Imagem: Operação Tempus Veritatis

Bolsonaro e as instituições

Na última semana se viu uma ofensiva na investigação e punição dos responsáveis pelos ataques contra os prédios dos órgãos dos três poderes no dia 8 de janeiro de 2023. Com as provas apresentadas, confirma-se o envolvimento no episódio de Jair Bolsonaro e de seus aliados, ainda que não diretamente na organização da invasão. Contudo, um dos elementos mais interessantes desse processo não é tanto repetir o papel criminoso dos membros do antigo governo, mas passa por perceber como atuam as instituições burguesas na busca pela manutenção da ordem.

Como destacamos no começo do ano sobre o 8 de janeiro, “o episódio foi uma aventura golpista, sem base de massas, sem apoio dos setores majoritários da burguesia, sem apoio do imperialismo”. Portanto, não passou da ação de uma turba descontrolada financiada e incentivada por empresários e políticos de pouca expressão que queriam manter a qualquer custo um governo Bolsonaro. Este, por sua vez, ou seus filhos e aliados, nunca esconderam suas pretensões de “ruptura institucional”. Contudo, entre a pretensão e a concretude há uma enorme diferença. Cabe lembrar que Bolsonaro sequer conseguiu estruturar uma legenda eleitoral com seu núcleo ideológico.

Contudo, as pretensões de ruptura institucional e a ação da turba descontrolada que depredou os prédios dos três poderes são o suficiente para unir o conjunto de instituições contra seus agressores. Bolsonaro poderia ter ilusões de ser um novo Bonaparte e governar por cima dos interesses das classes em luta. Contudo, para a burguesia, seu papel não passava do de um espantalho que se dispunha a cumprir um programa de austeridade diante da crise econômica em âmbito internacional que se avizinhava em 2018.

Portanto, ainda que Bolsonaro pudesse ter outras pretensões pessoais, seu papel não seria nada além do de um fantoche dos interesses burgueses. O 8 de janeiro, com incentivo e apoio logístico de seus apoiadores, mostrou que Bolsonaro poderia ser um incômodo e, mais do que isso, que poderia novamente mobilizar sua turba e colocar em risco as instituições. Nos Estados Unidos, Trump havia tentado e ainda hoje corre o risco de não poder concorrer às eleições. Para Bolsonaro e Trump, o recado que as instituições burguesas deixam é o de que, por mais que estejam livres para fazer seus discursos extravagantes, não podem em hipótese alguma ameaçar a ordem institucional.

No período recente, em outros países, a burguesia mandou recados parecidos. O caso mais evidente foi na Grécia, em 2020. Depois de cinco anos de julgamento, foram condenados vários dos membros do partido de extrema direita Aurora Dourada por liderarem ou participarem de uma organização agora considerada criminosa. Os 68 réus incluíam 18 ex-deputados do partido, fundado na década de 1980 como uma organização neonazista.

O Aurora Dourada chegou a se tornar a terceira maior força política da Grécia. Nikos Michaloliakos, fundador do partido, é um admirador do nazismo e negacionista do Holocausto, chegando a saudar Adolf Hitler em comícios do partido. O Aurora Dourada negava ser um movimento neonazista, mas o seu emblema lembrava uma suástica.

A decisão judicial baseou-se em alguns casos, como o do assassinato do rapper e ativista de esquerda Pavlos Fyssas, esfaqueado até a morte na noite de 18 de setembro de 2013, aos 34 anos. O assassino, um dos líderes do Aurora Dourada, Yorgos Roupakias, admitiu o crime durante o julgamento.

Os réus do julgamento também foram condenados por ataques violentos contra imigrantes e oponentes políticos de esquerda. Cinco membros do Aurora Dourada foram condenados por tentativa de assassinato de pescadores egípcios e quatro por tentativa de assassinato de militantes comunistas. A investigação indicou que o partido operava como um grupo paramilitar, com ordens transmitidas pela direção do partido a organizações de bairro e a gangues que realizaram ataques violentos a imigrantes.

Portanto, diante de uma nova situação política, a burguesia grega optou por abandonar o serviço sujo do Aurora Dourada. Isso se assemelha à situação dos Estados Unidos, onde a maior parte da burguesia abandonou Trump e optou pelo Partido Democrata, e como logo deve acontecer na Argentina depois que Milei prestar os serviços sujos da burguesia. Esse tipo de alternativa política mostra força em contextos de polarização e intensas lutas dos trabalhadores, em que a burguesia precisava fazer uso de todos os meios possíveis, seja a cooptação da esquerda reformista, seja a ação de organizações fascistas.

Essas conjunturas terminaram e a burguesia procura em seus representantes diretos aqueles que melhor podem governar as instituições. Na Grécia o Aurora Dourada teve seu crescimento diante da crise do governo do partido reformista Pasok, em 2012. O Pasok, que durante décadas foi o principal partido de esquerda do país, aplicou, com o apoio ou mesmo em aliança com o partido de direita Nova Democracia, o pacote de austeridade exigido pela União Europeia. Os ataques do governo levaram a um processo de lutas, no qual cresceu o peso político, tanto do Syriza e do Partido Comunista Grego, à esquerda, como do Aurora Dourada, à direita.

No Brasil, Bolsonaro cumpriu seus serviços e foi dispensado. Seus seguidores mais alucinados insuflaram uma turba descontrolada e colocaram em alerta os defensores da ordem. Essas instituições agora precisam coibir qualquer tentativa de ataque contra sua estabilidade – o que inclui, claro, atacar direitos e mobilizações de trabalhadores – e mandar o recado de que, quem não respeitá-la, pode ser punido.

Condenamos os atos de 8 de janeiro, defendendo a punição de seus organizadores e apoiadores. Contudo, não podemos deixar de destacar o papel do conjunto das instituições nesse processo, interessadas não nas condições de vida dos trabalhadores ou na garantia de serviços públicos para a população, mas na sua própria defesa. O STF, que há muito tempo atua com um papel bonapartista, e as próprias Forças Armadas, que veem muitos de seus oficiais cada vez mais afundados em corrupção, são exemplo disso. Diante disso, somos claros na defesa dos interesse dos trabalhadores, quando afirmamos:

“Estamos contra a extrema-direita, obviamente, mas o combate contra ela se dá com a frente única operária, com independência de classe frente à burguesia. Para reprimir e explorar o proletariado, a extrema-direita e a suposta “burguesia democrática” estão sempre bem unidas. O movimento operário deve manter a independência em relação a este governo de união nacional, que podemos classificar como governo Lula-Alckmin-Lira-Pacheco e que continua, no central, a mesma política econômica dos governos anteriores.”

O circo midiático montado pelo governo Lula, pela Polícia Federal e pelo STF na punição aos bolsonaristas não tem outro papel que não o de mandar o recado para qualquer setor da sociedade que queira se insurgir contra as instituições burguesas. Os trabalhadores vão se levantando, ao perceber que o governo Lula não vai atender suas demandas, e, logo que seja necessário, as forças de repressão irão punir atos de rua, greves e a luta legítima dos trabalhadores. Um cenário de greves e lutas intensas deve se abrir e colocar na ordem do dia a necessidade da independência dos trabalhadores e o fortalecimento de suas organizações.