No dia 24 de novembro os uruguaios retornarão às urnas para decidir quem leva a presidência do país no segundo turno das eleições. Daniel Martínez, candidato da Frente Ampla, partido de José Mujica, enfrentará Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional.
Destaca-se nesse processo eleitoral a possibilidade da vitória da direita em um contexto de 15 anos de governo da Frente Ampla, marcado pela estagnação econômica iniciada a partir de 2014 e pelo aumento da violência — assunto que tem tomado conta dos debates no Uruguai no último período.
Contexto
Tido como um dos países mais desenvolvidos da América Latina, o Uruguai revela dados alarmantes, que apresentam pistas do que acontece abaixo da superfície.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o país tem a segunda maior taxa de suicídios da América Latina. O número de mortes chegou a 20,5 para cada 100 mil habitantes em 2018 (a média no Brasil, em 2017, foi de 5,7), o que representa um aumento de 3% em relação a 2017.
Entre as populações mais vulneráveis estão os idosos, 12% dos habitantes possuem mais de 60 anos, e os adolescentes. Entre os mais velhos, o principal problema está ligado ao insuficiente acompanhamento público, principalmente entre os aposentados, e à impossibilidade de acesso a serviços privados por conta dos altos preços. Já entre os mais jovens, compreende-se melhor a situação deles ao saber, por exemplo, que uma a cada cinco crianças nascem na pobreza e que a apenas 40% dos estudantes que acessam o ensino médio concluem esse nível.
No cenário econômico, a diminuição das exportações, a recessão de setores como construção e de parte da indústria afeta diretamente a situação dos trabalhadores. A taxa de desemprego chegou a 9,8% no fim do ano passado, sendo a maior taxa dos últimos 12 anos. De acordo com a Agência Brasil, os mais jovens (de 14 a 24 anos) e os idosos (com mais de 60 anos) são os mais afetados com a falta de emprego.
Esses são apenas alguns exemplos de um país que, apesar de suas particularidades, passa por uma situação muito semelhante à do conjunto dos países dominados.
A questão da violência
Uma questão sensível e que faz parte das discussões diárias dos uruguaios é o aumento assustador da violência. Em 2018, a taxa de homicídios no Uruguai chegava a 11,8 para cada 100 mil habitantes e esse valor aumentou em 45% em 2019. É a primeira vez que o índice chegou a dois dígitos na história do país e está entre os países com o maior número de mortes violentas na América do Sul.
O aumento desses índices explica-se pelos problemas econômicos apresentados e pelo aumento de conflitos entre gangues de traficantes que têm utilizado o país como porto de saída para as drogas produzidas na Colômbia, Peru e Bolívia.
A direita reagiu apresentando uma proposta de reforma constitucional, de autoria de Jorge Larrañaga, do Partido Nacional. Conhecida como a reforma “Vivir sin Miedo”, propõe a criação de uma Guarda Nacional militar, que teria o poder de polícia, adoção da prisão perpétua e possibilidade de operações de busca à noite, com autorização judicial, entre outras. Medidas que não visam resolver o problema da classe trabalhadora e da juventude, mas intensificar a repressão, deixando os problemas de fundo de lado e buscando prevenir qualquer tipo de explosão social futura.
Logo após as manifestações que tomaram conta das ruas do Equador e Chile, foi a vez do Uruguai com demonstrações de massa contra a reforma. No mesmo dia em que ocorreram as eleições do primeiro turno, a reforma foi rejeitada por 53% dos votantes.
Esquerda reformista e a direita que se afasta de Piñera e Bolsonaro
No primeiro turno (24/10), também foram escolhidos os senadores e deputados. Nenhum partido conseguiu maioria absoluta, mas o resultado demonstra a perda de força da Frente Ampla. Martínez, apesar da conquista de 39,7% dos votos contra 28,59% de Lacalle Pou, vai enfrentar uma aliança do Partido Nacional com o Partido Colorado e o Cabildo Abierto, partidos que ficaram em terceiro e quarto lugares respectivamente.
Entretanto, não é apenas a soma de forças da direita que ameaça a Frente Ampla. O resultado das eleições no parlamento evidencia um processo de esgotamento das esperanças de uma camada dos trabalhadores que viram um governo que não consegue lidar com problemas como desemprego, violência etc. Os mais jovens, que hoje estão votando, nasceram e viveram todo o início de sua vida consciente sob o governo da Frente Ampla, que está pagando o preço por governar para o capital.
Lacalle Pou, durante a campanha eleitoral, buscou se diferenciar de Macri e de Piñeira, rejeitando inclusive o apoio de Bolsonaro recentemente, ao mesmo tempo em que a Frente Ampla acenou à direita, na tentativa desesperada de ganhar as classes médias. Agora estão pagando o preço.
A questão essencial é que o Uruguai, por mais que se faça a propaganda de seu PIB ou de que é um dos países mais democráticos da América do Sul, é um país atrasado, dominado economicamente e sente os mesmos sintomas da crise mundial. Não está dado que o Partido Nacional sairá vitorioso nesse processo eleitoral, mas as massas estão dando os sinais de que não estão mais aceitando viver ameaçadas pelo crime ou pelo desemprego e buscam uma saída. Analisaremos os resultados do segundo turno no próximo número do Jornal.