Em julho de 2019, o atual presidente da república, Jair Messias Bolsonaro, declarou a jornalistas estrangeiros que não existe fome no Brasil; pois, segundo ele, “não se vê gente, mesmo pobre, pelas ruas, com físico esquelético” (COPLE; 19/7/2019). A sua fala além de demonstrar ignorância quanto ao fato de que a desnutrição alimentar não se resuma a uma questão de aparência física, revela o cinismo e o desprezo dado à população pobre brasileira, que vive em estado de penúria.
Aliás, já de muito tempo que o estudo sobre a desnutrição no Brasil tem demonstrado que a carência de nutrientes também pode ser associada à obesidade, o que só comprova o quanto a declaração de Bolsonaro foi infeliz. Afinal, há muitos alimentos com alta concentração de calorias, porém pobres em nutrientes necessários para uma boa saúde. Certamente, a alimentação saudável está associada a uma vida com práticas de atividades físicas regulares. No entanto, isso exige disciplina e tempo livre, algo que a classe trabalhadora pobre e explorada pelos patrões não dispõe em seu cotidiano. Dessa forma, o que se tem visto é o aumento do consumo de fast-foods pelos operários, de forma geral, e pouca ou nenhuma hora para uma rotina de exercícios físicos e uma alimentação digna (SAÚDE Brasil: 26 de fevereiro de 2018).
Assim, na época em que Bolsonaro fez tal declaração sobre a inexistência de fome no Brasil, já havia um crescimento contínuo da desnutrição no país, isto é, 5,2 milhões, de acordo com o Relatório do Panorama de Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe 2018 (idem). Atualmente, desde o surgimento da pandemia, atrelado às mazelas existentes na sociedade de classes, na qual se potencializaram os efeitos da desigualdade e da injustiça social entre as camadas mais pobres, a situação só tem se agravado cada vez mais. Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, há mais de 20 milhões de pessoas passando fome no Brasil; A Oxfam, por sua vez, informa que a fome no Brasil e no mundo pode matar 11 pessoas a cada minuto (RBA: 9/7/2021).
O problema da fome é um marco do sistema capitalista, o qual pode ser observado em todo o planeta. Ocorre que os detentores do poder econômico-financeiro monopolizam as riquezas, através da exploração pela mais-valia da classe mais pobre da sociedade, aumentando sobremaneira a desigualdade social. Assim, conforme foi notificado pelo Relatório O Estado de Insegurança Alimentar no Mundo 2020 (SOFI), 811 milhões de pessoas passam fome no mundo na atualidade (El País: 12 de julho de 2021).
Historicamente, a África sempre foi o continente mais atingido pela miséria extrema, desde o período colonial. Dos países africanos em que há mais fome, destacam-se: Burkina Faso, Sudão do Sul e Iêmen (idem). Vale ressaltar que houve um aumento da fome em 20% na África durante a pandemia, enquanto na Ásia, a estatística da UNICEF aponta que haja cerca de 418 milhões de pessoas com insegurança alimentar na atualidade, isto é, não sabem se será possível manter a alimentação continuada nos dias seguintes. Já no caso da América Latina e Caribe, a fome teria atingido uma marca de 60 milhões. Contudo, é importante ressalvar que o planeta tem capacidade de alimentar 7 bilhões de pessoas; mas, o esquema de produção em larga escala no contexto do capitalismo, ou seja, com objetivo de exportação e lucro das grandes empresas, tem contribuído apenas para o desperdício de alimentos e o aumento da miséria extrema, em escala global.
No caso do Brasil, especificamente, que já contabiliza 606.726 óbitos e 21.765.420 casos de contaminação pelo coronavírus (G1: 27/10/2021), a fome tem se alastrado profundamente nos grupos sociais que estão desempregados ou que vivem com uma quantia insignificante para as suas subsistências mais básicas.
O atual governo insiste em afirmar que o vírus é democrático e não escolhe vítimas por se tratar de um fato natural. Entretanto, a crise pandêmica torna-se um problema social à medida que as camadas mais pobres da sociedade, além de não terem condições mínimas para manterem a higiene e o isolamento social para se protegerem do coronavírus, são as mais afetadas quanto ao desemprego e ao desamparo do Estado, que mantém somente os privilégios da burguesia. Por isso, muitos banqueiros têm enriquecido, enquanto a classe trabalhadora padece com o aumento do desemprego em massa, afinal, não há estabilidade na maioria dos empregos no país. Observa-se um o aumento da informalidade laboral a cada dia, e isso faz com que potencialize a inseguridade alimentar, além da fome extrema propriamente dita, que já tem sido escancarada, conforme a desigualdade se intensifica no país. Além do desemprego, os efeitos da inflação também têm contribuído para o aumento da crise de milhares de famílias brasileiras, que acabam, muitas vezes, se sujeitando a empréstimos ou catando restos de alimentos para suprir as necessidades nutricionais. Isso sem contar que os programas de assistência social também têm sido cortados da população pobre brasileira.
Recentemente, inclusive, a humilhante situação de famílias estarem buscando restos de alimentos no lixo dos supermercados e nos caminhões compactadores de detritos tem sido bastante divulgada e comentada nas mídias sociais. Algo que vem causando espanto e indignação por boa parte da população brasileira. Em 28 de setembro de 2021, um vídeo divulgado nas redes sociais por um motorista de aplicativo, André Queiroz (Brasil do Trecho: 19/10/2021), causou impacto ao revelar uma família que catava restos de alimentos em um caminhão de lixo. Já no Rio de Janeiro, na Glória, Zona Sul do Rio, uma fila de indivíduos pobres aguardava o caminhão que recolhe as pelancas e ossos dos supermercados da cidade chegar, porque estavam com fome, porém não tinham condições de comprarem comida (Extra: 29/9/2021). Em Joinville, uma criança desnutrida diz que não aceitaria comer outra coisa, senão arroz e feijão, pois a comida está cara demais, e a sua mãe não tem dinheiro (Esquerda Marxista: 9/9/2021).
Todos esses acontecimentos são os reflexos de um sistema opressor e profundamente destrutivo, que tem se agravado de forma avassaladora no atual governo. Desde o princípio, conforme foi exposto, Bolsonaro expôs o seu descaso com a classe trabalhadora brasileira, através de suas falas e, principalmente, por sua ação contra a classe trabalhadora por meio de políticas como a PEC 32/2020, que objetiva congelar gastos públicos com a população, e isso inclui a adoção de iniciativas privadas, como é o caso privatização do SUS e de outros serviços públicos, além das privatizações que já realiza de portos, aeroportos etc. e das que ainda pretende realizar, como é o caso da Petrobras, dos Correios.
Por último, é importante destacar que, enquanto a fome extrema aumenta no Brasil, o agronegócio tem batido recordes de exportação de alimentos, sobretudo, grãos, como a soja, e o milho. No entanto, a população não se beneficia de nada disso, afinal, os latifundiários do agronegócio, que mantém o monopólio da produção alimentar do país, voltam-se apenas para os seus interesses próprios. Em outros termos, só visam ao lucro no contexto do capitalismo (Esquerda Marxista: 9/9/2021). Vale acrescentar que a bancada ruralista tem sido o braço direito do governo Bolsonaro no congresso, que só despreza a classe trabalhadora. Nesse sentido, é preciso pôr abaixo o quanto antes este governo do poder, pois muitas vidas estão sendo perdidas a cada dia, e não é possível confiar na democracia burguesa para as próximas eleições. Para isso, é preciso construir um partido revolucionário para pôr fim ao Estado burguês, como tem defendido a esquerda reformista. Mas isso só é possível através da organização e da luta da classe trabalhadora na construção do partido de esquerda revolucionário, em prol de um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais!
Fontes:
COPLE, Júlia. “‘Passar fome no Brasil é uma grande mentira’, diz Bolsonaro” (19/7/2019). In: O Globo (Política). Disponível em: <<https://oglobo.globo.com/brasil/passar-fome-no-brasil-uma-grande-mentira-diz-bolsonaro-23818496>> Acesso 27/20/2021.
EXTRA. “Garimpo contra a fome: sem comida, moradores do Rio recorrem a restos de ossos e carne rejeitados por supermercados” (29/9/2021). In: G1 – Globo.com. Disponível em: <<https://extra.globo.com/noticias/rio/garimpo-contra-fome-sem-comida-moradores-do-rio-recorrem-restos-de-ossos-carne-rejeitados-por-supermercados-25216735.html>> Consulta em 28/10/2021.
G1. “Brasil registra mais 433 mortes por Covid; média segue estável pelo 3° dia” (27/20/2021). In: G1 – Coronavírus. Disponível em: <<https://g1.globo.com/saude/coronavirus/noticia/2021/10/27/brasil-registra-mais-433-mortes-por-covid-media-movel-segue-estavel-pelo-3o-dia.ghtml>> Consulta em 28/10/2021.
MAHTANI, Noor. “Os piores dados da fome em uma década”. In: El país – Seção Economia. Disponível em:
<<https://brasil.elpais.com/planeta-futuro/2021-07-12/os-piores-dados-da-fome-em-uma-decada.html>> Consulta em 28/10/2021.
MARIANO, Adilson. “Capitalismo mata: uma criança morre de fome a cada cinco segundo” (1/8/2013). In: Esquerda Marxista. Disponível em:
<<https://www.marxismo.org.br/capitalismo-mata-uma-crianca-morre-de-fome-a-cada-cinco-segundos/>> Consulta em 28/10/2021.
MARTINS, Gilmara. “Aumento da fome, desmonte dos serviços públicos e desnutrição infantil em Joinville” (9/9/2021). In: Esquerda Marxista. Disponível em:
<<https://www.marxismo.org.br/aumento-da-fome-desmonte-dos-servicos-publicos-e-desnutricao-infantil-em-joinville/>> Consulta em 28/10/2021.
NETO, João. “Famílias pega[m] comida em caminhão do lixo que era descartada por supermercado” (19/10/2021). In: Brasil do Tempo. Disponível em:
<<https://www.brasildotrecho.com.br/2021/10/familia-pega-comida-em-caminhao-do-lixo-que-era-descartada-por-supermercado/>> Consulta em 28/10/2021.
PEREIRA, Danielle. “Brasil está entre os focos emergentes da fome, aponta relatório da Oxfam” (9/7/2021). In: RBA – Rede Brasil Atual. Disponível em:
<<https://www.redebrasilatual.com.br/mundo/2021/07/brasil-foco-emergente-fome-oxfam/>> Consulta em 27/10/2021.
SAÚDE Brasil. “Obesidade e desnutrição: nem tudo é o que parece” (26/2/2018). In: Saúde Brasil. Disponível em: <<https://saudebrasil.saude.gov.br/ter-peso-saudavel/obesidade-e-desnutricao-nem-tudo-e-o-que-parece>> Consulta em 28/10/2021.