nacional representa o produto sumário e mais geral da desigualdade do desenvolvimento histórico” (Prefácio à edição alemã de A revolução permanente escrito em 1930). Com isso fica expressa a lei do desenvolvimento desigual e combinado, que, segundo Trotsky, “significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases diferenciadas, amálgama das formas mais arcaicas com as mais modernas” (História da Revolução Russa, 1930).

Esse processo cheio de particularidades levou o proletariado russo ao poder. Como parte de uma onda revolucionária internacional, outros países passaram por importantes lutas, chegando a tomar o poder por alguns meses, no caso da Hungria, ou sendo esmagados, no caso da Alemanha. Essas derrotas sofridas pelos trabalhadores europeus, somadas à tentativa dos países imperialistas de esmagar militarmente o poder soviético na Rússia, levaram a um período de refluxo nas lutas dos trabalhadores. Esse processo de derrota da revolução e de refluxo nas lutas dos trabalhadores levou ao fortalecimento da burocracia stalinista na União Soviética. Em 1929, Trotsky alertava:

“A revolução socialista começa no âmbito nacional, mas nele não pode permanecer. A revolução proletária não pode ser mantida em limites nacionais, senão sob a forma de um regime transitório, mesmo que este dure muito tempo, como demonstra o exemplo da União Soviética. No caso de existir uma ditadura proletária isolada, as contradições internas e externas aumentam inevitavelmente, ao mesmo passo que os êxitos. Se o Estado proletário continuar isolado, ele, ao cabo, sucumbirá vítima dessas contradições. Sua salvação reside unicamente na vitória do proletariado dos países avançados. Desse ponto de vista, a revolução nacional não constitui um fim em si, apenas representa um elo na cadeia internacional. A revolução internacional, a despeito de seus recuso e refluxos provisórios, represente um processo permanente.” (A Revolução Permanente)

A teoria da revolução permanente continua viva, mostrando que as lutas dos trabalhadores não se limitam à busca de melhorias das condições dentro do capitalismo nem se restringem às fronteiras nacionais. O internacionalismo e a destruição da ordem burguesa são as tarefas primordiais da luta dos trabalhadores. A permanência de Trotsky e da revolução proletária são a garantia de vitórias futuras dos trabalhadores em todo o mundo, superando as direções traidoras, as ilusões nacionalistas e os limites da democracia burguesa.