Uma análise sobre a PEC que institui um teto para os gastos públicos, que segue a desvinculação das receitas da união.
O artigo “Teto de despesas teria tirado R$ 1,8 trilhão do Orçamento desde 2007”, publicado pelo jornal Valor Econômico semana passada, repercute uma simulação da aplicação da proposta de emenda à constituição (PEC) que institui um teto para gastos públicos. Trata-se de um conteúdo para reforçar a defesa editorial do órgão, que representa setores altamente articulados da oligarquia brasileira.
A matéria de Cristian Klein baseia-se em um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas, da Fundação Getúlio Vargas. Segundo o levantamento, caso a medida proposta por Michel Temer e sua equipe econômica fosse aplicada a partir de 2007 até 2015, seriam necessários cortes na casa de R$ 1,82 trilhão. Esse intervalo de tempo de nove anos é o mesmo proposto no projeto enviado em 16 de junho ao Congresso Nacional, podendo ser validado por até 20 anos.
Essa projeção torna gráfica a acusação desferida pelos veículos de comunicação burgueses do Brasil sobre a disparada de gastos públicos nas gestões petistas. Para seus acusadores, uma versão da PEC em tramitação deveria ter sido aprovada já na década passada. Contudo, os últimos alçados ao Palácio do Planalto pelo voto foram Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Ambos concebiam a possibilidade de todos ganharem estimulando o capitalismo. Desde 2002, geriram a máquina do estado alegando vocação para reformas sociais. Entretanto, essa concepção entrou em choque com a realidade, marcada por uma crise geral do regime capitalista. Os aumentos dos gastos públicos representaram uma continuação das condições de miserabilidade às quais a sociedade brasileira estava submetida.
Os programas sociais respondiam às pressões vindas da classe trabalhadora e da juventude, base eleitoral do Partido dos Trabalhadores, assim como de seus aparatos sindicais e nos movimentos. Contudo, apresentadas como reformas, as ações sempre submetiam os anseios populares aos negócios capitalistas. Mesmo com um crescimento considerável, os gastos aprofundavam as condições sociais de opressão e exploração.
Agora, imaginemos um Brasil onde, desde 2007, a despesa pública não pudesse crescer acima da inflação do ano anterior. Se há reclamações sobre os péssimos serviços públicos, se há uma angústia diante da falta de perspectivas, se mobilizações estudantis crescem, se greves aumentam em duração e qualidade, um Brasil que tivesse passado pela “grecialização” teria hoje sua população pauperizada e níveis de vida muito inferiores aos identificados.
A PEC do teto dos gastos públicos aumenta o ritmo do descontentamento das classes trabalhadoras e da pequena burguesia. Contudo, como podemos depreender das experiências recentes de outros países, uma medida como essa nunca para por aí. Os agentes econômicos do capitalismo querem reduzir o custo do trabalho no Brasil, com arrocho salarial das massas proletárias – tanto direto como indireto, representado pelos serviços públicos -, e fazê-las acostumarem-se a viver com menos, e em piores condições.
A crítica burguesa aos orçamentos dos governos Lula e Dilma, neste momento, vem acompanhada das esperanças em um teto de gastos públicos e na desvinculação das receitas da união. Seus propagadores partem do pressuposto comum de alcançar superávit primário para barrar a evolução da dívida pública brasileira.
No final do ano passado, o valor bruto dessa dívida chegou a R$ 3,927 trilhões, ou 66,2% do Produto Interno Bruto (PIB). A ONG Auditoria Cidadã da Dívida revelou gastos com essa dívida em 2015 de R$ 962,210 bilhões pelo governo de Dilma, equivalente a 42% do gasto federal. Nesse mesmo período, o despendido com educação e saúde não passou da média de 4% cada. Em valores brutos, somente os gastos com a dívida pública não sofreram cortes no orçamento.
A súplica pela aplicação da PEC do teto para os gastos públicos e a palavra de ordem “Volta Dilma”, que representa a continuidade da mesma lógica aplicada pelos governos petistas, pressupõem inevitável a submissão aos mecanismos da dívida pública do Brasil. Esse é o centro nervoso de uma inversão de rumos para a sociedade brasileira.
Longe de ser uma mera transação monetária, esse dispositivo tem um caráter político dentro da configuração do capitalismo mundial. É graças à subordinação do país ao seu pagamento que o Brasil mantém-se como país atrasado e dominado pelas nações imperialistas. Essa condição real de nosso país produz toda a espécie de miserabilidade, barbárie, obscurantismo e condições deploráveis de existência humana que assistimos cotidianamente.