Grandes abalos políticos estão ocorrendo na África do Sul. A EFF resulta desse novo momento. Coloca-se a questão de adaptar-se ao sistema ou combater pela sua superação.
Durante um comício em Soweto no dia 30 de abril, a organização Economic Freedom Fighters (EFF) lançou seu manifesto para as eleições de governo local que acontecerão em 3 de agosto. Foi um grande evento com um mar de cores vermelhas inundando o Orlando Stadium. Para a classe trabalhadora, os estudantes e os pobres que compareceram, aquela foi uma oportunidade de ouvir o discurso do líder Malema, no qual o manifesto foi tornado público.
A crise de governança se manifesta de maneira mais intensa em nível local que em qualquer outro. Esta é a esfera mais fraca do governo, tão fraca que em alguns lugares jaz à beira do colapso.
A imensa maioria dos protestos comunitários que tomaram de assalto o país na última década aconteceram neste lugar. Comunidades descontentes estão indo às ruas semanalmente para demonstrar sua insatisfação com a falta de serviços municipais básicos como água encanada, moradia digna, eletricidade e saneamento. Também é na esfera dos governos locais que o câncer da corrupção descarada tem suas raízes mais profundas.
O estado (reformista) e a Revolução
Como explicamos anteriormente, a EFF é um partido radical de esquerda com raízes nas divisões ocorridas dentro do Congresso Nacional Africano (ANC). Ela é manifestação e produto das batalhas violentas da luta de classes nos últimos tempos, além de uma continuação do processo de que começou na Liga Jovem do ANC antes que fosse dissolvida em 2012.
No mês anterior ao comício, o partido realizou mais de 200 reuniões consultivas em que as visões e opiniões das comunidades pobres foram requisitadas. O efeito desta atitude pôde ser visto na reação do público presente no estádio, que percebeu os ecos de suas demandas no discurso realizado pelo líder do partido, Julius Malema. Malema tem a habilidade de enunciar as demandas populares em uma linguagem à qual elas consigam se relacionar. Isso explica a reação altamente positiva a seu discurso, tanto no estádio quanto por parte daqueles que assistiram o comício pela televisão. No entanto, não é suficiente avaliar o manifesto simplesmente pela maneira com que ele foi recebido. É preciso olhá-lo mais de perto a fim de entende-lo melhor.
Em seu discurso, Malema deixou clara a composição social das comunidades pobres, dizendo que elas são compostas principalmente por trabalhadoras domésticas, seguranças, frentistas, mineiros, beneficiários de programas sociais, profissionais graduados sem emprego etc. Em sua formação de classe, existem os aliados naturais da numerosa classe de trabalhadores industriais que são representados por organizações como a União Nacional de Metalúrgicas da África do Sul (NUMSA), o grande sindicato dos metalúrgicos.
Apesar do “manifesto popular” da EFF ser escrito com farto uso de retórica revolucionária, ele não esconde o fato de que ainda opera no atual âmbito econômico e político. A EFF procura abordar a crise “capturando” o estado e “transformando” a economia em benefício dos pobres. Todo o impulso do manifesto da EFF está no compromisso de “governar melhor” com participação popular das comunidades. Porém, isto é apenas uma expressão mais enérgica da política de governo do ANC Batho Pele (povo primeiro), que significa oferecer melhores serviços à população.
O documento propõe a criação do que chama de “Prefeitura Popular” da seguinte maneira:
A essência dos compromissos da EFF é que tudo o que uma prefeitura da EFF fizer deve ser centrado nas pessoas e deve ir em direção à CRIAÇÃO DE EMPREGOS E OFERTA DE SERVIÇOS DE QUALIDADE PARA TODOS. Para tanto a EFF pretende criar as PREFEITURAS POPULARES, cuja principal inspiração e foco é o POVO.
Esta temática “povocêntrica” pode ser vista durante todo o manifesto. Nas Considerações Iniciais o documento diz: “O programa revolucionário da EFF estará sempre enraizado na organização e no ativismo de massas, na lógica superior e acompanhamento do povo”. Esta, é claro, é a maior força da organização. A orientação direcionada à luta de classes e o fato de que a EFF não tem medo de mobilizar as massas são as principais razões para a hostilidade apresentada por setores da classe dominante contra a organização. A classe dominante teme que as massas não parem na metade do caminho, mas sigam adianta para além dos limites do sistema.
No entanto, está claro que o manifesto da EFF é um programa de reformas progressivas sem que se transcenda o sistema capitalista. Isto transparece na abordagem do manifesto em suas Considerações Iniciais, onde se lê: “A Economic Freedom Fighters é um movimento político revolucionário que busca substituir o atual governo por um progressista, mais democrático, sensível, responsável e livre de corrupção. Para atingir este objetivo, a EFF disputa o poder político dentro dos árduos limites e regras do sistema eleitoral vigente, que favorece os partidos políticos existentes”.
O manifesto enuncia corretamente que o partido não se limita à participação em eleições: “A disputa do poder político por parte da EFF através das eleições não deve, porém, ser confundida com nossa determinação revolucionária de remover o atual governo através de quaisquer outros meios revolucionários”.
No entanto, esta posição, apesar de bastante radical, se limita a remover o (atual) governo através de quaisquer meios necessários. No presente, os meios são as eleições dentro do sistema capitalista existente.
Isto se confirma quando o manifesto cita seu documento de fundação: “A Economic Freedom Fighters disputará o poder político porque somos guiados pela firme convicção de que precisamos dele para tomar o estado e transformar a economia para a emancipação dos negros sul-africanos, especialmente africanos. As formas através das quais a EFF disputará o poder político serão revisadas de tempos em tempos à luz das circunstâncias vigentes, mas o papel primordial da organização e do ativismo de massas como forma de elevar a consciência política da população permanecerá como alicerce de sua atuação política”.
Aqui o estado capitalista é apresentado simplesmente como uma arena de contestação. O texto fala sobre “tomar” o estado e usá-lo para “transformar a economia”. Toda a perspectiva da EFF para a revolução sul-africana parte desse ponto. Em última análise, esta é exatamente a mesma posição que o ANC tinha quando subiu ao governo duas décadas atrás. Eles também tentaram “transformar” a economia através de diversos meios, inclusive o Programa de Reconstrução e Desenvolvimento. No entanto, como operavam dentro dos limites do capitalismo, o sistema não podia sequer arcar com as despesas dessas medidas relativamente moderadas. No fim, as leis do capitalismo determinaram que o governo se voltaria a ataques ainda mais violentos contra a classe trabalhadora através da adoção de políticas abertamente capitalistas, como “Empoderamento Econômico Negro”, “Crescimento, Emprego e Redistribuição” (GEAR), “Iniciativa de Crescimento Acelerado e Compartilhado” (ASGISA) e o Plano Nacional de Desenvolvimento.
A razão para esse fracasso do ANC reside no fato de que é impossível “transformar” o estado capitalistas através desses métodos. É claro que é possível realizar reformas progressivas dentro dos limites do capitalismo, no entanto elas não caem do céu e são apenas uma característica temporária sob o capitalismo. Estas reformas são resultado da luta de classes e serão revogadas a partir do momento em que o sistema não possa mais sustentá-las. Mas o ponto importante é que, sob o capitalismo, não se pode tornar o estado socialista simplesmente lançando mão dele. Este é um ponto tão importante que Marx e Engels o incluíram no prefácio da edição alemã de 1872 do Manifesto Comunista falando sobre a experiência da Comuna de Paris. Lenin explica este fato em O Estado e a Revolução:
“A única ‘correção’ que Marx achou necessário fazer no Manifesto Comunista foi com base na experiência revolucionária da Comuna de Paris… Uma coisa em especial foi provada pela Comuna, que a ‘classe trabalhadora não pode simplesmente lançar mão da máquina estatal pré-existente e emprega-la para seus próprios fins’…
“Mais característico é o fato de que essa importante correção foi distorcida pelos oportunistas e seu significado provavelmente é ignorado por 90%, senão 99%, dos leitores do Manifesto Comunista. Lidaremos com esta distorção mais profundamente adiante, em um capítulo dedicado especialmente a distorções. Aqui será suficiente notar que a mais vulgar e corrente “interpretação” deste famoso enunciado de Marx acima citado é a de que ele estaria enfatizando a ideia de desenvolvimento gradual em contração à tomada do poder e assim por diante.
“Na verdade, o caso é exatamente oposto. A ideia de Marc é de que a classe trabalhadora precisar romper e destruir a ‘máquina estatal pré-existente’, e não se limitar a apenas lançar mão dela.”
Quando o ANC subiu ao governo, também tinha metas de executar um governo sensível, responsável e livre de corrupção. Para isso implantou seus quadros em todos os níveis de governo, a partir de seu conceito de “estado forte e desenvolvimentista”. Mas isso não alterou os fundamentos das relações de classe. Por estrem ainda operando dentro dos limites do sistema, a burguesia agiu para corromper sistematicamente toda uma camada do partido e com o tempo “capturaram” uma ampla seção dos líderes do ANC, absorvendo-os para dentro do sistema e acorrentando-os ao Capitalismo.
A real natureza do estado pode ser vista na maneira violenta com que ele age para reprimir os protestos comunitários. É esta a função do estado burguês. Ele é uma máquina monstruosa e antidemocrática regida por milhares de funcionários não eleitos, funcionários municipais, burocratas, chefes de órgãos públicos, chefes de polícia, generais do exército e juízes cujo trabalho é preservar “a lei e a ordem” e o atual status quo que acorrenta milhões de pessoas à exploração, miséria e escravidão assalariada. Ele é um instrumento de preservação do sistema capitalista. Não é possível “tomar” o estado capitalista e usá-lo para servir aos interesses dos mais pobres. Como disseram Marx e Lenin, ele deve ser destruído, desmontado, superado e substituído por um estado dos trabalhadores, sob poder dos trabalhadores e regido por uma democracia dos trabalhadores.
É claro que é correto o fato de que a EFF dispute as próximas eleições “dentro dos árduos limites” do sistema. Os marxistas entendem que, de maneira geral, é necessário tomar vantagem de todas as oportunidades dentro do sistema burguês para alcançar as massas, o que inclui participar das eleições burguesas. No entanto, para os marxistas eleições e mandatos servem apenas ao propósito de expor estas instituições e ajudar a classe trabalhadora a perceber que elas devem ser eliminadas e substituídas por instituições da própria classe. Levar adiante a ideia e que esses órgãos podem ser reformados é, dessa forma, contraprodutivo. O objetivo deve ser revelar que o verdadeiro inimigo não são os partidos políticos, mas o próprio sistema capitalista.
Reforma e distribuição agrária
O manifesto da EFF determina compromissos para a distribuição de terras aos pobres para fins residenciais, recreativos, esportivos etc. O documento se compromete em distribuir terrenos ao povo para fins residenciais gratuitamente. Para assegurar que uma prefeitura da EFF poderia prover estes serviços de maneira adequada, o manifesto se compromete a realizar um processo de expropriação de terra. Ele explica suas posições da seguinte maneira:
“A Prefeitura Popular da EFF vai passar leis que irão expropriar e distribuir terras igualmente entre todos os habitantes da cidade para fins e atividades residenciais, recreativos, industriais, religiosos e agrícolas a partir do princípio de ‘use ou perca’.”
A questão fundiária é certamente de vital importância tanto para a população rural quanto para a urbana. É impressionante ver com os próprios olhos as imensas extensões de terras privadas enquanto o povo luta para conseguir qualquer pedaço de terra, até mesmo para fins residenciais. Portanto, o compromisso do manifesto da EFF com a expropriação de terras é correto. No entanto, há uma flagrante omissão no texto do manifesto em relação às posições anteriores do partido. Em seu documento de fundação e em todos os pronunciamentos públicos o partido se comprometeu com a expropriação de terras “sem compensações”. Este é um dos autodeclarados pilares “não negociáveis” de seu manifesto de fundação.
Não está claro qual a razão da omissão, mas sem a cláusula de compensação no manifesto ele se torna materialmente diferente da posição anterior. Sob a atual legislação, a expropriação de terra para uso público já é permitida. O governo acabou de passar uma lei sobre o assunto. No entanto, há uma exigência legal de que isso seja feito com compensação. Isto é parte do problema da questão fundiária, pois demanda um longo processo que é em última instância responsável pelo imenso atraso nos processos de reivindicação de terras. Se a posição da EFF sobre a questão fundiária mudou e o texto apresentado no manifesto é a versão correta, então ela simplesmente se adequa às atuais medidas legislativas sobre o problema da terra. Nesse caso, é exatamente a mesma posição do ANC.
Como isso será financiado?
O manifesto faz diversas promessa de fornecer serviços básicos gratuitos para os pobres. Ele afirma que uma prefeitura administrada pela EFF iria criar empresas municipais para a construção de casas e promete que irá fornecer residências espaçosas e de qualidade, Wi-fi pública e gratuita em pontos de táxi, parques e estações de ônibus. Afirma também que irá acabar com a terceirização e absorver trabalhadores terceirizados para dentro da folha da prefeitura, criará centros de desenvolvimento pré-escolar em cada zona da cidade, se compromete a abolir o uso de consultores externos, manterá a prefeitura funcionando 6 dias por semana e que vai fornecer eletricidade e água encanada gratuita para os mais pobres. Estas são medidas muito importantes e nós apoiamos completamente todos estes pontos.
Mas a seção C do manifesto, que descreve como tudo isso será financiado, levanta sérias questões. Ela consiste de apenas três parágrafos bastante curtos que dizem:
“Primordialmente, o suporte financeiro a estas medidas serão através de:
- Uso eficiente do orçamento disponível, com a meta de usar um mínimo de 60% dele para o fornecimento de serviços e não para pagamento de operações e salários intramunicipais;
- Melhor uso dos recursos pré-destinados;
- Melhor uso e distribuição eficiente dos recursos recolhidos pela prefeitura da EFF;
- Geração de recursos adicionais através de entidades municipais.
No entanto, isto não dá qualquer indicação de como todos estes compromissos serão financiados de maneiras diferentes daquelas que já são permitidas dentro do sistema capitalista. Estes pontos apenas enumeram as práticas estabelecidas nos requisitos existentes dentro das leis que governam as prefeituras, como a Lei de Gestão Financeira Municipal. Esta é apenas uma mudança de ênfase que simplesmente promete que o partido irá utilizar o sistema de maneira “melhor” e “mais eficiente”.
Parte do problema dos governos locais é o fato de que muitas prefeituras simplesmente não são economicamente viáveis e são completamente incapazes de se sustentarem sozinhas. Nas últimas duas décadas, o governo tentou diversas medidas para sair da crise, como abordagens diferentes ao planejamento municipal, medidas diferentes de financiamento e apoio, aumento da transferência de recursos pré-destinados por parte do governo central, aumento do recolhimento de impostos, planos de capacidade financeira e melhoramento da capacidade administrativa e financeira das prefeituras. Todas essas tentativas falharam uma após a outra. A maioria dos governos locais na África do Sul são completamente disfuncionais e muitos jazem à beira do colapso.
Medidas capitalistas como os já citados “recursos pré-determinados” e “divisão equânime” dos recursos nacionais foram consistentemente reduzidos nas últimas duas décadas ao ponto de os governos locais serem forçados a depender quase que completamente de recursos autogerados para financiar uma variedade de serviços básicos. O resultado foi que as prefeituras foram forçadas a cortar recursos nos serviços destinados aos mais pobres, resultando em uma explosão de protestos. A crise dos governos locais deriva da crise do capitalismo.
A crise política é uma expressão da crise econômica, que fez com que os recursos para governos locais fossem drasticamente cortados ao longo dos anos, tanto em nível local quanto nacional. Com a economia sul-africana desacelerando ao ponto de crescer 0% e a economia mundial se aproximando de uma nova recessão, o financiamento para programas do governo, incluindo das prefeituras, sofrerá pressão cada vez mais intensa. Em última análise, isto só pode ser superado com a expropriação da burguesia. A solução não é a adoção desta ou daquela medida reformista ou simplesmente o melhor uso das finanças públicas, o sistema em si já se mostrou completamente incapaz de ser reformado.
Como manter a honestidade do “conselheiro revolucionário”?
Na seção B do manifesto, a EFF estabelece os deveres de seus conselheiros. Alguns destes deveres incluem:
- Estabelecer Comitês Representativos Populares que irão informar o conselheiro sobre questões críticas nos setores da cidade
- Realizar encontros mensais com a comunidade
- Visitar escolas, igrejas, locais de atendimento em saúde e organizações sociais
Sob o atual sistema, os comitês setoriais já são estabelecidos e funcionam como comitês consultivos para o conselheiro. O manifesto da EFF, no entanto, não diz como a convocação de “Comitês Representativos Populares” será diferente de estabelecer comitês setoriais, o que já é uma exigência legal.
O manifesto estabelece um guia de como um conselheiro da EFF deve se comportar. Alguns dos pontos falados no guia incluem:
- Um conselheiro revolucionário é um profissional bem informado e bem preparado na maneira com que aborda a questão política da revolução.
- Um conselheiro revolucionário suprime seu ego e aspirações por sucesso pessoal; ela ou ele é desinteressado e altruísta.
- Um conselheiro revolucionário jamais se encontra deprimido, entediado ou cansado; há sempre algo a fazer e ações revolucionárias a serem tomadas.
- Um conselheiro revolucionário não guarda rancor ou reclama sobre assuntos desnecessários.
- Um conselheiro revolucionário sempre lê e ouve as pessoas comuns para entender as lutas e sofrimentos pelos quais elas passam.
- Um conselheiro revolucionário não se deixa levar pelas iníquas práticas consumistas que buscam cegamente a ostentação de privilégio.
Comentando o assunto, o Daily Maverick afirmou que esta é “uma reinvenção radical da fracassada política de implementação de quadros do ANC”. De fato, o ANC também propõe um semelhante idealismo elevado a seus quadros. Mas isto não foi capaz de evitar que o partido se deteriorasse nos mesmos pontos que procurou prevenir.
O manifesto da EFF quer que seus conselheiros sejam indivíduos moralmente elevados que se dediquem a servir aos interesses da comunidade. No entanto, ela não apresenta mecanismos adequados para garantir isso. O partido quer que seus conselheiros morem nas comunidades em que foram eleitos e estejam acessíveis 24h por dia. Mas a melhor maneira de garantir isso é determinar medidas adicionais como permitir às comunidades depor qualquer conselheiro que falhe no serviço de seus interesses. Um outro mecanismo consiste em limitar o salário de um conselheiro ao de um trabalhador municipal comum e investir todo os recursos adicionais na própria comunidade.
Na África do Sul, atualmente há muitas pessoas atraídas pela possibilidade de uma lucrativa carreira política. Por outro lado, dadas as condições sociais de muitos bairros e regiões rurais, alguns veem uma carreira como funcionário ou conselheiro como uma maneira de escapar da pobreza. Em ambos os casos, isto costuma superar qualquer compromisso de servir os pobres. A redução do pagamento ao nível de um trabalhador comum, juntamente com a possibilidade de deposição do conselheiro por parte da comunidade, é capaz de acabar com essa ideia. Esta é a melhor maneira de evitar que carreiristas e caçadores de cargos se tornem conselheiros. Isto garantirá que apenas aquelas pessoas sinceramente dedicadas ao serviço da comunidade se disponham a estes cargos.
Coalizões?
Nos últimos meses surgiram na mídia diversas reportagens sobre possíveis coalizões após as eleições. A EFF não descartou esta possibilidade. A atual condição enfraquecida do ANC torna a possibilidade de coalizões com a oposição uma possibilidade e o objetivo do manifesto de “remover o atual governo”, especialmente em algumas grandes áreas metropolitanas, poderia se tornar uma perspectiva tentadora.
Ao mesmo tempo em que a EFF se compromete a remover o “atual” governo, não deveria perder de vista o fato de que o Plano Nacional de Desenvolvimento do ANC é assustadoramente parecido com os documentos de política econômica da Aliança Democrática (DA), algo de que ela se orgulha.
A DA enxerga a EFF como “extremista demais” para governar. Portanto, não entrará em coalizões a menos que a EFF rebaixe consideravelmente seu programa e abordagem. A retirada da cláusula de não-compensação do manifesto vai encorajar a DA a pressionar por mais concessões. Qualquer tentativa de formar coalizões com a oposição burguesa tornará a EFF culpada pelos ataques contra os padrões de vida dos pobres. No final, isso poderia causar sérios danos ao partido e colocar sua própria existência em perigo.
Ponto focal
O aspecto mais importante das eleições para governos locais deste ano é que elas poderiam fornecer um ponto focal para a raiva, a frustração e o descontentamento acumulados na sociedade sul-africana. Não é possível prever a forma precisa que este fato tomaria. Ele poderia se expressar na forma de uma explosão de greves e manifestações, um boicote maciço às eleições ou um massivo voto de protesto contra o governo do ANC e uma guinada íngreme em direção à Economic Freedom Fighters.
Tudo isto deriva da crise estrutural que se manifesta de diversas formas explosivas periodicamente. As contradições sociais estão rapidamente vindo à tona como está claramente expresso na atual crise política.
A crise no ANC representa a crise da classe dominante como um todo. O colapso da autoridade moral do partido significa que a burguesia se encontra em terreno desconhecido. O que eles temem é que, uma vez que as massas comecem a se mover, os atuais líderes do ANC não sejam capazes de pará-las. Incapaz de resolver a crise e sentindo o chão se mover sob seus pés, a classe dominante viu profundas divisões se abrirem em suas fileiras.
Por outro lado, os protestos estudantis são uma indicação do profundo mal-estar na sociedade e a disposição da juventude para a luta. A ascensão da Economic Freedom Fighters, que tem suas raízes no aumento da luta de classes, também é um indicador deste processo. Através de sua retórica radical, eles estão fornecendo um canal para parte do descontentamento na sociedade, especialmente a juventude.
Tudo isto poderá se expressar através da participação do partido nas eleições e no próprio dia de votação. Isto poderia se organizar como uma nova fase de luta após as eleições sob a forma de uma crise revolucionária. Mas para que este movimento seja bem-sucedido, não basta que esteja limitado ao atual sistema, que está na raiz do problema. Continuando com o sistema capitalista, a EFF se inclina a seguir as regras do capitalismo, o que em períodos de crise significa ataques severos aos trabalhadores e aos pobres. A única maneira de alcançar as aspirações dos trabalhadores e pobres sul-africanos é romper com o sistema e substituí-lo por um regime socialista baseado na posse e controle dos principais mecanismos econômicos pela classe trabalhadora.
Artigo publicado originalmente em 3 de maio de 2016, no Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “South Africa: The EFF before the elections—a manifestation of the radical mood“.
Tradução de Felipe Libório.