Fred Weston explica.
O mundo entrou em uma crise de proporções globais, tanto em termos de risco para a saúde das pessoas quanto em termos de colapso econômico, o que está mudando drasticamente a maneira como as pessoas vivem.
De acordo com uma previsão, os Estados Unidos poderiam ver uma queda de 30% no PIB no segundo trimestre deste ano, com o desemprego chegando a 30%, algo que seria inimaginável apenas algumas semanas atrás. Na China, as estimativas são de que a economia no primeiro trimestre contraiu 40% em relação ao trimestre anterior, a maior queda em 50 anos.
O mundo inteiro está agora em recessão, com cálculos de que o PIB global caiu 0,8% no primeiro trimestre. Isso pode não parecer muito, mas se considerarmos que qualquer crescimento abaixo de 2% em escala global é considerado uma recessão, teremos a perspectiva correta.
Quem já leu livros de história ou tem idade suficiente para tê-la vivido estará ciente da colossal luta de classes que foi desencadeada na década de 1970. O ano de 1974 foi o ponto de virada em termos econômicos, quando houve uma queda acentuada no crescimento do PIB global naquele ano, de cerca de 6% no ano anterior para menos de 1%. A atual queda do PIB em todo o mundo terá, portanto, um efeito semelhante, em termos da luta de classes, mas em uma escala muito maior.
Aceleração rápida de eventos
Os eventos estão se movendo muito rápido. Esta é realmente a época de “curvas bruscas e mudanças repentinas, de mudanças bruscas e curvas repentinas”. Devemos agir rapidamente com as mudanças que estão ocorrendo. Devemos romper com a rotina se quisermos entender o que está se desenrolando ao nosso redor e, logo, agir à altura.
Um vírus tal como o que irrompeu inevitavelmente causaria impacto na economia, mas a profundidade e a rapidez da atual crise também são um reflexo das imensas contradições que se acumularam no sistema. Tão frágil era toda a estrutura que até o menor tremor poderia derrubá-la.
No período anterior, a classe capitalista conseguiu manter seu sistema funcionando, usando métodos que violam todas as leis da economia de mercado, injetando enormes quantias na economia durante um período de décadas, na forma de crédito generalizado, muito além do que eles teriam feito no passado.
Os comentaristas burgueses sérios haviam alertado sobre as consequências de tais políticas. Mas, deve-se perguntar: por que eles foram ignorados? O motivo não pode ser encontrado apenas no campo da economia. Há um fator político envolvido aqui.
Apesar da propaganda dos próprios burgueses, na qual alguns deles podem até acreditar, a classe trabalhadora não desapareceu. De fato, o caso foi o oposto . A classe trabalhadora nunca foi tão forte como é hoje em termos numéricos. A força de trabalho mundial é de cerca de 2,5 bilhões, com apenas os trabalhadores metalúrgicos em torno de 400 milhões. E os burgueses estão muito conscientes do fato de que uma força tão grande não pode ser contida apenas pela repressão.
Qualquer coisa que se arrisque a irritar essas centenas de milhões poderia desencadear uma onda de revolta revolucionária nunca vista na história. Como Marx explicou, o capitalismo cria seus próprios coveiros.
No período anterior, a classe trabalhadora parecia estar em segundo plano, não sem nenhum destaque. Até alguns anos atrás, parecia que pouco acontecia no front industrial. Isso já havia começado a mudar no período mais recente, em um país após o outro.
Agora esse processo se acelerou e está se movendo para um nível muito mais alto. A classe trabalhadora está começando a aparecer como a força real que sempre foi, mas poucos estavam cientes do fato. Esse é um fator que está deixando as coisas muito claras para muitas pessoas e está acelerando o processo de radicalização que já estava em andamento. Na Itália, temos a expressão mais clara disso, onde passamos de um período de nível muito baixo de atividade de greve para uma de greves generalizadas.
A crise atual está trazendo à tona a verdadeira natureza de classe da sociedade. Todos os países, ao serem afetados pelo surto do coronavírus, viram os capitalistas e seus políticos minimizando sua gravidade. Trump é o principal exemplo, nos estágios iniciais tentando alegar que era uma farsa, e agora dizendo que os EUA voltarão ao trabalho em duas semanas. Boris Johnson se comportou de maneira semelhante; Bolsonaro no Brasil seguiu o exemplo, e assim por diante.
Percebendo o que a disseminação do vírus poderia significar para a economia, que, para eles, significa lucro, os capitalistas pressionaram pela continuidade da produção em todos os setores, independentemente de ser essencial ou não.
A classe trabalhadora começa a se mover
Foi esse tipo de comportamento dos patrões que provocou uma onda de greves, começando na Itália, onde a pandemia foi forte, antecipando o que aconteceria em outros lugares. Na Itália, ficou bastante claro para os trabalhadores que pesos e medidas diferentes estavam sendo implementados, caso você fosse ou não um trabalhador .
Em 4 de março, foi aprovado um decreto introduzindo o bloqueio, com escolas e universidades fechando, além de outras medidas tomadas para isolar as pessoas. A mensagem para as pessoas em todos os lugares era: fique em casa! Mas havia uma grande exceção: os trabalhadores! Isso significava que milhões de pessoas ainda estavam viajando e se misturando em estreita proximidade nos transportes públicos e nos locais de trabalho. Lá você trabalha lado a lado com seus colegas, sem luvas ou máscaras ou qualquer outra das medidas de proteção necessárias.
Greves espontâneas ocorreram em fábricas como a planta da FIAT em Pomigliano, perto de Nápoles, no dia 9 de março, e a fábrica da Bonfiglioli em Bolonha no dia 12. Esses exemplos e outros serviram para desencadear um movimento que se espalhou de fábrica em fábrica, na região de Veneto, na Lombardia, aos trabalhadores das docas de Gênova e mais além. Os trabalhadores estavam lutando por sua própria segurança e pela segurança de suas famílias. E, no entanto, tivemos casos, como em Modena, onde a polícia apareceu nas linhas de piquete, levando alguns dos militantes sindicais sob custódia, o que enfureceu ainda mais os trabalhadores.
Sejamos claros aqui: esse movimento não foi promovido pelas principais lideranças dos sindicatos. Elas adotaram de fato o ponto de vista oposto e estavam colaborando com o governo e os patrões para manter as fábricas abertas.
No entanto, o movimento a partir das bases foi tão forte que os líderes sindicais, que em tempos normais usavam seu peso para conter os trabalhadores, foram subitamente forçados a sair em apoio às greves, pelo menos em palavras. Eles emitiram uma declaração em 12 de março pedindo o fechamento das fábricas até 22 de março.
Sob enorme pressão a partir de baixo, o governo e os patrões foram forçados a se reunir com os sindicatos para discutir o caminho a seguir. A primeira reunião, no entanto, produziu uma tentativa de burlar à questão, com o governo emitindo uma declaração de que a produção continuaria, mas com o equipamento de proteção necessário. Em um momento em que não há máscaras suficientes para os trabalhadores da saúde, para não falar da força de trabalho industrial, isso foi visto pelos trabalhadores como uma piada de muito mau gosto e eles não estavam dispostosa aceitá-la.
Se o contato próximo é um fator-chave na disseminação do vírus, ficou claro para todos os trabalhadores que, ao serem forçados a ir ao trabalho, estavam sendo colocados em risco. Se olharmos para dois mapas, um da concentração de casos registrados de infecção e o outro da concentração de fábricas nas diferentes partes da Itália, fica bastante claro que existe uma correlação entre os dois. A Lombardia é a região mais industrializada da Itália e, na região de Bergamo e Brescia, vemos uma das maiores concentrações de fábricas. Essas são as duas províncias que atualmente vivem um cenário de pesadelo real, com muitas pessoas morrendo. É onde pessoas de todo o mundo viram os caminhões militares carregando os caixões de defuntos, já que os cemitérios locais não conseguem mais aguentar. Essas cenas tiveram um enorme impacto na psicologia de milhões de pessoas na Itália.
Manobras do governo italiano
Assim, a pressão a partir de baixo continuou a aumentar, e o primeiro-ministro italiano foi forçado a aparecer na TV em 21 de março, anunciando que a produção não essencial cessaria. Essa era precisamente a demanda que os trabalhadores vinham fazendo de todos os lados do país. A vitória parecia estar à vista. Mas não, quando o decreto foi publicado no dia seguinte, mostrou-se muito longe do prometido verbalmente.
Ficou claro que o governo estava sob imensa pressão dos patrões. O chefe da Confindustria (a federação dos patrões) mostrou o rabo do lobo quando afirmou: se encerrarmos a produção, perderemos bilhões e o mercado de ações entrará em colapso. Nessas palavras, os capitalistas estavam dizendo a milhões de pessoas da classe trabalhadora que o lucro importa mais do que a vida das pessoas.
Isso agora elevou o conflito a um nível superior. Nesta semana, vimos mais greves, com uma greve geral convocada na indústria na região da Lombardia. Não foi uma greve geral no sentido de uma greve total de todos os setores. A greve foi convocada na indústria de engenharia e nas fábricas de produtos químicos e têxteis. Pelos relatórios nos locais de trabalho, a greve foi um grande sucesso, com algo como uma taxa de participação de 90%. Isso indica o clima real no chão de fábrica.
Havia pressão para uma greve geral nacional, com Landini, secretário geral da maior confederação sindical, a CGIL, ameaçando tal ação – pelo menos em palavras – se as fábricas não essenciais não fossem fechadas. As manobras do governo e as flagrantes tentativas dos capitalistas de manter a produção não essencial estão abrindo os olhos de milhões de pessoas sobre a verdadeira natureza do sistema sob o qual vivemos.
Ninguém pode agora ignorar a classe trabalhadora italiana, ou negar sua própria existência, como costumava estar na moda nos círculos pseudo-intelectuais da classe média. À noite, os principais canais de notícias tiveram que fazer referência aos “operai”: os trabalhadores industriais, de colarinho azul. E esses trabalhadores têm a enorme simpatia da população em geral. O mesmo se aplica à indústria da construção.
Há outra camada da classe trabalhadora que está pagando um preço ainda maior: aqueles considerados como trabalhando em indústrias essenciais, como a produção de alimentos ou a indústria farmacêutica. E há os trabalhadores nos hospitais: médicos, enfermeiros, faxineiros, trabalhadores de ambulância e assim por diante. Eles são a força de trabalho com o mais alto grau de contágio e, tragicamente, com muitos que estão morrendo no processo. Até agora, entre os médicos, houve 41 mortes. Houve casos de suicídio entre enfermeiras que não conseguiram mais tolerar a pressão imensa a que estavam submetidas.
Os trabalhadores do sistema nacional de saúde italiano estão sendo forçados a trabalhar em condições atrozes. Eles estão pagando um preço enorme por todos os cortes realizados na área da saúde no período anterior. As ambulâncias podem levar até oito horas ou mais para responder a uma chamada. Quando um paciente é levado ao hospital, muitas vezes há uma longa espera antes que uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) fique disponível. Muitos pacientes são literalmente deixados para morrer, pois os médicos precisam priorizar os pacientes que eles acham que seriam os mais beneficiados pela terapia intensiva.
Mais UTIs significariam menos mortes, mais ambulâncias significariam menos mortes. Medidas de segurança mais rigorosas e equipamentos de proteção mais eficientes e abundantes significariam menos mortes.
Os profissionais da saúde estão exigindo todo o equipamento de proteção necessário, que atualmente está muito longe de ser suficiente para protegê-los. Novamente, essa camada tem a enorme simpatia de toda a sociedade e sua situação está contribuindo para a crescente raiva da classe trabalhadora como um todo.
Tornou-se bastante claro que o sistema de saúde foi sistematicamente privado de financiamento e que este é um elemento-chave na alta taxa de mortalidade. O cenário atual de pesadelo significa que, no futuro, a batalha pela defesa e melhoria dos serviços públicos de saúde se tornará uma batalha fundamental, e os capitalistas, que têm apenas um objetivo em mente, que é o de lucrar com a saúde, terão muita dificuldade para argumentar a favor da privatização adicional do serviço nacional de saúde.
Repercussões internacionais
À medida que o vírus se espalhou para mais e mais países, vimos uma reação semelhante dos trabalhadores. Primeiro, vimos isso na Espanha, o segundo país mais afetado da Europa, depois da Itália. Em 16 de março, vimos greves nas fábricas de pneus Michelin, Mercedes Benz, Iveco, Airbus, Continental e muitas mais. Vimos desenvolvimentos semelhantes no Canadá, com uma greve na FIAT-Chrysler por preocupações com o coronavírus, e também nos Estados Unidos e na França, com cenários semelhantes surgindo em um país após o outro à medida que o vírus se espalha.
Estamos vendo o início de um processo semelhante na Grã-Bretanha. O governo está fazendo uma repetição do que vimos na Itália, sempre tomando medidas depois de ter ficado muito claro que elas eram necessárias. Lojas, restaurantes, bares etc., foram aconselhados a fechar. No entanto, o governo declarou claramente que a fabricação e a construção devem continuar. Assim, enquanto os executivos das empresas construtoras estão trabalhando na relativa segurança de suas casas, seus trabalhadores são solicitados a arriscar suas vidas no altar do lucro. Também veremos greves na Grã-Bretanha.
Veremos isso se repetir em um país após outro, à medida que os trabalhadores tiram lições da experiência dos trabalhadores de outros países. O que estamos testemunhando é um processo de luta de classes em desenvolvimento em escala global. A luta em todos os países sobre quais locais de trabalho devem permanecer abertos e em que condições, é uma luta de classes e internacional. No próximo período, isso vai se intensificar e se espalhar. Em todos os países, veremos manobras dos patrões e dos governos e uma resposta militante dos trabalhadores.
A batalha para fechar as fábricas
Os trabalhadores da Itália querem que as fábricas não essenciais sejam fechadas. Essa ideia também está se espalhando para outros países. Se os patrões resistirem, provocarão uma raiva ainda maior nos trabalhadores. Há um elemento novo muito importante na situação: os trabalhadores estão de fato se impondo sobre como as fábricas devem ser administradas, algo que nenhum capitalista está preparado para tolerar.
Diante, portanto, da possibilidade de uma radicalização generalizada da classe trabalhadora, a classe dominante pode ter que recuar e ceder às demandas dos trabalhadores, pelo menos parcialmente. Na Itália, estamos vendo isso agora, pois algumas empresas fecharam, enquanto outras buscam todos os tipos de desculpas para permanecerem abertas.
Os líderes sindicais também têm praticado um ato de equilíbrio muito precário, por um lado, tentando limitar o escopo da crescente militância da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que tentam dar expressão às demandas dos trabalhadores.
Depois de se reunir com o ministro da Economia, o líder da CGIL, Landini, após ter temporariamente adotado uma postura mais militante, agora assinou um acordo podre. O governo Conte havia inicialmente considerado 94 tipos de trabalho como essenciais. Estes foram reduzidos, mas ainda assim um grande número da produção não essencial deve continuar. Estima-se que 6-7 milhões de trabalhadores ainda estejam saindo para trabalhar. As greves foram organizadas no setor de varejo, com demandas como o fechamento de lojas aos domingos, mas agora está claro que os líderes sindicais não pretendem convocar uma greve geral em todo o país.
Ao assinar este acordo, os líderes sindicais pretendem desmobilizar a classe trabalhadora. Ao não garantir a cobertura oficial dos sindicatos, colocam os trabalhadores em uma situação difícil e precária. Assim, mais uma vez vemos como os líderes do movimento trabalhista, assim que a classe começa a se mover para a ofensiva, usam toda a sua autoridade para neutralizar a situação.
Isso está servindo para expor a falta do genuíno espírito de luta dos líderes sindicais. Mais adiante isso levará a conflitos dentro dos sindicatos, à medida que as fileiras tentarem substituir a liderança inadequada.
Vimos muitas vezes na história que, quando a classe dominante é ameaçada nesse nível, está preparada para fazer concessões para ganhar tempo. Os burgueses inteligentes percebem que, em momentos como esse, a radicalização pode ir tão longe que os trabalhadores podem começar a desafiar a legitimidade do próprio sistema e a procurar outras formas de governar a sociedade. Para contornar isso, também com a ajuda dos líderes sindicais, eles aceitaram que algumas indústrias precisariam fechar, mas longe do que os trabalhadores estavam exigindo inicialmente.
Isso explica a situação que temos agora na Itália e veremos muito rapidamente em outros lugares, onde há constantes manobras por parte do governo e dos patrões, envolvendo também o topo dos sindicatos, com promessas feitas em um dia e logo quebradas no dia seguinte.
Em tudo isso, eles estão brincando com fogo e podem ser forçados a recuar. Há um fator adicional que ajuda a convencer alguns capitalistas a fechar grandes setores da produção: a demanda está entrando em colapso em todos os lugares. Então, por que produzir mercadorias que você, de qualquer maneira, não pode vender?
Então, outro elemento entra na equação: o que fazer com o trabalho excedente? Muitos trabalhadores já perderam seus empregos, mas, novamente, um aumento maciço no desemprego, em uma escala semelhante à que vimos na década de 1930, seria um fator enorme para radicalizar ainda mais a classe trabalhadora. Seria uma indicação clara de que este sistema fracassou para eles.
Isso explica por que estão sendo introduzidos amortizadores sociais, como salários temporários e benefícios mais acessíveis. A classe dominante está se equipando com os meios para enfrentar a tempestade. O problema é que a dívida já está em níveis astronômicos. Portanto, os benefícios que estão concedendo agora serão pagos pelos trabalhadores posteriormente. Assim, as medidas que eles podem tomar hoje para aliviar a pressão de classe, que já foi construída, apenas servirão para intensificar ainda mais a luta de classes quando a crise do coronavírus recuar.
A preocupação imediata da classe trabalhadora é criar o ambiente mais seguro para eles e suas famílias. Nem todos os patrões estão preparados para fechar, e as lutas em andamento continuarão. Portanto, haverá conflitos sobre como as medidas de segurança devem ser implementadas nos locais de trabalho considerados essenciais e lutas para fechar aqueles que tentam permanecer abertos, apesar de considerados não essenciais.
O acordo que os líderes sindicais assinaram deixa claro o que é essencial e o que não é. Também deixa brechas que os proprietários das fábricas podem usar. Por exemplo, somente em Bolonha, 2 mil empresas solicitaram isenção de fechamento. Em La Spezia, na região da Ligúria, duas grandes fábricas de armas, a Leonardo e a MBDA, foram isentas pelo prefeito local do fechamento, apesar das exigências dos sindicatos de que elas deveriam ser fechadas.
A justificativa dada pelo prefeito é que todos os trabalhadores não essenciais foram enviados para trabalhar em casa e que medidas adequadas foram tomadas para a força de trabalho restante. Mas as duas fábricas também têm várias fábricas que estão fornecendo peças e, nessas fábricas, a situação é ainda pior. Isso provocou a ira dos trabalhadores, que estão preparando uma greve de oito horas, apoiada pelos sindicatos.
É claro que o que é considerado “essencial” para os proprietários das fábricas não leva em conta a segurança dos trabalhadores, mas seus lucros. Indústrias como a aeroespacial, armamentos, hotéis etc., estão incluídas na lista de “essenciais”, por exemplo.
Ao continuar aplicando esses critérios, fica claro que eles ignoram completamente a experiência de Bergamo, que não foi declarada Zona Vermelha nos estágios iniciais do surto de vírus, justamente por causa da alta concentração de fábricas naquela província.
Assim, existem condições para uma disputa em andamento em diferentes níveis entre os trabalhadores e os patrões sobre o que é considerado “essencial”, quais locais de trabalho devem permanecer abertos e quais não devem. Os líderes sindicais estão claramente trabalhando para romper a frente dos trabalhadores e os desmobilizar.
Isso também é um aviso para os trabalhadores de outros países: estar preparados para todos os tipos de manobras, não apenas por parte dos patrões, mas também por parte do governo e, principalmente, dos seus próprios líderes sindicais. Isso levanta a questão de criar estruturas que permitam às fileiras sindicais eleger delegados que deveriam fazer parte do processo de negociação, que possam apresentar um relatório aos trabalhadores e que tenham a última palavra na ratificação de acordos alcançados sobre essa questão.
O problema dos problemas é a liderança. Sem uma liderança sindical lutadora, e sem canais através dos quais a massa de trabalhadores possa se expressar, o clima atual de militância pode ser enfraquecido e fragmentado, com alguns trabalhadores sendo enviados para casa e outros tendo que trabalhar.
Uma vez encerrada esta etapa, o próximo período será aquele em que os trabalhadores se sentirem fora da pandemia, aguardando seu término na segurança de suas casas: isto é, aqueles que ganharam o direito de fazê-lo.
Consciência se elevando
No entanto, isso não seria o fim do processo, mas apenas uma fase de um processo profundo e contínuo de consciência e radicalização despertadas. As pessoas estão aprendendo muito rápido. Além da natureza do sistema, milhões de trabalhadores estão começando a sentir sua própria força.
Um dos principais fatores que mantém unida a sociedade capitalista é a falta de consciência por parte da classe trabalhadora de sua própria força. Uma situação que força os trabalhadores a se reunir como uma classe e usar o poder potencial que eles têm, e a obter resultados com o uso desse poder, tem um efeito dramático no pensamento dos trabalhadores comuns. Quando os trabalhadores percebem como uma ação coordenada e unida pode obter resultados, o apetite vem com a comida e eles percebem que podem conseguir muito mais. Isso enfatiza ainda mais o papel traiçoeiro dos líderes sindicais, que fazem todo o possível para impedir que os trabalhadores tenham essa experiência de luta de classes.
No entanto, embora a atual crise esteja forçando as pessoas a permanecerem dentro das quatro paredes de suas casas, um amplo processo de radicalização está ocorrendo. E, quando a pandemia terminar, o mundo será um lugar muito diferente do que era apenas algumas semanas atrás. A classe trabalhadora entrará no novo período com um humor muito diferente. Será muito mais consciente da natureza real do sistema, mas também de seu próprio poder e força.
Estes são desenvolvimentos muito preocupantes para a classe capitalista. Eles estão cientes de qual será a situação depois que a pandemia terminar. Eles terão muitas empresas falidas, com muitos desempregados que se acostumaram a um Estado que intervém para prestar socorro. A dívida pública terá aumentado para proporções sem precedentes, algo que terão que enfrentar imediatamente. A única resposta que a classe dominante terá, então, é pressionar por muito mais medidas draconianas de austeridade do que as que vimos após a crise financeira de 2008.
Os poderes fáticos estão conscientes deste processo. Eles estão vendo com grande alarme a crescente luta de classes e a consciência que vem junto a ela. Isso também explica o comportamento errático de todos os governos, que saltam de uma posição para outra, de um dia para o outro, à medida que passam por pressões de classe opostas. Isso os expõe aos olhos das massas: um desenvolvimento muito perigoso do ponto de vista da classe capitalista e das instituições do estado burguês.
Nesse sentido, é como uma situação de guerra. Em tempos de guerra, a consciência pode passar muito rapidamente dos estágios iniciais, quando um espírito de unidade nacional é imposto à sociedade de cima para baixo, para um de revolução aberta. O que é notável sobre a situação atual, no entanto, é a rapidez com que a diferenciação de classe surgiu.
Em todos os lugares, estão sendo feitas tentativas para fomentar um espírito de unidade nacional. Na Itália, a bandeira italiana e o hino nacional estão sendo usados para animar esse clima. O que isso representa é uma tentativa de minimizar os antagonismos de classe, exatamente quando eles estão em sua forma mais aguda.
Em tal situação, os reformistas dentro do movimento trabalhista assumem seu papel clássico de conciliação entre as classes. Na Grã-Bretanha, temos os líderes do Partido Trabalhista e sindicatos falando sobre “estarmos todos juntos nisso” e assim por diante. Há especulações na Grã-Bretanha, por exemplo, de que Boris Johnson, apesar de sua maioria de 80 cadeiras, pode ter que recorrer ao Partido Trabalhista para sobreviver.
Há um clima de “governos nacionais” em todo lugar. Na Itália, o governo encontrou os líderes da oposição e fala-se de um “comitê técnico” a ser coordenado com a oposição.
Patrões se preparando para o futuro
Outra característica da nova situação é a crescente presença da polícia e do exército nas ruas. Por enquanto, as pessoas apoiarão sua presença, sentindo que estão ajudando nessa situação crítica. A equipe médica militar e sua experiência na criação de hospitais de campanha em situações de guerra estão sendo utilizadas. O transporte militar está sendo usado para mover suprimentos e, tragicamente, também caixões de defuntos. Tudo isso está apresentando uma imagem do exército como estando do lado do povo. Os altos escalões militares são exibidos na TV como se fossem uma parte importante na batalha contra o coronavírus.
Ao mesmo tempo, usamos cada vez mais o rastreamento de movimentos de pessoas por meio de redes móveis. Temos até a justificativa de usar drones para rastrear movimentos. Novamente, dada a situação de emergência, muitas pessoas verão isso como justificado.
No entanto, precisamos entender que isso também faz parte de uma política para acostumar as pessoas a ver soldados armados e veículos militares nas ruas e acostumar-se à ideia de vigilância generalizada.
A classe dominante tem plena consciência do potencial revolucionário que existe dentro da situação e sabe que movimentos de massa estão sendo preparados quando as pessoas puderem retornar às ruas em grande número. Portanto, eles precisam preparar todas as ferramentas à sua disposição para atender à nova situação que está sendo preparada. No futuro, eles vão querer coibir os trabalhadores e jovens mais militantes, os líderes naturais que surgirão nos locais de trabalho e faculdades.
A radicalização generalizada se deve ao fato de estar se tornando bastante claro que o “mercado” não funciona nessas condições. Existem muitos artigos, mesmo de comentaristas burgueses reacionários, sobre como “somos todos socialistas agora“, o que é uma admissão do fato de que são necessárias medidas que envolvam intervenção direta do Estado na economia. Em todos os países, por medo de uma reação social, o Estado está intervindo com enormes recursos monetários para oferecer benefícios para ajudar as pessoas a passar por essa crise, mas também muito financiamento para empresas para impedi-las de falir. Não é assim que se supõe que o mercado deve funcionar.
As pessoas vão se lembrar de tudo isso e, quando a crise acabar, perguntarão por que não podemos manter essas medidas em seu lugar. Uma nova onda de luta de classes se desenrolará a partir daí.
Na busca da revolução
Nesse processo, entre as camadas mais avançadas e mais conscientes da juventude e dos trabalhadores, uma consciência revolucionária está emergindo. Isso significa que uma camada muito maior da população está aberta às ideias revolucionárias, e as únicas ideias revolucionárias realmente consistentes só podem ser encontradas no marxismo. As pessoas querem entender por que tudo isso está acontecendo e o que pode ser feito. Em tais condições, as ideias revolucionárias podem atingir uma camada muito maior.
Temos exemplos de nosso trabalho cotidiano em que as iniciativas tomadas por pequenos grupos de camaradas de repente recebem uma audiência muito mais ampla do que estávamos acostumados. Este continuará sendo o caso e continuará a crescer. As pequenas forças do marxismo genuíno já estão crescendo e estamos alcançando camadas mais amplas. Isso significa que podemos acelerar o processo de construção da tendência marxista dentro do movimento trabalhista e entre os jovens de todos os países.
Precisamos entender que as ideias que, no período anterior só conseguiam atingir uma camada muito pequena e que eram consideradas “extremas”, agora podem atingir uma camada mais ampla, pois as condições “extremas” as tornam muito mais relevantes. O salto de consciência que ocorreu abre uma situação completamente nova e os marxistas devem multiplicar seus esforços para construir uma força dentro da classe trabalhadora e da juventude que possa tirar a sociedade da crise histórica que agora enfrenta.
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM