As “Duas Táticas” da Revolução de 1905: uma linha é traçada entre o bolchevismo e o menchevismo

Quando as divisões entre os marxistas russos entre “bolcheviques” e “mencheviques” surgiram pela primeira vez, no 2º Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), em 1903, elas permaneceram confinadas a diferenças secundárias sobre questões organizacionais. Somente com a Revolução de 1905 surgiram verdadeiras diferenças políticas, como Lênin explicou em seu brilhante panfleto daquele ano, “Duas Táticas da Social-Democracia na Revolução Democrática”. Mais do que qualquer outra coisa, guerra e revolução revelam diferenças políticas com clareza cristalina.

A importância da Revolução de 1905 não pode ser subestimada no desenvolvimento do bolchevismo e do pensamento de Lênin. Ele afirmou mais de uma vez que a Revolução de Outubro de 1917 nunca teria tido sucesso sem essa experiência anterior.

O ano de 1905 foi de crise extrema e turbulência. A Guerra Russo-Japonesa de 1904-5 rapidamente expôs a podridão interna do czarismo, que sofreu derrotas humilhantes. Isso só aumentou o ódio já existente pelo regime.

Em 16 de janeiro de 1905, uma greve eclodiu entre os trabalhadores da fábrica Putilov e começou a se espalhar rapidamente por todo o país. Em 20 de janeiro, uma greve geral estava em andamento, envolvendo 456 empresas com até 150 mil trabalhadores.

A jovem classe trabalhadora entrou em uma luta total contra o czarismo, que marginalizou a oposição liberal no processo. “As pessoas despertaram para a consciência política pela primeira vez”, explicou Lênin.

Ninguém havia previsto que a Rússia seria abalada por tais explosões. A organização bolchevique dentro da Rússia foi inicialmente pega de surpresa. O Partido Social-Democrata Russo (POSDR) se dividiu no 2º Congresso, de 1903, mas muitos camaradas do partido ainda estavam confusos quanto à verdadeira natureza dessa divisão.

A Guerra Russo-Japonesa de 1904-5 expôs rapidamente a podridão interior do czarismo / Imagem: Domínio público

Após os primeiros choques da revolução, foram feitas preparações para o 3º Congresso, que foi organizado em Londres, em abril de 1905. Este foi exclusivamente um congresso bolchevique, já que os mencheviques se mantiveram afastados.

Em “Duas Táticas”, Lênin aborda a importância do 3º Congresso. Ele explica como um partido revolucionário deve deixar sua posição muito clara nas seguintes questões: 1) a importância de um governo revolucionário provisório; 2) sua atitude em relação a um governo revolucionário provisório; 3) as condições precisas de participação social-democrata neste governo; 4) as condições sob as quais se deve exercer pressão sobre este governo de baixo para cima, ou seja, no caso de não haver social-democratas dentro dele.

Ao abordar essas questões, Lênin foi capaz de destacar as diferenças políticas fundamentais entre os bolcheviques e os mencheviques, que se centravam na questão principal: qual classe lideraria esta revolução burguesa? Os mencheviques demonstraram cada vez mais suas ilusões na burguesia liberal russa. Eles enfatizaram fortemente seu papel de liderança e contrapuseram duas “táticas”: ou os marxistas esperam que o czar convoque uma Duma (ou seja, um semiparlamento) e então tentam “influenciá-la”; ou os marxistas deveriam liderar a luta por uma insurreição armada da classe trabalhadora.

Eles afirmavam que a última era impossível. Alegaram que a classe trabalhadora “ainda não estava suficientemente consciente de classe” e que uma insurreição “isolaria” os trabalhadores da burguesia. Segundo os mencheviques, apenas a burguesia poderia liderar a revolução burguesa para uma vitória decisiva sobre o czarismo. Sua escolha de “táticas”, portanto, envolvia a completa subordinação da classe trabalhadora à burguesia liberal.

Mas a burguesia liberal, por meio de seu jornal Osvobozhdeniye (Liberação), não estava defendendo uma república e o derrubamento do czarismo, mas apenas uma monarquia constitucional. Ou seja, ela estava se preparando para comprometer-se com o czarismo, pois tinha mais medo do movimento revolucionário dos trabalhadores que havia sido desencadeado do que estava interessada em ganhar poder para si. Em “Duas Táticas”, Lênin explica por que isso é um erro fundamental:

“[Nós, marxistas] devemos estar perfeitamente cientes de quais forças sociais reais são opostas ao ‘czarismo’ e são capazes de obter uma ‘vitória decisiva’ sobre ele. Tal força não pode ser a grande burguesia, os proprietários de terras, os donos de fábricas, a ‘sociedade’ que segue a liderança dos Osvobozhdentsi. Vemos que estes nem sequer querem uma vitória decisiva. Sabemos que, devido à sua posição de classe, são incapazes de travar uma luta decisiva contra o czarismo; eles estão muito acorrentados à propriedade privada, ao capital e à terra para poderem lutar por sua destruição. Eles precisam do czarismo, com suas forças burocráticas, policiais e militares, para usar contra o proletariado e o campesinato, muito mais do que para lutar por sua destruição.”

Ele conclui:

“Não, a única força capaz de obter uma ‘vitória decisiva sobre o czarismo’ é o povo, ou seja, o proletariado e o campesinato […]. Ninguém mais é capaz de obter uma vitória decisiva sobre o czarismo.”

Lênin argumentou fortemente a favor disso e lançou o slogan da “ditadura do proletariado e do campesinato” – ou seja, um regime revolucionário e democrático das massas plebeias e trabalhadoras.

Isso estava em forte contraste com a posição dos mencheviques, que se limitavam a adotar os slogans mais difundidos, como a convocação de uma assembleia constituinte popular, que até a burguesia monarquista apoiava. Isso decorria de suas falsas perspectivas.

Lênin alertou sobre isso, dizendo: “Não há nada mais perigoso em um período revolucionário do que minimizar a importância de slogans táticos que são corretos em princípio”.

Os mencheviques impuseram seu esquema abstrato à realidade. Eles partiram do fato indiscutível de que, na Rússia, as principais tarefas da revolução eram burguesas: ou seja, a derrubada da autocracia e a criação de um regime democrático. Mas eles tiraram disso a conclusão radicalmente falsa de que a revolução deveria ser liderada pela burguesia, apesar de esta ter demonstrado seu medo e ódio pela revolução.

Os mencheviques foram completamente incapazes de entender as verdadeiras dinâmicas de classe. Lênin explicou que, além de uma mera mudança da autocracia para uma república, a revolução burguesa significa, acima de tudo, uma revolução agrária, na qual a terra deve ser tomada dos proprietários de terras e redistribuída ao campesinato.

Visto por esse ângulo, Lênin explicou, podemos ver como a burguesia russa nunca poderia apoiar tal revolução. Eles tinham muitos interesses conectados à propriedade fundiária: os capitalistas também eram grandes proprietários de terras e estavam conectados aos proprietários de terras por meio das hipotecas que estes tinham com os bancos. Para avançar uma revolução agrária completa, o partido precisava liderar o proletariado em uma aliança revolucionária com o campesinato rural. Mas os mencheviques não tinham desejo de liderar o proletariado de forma alguma. Eles apenas eram levados pelos acontecimentos.

Lênin expressou sua frustração no texto:

“[…] nos é oferecida uma descrição geral de um processo, que não diz uma palavra sobre os objetivos concretos de nossa atividade. […] Os filósofos apenas interpretaram o mundo, de várias maneiras, disse Marx, mas o ponto, no entanto, é transformá-lo. Da mesma forma, os neoiskristas [ou seja, os mencheviques] podem dar uma descrição e explicação toleráveis do processo de luta que está ocorrendo diante de seus olhos, mas são completamente incapazes de dar um slogan correto para essa luta.”

Através da compreensão profunda que Lênin possuía da concepção materialista da história, ele permaneceu firme nos princípios do marxismo e na necessidade de o proletariado ter seu próprio partido e programa independentes.

É importante notar que, nessa época, Trotsky estava desenvolvendo sua própria análise dos eventos em paralelo a Lênin, que tinha importantes pontos de contato com as ideias deste último. Trotsky elaborou plenamente o que se tornou a Teoria da Revolução Permanente em sua obra “Resultados e Perspectivas”, publicada em 1906.

Trotsky concordava com Lênin que a burguesia estava destinada, por sua posição, a desempenhar um papel contrarrevolucionário, e também enfatizava que apenas o proletariado e o campesinato poderiam desempenhar um papel revolucionário. Mas foi mais longe, explicando que, das duas classes, apenas o proletariado poderia desempenhar o papel de liderança. Portanto, enquanto Lênin levantava o slogan um tanto abstrato da “ditadura democrática do proletariado e do campesinato”, que deixava em aberto a questão do papel que essas duas classes desempenhariam, Trotsky postulava a possibilidade de que a revolução na Rússia pudesse estabelecer um regime socialista da ditadura do proletariado. Essa perspectiva foi comprovada pelos eventos de 1917.

O objetivo deste governo dos trabalhadores seria realizar as tarefas da revolução burguesa democrática, como a reforma agrária, a resolução da questão nacional e o estabelecimento de uma república. No entanto, uma vez realizadas, o governo dos trabalhadores não pararia por aí, mas seria forçado a avançar imediatamente para tarefas socialistas – nacionalizando a propriedade da burguesia contrarrevolucionária, instituindo o controle operário, o planejamento nacional etc.

A partir daí, Trotsky explicou que a revolução socialista se espalharia e seria completada em escala mundial. Embora em “Duas Táticas”, Lênin ainda não tenha colocado a possibilidade de a Revolução Russa passar de uma revolução burguesa para uma revolução socialista, ele também colocou a possibilidade de que a Revolução Russa pudesse “levar o incêndio revolucionário para a Europa”. Em suma, tanto Lênin quanto Trotsky basearam tudo em uma perspectiva internacionalista, em contraste com a teoria antimarxista de “socialismo em um só país” defendida pelos stalinistas, que falsamente afirmam seguir a tradição de Lênin.

Em 1917, Lênin convergiu para a mesma perspectiva de Trotsky. A partir desse momento, ele abandonou o slogan da “ditadura democrática do proletariado e do campesinato”, primeiro levantado em “Duas Táticas”, devido à mudança da situação, e adotou “a ditadura do proletariado”.

Somente mais tarde, após a morte de Lênin, Stalin reviveu o antigo slogan de Lênin de uma “ditadura democrática”. Mas ele fez isso apenas para contrapor à ideia de uma ditadura socialista, como um passo atrás para justificar a política externa contrarrevolucionária do stalinismo. Essa foi uma política precisamente de subordinação do movimento operário nas nações coloniais oprimidas à liderança da burguesia nacional, como vimos em 1925-27 na China e em uma série de outras ocasiões posteriores. Em outras palavras, o mesmo slogan, levantado em um momento em que se tornou antiquado, foi usado exatamente no espírito oposto ao que foi pretendido em “Duas Táticas” de Lênin.

Esse panfleto foi um momento decisivo no desenvolvimento do bolchevismo. Foi nesse período que as diferenças políticas entre bolchevismo e menchevismo, entre revolução e oportunismo reformista, foram solidificadas. Através deste texto, obtemos uma visão real do método de pensamento de Lênin. Enquanto os mencheviques se contentavam apenas em analisar a situação e permitir que os eventos seguissem seu “curso natural” (ou seja, entregavam a liderança da revolução aos liberais), a genialidade de Lênin residia em traçar uma linha de ação revolucionária em uma conjuntura histórica sem precedentes.

Isso é o que colocou os bolcheviques no caminho certo que levou, em última análise, à vitória da revolução bolchevique em 1917.

TRADUÇÃO JOÃO LUCAS BRANDÃO.