Foto: Pedro Romualdo

Um ano sem o nosso camarada Roque Ferreira: continuar sua luta, honrar seu legado!

“Para nós, como negros ou para os oprimidos como regra, para termos minimamente o direito de viver de maneira decente, de poder realizar nossos sonhos, não sendo simplesmente parafusos de uma engrenagem que gera lucro, só nos resta uma perspectiva revolucionária!” (Roque Ferreira)

Há um ano, em 4 de setembro de 2020, perdíamos um dos nossos para a Covid-19. Perdemos um dos nossos na guerra de classes, onde o sistema capitalista mundial trata as vidas humanas como mero instrumento de sua reprodução e conduz a humanidade cada vez mais rápido à barbárie, destruindo o meio-ambiente e deixando de organizar o combate a uma pandemia que poderia ser facilmente contida, o que leva a milhões de mortes que poderiam ser evitadas; onde o Estado brasileiro e seu atual governo negacionista são os responsáveis por centenas de milhares de mortes de brasileiros, como a do nosso camarada Roque Ferreira.

Roque foi um combatente de muitas frentes. Fundador do Movimento Negro Unificado em 1978, fundador do Partido dos Trabalhadores em 1980, fundador da CUT em 1983, dirigente do Sindicato dos Ferroviários de Bauru, MT e MS por décadas, coordenador da campanha nacional pela reestatização da RFFSA (Rede Ferroviária Federal), importante apoiador do Movimento das Fábricas Ocupadas, fundador da Esquerda Marxista e do Movimento Negro Socialista em 2006, vereador de Bauru (SP) por 2 mandatos (2008 a 2016), Roque era o coordenador nacional do Movimento Negro Socialista e dirigente da Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional, além de presidente do Diretório Municipal do PSOL de Bauru e era também o candidato a prefeito pelo partido na cidade.

Roque era um comunista de alta envergadura, um quadro proletário, um dirigente exemplar, firme nas suas convicções, sempre estudioso e disciplinado, combinando paciência revolucionária e a generosidade camarada, apaixonado pela potencialidade da juventude, incansável lutador contra o capitalismo e o racismo, entusiasta da arte popular, do samba, do carnaval e do futebol.

Contagiante, carismático e agregador, Roque era um militante muito querido, uma referência para muitos. Era respeitado pelos seus adversários políticos e inimigos de classe por sua postura de sempre enfrentar o debate politicamente, sem ataques pessoais ou adjetivações, sem rebaixar uma vírgula da crítica programática que apresentava.

Roque nunca deixou de confiar na capacidade de luta do operariado, sempre expressando o orgulho de ser ferroviário. Roque foi um militante que lutou incansavelmente por um mundo novo para os explorados e oprimidos sob o capitalismo. Como um internacionalista, militante da Corrente Marxista Internacional, participou de diferentes conferências e congressos internacionais, inclusive como delegado no Congresso Mundial de 2008, realizado em Barcelona, na Espanha, em que a Esquerda Marxista foi integrada à CMI.

Quando teve início no interior da Esquerda Marxista a discussão sobre a proposta de sair do PT, após o estelionato eleitoral promovido por Dilma já no final de 2014, Roque era vereador pelo partido em Bauru. Ele sabia que se a Esquerda Marxista saísse do PT e fosse para o PSOL ele não conseguiria se reeleger nas eleições seguintes (2016), devido ao baixo coeficiente eleitoral do PSOL na cidade. Ele poderia ter defendido a permanência da Esquerda Marxista no PT argumentando a importância de manter o mandato na câmara municipal de Bauru. Mas Roque era um comunista. Ele sabia que para uma organização revolucionária como a Esquerda Marxista, mantermo-nos como uma corrente do PT, mesmo com toda a independência que sempre tivemos, havia se tornado um obstáculo para recrutar entre a camada mais combativa da juventude e do proletariado brasileiro. Ele sabia que era necessário romper com o partido que ele havia ajudado a fundar, mesmo que isso sacrificasse o mandato que ele havia conquistado depois de muitas eleições e mesmo com uma forte resistência entre os seus próprios apoiadores na cidade de Bauru, que por não terem a visão marxista do Roque, colocavam o mandato de vereador acima da construção revolucionária a longo prazo. Roque não titubeou e deu um exemplo de postura revolucionária, mostrando que não era um parlamentar simplesmente, mas um comunista atuando no parlamento. Algo raríssimo de se encontrar na política brasileira.

Há 1 ano, depois de passar duas semanas internado em luta contra a Covid-19, a notícia de seu falecimento provocou imediata solidariedade de inúmeras organizações do Brasil e do mundo, lideranças partidárias e parlamentares, dirigentes sindicais e representantes de movimentos sociais e culturais, artistas, jornalistas e militantes de direitos humanos. Gerou uma mistura de indignação e ódio de classe, com certa perplexidade e profunda comoção, obrigando, inclusive, que o prefeito de Bauru, seu ferrenho opositor, não tivesse como se eximir do reconhecimento do impacto de seu falecimento, decretando luto oficial por três dias na cidade.

Chegavam saudações da direção internacional e de diferentes seções da CMI e do movimento sindical operário internacional, especialmente entre os ferroviários. O impacto de sua morte mostra a grandeza de sua personalidade, a coerência, o respeito e o carinho que sempre marcaram sua vida na ação revolucionária.

Um ano após sua partida, que foi tão bem retratada pelo cartunista Carlos Latuff que fez uma charge em sua homenagem, onde o camarada Roque aparece caminhando por um trilho que se perde no horizonte e olha para trás com o seu sorriso, acenando como quem se despede, mas parte sabendo que fez o seu melhor, os militantes da Esquerda Marxista seguem combatendo pelo socialismo, honrando o seu legado.

Inspirados pela liderança de Roque entre os ferroviários do interior paulista e nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, maquinistas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) que militam na Esquerda Marxista, jogaram papel central no último movimento grevista que arrancou conquistas para a categoria e impôs a readmissão dos grevistas que haviam sido demitidos durante a greve.

Em todas as frentes de luta, mas em particular na luta contra o racismo, através do Movimento Negro Socialista, militantes de todo o Brasil honram o legado do camarada Roque.

Para render homenagens ao nosso camarada nesta data, divulgamos uma coletânea com textos de autoria do Roque e outros em homenagem a ele e seu combate (que pode ser acessada aqui), além do ato que será realizado hoje na Esquina da Resistência, em Bauru.

Para concluir, citamos o próprio camarada Roque, em uma de suas últimas intervenções públicas nacionais, em junho de 2020, numa live do canal Visão Marxista (que pode ser vista na íntegra aqui) que discutia os então recentes desenvolvimentos nos EUA a partir dos protestos contra a violência policial após o assassinato de George Floyd. Com a palavra, Roque Ferreira:

“Eu, com os meus 65 anos, estou convencido que tem um futuro pra humanidade. E esse futuro estamos vendo nas manifestações que estão ocorrendo nos EUA, majoritariamente compostas por jovens, negros e não negros. Isso para nós é um alento. É algo que nos impulsiona e nos enche de vontade de estar lá junto! E a prática, a vida real, vai quebrando determinadas questões, como por exemplo o que vem sendo difundido aí nos últimos 10 anos que é o que eu chamo de sectarismo do identitarismo. Aquelas mulheres brancas que colocaram os seus corpos para proteger os manifestantes negros, elas tem todo o direito, na minha opinião, de discutir a questão racial. E elas estão lá discutindo a questão racial e colocando os seus corpos na frente da manifestação para proteger os negros da repressão policial. Pode ser que elas não sintam a dor que um negro e uma negra sentem quando são discriminados. Porque o racismo é extremamente doloroso. As pessoas não têm ideia da dor que é quando a gente é discriminado pela questão da pele, pela cor, por traço, por etnia, quando a gente é colocado numa condição de subalternidade por ser negro. Isso é extremamente doloroso. E quando a gente vê essa juventude negra e não negra combatendo contra o racismo, combatendo por um novo tipo de sociedade, dizendo que assim não dá! “Basta! Chega!” Isso nos enche de ânimo pra continuar lutando. Enche de ânimo pra dizer que essa juventude tem que se apropriar daquilo que o conjunto da classe operária construiu. Essa juventude tem que vir pro Comunismo! Nós temos que ganhar essa juventude pro comunismo! E como ganhar? Nós temos que estar presentes, junto com ela, combatendo, respeitando a sua maneira de avançar. Eu fiquei muito feliz de participar da live. Acho que nós estamos no caminho certo. Nós temos que continuar dizendo as coisas como são. E gostaria de convidar as pessoas a conhecer o Movimento Negro Socialista e que conheçam a Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional, que é uma organização que eu tenho orgulho particular de participar, onde eu conheci militantes revolucionários sérios, militantes sensíveis e que não tratam a questão revolucionária como se fosse um dogma. Militantes que estão presentes na luta do dia-a-dia, seja da juventude, seja da classe trabalhadora e que a partir desse trabalho permanente conseguem dialogar e ajudar o conjunto da classe a evoluir na busca de um novo tipo de sociedade. E esse novo tipo de sociedade na nossa opinião é uma sociedade comunista. É por isso que nós acreditamos que o capitalismo não tem mais nada a oferecer pra humanidade e tem que ser destruído e a gente colocar outra coisa no lugar. Então deixo aqui uma saudação para todas e todos que acompanharam essa live e sigamos companheirada em frente porque a felicidade nos espera e a felicidade a gente constrói todo dia lutando por um mundo melhor!”

Roque Ferreira presente agora e sempre!