A guerra econômica e a novas medidas do Governo Bolivariano para combatê-la

O documento que segue abaixo foi redigido e publicado na Venezuela antes das eleições ocorridas em 8 de dezembro. O publicamos agora em português para que nossos leitores possam entrar em contato com as proposições com as quais nossos camaradas da CMI Venezuelana travaram e travarão a batalha em defesa da revolução cada vez mais ameaçada pela burguesia e pelo imperialismo. Uma vez mais o sinal de alerta foi dado. Embora o PSUV tenha conquistado a maioria das prefeituras, a revolução segue ameaçada. Quais as tarefas dos revolucionários? Quais as ações que devem adotar o governo?

Manifesto da Corrente Marxista do PSUV

O manifesto da Corrente Marxista do PSUV, que apresentamos a seguir, a respeito das novas medidas anunciadas e já postas em marcha pelo presidente Maduro, face à guerra econômica, tem por objeto expor de forma detalhada, a partir do ponto de vista do socialismo científico, ante o conjunto da militância revolucionária e do movimento bolivariano, a posição dos Marxistas do PSUV a respeito dessas medidas e de seu papel no marco da feroz guerra econômica que atualmente enfrenta a revolução. Este manifesto é uma continuação e desenvolvimento das ideias centrais que foram expostas na primeira declaração da Corrente Marxista do PSUV ante a guerra econômica, publicada anteriormente em nossa página. Ver (https://marxismo.org.br/?q=content/venezuela-controle-operario-e-expropriacao-da-oligarquia-contra-guerra-economica)

Introdução

Nossa revolução se encontra em uma crise, a mais difícil de sua história. Ela não é apenas um episódio a mais de agravamento da luta entre a revolução e a contrarrevolução. Nestes momentos, a revolução bolivariana se encontra na mais complexa e difícil encruzilhada em seus quatorze anos de história.

Do resultado desta encruzilhada, do caminho que tome a revolução nestes próximos meses, seja em direção à radicalização da revolução em linhas socialistas, expropriando a burguesia e desenvolvendo o controle dos trabalhadores nos centros de produção e nos centros de trabalho em geral, para por um fim à situação de desabastecimento, açambarcamento e inflação, ou, pelo contrário, realizando políticas econômicas de mera reforma, subordinadas e limitadas ao estreito marco da propriedade privada burguesa e do regime capitalista de produção, dependerá o futuro da revolução na Venezuela nos próximos meses e anos.

Mais ainda: como marxistas, podemos dizer com toda seriedade, responsabilidade e firmeza que, das decisões que sejam tomadas pelos dirigentes de nossa revolução nestes meses, e o rumo que a mesma tome sobre a base de tais decisões, ações e medidas, dependerá, ou a vitória definitiva da revolução sobre as forças da contrarrevolução, e a possibilidade de continuar pela senda do aprofundamento e radicalização revolucionária em direção ao socialismo, ou, pelo contrário, a possibilidade real do futuro fracasso da Revolução Bolivariana frente às forças da contrarrevolução burguesa e imperialista.

Para a grande maioria do povo trabalhador não é segredo que tal encruzilhada, tal a situação de aguda crise, se remonta ao final do ano passado, quando começou a ser executada de maneira feroz e implacável uma brutal guerra econômica contra a Revolução Bolivariana, devido ao fato de que as forças da reação, ao tomar conhecimento durante o mês de dezembro de que a enfermidade do comandante presidente havia se agravado, e ao considerar como próxima a possibilidade de seu desaparecimento físico, viram este momento como sua oportunidade de ouro para incrementar de forma brutal a guerra econômica contra o povo trabalhador, por meio da especulação, do açambarcamento e do desabastecimento, buscando dessa forma acelerar o colapso da Revolução Bolivariana.

Ou seja, a guerra econômica que estamos enfrentando atualmente não é outra coisa senão um novo mecanismo de golpe lento, dirigido e levado à frente pelas classes dominantes, para tratar de derrotar e esmagar de uma vez por todas o processo revolucionário bolivariano. Portanto, frente a tais ações, se requer do campo revolucionário, do lado do povo trabalhador e das massas revolucionárias, ações contundentes que ponham freio e acabem com a guerra econômica de forma definitiva; do contrário, poderá então a burguesia, através de suas ações de guerra econômica, por um freio à revolução e, tragicamente, acabar com ela em futuro próximo.

Tudo depende das ações que sejam tomadas a partir das forças revolucionárias. Ações contundentes contra os capitalistas são absolutamente necessárias e imprescindíveis nestes momentos. A situação geral é, sem nenhum risco de soar extremista ou exagerado, de vida ou morte para o futuro da revolução bolivariana, e como dizia o comandante presidente, parafraseando ao prócer e mártir de nossa independência, José Félix Ribas: “Não podemos optar entre vencer ou morrer, vencer é necessário!”.

Neste sentido, o anúncio ao país, realizado pelo camarada presidente Nicolás Maduro, durante o último mês, da preparação de um plano especial de medidas contra a guerra econômica, bem como os reiterados anúncios realizados desde o mês de setembro, nos quais tornou pública sua vontade de desejar conduzir a luta contra a guerra econômica até suas últimas consequências, golpeando de forma contundente a burguesia e mesmo expropriando empresas que açambarquem produtos para gerar desabastecimento, geraram uma profunda expectativa durante os últimos dias no seio da militância revolucionária e, sobretudo, no seio de sua camada mais comprometida e combativa, sua vanguarda, por conhecer finalmente qual seria o conjunto das novas medidas que lançaria o governo bolivariano para golpear de forma objetiva e decisiva a burguesia venezuelana.

O manifesto a seguir da Corrente Marxista do PSUV, a respeito das novas medidas anunciadas e já postas em marcha pelo presidente Maduro, frente à guerra econômica, tem por objetivo expor de maneira detalhada, ante o conjunto da militância revolucionária e do movimento bolivariano, a posição dos marxistas do PSUV, a partir do ponto de vista do socialismo científico, a respeito de tais medidas e de seu papel no marco da feroz guerra econômica que atualmente enfrenta a revolução. (…)

A ofensiva econômica contra a oligarquia começou com êxito. É necessário radicalizar as medidas à esquerda!

Durante os últimos dias, os acontecimentos políticos em nosso país, nos marcos da cada vez mais aguçada luta de classes, entre a classe capitalista, por um lado, e a classe trabalhadora, de outro, se desenvolveram com impressionante velocidade.

No dia 6 de novembro, foram anunciadas as novas medidas que seriam conduzidas pelo governo bolivariano contra a guerra econômica e, a partir do dia seguinte ao anúncio das medidas até o dia de hoje, podemos observar por parte do governo bolivariano uma forte ofensiva contra a especulação em distintos ramos da produção, importação e, sobretudo, na distribuição dos bens de consumo necessários às famílias trabalhadoras venezuelanas.

Começando pela agora muito conhecida importadora e vendedora de eletrodomésticos DAKA, na qual foram detectadas margens de alta de preços em até 1000%, passando logo para outras distribuidoras de eletrodomésticos, como JVG e SAMIRA, nas cidades mais importantes do país, para posteriormente iniciar a ofensiva contra a especulação em distribuidoras de peças de reposição para caminhões e ônibus, como SUVALCAR. Sendo detectada a especulação, com abusos na majoração de preços em diversas mercadorias de 150% a 1000%, e chegar logo às distribuidoras de produtos de hidráulica e em lojas de produtos do ramo têxtil, de calçados, nas mais diversas cidades e povoados de todo o território nacional, o camarada presidente Maduro traçou uma linha de ação política contra a especulação e a inflação induzida em todos os ramos da economia.

Este tipo de ação teve impacto muito positivo sobre as massas trabalhadoras em todo o país. Mais ainda: podemos dizer com absoluta convicção, que a classe trabalhadora esperava há muito medidas e ações deste tipo, que golpeassem contundentemente a burguesia parasita em favor dos setores oprimidos de nossa sociedade, sobretudo ante a vaga brutal de açambarcamento, especulação, inflação, greve de investimento e, enfim, da implacável sabotagem à produção de bens de primeira necessidade e de bens de consumo em geral, por parte da burguesia venezuelana.

Desde a Corrente Marxista do PSUV e da campanha internacional de solidariedade com a Revolução Bolivariana, “Tirem as mãos da Venezuela”, declaramos nosso forte e total apoio às ações tomadas pelo presidente operário Nicolás Maduro, o primeiro proletário presidente da Venezuela, contra a burguesia parasita venezuelana, que viveu durante todo o século XX, e ainda vive, da captação das divisas que provêm da renda petrolífera, obtidas à custa da histórica exploração, opressão e miséria das massas trabalhadoras venezuelanas, sem impulsionar o desenvolvimento das forças produtivas em nosso país.

Já era hora de que se tomassem medidas desta natureza. O povo trabalhador, que é quem foi golpeado com a maior brutalidade pela guerra econômica movida pela oligarquia, esperava há meses esta contraofensiva do governo bolivariano. Sublinhamos nosso total apoio a ela e, ao mesmo tempo, lançamos um apelo ao camarada presidente Maduro e a todo o conjunto do movimento bolivariano para não limitarem esta contraofensiva revolucionária unicamente ao âmbito da especulação.

Por trás da especulação e do açambarcamento se encontra o poder econômico da oligarquia. Para poder acabar de uma vez por todas com qualquer tentativa de sabotagem econômica contra a Revolução Bolivariana, derrotando de forma definitiva à oligarquia e garantindo a irreversibilidade da revolução, é necessário e imprescindível arrancar das mãos da burguesia as grandes alavancas da economia.

Eis aqui o debate medular deste momento histórico para a Revolução Bolivariana. Ou pelo caminho das reformas, que conduzirá o processo revolucionário até a futura derrota, ou pelo caminho da radicalização revolucionária, ao triunfo definitivo do socialismo sobre a contrarrevolução burguesa e imperialista. Reforma ou Revolução!

É possível regulamentar o capitalismo e domá-lo para que corresponda aos interesses da Revolução?

Desde o início de nossa revolução, toda uma camada de dirigentes e intelectuais defendeu a tese, nada nova, de regulamentar os lucros e operações do capital privado, como alternativa de defesa do povo trabalhador e das massas empobrecidas dos embates e golpes que recebem do capitalismo. Esta tese também esteve quase sempre acompanhada da ideia errônea de que é possível trabalhar com um setor “patriótico” e “honesto” da burguesia, com o objetivo de desenvolver as forças produtivas do país, isto é,  para desenvolver a produção agrícola e industrial nacional, sem necessidade de expropriar nem de nacionalizar o restante da burguesia venezuelana, que é historicamente parasitária e pitiyanki.

Em linhas gerais, esta abordagem de regulação do capitalismo sustenta que é possível regulamentar a taxa de lucro das empresas privadas, ou seja, que é possível por limites à taxa de mais-valia que obtém cada empresário como fruto da exploração da força de trabalho da classe trabalhadora, tudo isso em defesa das massas trabalhadoras, ao mesmo tempo em que, se poderia ir construindo de forma gradual e pacífica uma economia socialista, sem necessidade de se chocar com a economia capitalista e sem necessidade de que ocorram mudanças bruscas na sociedade, cabe dizer, mudanças revolucionárias.

Estas ideias que, com toda seriedade, devemos dizer, são de caráter absolutamente reformista, foram propostas na Revolução Bolivariana sob a forma requentada de “economia mista”, mas vendidas como algo novo e inédito à luz da opinião geral de que nossa revolução era precisamente um êxito absolutamente “novo e inédito” na história revolucionária e, portanto, não podia se submeter aos esquemas e modelos prévios para ser analisada etc., etc., etc., quando na realidade tal tese, que estava sendo colocada por certos intelectuais como eixo programático da Revolução Bolivariana em matéria econômica, é algo totalmente desgastado, recozido e, sobretudo, fracassado.

A tese da economia mista, como indica o seu nome, em poucas palavras, propõe a coexistência paralela de uma economia estatal e social junto à outra de caráter privado e a serviço do capital, dentro de um mesmo país. Poderíamos resumir essa proposta na união e coexistência pacífica de Socialismo e Capitalismo.

As trágicas tentativas de regulamentar o capitalismo na América Latina: as lições do Chile e da Nicarágua

Essa proposta programática e teórica foi aplicada anteriormente no Chile e na Nicarágua, onde, de fato, foram mantidas de forma paralela em setores estatais e públicos da economia frente a setores nas mãos da burguesia.

No caso do Chile, foram nacionalizadas somente partes importantes da economia, tais como a indústria carbonífera, as minas de ferro e de nitratos, a indústria têxtil, ITT (telefônica), INASA (baterias elétricas) e um importante setor dos latifúndios. E, no caso da Nicarágua, foi nacionalizada a totalidade do comércio exterior, dos bancos e do setor financeiro, bem como uma parte pequena dos latifúndios e da indústria, mas, ao mesmo tempo, em ambas as revoluções, foi deixada nas mãos da burguesia chilena e nicaraguense a imensa maioria da produção, comercialização e transporte de bens e serviços, bem como outros ramos fundamentais da economia. O resultado disso foi que a burguesia pôde reter em suas mãos os grandes meios de produção, que constituíam o motor da economia em ambos os países, por meio dos quais, puderam sabotar até o cansaço a produção e distribuição de bens de primeira necessidade, como parte de uma implacável e devastadora guerra econômica contra ambas as revoluções.

No final, os resultados foram trágicos. No caso do Chile, pouco tempo antes do golpe, a inflação chegou a alcançar os 300%, ao mesmo tempo em que havia açambarcamento e desabastecimento de bens de primeira necessidade em níveis altíssimos por todo o país. No caso da Nicarágua, a inflação acumulada no final da década dos anos 1980 alcançou a incrível cifra de 37.000%. Logo, obviamente, o impacto sobre os setores menos politizados das massas trabalhadoras e camponesas, que apoiavam o sandinismo, e que não compreendiam a fundo as causas da situação econômica, foi terrível, chegando uma parte desses camaradas a pensar que tudo se tratava simplesmente de uma “má” política econômica dos sandinistas.

Fazendo comparações, ocorreu algo absolutamente similar ao que vemos hoje em dia na Revolução Bolivariana entre aqueles camaradas que, diante da ofensiva econômica desatada a partir do final do ano passado, e que, sem dúvida alguma, impactou de maneira muito negativa sobre o poder aquisitivo e sobre a situação econômica de suas famílias, terminaram simplesmente por culpar o governo bolivariano de tudo isso, sem ver mais nada. Eis aqui uma grave ameaça para o processo revolucionário na Venezuela.

Simplesmente recordemos os 700 mil camaradas que votaram a favor da Revolução Bolivariana em outubro do ano passado e que, depois do desaparecimento físico do comandante presidente, votaram pela “mudança” que, diante da difícil situação econômica (baseada na feroz sabotagem à economia), propunham Henrique Capriles Radonsky e a MUD.

Portanto, as lições que devemos extrair destes dois trágicos exemplos é fundamentalmente e mostram como a burguesia é capaz de tudo para defender seus interesses de classe, isto é, sua propriedade privada, e como as revoluções não podem deixar nas mãos da burguesia as grandes alavancas da economia, uma vez que, ao fazê-lo, permite que existam as condições para que a burguesia realize uma ofensiva econômica contra a revolução e o povo trabalhador, entendendo naturalmente que tal ofensiva é um meio, uma ferramenta de luta que a burguesia utiliza para derrotar de forma definitiva a revolução para em seguida esmagar de maneira contundente as massas trabalhadoras.

No caso do Chile, a feroz sabotagem econômica se constituiu na antessala preparatória do sangrento golpe de 1973, e foi utilizada para radicalizar contra o governo Allende as camadas médias da sociedade, a pequena burguesia, bem como setores desmoralizados do proletariado, que entraram em desespero pelo alto custo da cesta básica e desabastecimento. No caso da Nicarágua, a guerra econômica, unida à guerra militar dos famosos “Contras”, organizada e dirigida pelo imperialismo estadunidense contra a Revolução Sandinista, serviu de ferramenta fundamental para derrotá-la através dos métodos da democracia burguesa, nas eleições presidenciais de fevereiro de 1990, uma vez que, após dez anos de guerra econômica, um setor das massas trabalhadoras, esgotado ao extremo por esta e pela guerra civil, deixou de votar por Daniel Ortega e preferiu experimentar com Violeta Chamorro como alternativa à sua penúria e pobreza, que, aos seus olhos, ou seja, aos olhos deste setor das massas empobrecidas, afinal, a revolução nunca as resolveu. No Chile, a burguesia e o imperialismo deram um golpe; na Nicarágua foi-lhes suficiente esperar o desmoronamento da revolução para recuperar o poder político mediante as eleições presidenciais.

Diante destas reflexões devemos nos perguntar: e com a Revolução Bolivariana, que “solução final” espera utilizar o imperialismo ianque e a burguesia? O golpe já foi utilizado em abril de 2002, e foi derrotado pelo bravo e heroico povo trabalhador da Venezuela; depois executaram uma sabotagem geral de gigantescas proporções à economia, começando pela PDVSA, e também foram derrotados. Agora estão realizando, depois da greve-sabotagem patronal de 2002-2003, a ofensiva econômica mais grave e severa dos últimos dez anos. Será que vêm com um novo golpe ou desta vez esperarão que se acumule lentamente o descontentamento entre as massas trabalhadoras que apoiam à revolução, para nos derrotar em eleições nacionais futuras, tais como um referendo revogatório ou umas eleições parlamentares?

Queremos deixar em aberto essa reflexão aos nossos e nossas camaradas leitores; contudo, trataremos de contribuir para lhes dar uma resposta, a partir da posição do marxismo, do socialismo científico, nas partes restantes do presente artigo.

Parte II

Em continuação, apresentamos a Segunda Parte do manifesto da Corrente Marxista do PSUV ante as medidas que estão sendo conduzidas pelo governo bolivariano contra a guerra econômica. Esta parte e a parte seguinte estão dedicadas a realizar um balanço da guerra econômica ao longo do processo revolucionário na Venezuela e têm por objeto responder à questão que deixamos em aberto no final da Primeira Parte, ou seja, demonstrar que é impossível regular ou controlar o capitalismo, mediante o estudo da própria história da Revolução Bolivariana durante os últimos 12 anos.

A história da Revolução Bolivariana demonstrou suficientemente a impossibilidade de se regular o capitalismo: o 11 de Abril de 2002

No início da revolução, o próprio presidente Chávez considerava que era possível regular o capitalismo, que era possível controlá-lo para que não oprimisse a sociedade, e também que era perfeitamente possível utilizá-lo para desenvolver as forças produtivas do país, apesar de sua existência, para conseguir forjar uma nação independente e soberana. Recordemos sua abordagem sobre a terceira via do reformista Tony Blair (dirigente do partido trabalhista britânico, o histórico partido dos trabalhadores e de esquerda desse país, mas que possui uma direção totalmente reformista, degenerada e direitista), e sua aplicação na Venezuela, ante a devastação da economia venezuelana durante a década dos anos 1990 devido ao pacotaço de austeridade imposto pelo FMI e aplicado por Carlos Andrés Peres (CAP) a sangue e fogo.

Cinco anos mais tarde, os fatos do golpe de abril de 2002 e da greve-sabotagem patronal demonstrariam que é impossível controlar o capitalismo e que, tampouco, é possível trabalhar de maneira harmônica com a burguesia para desenvolver o país e lutar contra a miséria e a exploração do povo trabalhador. O próprio comandante presidente reconheceria depois publicamente o erro de tal posição política.

Como explicou Jorge Martin, Secretário-Geral da Campanha Tirem as Mãos da Venezuela e dirigente da Corrente Marxista Internacional, em seu artigo “A dez anos da vitória popular sobre o golpe – Expropriar os conspiradores!”. Nesse artigo, o camarada Martin argumenta que o golpe de estado de 2002 corroborou absolutamente o caráter totalmente parasitário, reacionário e pró-imperialista de nossa burguesia, demonstrando que é impossível que a revolução avance tratando de controlá-la ou chamando-a para trabalhar em conjunto, uma vez que, no momento em que se fez pública a firme vontade do presidente Chávez de realizar reformas progressistas, mas dentro do marco capitalista e sem sair do mesmo, tratando de regular o latifúndio e de ter maior controle das receitas da indústria petrolífera, foi isto o suficiente para que a burguesia organizasse sua derrubada. Vejamos:

“Foi a Lei Habilitante de novembro de 2001, aprovada com a finalidade de introduzir um pacote de 49 leis, o que marcou um ponto de inflexão. É importante assinalar que nenhuma destas leis eram socialistas em seu conteúdo. As duas mais importantes tratavam da riqueza petrolífera do pais e da reforma agrária. A Lei dos Hidrocarbonetos basicamente aumentou os impostos e regalias às multinacionais estrangeiras que operam na Venezuela e estabeleceu um requisito de participação estatal de 51% nas empresas mistas entre a empresa estatal PDVSA e as multinacionais estrangeiras. Isto também se encontrava relacionado com o tema do controle do governo sobre PDVSA, cujos gerentes e diretores dirigiam a empresa como se tratasse de seus próprios negócios privados, favorecendo os interesses das empresas multinacionais. A Lei da Reforma Agrária contemplava a expropriação (com indenização) dos latifúndios ociosos com a finalidade de redistribuir a terra aos camponeses sem terra e, de fato, não era mais radical em sua redação que a Lei da Reforma Agrária de 1960.”

“Estas 49 leis aprovadas em novembro de 2001, de fato, não vão mais além das tarefas democráticas burguesas pendentes na revolução venezuelana. O fato de que a oligarquia venezuelana (capitalistas e latifundiários) tenha levantado uma oposição massiva a estas leis mostra seu caráter parasitário e reacionário em particular, caráter que têm em comum com o resto das oligarquias da América Latina, mas que, na Venezuela, se vê agravado por seu acesso à riqueza petrolífera”.

E continua, agregando uma explicação marxista sobre o caráter da burguesia venezuelana: “Aqui reside a principal contradição da revolução venezuelana. Algumas de suas tarefas são de fato tarefas democrático-nacionais (sobretudo a conquista de uma autêntica independência nacional da dominação imperialista e a reforma agrária). Contudo, a burguesia venezuelana demonstrou ser completamente incapaz de enfrentar qualquer um desses temas em 200 anos desde que o país logrou sua independência formal. Os capitalistas venezuelanos estão indissoluvelmente ligados aos latifundiários (muitos deles, grandes capitalistas agrários) e ao imperialismo. Não há uma pitada sequer de conteúdo patriótico ou democrático neles. Não apenas isso, mas quando um presidente democraticamente eleito, Hugo Chávez, toma pela primeira vez medidas para começar a resolver essas tarefas básicas da revolução democrático-burguesa, a oligarquia organiza um golpe militar para derrubá-lo.  

“Este é o conteúdo real do golpe de Estado na Venezuela de 11 de abril de 2002: uma rebelião das classes possuidoras contra uma tentativa de realizar a revolução democrático-nacional” (ênfase nossa).

Outra vez a burguesia demonstra seu caráter reacionário: A greve-sabotagem de 2002-2003

Poucos meses depois de ter sido derrotado o golpe de 11 de abril, graças à heroica e decidida mobilização das massas, a burguesia e os latifundiários voltariam ao campo da guerra econômica e da tentativa de golpe de Estado, com a greve-sabotagem de dezembro de 2002.

Apesar de que o comandante-presidente não tivesse se lançado contra a oligarquia depois da derrota do golpe, pelo contrário, inclusive a chamou para um diálogo nacional, para estabilizar a situação do país, bem como também, para tentar chegar a um acordo em benefício do desenvolvimento nacional e do bem-estar das massas trabalhadoras, a burguesia demonstraria novamente quais são seus interesses de classe e do que é capaz para defendê-los.

Como explica Jorge Martin em seu artigo já citado:

“A oligarquia não aceitou a mão estendida de Chávez, e imediatamente começou a organizar um novo golpe de Estado que se materializou no lockout patronal e na sabotagem da empresa petrolífera, de dezembro de 2002 e janeiro de 2003”.

Desta vez, o componente econômico foi muito maior que em abril. Houve uma greve brutal de capitais, a esmagadora maioria dos empresários estava levando as divisas para fora do país, com o objetivo de deixar o governo sem reservas internacionais para, dessa forma, tratar de colocá-lo contra a parede e de joelhos, e como não existia nenhum tipo de controle cambial, isto era muito fácil de fazer.

Também foram fechadas milhares de fábricas em todo o país, lançando seus trabalhadores na rua, visto que as empresas não abririam novamente “até que Chávez fosse embora”, coisa que nunca aconteceu. Isso significou um duro golpe na capacidade produtiva do país, uma vez que em torno de cinco mil empresas industriais, comerciais e agrícolas foram fechadas e que permanecem fechadas até os dias de hoje.

Ao lado destas ações, todos podem recordar a onda implacável de desabastecimento, açambarcamento e especulação daqueles dias. Era muito difícil conseguir diversos produtos da cesta básica em pleno natal e a tudo isto devemos somar a interrupção abrupta do abastecimento de combustível para o transporte e dos bujões de gás para a preparação dos alimentos por parte das famílias trabalhadoras e pobres do país, devido à greve de produção da indústria petrolífera.

Mais uma vez, a burguesia demonstrou que não aceita nem aceitará jamais, sequer reformas econômicas mínimas que, sem transgredir o marco capitalista, isto é, sem violar o “sacrossanto direito divino da propriedade privada sobre os grandes meios de produção”, toquem levemente seus interesses em benefício das massas trabalhadoras historicamente oprimidas e pauperizadas ao extremo.

Depois da greve-sabotagem: Começam os controles de preços e a burguesia inicia sua lenta guerra econômica contra a revolução

Uma vez derrotada a greve-sabotagem, desta vez com a classe trabalhadora e, em particular, com os trabalhadores e trabalhadoras da indústria petrolífera desempenhando o papel de vanguarda fundamental na luta, a burguesia começou a planejar outras alternativas para derrotar a revolução. Começaria então a corrida opositora pelo referendo revogatório e começaria para os revolucionários e revolucionárias a preparação para uma nova batalha histórica em defesa da Revolução Bolivariana: A Batalha de Santa Inês.

Vemos, então, como, uma vez derrotado a greve golpista da burguesia, esta prepararia novos planos para tirar Chávez, não mais mediante um ataque frontal contra a revolução, mas através de métodos eleitorais, mas, no final das contas, demonstrando mais uma vez que a burguesia nunca deixaria de preparar ações para acabar com a revolução.

Por isso, os marxistas nunca deixarão de explicar pacientemente que somente tirando das mãos da oligarquia o poder econômico é que poderemos garantir o futuro de nossa revolução. Do lado contrário, para as classes dominantes, tal questão também é de vida ou morte. Até que não vejam derrotada a Revolução Bolivariana, nunca descansarão.

Mais uma vez, como levanta a questão o camarada Martin em seu artigo:

“Esta é a história que se repetiu mais de uma vez nos últimos dez anos. A classe dominante (porque ainda detém o poder econômico e, em certa medida, também controla algumas das alavancas do poder político) pôs em marcha uma tentativa contrarrevolucionária após outra. As “armadilhas” contrarrevolucionárias, o referendo revogatório, os distúrbios devidos à não renovação da licença da RCTV, o contrarrevolucionário “movimento estudantil”, incontáveis provocações na fronteira com a Colômbia, o assassinato de camponeses e de outros ativistas revolucionários, complôs militares etc.”.

Apesar de tudo isto, o ano de 2004 foi um ano de ascensão revolucionária. Grandes missões, como Barrio Adentro, que tiveram impacto social sem precedentes em nossa história, começaram a funcionar. Começava a se desenvolver com força o debate sobre o controle operário e seu papel na revolução, a partir da experiência da reforma operária de PDVSA e também a partir de numerosas ocupações de fábricas em todo o país, que foram fechadas durante a greve patronal. A UNETE, como central sindical nascida no calor da revolução, ficava cada vez mais forte e se dava um importante debate em seu seio sobre o papel da classe trabalhadora na revolução. Sem dúvida alguma, a Revolução Bolivariana estava no auge.

Nesse contexto político e social, começaria a se aprofundar o necessário debate sobre o rumo da economia e de seu papel ante o futuro da Revolução Bolivariana, sobre o qual setores da vanguarda do movimento revolucionário propunham a necessidade urgente de que a classe trabalhadora e o povo em seu conjunto desempenhassem cada vez mais o papel de direção nos processos produtivos e econômicos em geral, dentro dos centros de trabalho, ao mesmo tempo em que se colocava também, pelo presidente Chávez, a necessidade de que o governo bolivariano tivesse maiores controles sobre a economia nacional, tudo isto à luz dos acontecimentos prévios de abril de 2002 e da greve-sabotagem de 2002-2003, nos quais se tornou evidente que já não era possível, sob nenhum pretexto, deixar livremente nas mãos da oligarquia venezuelana o controle da economia nacional.

Sobre essa base, pela primeira vez foram fixados controles de preços de toda uma série de produtos da cesta básica, para frear a expropriação diária que a burguesia realiza sobre o povo, mediante a elevação constante de bens e serviços que, além disso, vinha de crescimento sem precedentes durante a nefasta década dos anos 1990.

Esta medida, ao lado das elevações constantes do salário-mínimo da classe trabalhadora, que, posteriormente, começaria a outorgar o governo revolucionário sob a direção do comandante Chávez de maneira semestral, significava que, pela primeira vez em décadas de governos a serviço da burguesia, a mais-valia, o excedente apropriado pelos donos dos meios de produção, era afetado em benefício das massas trabalhadoras do país.

Como explicamos no manifesto que publicamos em maio passado sobre as negociações que sustentaram Lorenzo Mendoza (dono das Empresas Polar) e o camarada presidente Nicolás Maduro:

“Quando se controlam os preços de venda dos diferentes itens da cesta básica, enquanto, ao mesmo tempo, se realiza um processo sistemático de elevações salariais em nível nacional todos os anos, como o fazia o presidente Chávez, então, evidentemente, se afeta com isso a taxa de lucro dos capitalistas que produzem tais itens com preços de venda regulados. Isso se deve ao fato de que, ao subir os salários todos os anos, se aumenta o tamanho da parte da riqueza total que produz a classe trabalhadora nas fábricas, e que corresponde a ela na forma de salário, sem que, por sua vez, como consequência disso, os capitalistas desse mesmo ramo possam aumentar os preços de venda de seus produtos, a fim de lograr recuperar essa parte a mais que agora ganham os trabalhadores, para poder se ressarcir dessa ‘perda’, como os burgueses costumam dizer, que não é outra coisa realmente que uma leve ‘diminuição’ de seu lucro capitalista, em benefício dos oprimidos de sempre, em benefício do povo trabalhador”.

Aos olhos das maiorias historicamente oprimidas, espoliadas e empobrecidas de nosso país, esta era uma reivindicação econômica e social de considerável importância.

Contudo, como explicamos de forma paciente durante os últimos anos em numerosos documentos e artigos, e como colocamos ao longo do presente manifesto, não é possível regular ou afetar o lucro capitalista e esperar ao mesmo tempo que diante de tais medidas a burguesia continue produzindo como fazia antes do estabelecimento das mesmas.

Uma vez afetada a taxa de lucro capitalista, isso implicará, da mesma forma como o dia segue a noite, em rebelião da classe capitalista contra as regulações, controles ou medidas que afetem sua margem de lucro.

Em seu artigo: “Venezuela: o cabo de guerra econômico entre revolução e contrarrevolução”, escrito durante os dias em que foram realizados os comícios do referendo constitucional de 2007, o companheiro Erik Demeester, responsável pela seção belga da Campanha Tirem as mãos da  Venezuela, explica como de fato, embora os controles de preços tenham beneficiado de maneira muito positiva a capacidade aquisitiva das massas trabalhadoras, por sua vez, empurraram a burguesia a agudizar a sabotagem da produção de bens no país:

“É verdade que o controle de preços e todos os demais controles desorganizaram o funcionamento normal do que ainda é uma economia capitalista na Venezuela. Estas medidas foram tomadas com a melhor das intenções: garantir e ampliar o acesso aos produtos alimentícios básicos para camadas mais amplas da população. Graças ao controle e aos preços baixos, as camadas mais desfavorecidas da população agora têm acesso a estes produtos. Em geral, o poder aquisitivo dos pobres também aumentou. Um informe recente da Câmara de Comércio e Indústria Americano-Venezuelana revelava aumentos significativos nas receitas entre 2004 e 2006. 58% do setor mais pobre da população viram como suas receitas reais aumentaram em 130%, depois de descontar a inflação. Estas conquistas não incluíam os benefícios associados aos diferentes programas sociais ou ‘missões’, que proporcionavam educação gratuita, saúde etc.”.

Então, como já explicamos, ao se aplicar os controles de preços a partir de 2004, se elevaria de forma muito positiva o nível de vida da classe trabalhadora, mas, ao mesmo tempo, se daria início a uma lenta guerra econômica no país que, às vezes, teria auges e aguçamentos e que, em outros casos, teria descensos, mas que no final seria uma guerra econômica permanente que dura até hoje, a qual se expressou em desabastecimento, especulação, açambarcamento, desinvestimento, fechamento de empresas e, enfim, redução aguda da produção e por último, redução aguda da oferta de bens à sociedade venezuelana, tanto de bens de primeira necessidade como os de consumo em geral, assim como uma paulatina destruição do aparelho produtivo do país por parte do empresariado parasita, o qual, com toda seriedade devemos dizer, significou um muito grave enfraquecimento de nossa economia nacional, que por si mesma já era historicamente uma economia muito débil.

Em resumo: o que queremos demonstrar nesta parte do presente manifesto é que, em primeiro lugar, a guerra econômica, se bem tenha se acentuado de maneira feroz desde o final de 2012, não começou nesta data, pelo contrário, esta guerra econômica vem se exercendo contra a revolução desde o seu próprio início, e, em segundo lugar, que esta guerra não provém de somente um setor da burguesia, que se pode considerar pequeno e menor importância, como foi colocado durante todos estes anos por vários de nossos intelectuais e dirigentes. Muito pelo contrário, tais setores precisamente constituem um setor esmagadoramente majoritário dos latifundiários e do empresariado parasita venezuelano.

No entanto, para não nos estendermos excessivamente, não faremos um balanço detalhado de todos os períodos de aguçamento da guerra econômica durante os últimos dez anos, mas ressaltaremos simplesmente, com a maior brevidade possível, os acontecimentos fundamentais ocorridos em alguns dos mesmos.

2007: Mais uma vez a burguesia faz uso do desabastecimento e da especulação contra a revolução, logrando a derrota da reforma no referendo

O referendo para a reforma constitucional em 2007 poderia ter significado um ponto de inflexão à esquerda para o processo revolucionário bolivariano, sobretudo no que se refere ao poder da classe trabalhadora dentro dos centos de trabalho e consequentemente, sobre o conjunto da economia.

A burguesia obviamente não podia permitir isso e fez uso das ferramentas econômicas de que dispunha e ainda dispõe, para fazer sua “campanha silenciosa” contra a reforma constitucional. Ademais da campanha política contra a reforma, os níveis de desabastecimento de vários dos produtos da cesta básica, particularmente o leite, assim como o incremento da inflação, foram as ferramentas centrais da oligarquia para lutar contra a aprovação da reforma constitucional.

Novamente, a Revolução Bolivariana chegava a um momento de definições. Ou radicalizar a revolução expropriando aos capitalistas ou deixar nas mãos destes parasitas as grandes alavancas econômicas do país (entre as quais se encontram as principais empresas produtoras de alimentos), permitindo desta forma a sabotagem deliberada da economia nacional.

Lamentavelmente, como todos sabemos, as ações contundentes que deviam ter sido tomadas nunca foram tomadas e a guerra econômica durante 2007 logrou os objetivos desejados, isto é, contribuir para a derrota da reforma constitucional em dezembro do mesmo ano.

Já no início de 2007, começaram a se elevar os índices de desabastecimento e inflação, se bem que sua rápida ascensão se deu quando o presidente Chávez convocou à batalha política pela reforma. Diante desta situação, o governo bolivariano assumiu como arma de defesa principal contra essa nova etapa da guerra econômica as políticas de fiscalização e sanção ao comércio e às empresas açambarcadoras e especuladoras, sem assumir de maneira frontal a possibilidade de nacionalizar as grandes empresas produtoras de alimentos, de produtos de primeira necessidade e de outras empresas afins a estes ramos da indústria.

Mas como foi possível que novamente a burguesia sabotasse a economia, se durante os últimos anos o governo bolivariano estava levando à frente políticas para assumir cada vez mais o controle da mesma? Como foi possível que, mais uma vez, se sabotasse de maneira feroz e descarada a produção de alimentos e produtos de primeira necessidade, ante todos os esforços do governo revolucionário para regular o desenvolvimento da economia nacional em benefício do povo trabalhador?

A resposta é simples: não podes controlar o que não te pertence!

Desde 2004, o governo bolivariano estava tratando de introduzir regulações na economia capitalista privada, para evitar novas investidas da oligarquia contra a economia nacional, como a que sofreu o país durante a greve-sabotagem. Mas o problema está em que o governo bolivariano não pode nem poderá (e de fato vemos já que não pode) controlar o desenvolvimento da economia nacional enquanto a mesma estiver em sua maioria nas mãos da oligarquia, ou seja, enquanto as grandes alavancas da economia continuarem nas mãos das classes dominantes.

Então, assim, o ano de 2007, apesar de todas as tentativas cegas de fiscalizar a distribuição e produção de bens, seria um novo ano de investida econômica da oligarquia contra as massas trabalhadoras e contra a Revolução Bolivariana.

Em 16 de fevereiro daquele ano, o vice-presidente naquele momento, Jorge Rodríguez, colocava em declarações à imprensa a respeito da nova lei contra o açambarcamento e a especulação:

“Não se justifica que no mês de janeiro se tenha produzido um aumento tão brutal nos preços dos alimentos da cesta básica, a menos que seja uma estratégia conspiradora ou de atentado contra os interesses do povo venezuelano”.

Mesmo assim, sustentou: “O governo está implantando as medidas necessárias sob todos os pontos de vista para impedir que os especuladores, açambarcadores e sabotadores da soberania alimentar do povo venezuelano façam das suas, esta lei será muito estrita contra o açambarcamento e a especulação no país”.

Claramente, evidencia-se a confiança do então vice-presidente de que, fazendo uso das fiscalizações e sanções às cadeias comercializadoras e às empresas de produção de produtos básicos, poderia se resolver o problema do desabastecimento e da especulação. Em realidade ocorreu o contrário.

Poucas semanas antes do referendo, a escassez e a alta dos preços haviam chegado a níveis muito altos, em comparação com vários trimestres anteriores, golpeando de forma sensível o bolso das famílias trabalhadoras, como o refletiu o presidente de Datanálisis, Luís Vicente León, nos estudos realizados naquele momento:

“A escassez média de produtos regulados se colocou entre 20% e 25%, o que triplica o nível de desabastecimento histórico local, chegando a casos extremos do leite e do açúcar, onde as falhas superam 70% e 50%, respectivamente”.

Naturalmente, deve se levar em consideração que este indivíduo é defensor da burguesia e que, portanto, muitas vezes infla as cifras de seus estudos para lhe dar maior impacto político. Contudo, no final, os altos níveis de açambarcamento e especulação puderam ser sentidos pela maioria das massas trabalhadoras do país, o que desempenhou um papel importante no resultado do referendo.

Para muitos e muitas camaradas leitores, pode resultar paradoxal que utilizemos dados aportados por pesquisadores burgueses como Datanálisis, como apoio às teses que colocamos no presente documento. Contudo, vemo-nos na obrigação de fazer uso dessas cifras, na medida em que, desde as instituições do estado e do governo bolivariano, como o INE, o BCV ou o Ministério da Alimentação daquele momento, quase nenhuma vez foram fornecidas cifras oficiais à população, sobre os níveis de açambarcamento e especulação existentes durante aquele período.

Isso se deveu à ideia totalmente errada e ainda hoje defendida por muitos de nossos dirigentes de que não havia tal guerra econômica, mas que, pelo contrário, o que havia era uma terrível guerra psicológica contra as massas trabalhadoras, levada a cabo através dos meios de comunicação da burguesia e, por meio dos quais, se empurrava as pessoas a realizar compras nervosas, que era uma das causas principais do desabastecimento e, portanto do aumento dos preços nos produtos que apresentavam níveis de desabastecimento.

Tendo como base esta errada posição política, muitos de nossos dirigentes consideravam que o fornecimento de números sobre o real desabastecimento existente no país seria igual a ceder ante a suposta “guerra psicológica” da oposição, o que poderia gerar maior nervosismo e angústia na população, quando, muito pelo contrário, o que se devia fazer era reconhecer o que de fato estava sucedendo nas ruas, mas explicando às bases revolucionárias as causas reais de tal situação a partir do ponto de vista da luta de classes e, portanto, seu real culpado (a burguesia), ao mesmo tempo em que se devia propor às pessoas um programa concreto de luta que permitisse derrotar a sabotagem da economia a partir da mobilização operária e popular.

Portanto, ao não contarmos com cifras oficiais sobre os indicadores econômicos daquele período da guerra econômica, no vemos obrigados a utilizar estes dados obtidos nos estudos realizados por pesquisadores burgueses como Datanálisis.

Em seu já citado artigo, o camarada Erik Demeester faz uma citação mais extensa de um dos tais estudos, o qual nos pode dar uma imagem mais detalhada da situação que se viveu naquele ano:

“Um informe recente de Datanálisis (monitoração exploratória do mercado de produtos com preços regulados pelo Estado, de 16 de outubro de 2007), revelava o que já muitas pessoas sabiam e sofriam. A escassez de produtos alimentícios básicos está se tornando intolerável. Este estudo assinala que o leite, a carne de vaca e o açúcar são muito difíceis de encontrar. Outros produtos como o frango, o óleo de cozinha, o queijo, as sardinhas e o feijão também são muito escassos. A análise se baseia em entrevistas a 800 pessoas em 60 locais de venda diferentes, supermercados e mercados, tanto do setor privado como da rede pública de distribuição: Mercal. 73,3% dos locais visitados não tinham leite em pó à venda. 51% já não tinham açúcar refinado; 40% não tinham óleo de cozinha e 26,7% não tinha feijão, um produto básico na Venezuela”.

Ainda mais, depois do referendo, as ações que o governo bolivariano tomaria contra a guerra econômica dariam a razão a respeito do forte impacto que teve o recrudescimento da sabotagem da produção e distribuição de alimentos durante 2007, por parte da burguesia.

Com efeito, novas e mais audazes medidas de fiscalização de comércios, armazéns e empresas se tornaram urgentes, visto que, uma vez alcançado o objetivo de derrotar a reforma no referendo, a burguesia não suavizou suas ações; pelo contrário, as manteve e aguçou durante o início do ano 2008, obviamente encorajada e politicamente fortalecida pelo resultado favorável do referendo em dezembro.

Cabe assinalar que, embora as novas fiscalizações e embargos de alimentos e bens monopolizados tenham dado resultados positivos em primeira instância, não resolvem as graves contradições econômicas de fundo.

Traduzido por Fabiano Adalberto