As demissões que ocorreram nos últimos anos nas empresas de tecnologia, chamadas de Big Techs, escancaram que nenhuma categoria está imune à luta de classes, pois, por anos, os trabalhadores de tecnologia vêm sendo seduzidos pelas promessas de grandes salários acima da média de outros trabalhadores, o que permitiria compartilhar um padrão de consumo e círculos sociais com a pequena burguesia. A sedução vem também pelo sonho maliciosamente implantado pela classe dominante de que qualquer trabalhador, com adequada disciplina, poderia se tornar o próximo Steve Jobs, Bill Gates ou Elon Musk.
Mas os dados reais de salários médios, as frequentes demissões em massa, o aumento da intensidade de trabalho, as ondas de desemprego, a baixa contratação, além de muitas formas de controle e ataque à categoria, só trazem às claras o que nunca deixou de ser verdade: que os trabalhadores de tecnologia pertencem à classe trabalhadora como um todo, e por isso estão igualmente vulneráveis às diversas maquinações de seus patrões para extrair deles cada gota do esforço e potencial criativo, com o objetivo de devolver uma porcentagem cada vez menor do valor por eles produzido na forma de salários, benefícios e direitos sociais — ainda que haja muitos outros extratos do proletariado em condições bem piores, muitas vezes seus familiares diretos ou próximos.
Mesmo aqueles que chegam ao topo das faixas salariais ainda estão muito mais próximos economicamente das frações mais pobres da sociedade do que dos grandes capitalistas. Como os capitalistas frequentam espaços físicos e sociais totalmente apartados do nosso cotidiano, não temos contato suficiente com eles para que assimilemos a diferença astronômica de riqueza entre nossas realidades. Se um deles quiser parar de executar qualquer atividade que seja minimamente concebível como trabalho, poderá viver o resto da sua vida ainda num padrão de consumo de luxo, e sustentar as mesmas condições de vida para familiares e outras pessoas próximas. Mas, por maiores que sejam alguns salários na TI (geralmente programadores), mesmo com muito planejamento e austeridade, é possível, no máximo, sobreviver a alguns poucos anos de desemprego.
Ao mesmo tempo, por mais que se eleve o padrão de vida, ele sempre vai estar a uma demissão de distância da queda livre em direção à miséria. Que fazer, então, diante da nossa condição enquanto classe trabalhadora?
Muitos falsos caminhos — na maioria individuais — nos são apresentados para aliviar essa angústia com falsas esperanças. O individualismo é a ideologia principal do sistema capitalista, mas aceito apenas pela fração mais obtusa da categoria. Surgem então diversas falsas soluções coletivas que são também apresentadas e fomentadas pela burguesia. Uma delas é que o capitalismo cria as tecnologias, e não o trabalho humano; outra é a confiança cega nas inovações tecnológicas, principalmente as que facilitam o uso de recursos computacionais em pequena escala, gratuitamente ou a preços reduzidos.
Desde o início da internet ouvimos sobre o seu potencial transformador, que colocaria todas as informações e todo o conhecimento humano nas mãos de todos os indivíduos, igualando suas oportunidades; das maravilhas do software opensource, capaz de rivalizar com as grandes corporações e entregar ferramentas de maior qualidade sem custo algum para uso de todos; da computação em nuvem, que permitiria que qualquer pessoa com um computador medíocre conseguisse comandar um enxame de servidores remotos, em qualquer escala conforme necessário, podendo até aproveitar planos gratuitos em vez de depender de data centers físicos que só empresas de maior porte teriam capacidade de adquirir.
Não vimos, contudo, nenhuma dessas promessas serem cumpridas. A internet, em vez de aproximar pessoas e difundir informação, tornou-se uma máquina de propaganda de guerra e de golpes financeiros, com mentiras e outras formas de desinformação que colocam os trabalhadores cada vez mais uns contra os outros — além de tomar controle privado dos dados que geramos pessoalmente, transformando-os em mercadorias, mais de uma vez, inclusive no treinamento de ferramentas de Inteligência Artificial que só servem para aumentar o lucro dos donos de redes devassas, que existem como bunkers de dados, apartadas do resto da internet.
O espaço Open Source, que apregoa a liberdade individual para garantir os lucros burgueses se utilizando do Software Livre, permite que os patrões se aproveitem de trabalho voluntário ou mal remunerado para direcioná-los aos caminhos que lhes são mais lucrativos inúmeras vezes — caminhos que não são os mais úteis para os usuários, pois estão guiando o desenvolvimento desses softwares apenas por mais lucro.
E a computação em nuvem cresceu infestada de estratégias predatórias, como custos imprevistos ocultos e padrões incompatíveis que dificultam a migração para outras plataformas. Tão clara está a esterilidade dessa estratégia de otimismo tecnológico que poucos são os que veem com seriedade as versões mais recentes dessa promessa: como a Web3, as NFTs, o Metaverso, etc.
Tampouco devemos nos deixar iludir pelos defensores das associações de pequenos produtores — uma espécie de “socialismo das pequenas cooperativas”. Compreendemos, como comunistas, que o capitalismo é um sistema essencialmente global e, portanto, não pode ser adequadamente combatido por pequenas “ilhas de socialismo”: os sistemas globais de crédito e o grande capital em geral sempre darão forças imensamente superiores às grandes empresas, forçando as empresas pequenas, mesmo as que se propõem mais “socialistas”, a adotar práticas capitalistas internamente para não sucumbirem às pressões do mercado.
Isso sem considerar que, mesmo que haja alguns poucos casos de sucesso, esse sucesso não seria prontamente replicável para a maioria da classe, e apenas geraria algum benefício limitado e temporário a poucos indivíduos — até serem comprados ou fechados pelas gigantes empresas de tecnologia, como a Apple, Alphabet, Nintendo ou Microsoft.
É por isso que o caminho que nós, da ComunaTec, defendemos é aquele que soluciona o problema em sua raiz: a luta pela tomada do poder político de forma permanente, e, assim, aplicar a necessária socialização de todo o capital que alicerça as tecnologias da informação, para que esteja sob controle dos trabalhadores e seja direcionada ao usufruto e benefício de toda a humanidade.
Nos referimos aqui ao capital constante: o conjunto de recursos materiais resultantes de trabalho passado acumulado e que são necessários para a produção de mercadorias, em oposição ao capital variável, que consiste na força de trabalho viva e presente dos trabalhadores que fabricam essas mesmas mercadorias. Nos casos de operários trabalhando em fábricas, essa divisão fica clara: todo o maquinário, estrutura física, infraestrutura elétrica etc. que os envolve compõem o capital constante, essencial para a realização de seu trabalho produtivo, e hoje são controlados pelos capitalistas.
Mas trabalhadores de tecnologia, além de se depararem com recursos igualmente palpáveis, como os grandes data centers, prédios e toda a estrutura física e infraestrutura associadas, não podem deixar de considerar todo o acúmulo de ferramentas de software, scripts de automação, padrões de interação já convertidos em hábitos pelos usuários, e os diversos mecanismos de proteção da chamada “propriedade intelectual” que formam o contexto necessário para seu trabalho — igualmente fruto de trabalho passado, essenciais para seu trabalho presente e controlados pelos capitalistas — que precisam deixar de ser os donos de tudo que nós produzimos.
E, assim sendo, a única saída para que nosso trabalho seja realmente livre de todas essas amarras é a passagem desses recursos materiais para o controle dos próprios trabalhadores, em função das necessidades reais da humanidade, e não mais da geração de lucro.
Ao mesmo tempo, quando analisado em perspectiva de longo prazo, o capitalismo, que é completamente cheio de contradições, tem a tendência à diminuição geral da taxa de lucro — o que cada capitalista tenta frear individualmente para que seu bolso não fique menos cheio que o dos outros. Ao mesmo tempo, os trabalhadores, que estão sempre flertando com a miséria e, por isso, com o medo de serem demitidos, têm seus salários achatados com toda subida da inflação, sofrem com a mudança repentina de regime de trabalho (remoto, híbrido, presencial), mudanças de horários e demissões em massa. Por isso, eles só podem deter esses ataques em luta e de forma organizada. Só a organização geral dos trabalhadores pode dar a força necessária para derrotar os patrões e colocar um fim nesse sistema. Por isso, nós entendemos que devemos nos organizar com o proletariado em geral, para termos a nossa força total enquanto classe produtora.
Assim, na estrutura sindical combatemos por:
- Garantia de estabilidade no emprego e fim das demissões sem justa causa;
- Fim de todas as formas de terceirização, pejotização e afins;
- Exigência de contratação estatutária ou pela CLT de todos os funcionários, incluindo PJs e outras formas de contratação precária;
- Extensão emergencial de todos os direitos trabalhistas a todos os trabalhadores, independentemente da forma de contratação;
- Denúncia e defesa da estatização, sob controle operário, de todas as empresas internacionais que contratam trabalhadores brasileiros, com ou sem sede no Brasil;
- Direito de filiação sindical para todos os trabalhadores, inclusive aqueles em regimes não CLT ou não estatutários, bem como os desempregados, pois continuam sendo parte da classe trabalhadora;
- Defesa de um sindicato 100% independente do Estado e dos patrões — as organizações dos trabalhadores só devem aceitar financiamento oriundo dos próprios trabalhadores;
- Pagamento, pelos empregadores, de todas as despesas dos trabalhadores em regime de home office, incluindo luz, internet, água, equipamentos e mobiliário laboral;
- Redução da jornada de trabalho para seis (6) horas diárias, sem redução de salário;
- Organização sindical democrática, com representantes eleitos em cada local de trabalho e assembleias amplas e participativas;
- Pagamento do salário mínimo calculado pelo DIEESE para todas as categorias profissionais;
- Fim da obrigatoriedade das horas extras e pagamento integral e correto de toda hora excedente realizada;
- Fim dos leilões salariais nas contratações, com transparência nos salários correspondentes a cada nível de capacitação;
- Jornada de trabalho móvel, de acordo com as necessidades dos trabalhadores;
- Combate a todos os mecanismos patronais de imposição de sobretrabalho e exploração;
- Função igual, salário igual: exigência de equidade salarial para a mesma função, sem distinção étnica, de gênero, orientação sexual, idade ou qualquer outro marcador social de diferença;
- Garantia de creches e escolas públicas, gratuitas e de qualidade para os filhos dos trabalhadores e trabalhadoras;
- Garantia de ambientes e cargas de trabalho saudáveis, que permitam aos trabalhadores realizarem suas funções sem adoecimento físico ou mental;
- Um (1) ano de licença maternidade e de licença paternidade;
- Estatização das empresas e de seus códigos-fonte, sob controle dos trabalhadores;
- Socialização do controle e do acesso à internet e aos meios computacionais, com acesso gratuito para toda a população;
- Uso, desenvolvimento e fomento ao Software Operário — software livre desvinculado dos interesses capitalistas;
- Fim de todas as patentes.
Política Geral:
- Entendemos que a busca incessante pelo lucro, inerente às empresas capitalistas, entra inevitavelmente em conflito com os salários, o bem-estar e a saúde dos trabalhadores.
- Combatemos o machismo, a LGBTfobia, o racismo e todas as formas de opressão que dividem a classe trabalhadora.
- Defendemos a construção de um sindicalismo comunista, independente, revolucionário e financiado exclusivamente pelos trabalhadores, combatendo o peleguismo nos sindicatos e rejeitando qualquer relação financeira com o Estado ou com empresas.
- Negamos o individualismo burguês expresso na busca por sucesso pessoal e no “empreendedorismo” imposto aos trabalhadores, e afirmamos que as únicas soluções verdadeiras para melhorar as condições de vida da categoria são revolucionárias e coletivas, por meio da luta organizada.
- Defendemos que os trabalhadores devem ter controle sobre todas as tecnologias que desenvolvem, e, portanto, o controle das próprias empresas.
- Somos solidários com as lutas de todos os trabalhadores, em todas as categorias, e buscamos construir uma sociedade comunista — a única capaz de garantir justiça e liberdade reais para toda a humanidade.
A computação, o caráter global da internet e o trabalho remoto demonstram cotidianamente a natureza internacional da nossa classe. Esses elementos evidenciam, também, a necessidade de uma Luta organizada em escala mundial. Por isso, apenas um partido com influência de massas globalmente poderá colocar em marcha a luta final contra o capitalismo internacional.
Convidamos todos os trabalhadores da área de tecnologia a se somarem ao ComunaTec: https://ola.comunatec.org