Nos cursos de História de todo mundo, um dos temas mais estudados, debatidos e produzidos são o negacionismo e o revisionismo na História. Autores, professores e estudantes se debruçam no assunto por meses, seja estudando as referências bibliográficas, seja nas demais ementas onde o negacionismo e o revisionismo são praticados contra a ciência da História.
Podemos citar diversos momentos históricos que também são afetados pelos negacionistas, como, nos exemplos na história brasileira, os grupos que negam as ditaduras do Estado Novo (1937-1945) e Civil-Militar (1964-1985). Vale ressaltar que esses períodos não são negados apenas pelos abertamente adeptos à repressão militar, como as produções da empresa Brasil Paralelo, mas também por aqueles que minimizam alguns atos e a duração desses regimes. Um desses exemplos é o liberal Marco Antônio Villa, que rechaça a datação de 21 anos de Anos de Chumbo, produzindo uma tese que afirma o “regime militar” tendo, se muito, 11 anos. Isto é, de 1968 a 1979.
Porém, em grande medida, o tema que mais recebe abordagens falsárias e negacionistas, incitando a revisão dos livros e das políticas, é o holocausto judeu e o nazismo. Desde os curiosos e intrigantes casos como do historiador catalão Enric Marco Batlle – falsário – até os editores da Annales d’histoire révisionniste – negacionistas -, esse período de horror é um vasto campo para a pesquisa histórica e a manipulação política.
Em Santa Catarina, esta discussão vem à tona com o posse da nova governadora bolsonarista Daniela Reinehr. Contudo, antes de falarmos sobre o caso central deste texto, faz-se importante, citar o trabalho da Dra. Adriana Dias, antropóloga social pela Universidade Estadual de Campinas, que pesquisa o neonazismo e supremacismo branco nas redes sociais há 16 anos. Em 2019, Dias descobriu cerca de 69 nova células nazistas no estado catarinense, sendo o local com o segundo maior número destes militantes no Brasil, atrás de São Paulo, que possui 99 núcleos.
Obviamente que são insignificantes diante à classe trabalhadora e a juventude que luta contra os ataques capitalistas, mas trata-se de uma informação pertinente ao tema do negacionismo e como isto cresce a partir de líderes ligados ao campo da História, como o professor do Vale do Itajaí, Wander Pugliesi. Pugliesi, inclusive, lançou-se candidato à vereador em Pomerode, uma das principais colônias germânicas no estado, nestas eleições de 2020 pelo Partido Liberal, mas acabou sendo impugnado após a repercussão.
Quanto a governadora Reinehr, como apresentamos no texto onde colocamos nossa posição sobre o impeachment de Carlos Moisés e o perfil da ex-vice, a nova líder do executivo catarinense pertence à fração mais reacionária da direita que ascendeu ao poder em 2018. Para além disso, também alertamos que essa sua posição não é mero produto do advento bolsonarista, mas faz parte de sua própria formação.
Reinehr é filha de Altair Reinehr, um professor negacionista da História na cidade de Maravilha, da região de Chapecó, no oeste catarinense. Este senhor é reconhecido, desde os anos 1990, pelos historiadores catarinenses por relativizar o nazismo e ser mais um porta-voz do negacionismo. Naquele período, chegou a testemunhar favoravelmente a Siegfried Ellwanger Castan, da Editora Revisão, em seu julgamento por publicar livros antissemitas e por racismo. No presente, em suas redes sociais, Altair realiza abertamente postagens enaltecendo o governo Adolf Hitler, especialmente em apoio à política econômica do Terceiro Reich, além de negar os usos das câmeras de gás e, em geral, o holocausto judeu.
Em um artigo para o jornal A Notícia, de Joinville, em 2005, Reinehr defendia que os 6 milhões de judeus mortos pelo nazismo trata-se de uma “lenda” construída ao fim da 2ª Guerra Mundial para os Aliados justificarem seus crimes contra o Eixo:
“Foi aí que surgiu a lenda do holocausto e o mito dos 6 milhões de judeus mortos em câmaras, onde o gás caía de chuveiros! Isso com maior intensidade a partir de 1967 e com ímpeto total após a queda do muro de Berlim”.
Já em um relato de sua viagem à casa de Hitler, publicado pelo Jornal Imagem, da região onde reside, Reinehr apresenta o ditador nazista:
“[…] ingressou na política e em 30 de janeiro de 1933 foi nomeado Chanceler da Alemanha. Neste posto, realizou algo inédito e até hoje não imitado. […]. Enquanto tudo ia bem, sua popularidade como estadista crescia, chegando a ter mais de 90% de aprovação. A “história oficial” o considera como o causador da II Guerra Mundial, o que cada vez mais está sendo questionado por historiadores de renome de diferentes países. […] Hoje – oficialmente – é o estadista mais odiado, notadamente na Alemanha, onde é proibido “falar bem de Hitler”, publicamente. Nem é permitido lembrar obras reconhecidamente positivas. E tudo isso em nome da democracia, da verdade e da “…liberdade de expressão…!”.
Esses são apenas alguns exemplos de negação e revisão histórica de Altair Reinehr. Diante disso, a nova governadora foi perguntada por jornalistas em sua posse e como resposta, a bolsonarista nada fez do que esquivar-se, como se fosse possível ser indiferente ao nazismo. Sua posição gerou indignação nos trabalhadores e jovens, mas foi apenas após a nota conjunta da Confederação Israelita do Brasil (Conib) com a Associação Israelita Catarinense (AIC) exigindo uma posição veemente que Reinehr emitiu uma declaração se dizendo “contrária ao nazismo”.
O Museu do Holocausto de Curitiba também publicou uma nota contestando a nova governadora, explicando o tema:
“Tais ideias de negação surgiram ainda durante a 2ª Guerra Mundial, com o esforço nazista de apagar os vestígios de seus crimes e corroboradas por discursos como o famoso do SS Heinrich Himmler, quando afirmou que o extermínio seria “uma página gloriosa da nossa história, que nunca foi escrita e nunca será escrita”. Após o Holocausto, o negacionismo ganhou força por nomes como o de Paul Rassinier, Robert Faurisson e David Irving. No Brasil, seu principal expoente foi Siegfried Ellwanger Castan, proprietário da editora Revisão, condenado em última instância em processo judicial no qual José Altair Reinehr testemunhou a favor do acusado. Um dos objetivos do negacionismo da Shoá é reabilitar o nazismo e apresentá-lo como uma opção política legítima no debate social”.
Para os marxistas, é imprescindível explicar que o nazi-fascismo significou uma saída burguesa para a própria crise da primeira metade do século 20, após a falência do liberalismo e a crise das direções operárias na Alemanha e na Itália. Esse quadro possibilitou os horrores desses regimes que explicitaram a face mais doentia e assassina do capitalismo.
Em nosso tempo, o nazi-fascismo não é uma alternativa viável para a burguesia, nem existe uma organização que possa construir-se como tal, esmagando a luta dos trabalhadores e os comunistas, como fizeram as milícias de Hitler e Mussolini. Contudo, elementos reacionários se colocam na sociedade e conquistaram setores, como o bolsonarismo. Para combater esses grupos, tanto seus líderes ideológicos, como os professores negacionistas e revisionistas da ciência da História, quanto seus representantes nos governos, feito Daniela Reinehr, a classe trabalhadora possui apenas a arma da organização revolucionária, capaz de aniquilar não só os apologistas do nazismo, como todo esse modo produtivo de exploração e horror sem fim que é o capitalismo.
Não há saídas neste sistema, pois este nos destina somente a exploração e a opressão. Os liberais podem se colocar contra os nazistas, mas no frigir dos ovos, compactuam pelo fundamental, a propriedade privada dos grandes meios de produção. Assim, se unem contra aqueles que lutam por um mundo onde sejamos socialmente iguais, individualmente diferentes e totalmente livres. Portanto, não tenhamos dúvidas que apenas a superação do capitalismo será capaz de varrer para a lata de lixo da história todo esses subprodutos da barbárie e seus representantes.
- Fora Bolsonaro! Fora Reinehr! Por um Governo dos Trabalhadores, sem patrões nem generais!