A categoria envia um sinal de alerta para a direção da APP-Sindicato: no último dia 30 de agosto, trabalhadoras e trabalhadores em educação do Paraná paralisaram suas atividades e fizeram uma belíssima caminhada no centro de Curitiba, com cerca de 10 mil manifestantes.
A categoria envia um sinal de alerta para a direção da APP-Sindicato: no último dia 30 de agosto, trabalhadoras e trabalhadores em educação do Paraná paralisaram suas atividades e fizeram uma belíssima caminhada no centro de Curitiba, com cerca de 10 mil manifestantes.
À tarde, voltaram a se reunir para a maior assembleia da categoria nos últimos 10 anos, declarando Estado de Greve e pressionando o governo a encaminhar os compromissos assumidos. No entanto, a direção estadual da APP-Sindicato não vem demonstrando o mesmo entusiasmo. No último período, os setores mais combativos dos trabalhadores em educação parecem arrastar pelas mãos uma direção sindical ainda indecisa. A última edição do jornal 30 de Agosto, publicado para organizar o Estado de Greve, alimenta as dúvidas sobre a capacidade da atual direção em mobilizar o conjunto da categoria para a luta.
Na mesa de negociação: compromissos assumidos não são cumpridos
A proposta de lançar um Estado de Greve como forma de pressionar o governo não era uma novidade. Já havia sido aventada em outra assembleia, também bastante representativa, em 31 de março deste ano. Naquele momento, tratava-se de pressionar o governo a implantar a hora-atividade de 33%, a pagar o valor do piso nacional retroativo a janeiro e conceder um aumento real para os funcionários de 7,13%, além do reajuste da inflação. A categoria já mostrava sua insatisfação com o governo Beto Richa e suas políticas de fechamento de turmas, de revisão do porte de escolas e de atraso do pagamento dos salários dos novos concursados e PSSs. Mas a direção do sindicato considerou precipitado lançar um Estado de Greve no momento em que estava em processo de negociação com o governo. Assim, por uma pequena margem, ganhou um voto de confiança da classe e a proposta foi derrotada.
No dia 05 de maio, outra assembleia geral acaba aprovando os termos negociados com o governo, como o reajuste do salário de professores em três parcelas até outubro e a implantação da hora-atividade para 2013, ainda que outro pontos, como o reajuste real dos funcionários, permanecessem em aberto, na mesa de negociação. Daí em diante, no entanto, o governo passou a descumprir os acordos e exasperar a categoria, com um misto de ineficiência, segundas intenções e corte de gastos. Entre maio e agosto, as traições do governo em relação aos compromissos firmados com a direção da APP-Sindicato ficaram mais do que evidentes:
- promessas reiteradas e não cumpridas de implementar a parcela do aumento dos professores de 6,66% nos meses de julho e agosto; e de aprovar o Plano de Carreira dos Funcionários no mesmo período;
- redução, na mesa de negociação, dos valores de reajuste real dos funcionários para parcos 3,54%, ou, o que ainda é pior, R$ 100,00 de abono no vale-transporte;
- imenso atraso no edital de concurso público para professores; silêncio total em relação a dobra de padrão – duas medidas que o próprio governo considerava fundamentais para a implantação da hora-atividade de 33% no ano que vem;
- atraso injustificável do pagamento de promoções e progressões, incluídos os professores do PDE de 2009.
A cereja do bolo apareceu recentemente, com o governo dando sinais de que não poderia cumprir os acordos por que suas contas alcançavam o limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal, como alertava o Tribunal de Contas do estado.
A categoria em alerta
Nesses meses, não se pode dizer que não houve respostas da direção do sindicato a essas afrontas governamentais. Mas foram pontuais. Provavelmente, o erro da atual direção da APP-Sindicato foi apostar excessivamente nas negociações de cúpula com o governo estadual, sem mobilizar o conjunto da categoria no processo. Não ter declarado estado de greve e ter ficado um longo período sem assembleia geral (de 05 de maio à 30 de agosto) são indícios dessa desmobilização. A cada reunião com a SEED, a direção sindical propagandeava as promessas do governo quase como conquistas. A falta de uma perspectiva crítica em relação ao cumprimento dos compromissos por parte do governo levou a uma crescente desconfiança, no chão da escola, da independência da direção sindical em relação ao estado. A direção cometia um erro estratégico na arte da guerra: sentava para negociar os termos do armistício enquanto enviava seus soldados para casa. Ignorou a diplomacia da paz armada e, ao não manter seu exército em prontidão, cedeu terreno para o governo avançar em suas perfídias.
O papel da direção é o de representante dos interesses da classe; não de mediadora entre as divergências do governo e da categoria. A diferença não é semântica. Nessa sutileza, está a linha que separa um sindicalismo pelego de um militante. Para muita gente, a direção da APP-Sindicato se encontra dividida nessa corda-bamba.
Nesses meses, grupos de oposição à atual direção cumpriram relativamente bem seu papel. Abaixo-assinados corriam as escolas, pedindo ora a convocação de uma assembleia geral, ora a greve. Professores independentes lançavam nas redes sociais campanhas e críticas à direção estadual e as formas tradicionais de organização sindical. Coletivos de escolas expressavam seu descontentamento. Ações judiciais individuais ou de pequenos grupos de professores conseguiram liminares para garantir a implantação imediata da hora-atividade, a arrepio das decisões do sindicato. Independentemente do mérito dessas ações, elas se desenvolveram nas fraturas que se abriram entre a direção sindical e a insatisfação generalizada na base.
A reação: assembleia decide pelo estado de greve
Reagindo à pressão, a partir da segunda semana de agosto, a direção da APP-Sindicato elevou o tom e lançou um estado de alerta na categoria. Na tentativa de retomar o pulso do movimento, organizou as aulas de trinta minutos no dia 29; e convocou, com certa dose de coragem, uma assembleia para o mesmo dia da paralisação estadual de 30 de agosto. Não foi só a direção que acusou o golpe. O governo também se movimentou para evitar um conflito iminente. Enviou e aprovou às pressas o projeto de lei com as parcelas do reajuste salarial do magistério no dia 29. E na reunião do dia 30 de agosto, refez suas promessas: a de pagar o reajuste dos professores em folha complementar até o dia 17 de setembro; de enviar projeto de lei dos funcionários, com proposta de reajuste salarial, até o final desse mês; de implementar, no mês de outubro, as progressões e promoções em atraso; de reafirmar 33% de hora-atividade para o início de 2013.
A assembleia, realizada nas dependências do Paraná Clube, foi marcada por essas ações e compromissos de ocasião. O ambiente estava tenso e eletrizante. Mais de 2500 participantes representavam os setores mais combativos da classe, incluindo filiados e não-filiados. E, ao contrário da preocupação expressa por um dirigente sindical, temeroso que o entusiasmo e a emoção da multidão turvassem a lógica, as decisões da assembleia não tiveram nenhum elemento de irracionalidade. A não ser que aí se inclua um pouco de ousadia e muita confiança na sua própria força. As propostas que a direção e os grupos de oposição apresentaram tinham muitos pontos em comum: declaração de estado de greve e nova assembleia para avaliar os encaminhamentos do governo. A diferença estava no prazo dado para o estado cumprir o prometido: se duas semanas, levando em consideração a folha complementar com o reajuste do magistério (propostas da oposição) ou 4 semanas, para incluir outros pontos da pauta, como o plano de carreira dos funcionários (proposta da direção). Um setor expressivo da assembleia defendeu ainda, aulas de trinta minutos, com paralisações intercaladas, até o pagamento do reajuste aos professores em folha complementar. Na prática, era uma declaração de greve a conta-gotas, o que expressava bem o descontentamento e a vontade de luta dos trabalhadores. Na votação, a proposta de estado de greve, com paralisação e assembleia no dia 18 de setembro, convenceu a maioria. E, ao mesmo tempo, não excluiu a continuidade da luta quanto aos outros pontos da pauta. Tudo vai depender dos encaminhamentos da próxima assembleia geral, já marcada.
O jornal 30 de Agosto, a direção e o Estado de Greve
Se nessas últimas semanas a direção acenou para uma radicalização em relação às negociações com o governo, interessada em tomar a frente do movimento, parece que voltou a perder a mão na edição nº 174 do jornal 30 de Agosto, edição especial do Estado de Greve, sem negrito. Depois das decisões de uma assembleia surpreendente, a capa tem como chamada uma frase que já virou lugar comum: “Quem luta faz a história”. Nas páginas, um breve editorial apenas menciona o Estado de Greve. Seguem três matérias que ocupam a maior parte do jornal: uma lista das mobilizações realizadas em 2012; uma matéria que comemora a Lei do Piso no Paraná e relata o esforço da APP-Sindicato em conseguir sua aprovação; e uma outra apresentando a importância do Plano de Carreira dos funcionários negociado com o governo. Só na última página, em um pequeno e burocrático quadro no canto inferior direito da página, as decisões da assembleia. A mensagem é clara. Com uma propaganda da atual gestão, a direção quer recuperar sua liderança lembrando a todos das negociações que fez recentemente. Nada mais fora de hora. Se a direção está realmente preocupada em recuperar seu protagonismo no movimento dos trabalhadores em educação, deveria aproveitar esse material para organizar a luta da categoria, e não se preocupar com a lógica do prestígio. A capa deveria ter como chamada o Estado de Greve, convocando todos a paralisarem no dia 18 e participarem da assembleia. Com matérias explicando o que significa Estado de Greve, os motivos que levaram a essa decisão, o que fazer para organizar os debates na escola e preparar a categoria para um movimento paradista, se o governo não cumprir o prometido. Se parte da classe mostra vontade de combater, outros setores não estão no mesmo nível de mobilização e consciência. O papel da direção é exatamente o de organizar o conjunto da categoria e levantar o moral da tropa. A edição publicada do 30 de Agosto, ao elogiar a direção e esquecer do movimento, não é de grande ajuda para dar coesão às ações dos trabalhadores. Se o governo aprontar novas traições, corremos o risco de entrarmos em greve sem a unidade necessária. No momento em que os setores mais combativos da categoria se põem em marcha e em rota de colisão com o governo estadual, a direção da APP-Sindicato precisa se decidir e responder a pergunta: temos ou não temos general?
Parece inacreditável a constatação de que os problemas que existiam nos cortiços no início do século 20, conforme estudos e jornais da época, sejam os mesmos dos dias de hoje, como a grande concentração de pessoas em pequenos espaços; um único cômodo como moradia; ambientes com falta de ventilação e iluminação; uso de banheiros coletivos; instalações de esgotos danificados; falta de privacidade; e o fato de comporem um mercado de locação habitacional de alta lucratividade. O artigo é de Luiz Kohara.
Luiz Kohara (*)
A habitação constitui um dos mais graves problemas sociais da cidade de São Paulo. Dentre os inúmeros fatores explicativos estão os baixos salários dos trabalhadores, o alto custo da terra urbanizada e a insuficiência de políticas públicas destinadas às favelas, aos loteamentos precários e, particularmente, aos cortiços. Consequentemente, as condições precárias de moradia têm reflexos perversos na vida das pessoas, pois a habitação é uma das bases fundamentais da estruturação da vida.
A realidade dos cortiços é bastante complexa não apenas por causa do conjunto de situações precárias vividas por seus moradores – basicamente, espaços reduzidos e falta de qualidade de vida –, mas também pelas condições exploratórias dos valores dos aluguéis no acesso a essas moradias.
Parece inacreditável a constatação de que os problemas que existiam nos cortiços no início do século 20, conforme estudos e jornais da época, sejam os mesmos dos dias de hoje. Dentre eles, destacam-se a grande concentração de pessoas em pequenos espaços; um único cômodo como moradia; ambientes com falta de ventilação e iluminação; uso de banheiros coletivos; instalações de esgotos danificados; falta de privacidade; e o fato de comporem um mercado de locação habitacional de alta lucratividade.
Além desses aspectos, os cortiços mantêm as características de estarem, predominantemente, localizados nos bairros centrais da cidade, apresentarem diversas situações de ilegalidades e os seus moradores terem salários insuficientes para acessarem moradias adequadas. Os cortiços, diferentemente das favelas e de outras moradias precárias, quase não são visíveis na paisagem urbana, porque, em geral, são edificações que foram utilizadas como moradias unifamiliares, mas que atualmente abrigam dezenas de famílias. Logicamente, tornam-se visíveis sempre quando há interesse do capital imobiliário na região onde os cortiços estão instalados, porque seus moradores são os primeiros a serem expulsos. Nos últimos 20 anos, somente o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos acompanhou mais de 200 despejos coletivos de cortiços localizados nos distritos centrais.
Num estudo de 1998 [1] sobre o rendimento obtido nas locações e sublocações de cortiços localizados no bairro da Luz (aqui delimitado pela avenida Tiradentes, rua Mauá e avenida do Estado), pôde-se verificar a grande exploração que se dá no mercado de locação de cortiços, confirmando informações de outras pesquisas que demonstravam que paga-se caro para morar muito mal. Nesse perímetro, foram encontrados 92 imóveis utilizados como cortiços, onde residiam 765 famílias, com o valor médio de locação de R$ 13,2 por m2, valor que representava mais que o dobro que o de moradias unifamiliares com boas condições de habitabilidade localizadas no Centro.
Foi verificado que enquanto no mercado formal o valor mensal do aluguel representava cerca de 0,8% do valor do imóvel, nos cortiços pesquisados o explorador chegava a arrecadar mensalmente até 3,25% do valor do imóvel. O mais grave é que o percentual do rendimento crescia quanto maior fosse a precariedade do cortiço.
Em 2012, passados 14 anos, nova pesquisa [2] na mesma área com os 92 cortiços pesquisados em 1998 verificou que 44 imóveis (48%) deixaram de ser utilizados como cortiços e 48 imóveis (52%) mantiveram esse uso. Além desses, mais 56 imóveis passaram a ser utilizados como cortiços, totalizando 104 cortiços na área, um aumento de 13% em relação a 1998. Verificou-se também um maior adensamento: o número de famílias passou de 765 para 995, um crescimento de 30%. Esse resultado pode ser indicativo de um dos motivos que justifica o crescimento positivo dos distritos centrais, conforme o Censo IBGE 2010, que desde a década de 1980 vinham apresentando taxa negativa de crescimento.
Outros aspectos bastante relevantes encontrados na pesquisa atual são: crescimento da escolarização dos moradores, grande número de famílias de origens paraguaia e boliviana e altos valores cobrados na locação das moradias. É interessante observar que, por causa da irregularidade da documentação dos estrangeiros, o valor da locação é maior para os bolivianos e mais alto ainda para os paraguaios; algumas famílias estrangeiras pagam R$ 700 por pequenos cubículos. Se levarmos em conta o metro quadrado, concluímos que o valor da locação de moradia em cortiços, que em média possuem 12 m², continua sendo o mais alto da cidade de São Paulo.
Vale destacar um aspecto relevante apontado pela pesquisa de 2009 [3]: os resultados escolares apontaram que as crianças moradoras em cortiços possuíam quatro vezes mais chances de serem reprovadas quando comparadas com outros alunos da mesma série. A falta de espaço para dormir adequadamente, a insalubridade das moradias sem janelas, a rotatividade habitacional e a porta de entrada sempre aberta atingem diretamente o desempenho escolar das crianças. Ficou evidente que as condições precárias da moradia eram fatores de limitação para os estudos e geradoras de discriminação e segregação social e, consequentemente, de evasão escolar.
Um aspecto fundamental a ser apontado é que os trabalhadores de baixa renda tornam-se reféns dos exploradores de cortiços na medida em que buscam locais mais favoráveis ao trabalho ou próximos dos benefícios produzidos pela cidade.
Por outro lado, os moradores de cortiços tornaram-se importantes atores sociais quando formaram movimentos para reivindicar o direito à moradia digna no centro da cidade e, principalmente, quando utilizaram a estratégia de ocupar edifícios vazios. Isso porque denunciam a falta de política de habitação de interesse social para as áreas centrais da cidade e expõem as contradições do setor imobiliário, que deixa os imóveis abandonados sem função social aguardando valorização.
Apesar da luta e mobilização empreendidas nos últimos 20 anos, pode-se afirmar que as inúmeras expressões da precariedade das moradias, o comprometimento de grande parcela da renda e a segregação social que sofrem seus moradores são fatores que fazem com que os cortiços sejam um fator para reprodução da pobreza e ampliação da desigualdade social.
[1] KOHARA, Luiz Tokuzi. Rendimentos obtidos na locação e sublocação de cortiços: estudo de casos na área central da cidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo: EP USP, 1999. [2] Pesquisa de Pós-Doutorado FAU/FAPESP de Luiz T. Kohara (em andamento). [3] KOHARA, Luiz Tokuzi. Relação entre as condições da moradia e o desempenho escolar: estudo com crianças residentes em cortiços. Tese de doutorado. São Paulo: FAU-USP, 2009.(*) Luiz Kohara é membro do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, engenheiro-urbanista e pós-doutorando FAU/FAPESP.