Nesta terça-feira (5/5) o presidente Jair Bolsonaro protagonizou mais um de seus atos abomináveis, mas tolerados por todas as ditas instituições de pesos e contrapesos. Em seu habitual pronunciamento matinal para a Nação, ordenou reiteradas vezes que os profissionais de comunicação calassem a boca. Segundo sua lógica, porque ele não havia perguntado nada. Acompanhado desse ato intimidador, vieram conselhos para os jornalistas “terem vergonha na cara”. E foi coberto pela salva de palmas e gritos de apoio dos papagaios ali empoleirados.
O nobre gesto presidencial ocorre menos de 48 horas depois de seus apoiadores agredirem covardemente quatro profissionais de imprensa. Era mais uma manifestação de apoiadores do governo, realizada no último domingo, em frente ao Palácio do Planalto. Bolsonaro participou da atividade, em mais um esforço de solidificar a base de apoio de extrema-direita que arregimenta. Ironicamente era o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Trata-se de um avanço da tática de Bolsonaro e de sua seita de desqualificar a imprensa tradicional, em privilégio de sua narrativa dos fatos e do que consideram fatos. O Brasil ocupa o quarto lugar entre os países mais perigosos para o exercício da profissão de jornalista. Essa é a conclusão de um relatório de 2019 da ONG Campanha Emblema de Imprensa (PEC). Só em 2019 houve três assassinatos, 28 casos de ameaças e intimidações, 20 agressões verbais, 15 agressões físicas, além de censuras, injúrias e violência contra a organização sindical da categoria. São dados de relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).
Sob esse cenário de violência e perigo profissional, exercem sua profissão trabalhadores da comunicação mal pagos, com contratos instáveis e sem direitos, acumulando funções que antes eram de vários profissionais e sob estresse e medo. Quando Bolsonaro e seus seguidores dirigem-se à imprensa, propositalmente misturam patrões e operários da comunicação. Quando o presidente da República intimida jornalistas e autoriza linchamentos de profissionais da comunicação, dá a senha para seus apoiadores avançarem em suas táticas violentas.
Isso acontece em um país onde existem dois Brasis. Um Brasil das grandes cidades. E outro do interior e dos rincões. Se a situação já é insegura para os trabalhadores em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, o que dirão aqueles que exercem sua profissão em Santa Cruz de Capiberibe (PE). Lá foi assassinado em 2019 o apresentador de rádio comunitária Claudemir Nunes. Ou ainda em Maricá (RJ), onde foi gol duplo, caindo os jornalistas Robson Giorno e Romário da Silva Barros. Nesses lugares o que é dito e divulgado não pode contrariar os oligarcas locais, versões “democráticas” dos coronéis do passado. Eles são donos ou controlam os veículos de comunicação, a polícia, o judiciário e as instituições de poder. E porque não dizer o crime também?
A resposta das autoridades, ou seja, dos agentes desta República, mostra seu caráter. O Estado Democrático de Direito que vivemos no Brasil é um tipo de organização de poder. Mas não o único. É um tipo que tolera, permite e encobre a violência praticada contra os jornalistas por Bolsonaro, sua seita e demais donos do poder.
São as liberdades democráticas as únicas salvaguardas desses trabalhadores, e essas são como um cabo de guerra. Foram elas que vieram ao mundo com a Grande Revolução Francesa, sob a base de sangue, violência e guilhotinas para se imporem. De um lado há seus inimigos, que puxam para o lado da criminalização e da violência extrema contra elas. De outro, puxam a corda aqueles que estão a favor da verdade e da civilização. Não há neutralidade em uma sociedade dilacerada por classes sociais. Por isso não há jornalismo independente, como dizia John Reed.
Bolsonaro e seus seguidores são a expressão mais descarada do lado de lá do cabo de guerra. No seu afã tentam derrubar até seus colegas de barricada. Entram em conflito com os donos de órgãos como a Folha de São Paulo, Estadão e O Globo, assim com seus aliados de outrora João Doria, Wilson Witzel e Sérgio Moro. Mas todos esses são inimigos das liberdades de imprensa, inimigos portanto do fazer jornalístico.
Os únicos que podem defender a vida dos jornalistas até o fim são seus colegas de classe. São as massas trabalhadoras no Brasil as únicas interessadas em aplicar as liberdades democráticas até o fim. Defender uma liberdade de imprensa nada pode ter a ver com defender os monopólios empresariais da comunicação, e tampouco estatizar os veículos.
Essa liberdade só pode estar assentada sobre as liberdades de pensamento, de organização e manifestação. Sendo Bolsonaro e esta República inimigas delas, sua efetivação passa por todos os sindicatos de trabalhadores em comunicação erguerem como sua bandeira o #ForaBolsonaro. E por cada jornalista se envolver politicamente na luta para pôr fim a este governo e conquistar uma sociedade que, nas palavras de Karl Marx, garanta ao escritor as condições de receber para escrever, e não que seja submetido a escrever para receber.