O #FeesMustFall foi um movimento de estudantes que tinha como objetivo lutar contra o aumento nas mensalidades e pelo aumento do financiamento público das universidades, iniciado em outubro de 2015, na África do Sul. Foto: StudentSpaza

A África do Sul precisa de uma revolução!

Publicamos abaixo o editorial do primeiro número do jornal Revolution South Africa, que aponta para a necessidade de uma saída revolucionária da crise do capitalismo e defende o socialismo como única alternativa para os trabalhadores sul-africanas.

A crise do capitalismo sul-africano só pode ser superada com uma revolução socialista. A única maneira de se sair desse pesadelo é romper com o sistema que o criou. O único futuro possível para os jovens, trabalhadores e massas oprimidas da África do Sul é um futuro socialista.

O mito da libertação

A crise do capitalismo é particularmente aguda na África do Sul. É a vasta maioria das pessoas pobres e da classe trabalhadora que sofre os piores efeitos desta crise: desemprego em massa, falta de moradia digna, educação inadequada, falta de terra e padrões de vida em queda rápida. A raiz desta situação está no sistema capitalista, que é incapaz de fazer as menores concessões aos trabalhadores e pobres.

A democracia formal foi alcançada em 1994 com a derrubada do odiado regime do apartheid. Mas a riqueza dos capitalistas foi deixada intacta. A África do Sul continua a ser um país firmemente capitalista, rigidamente administrado e controlado por uma pequena minoria de capitalistas, banqueiros, proprietários de terras e empresas multinacionais gigantes. A eles se juntou uma elite voraz de capitalistas arrivistas próximos ao CNA [Congresso Nacional Africano] e ao Estado.

Crise econômica

As políticas capitalistas perseguidas pelo governo do CNA desde 1994, juntamente com a crise mundial do capitalismo, resultaram na estagnação econômica. Na verdade, a economia não havia se recuperado do crash de 2008, quando foi atingida pelos efeitos desastrosos da pandemia do coronavírus. Agora, a crise global está devastando ainda mais a economia.

O Produto Interno Bruto (PIB) da África do Sul cresceu insignificantes 0,2% em 2019, em comparação aos 0,8% em 2018. O FMI espera que caia mais uns 5,8%, em 2020, devido ao surto da pandemia. O Tesouro Nacional espera uma contração de 7,2%. A OCDE espera 8%. O Reserve Bank, entretanto, acredita que o PIB caiu 32,6%, em uma base anualizada, no último trimestre. A verdade é que ninguém conhece realmente a verdadeira situação. Todo o dano econômico causado pela Covid-19 só ficará claro depois de alguns meses, e talvez só daqui a alguns anos.

A crise na economia está tendo um impacto catastrófico nos padrões de vida. A classe trabalhadora está pior agora do que há dez anos. O desemprego real é de 10,2 milhões de pessoas. A isso devem ser adicionados os milhões de empregos perdidos durante o bloqueio. Os trabalhadores precários foram devastados, com 3 milhões de empregos perdidos da noite para o dia. O desemprego juvenil é o maior do mundo. Os níveis de desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos é de 59%. Mais de 8 milhões dos 20,5 milhões de jovens do país não têm emprego, nem recebem educação ou formação. Uma geração inteira cresceu dentro dessa realidade.

Impacto social

O impacto social da crise chega até aos ossos. Basta mencionar a crise nauseante da violência contra as mulheres para compreender a sua profundidade. Hoje, na África do Sul, o número de mulheres mortas por seus parceiros ou cônjuges é cinco vezes maior do que a média mundial. Se a saúde de qualquer sociedade pode ser medida pela forma como são tratadas as mulheres, as crianças e os idosos, então a sociedade sul-africana está em condições extraordinariamente ruins. Mais uma vez, a raiz desta crise social é o sistema capitalista que dilacerou o tecido social, desenraizou milhões de pessoas e transtornou a vida social.

A África do Sul é uma das sociedades mais desiguais do mundo em termos de renda e riqueza. Se olharmos para a renda total, podemos ver que os 1% do topo obtêm 20% de toda ela, enquanto os 10% do topo ficam com 65%. Os salários reais dos 10% mais pobres encolheram 25%, entre 2011 e 2015. Em contraste, a renda dos 2% mais ricos cresceu 15% no mesmo período. Enquanto isso, os 1% do topo viram suas rendas crescerem impressionantes 48%.

Os executivos, é claro, não obtêm renda apenas de salários, mas também de coisas como ações. Além disso, a desigualdade da riqueza na África do Sul é impressionante. Os 1% mais ricos possuem 67% de toda a riqueza, os 10% mais ricos possuem 93%, enquanto os 90% restantes possuem parcos 7% da riqueza.

A África do Sul tem uma economia relativamente bem desenvolvida e uma infraestrutura avançada. É um dos maiores exportadores mundiais de ouro, platina e outros recursos naturais; também possui setores de manufatura, finanças, energia e comunicações bem estabelecidos.

Apesar disso, a maioria das pessoas leva uma existência precária. Metade da população vive na pobreza. Alimentar adequadamente uma única pessoa por um mês custa entre 530 e 670 Rands [moeda sul-africana]. Um subsídio de apoio às crianças de 440 Rands por mês nem mesmo é suficiente para atender às necessidades nutricionais de uma só criança, enquanto um subsídio para idosos de 1.860 Rands está muito aquém do que é necessário para cobrir os custos de manutenção de uma família. Esta é a situação apenas no que diz respeito à alimentação, antes de levarmos em conta os custos de transporte, aluguel, eletricidade, educação, vestuário, etc. O salário-mínimo mensal de 3.500 Rands é quase a metade do valor necessário para cobrir os custos básicos de um lar por um mês.

Os líderes freiam o movimento de massa

As massas sul-africanas têm uma altiva e orgulhosa história de luta militante. Elas saem às ruas constantemente para mudar sua situação, mas as lideranças do CNA e do Partido Comunista Sul-Africano se agarraram obstinadamente ao sistema capitalista e defenderam sua violência contínua contra as massas. Em cada estágio, elas contiveram a enorme energia revolucionária das massas, alegando que, antes que o socialismo possa ser alcançado, devemos resolver os problemas “imediatos” como o racismo, a pobreza, o desemprego etc.

Mas se o capitalismo pode existir sem racismo, pobreza e desemprego, então por que se preocupar em lutar pelo socialismo? Se o sistema pode satisfazer as necessidades básicas das massas, então por que se preocupar em derrubá-lo? Os marxistas apoiam todas as lutas dos trabalhadores e pobres contra a pobreza, a miséria, o racismo e a opressão. Mas também destacamos que essas são partes inerentes do sistema capitalista. A única maneira de resolver esses problemas é rompendo com os limites estreitos do sistema capitalista. Sob o capitalismo, qualquer vitória que a classe trabalhadora conquiste só pode ser temporária e será minada pelos próprios capitalistas, que controlam o Estado e a economia.

Desde pelo menos os anos 1950, o CNA detém um quase monopólio de apoio das massas trabalhadoras negras. Agora, décadas depois de vencer as eleições de 1994, o antigo movimento de libertação enfrenta uma crise ruinosa. O colapso de sua autoridade moral, após anos de escândalos de corrupção e ataques à classe trabalhadora, é o resultado final de um governo capitalista. Existem enormes contradições de classe dentro do partido. Enquanto a liderança do CNA se juntava às fileiras da classe dominante, usufruindo de vidas pródigas e se envolvendo em um frenesi de pilhagens e roubos, as condições das massas trabalhadoras, para as quais o partido servia como seu veículo político tradicional, estagnaram ou pioraram.

A crise do partido revela que os interesses dessas duas forças não podem ser conciliados. As contradições de classe estão destruindo o partido. O problema é que ainda não há um partido revolucionário genuíno na África do Sul que possa tirar a classe trabalhadora e os oprimidos deste atoleiro. A construção de tal tendência revolucionária é a tarefa mais urgente que a classe trabalhadora e a juventude revolucionária da África do Sul enfrentam hoje.

Sem futuro sob o capitalismo, lute pelo socialismo!

Estamos vivendo um período de grande instabilidade, incerteza e turbulência em escala global. A crise orgânica do capitalismo está tendo um impacto desastroso nas vidas de milhões de pessoas comuns da classe trabalhadora. O capitalismo está passando por sua crise mais profunda, deixando um rastro de destruição em seu caminho.

Este é um período que se caracterizará por guerras, revolução e contrarrevolução. É um período de luta de classes que será travado em um nível muito mais alto do que qualquer coisa que vimos antes. Os eventos estão acontecendo a uma velocidade alucinante. Haverá mudanças bruscas e repentinas na situação. Turbulência e instabilidade estão na ordem do dia. Em suma, estamos no meio do período mais tumultuado da história da luta de classes. Não há como “voltar” ao período anterior, como alguns desejam. O antigo “normal” se foi e entramos em um “novo normal”.

A razão fundamental para isso é que o capitalismo chegou a um beco sem saída. Como Marx explicou, uma vez que um sistema social não pode mais desenvolver as forças produtivas da maneira como o fazia antes, esse sistema entra em uma crise revolucionária, que leva à sua derrubada ou à ruína total dessa sociedade. A humanidade enfrenta dois caminhos: a revolução socialista ou o aumento da barbárie.

O sistema capitalista é completamente incapaz de fornecer às pessoas um padrão de vida decente. É um sistema monstruosamente opressor que enriquece uma pequena minoria de capitalistas e esmaga a maioria das pessoas comuns. O único caminho a seguir para a classe trabalhadora e os oprimidos é derrubar este sistema. Precisamos de uma revolução!

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.

PUBLICADO EM MARXIST.CO.ZA