Beirando quase um ano desde o assassinato de George Floyd por Derek Chauvin, a cidade norte-americana de Minneapolis se vê novamente movimentada por manifestações referentes à violência policial que assola seu interior. No último domingo (11), Daunte Wright, 20 anos, foi violentamente assassinado após uma abordagem policial. Segundo a polícia, por volta das 14h, os policiais de plantão tentavam prender um homem durante uma blitz de trânsito depois de identificarem que ele tinha mandatos pendentes. Ao voltar para o veículo, um dos policiais atirou nele. O principal fator que levou a polícia a atirar em Daunte não foi sua pendência com a justiça ou porque retornou ao veículo, e sim porque era um rapaz jovem, negro e pobre, que perdera sua vida a mando de um sistema decadente e desumano.
A polícia, para justificar o crime, alegou que Daunte ainda dirigiu por vários quarteirões antes de atingir outro veículo, dando a entender que o rapaz estava fugindo mesmo depois de ter sido baleado. Na visão dos guardiões da violência policial, atirar num homem que sequer reagiu à abordagem realizada anteriormente foi a coisa mais justa e correta a se fazer. Para limpar a barra dos assassinos, Tim Gannon, chefe de polícia de Brooklyn Center, disse que a polícia e a equipe médica tentaram salvar a vida de Wright, mas que este acabou não resistindo aos ferimentos, morrendo no local.
Não é de se impressionar que mais uma vez tenhamos que nos deparar com um caso de violência policial contra a população trabalhadora, negra e pobre. Minneapolis é a cidade do estado de Minnesota com a maior taxa de assassinato e violência policial contra os trabalhadores negros e latinos, em sua maioria jovens. E este fator passa longe de ser uma coincidência, visto que a cidade, assim como todo o estado e todo o país, é governada por indivíduos que, ao tomarem posse de suas funções, protegem a ideologia burguesa acima de tudo. A morte de Daunte não é um caso isolado como as competências policiais afirmam. O braço armado do Estado burguês, a polícia, age de maneira truculenta contra a classe trabalhadora de todo o mundo. Não podemos falar de violências institucionalizadas sem falarmos de seu principal gerador: o sistema capitalista. O capitalismo, mais que um sistema econômico baseado na extração do lucro, o qual é confiscado pela burguesia por meio da exploração dos trabalhadores, é também um sistema de opressão social, político e cultural. Para que sua permanência se delongue, faz-se necessário o desenvolvimento e a fomentação de moldes que sujeitem a classe trabalhadora à marginalização e ao colapso. Um desses moldes é o racismo, ideologia criada para legitimar a exploração de um ser humano sobre o outro.
É impossível discutir as mazelas do capitalismo sem discutir o próprio capitalismo, assim como não é possível falar deste sistema sem falar da luta de classes. Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, já colocavam em confronto o desenvolvimento das ideologias da classe dominante e a luta da classe trabalhadora, embora tenham descrito essas questões de maneiras diferentes das quais podemos descrever hoje, já que o próprio modelo econômico evoluiu.:“(…) A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais do que estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das que existiam no passado.”
Desse fragmento do primeiro capítulo, “Burgueses e proletários”, podemos tirar como assuntos centrais as “novas condições de opressão” e as “novas formas de luta em lugar das que existiam no passado”.
O primeiro ponto importante de compreensão é: com o desdobramento dos modelos de produção no capitalismo, foi preciso que novas filosofias nascessem para a sobrevivência desses novos modelos de produção, afinal, às vezes é mais simples manipular os indivíduos fazendo-os acreditar que a desigualdade é natural, por exemplo, a ter que mostrar que as desigualdades existem porque são bases de modelos de produção exploradores. A própria criação do conceito de “raça” é uma base de sobrevivência da exploração, baseando-se na ideia anticientífica de que o mundo é dividido entre raças e que, consequentemente, certas raças são inferiores a outras, merecendo essas então serem tratadas de forma sub-humana.
O racismo, no decorrer da história, foi usado para manter a escravidão, para justificar o genocídio dos povos indígenas, a retirada forçada de diferentes grupos étnicos dos países africanos e o apagamento de seus costumes; a segregação racial nos Estados Unidos, o Apartheid na África do Sul, o plano de Eugenia no Brasil. Na atualidade, vemos marcas dessa teoria, infundada, na vulnerabilidade que a população negra e pobre está inserida, na xenofobia contra povos asiáticos, no desemprego que atinge massivamente jovens negros da classe trabalhadora, no sistema carcerário etc.
O segundo ponto se conecta com as formas de luta desenvolvidas pelos trabalhadores para se livrarem das amarras da opressão. Podemos partir da Revolução Russa de 1917, mas poderíamos ir mais longe, das revoltas camponesas ou até da Comuna de Paris em 1871. A Revolução Russa foi um marco na história das revoluções, e até hoje ela é capaz de mostrar a todos (principalmente ao proletariado) uma grande lição: só nos libertaremos a partir do momento em que nos organizarmos coletivamente para quebrarmos a corrente da repressão dos exploradores. Os trabalhadores travaram uma dura (porém, vitoriosa) batalha contra o regime czarista na Rússia e consolidaram, além de um governo dos trabalhadores, condições igualitárias para a população. Foi um período em que não só a Rússia, mas todo o mundo pôde perceber que as armas de repressão não eram uma necessidade, mas uma forma de controle. Na década de 1960, nos EUA, no auge do movimento dos direitos civis, surgiu o Black Panther Party for Self-Defense (Partido dos Panteras Negras), movimento fundado por Huey Newton e Bobby Seale. Sua motivação era garantir a segurança dos negros diante das ações racistas e violentas da polícia. Os Panteras Negras exerciam um papel fundamental na luta antirracista, pois compreendiam, além de diversos fatores, a importância do internacionalismo e do socialismo, ou seja, a organização proletária a nível internacional. É relevante levantar essas características do movimento, pois, apesar de seguir um forte traço do nacionalismo negro, ele não ia até o fim com a linha separatista, porque tinha consciência de que pessoas negras eram minoria nos Estados Unidos e não estavam delimitadas num único território, num único lugar.
E é a partir desses contextos que podemos observar as lutas de classes num âmbito mundial e como elas se manifestam hoje em dia, em especial num cenário de crise aprofundada pela pandemia. As reinvindicações da classe trabalhadora não se detêm em um único espaço geográfico e muito menos param no tempo.
Diferentemente do que dizem muitos por aí, o marxismo não é uma filosofia superficial, que trata a luta antirracista como algo secundário. Muito pelo contrário, o marxismo, como filosofia que se apoia no Materialismo Dialético, observa o movimento da luta de classes e a forma como a classe trabalhadora se comportou (e se comporta) nas suas diversas lutas por liberdade, também observa, de maneira crítica e sensível, as questões de luta contra o racismo, contra o machismo e contra qualquer aparato de opressão gerada e fomentada pelo capitalismo. O marxismo entende que a emancipação dos trabalhadores não se restringe a uma única parcela dos mesmos, já que enquanto existir capitalismo, existirão opressores e oprimidos.
O assassinato de Daunte Wright propiciou uma nova chama no curso das mobilizações nos EUA. O capitalismo, não contente com sua própria ruína, também priva a humanidade de avançar e seguir livremente sem suas pesadas correntes. Nada, absolutamente nada serve para nós como justificativa da morte de Daunte. Não importa se o rapaz tinha mandatos pendentes, seu direito a vida deveria ter sido respeitado. Infelizmente, a Justiça burguesa é apenas uma farsa para Daunte, Floyd, Victoria Sanchez, Mumia Abu-Jamal (militante e jornalista condenado em prisão perpétua injustamente por um crime que não cometeu) e para tantos outros trabalhadores negros que morrem recorrentemente na mão da polícia reacionária seja no Brasil ou nos Estados Unidos. O jugo do sistema capitalista torna a própria existência algo vendável e descartável.
Nesta quarta (14), Kim Potter, policial que atirou em Daunte, foi presa e responderá por homicídio culposo (quando não há intenção de matar). Mais uma vez a justiça nos mostra de que lado está e para quem está servindo. Aliás, Kim está presa em uma penitenciária em Minneapolis e, não muito longe dali, encontra-se Derek Chauvin, policial que matou George Floyd asfixiado e que está sendo julgado pelo assassinato. Não fiquemos chocados se esses assassinos forem logo soltos, mas fiquemos indignados e que essa indignação se canalize na luta pela revolução, levando para o túmulo de vez esse sistema apodrecido. Os trabalhadores que saíram as ruas por Floyd, contra a violência da polícia e o capitalismo, voltam novamente às ruas por Daunte, sinal que o caldeirão está fervendo e que a qualquer hora pode transbordar!
Um novo mundo precisa nascer, e esse mundo, lá no horizonte, chama-se socialismo. No entanto, só será possível tornarmos esse mundo uma realidade quando nos organizarmos coletivamente e compreendermos que o capitalismo há tempos já não é capaz de suprir nossas necessidades. Por isso, sua participação na luta é de suma importância para que possamos garantir não só a nós, todavia às próximas gerações a vida e a dignidade, nas palavras de Trotsky “A revolução trará o direito não somente ao pão, mas, também, à poesia”. Essa poesia será escrita com a emancipação da classe trabalhadora e por um governo dos seus para os seus, sem explorados, nem exploradores. Junte-se ao Movimento Negro Socialista e venha fazer esse combate!
Toda a solidariedade à luta dos trabalhadores negros nos EUA, exigimos condenação e prisão dos assassinos de Floyd e Daunte!
Abaixo a repressão! Abaixo o racismo e o capitalismo! Por um mundo socialista!
*Amanda Marques é militante do Movimento Negro Socialista. Ajude na a campanha pela liberdade para Mumia Abu-Jamal.