Análise sobre as maracutaias da empresa irlandesa, Celestial Green Venture, que “compra” terras dos índios na Amazônia para praticar biopirataria e trambicar cotas de CO2 no mercado criado pelo Tratado de Kyoto
A Amazônia já não é mais nossa e nem dos índios
Segundo noticia divulgada em 11 de março no jornal “O Estado de São Paulo” o diretor da empresa Celestial Green Ventures (sugestivo o nome não? Verde Celestial), um certo João Borges Andrade, português, e o presidente da Associação Indígena Pusuru, Martinho Borum, representante dos índios, celebraram um contrato no qual os índios passam o controle das terras à empresa por 30 anos. O preço celebrado em tal contrato é de 120 milhões de dólares para uma área de 16 vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Detalhe: a Celestial não pagou um centavo aos índios!
Segundo a página Publico que faz um trabalho de jornalismo investigativo, o representante da empresa, o irlandês Ciaran Kelly, explica como realizam suas operações: “Nós sentamos com a comunidade local, há uma discussão muito aberta, dizemos o que temos que fazer, quais são as suas responsabilidades e as nossas. Se concordamos, prosseguimos”.
Os indígenas ouvem o vendedor da Celestial:
Já o português João Borges de Andrade, chefe de operações no Brasil, que aparece em fotos que aqui publicamos rodeado pela população local declara: “Eu gosto do contato com essas pessoas, elas são muito gentis e muito amigáveis. É emocionante”. Impossível não nos remetermos aos relatos que seus ancestrais portugueses fizeram sobre os índios quando invadiram estas terras a partir de 1500. A diferença é que naquela época o capitalismo realizava sua fase de acumulação primitiva e hoje continua acumulando, por outros meios, em sua fase de degeneração, barbárie e destruição.
Os capitalistas estão instalando na Amazônia as modernas capitanias hereditárias imperialistas e não dão aos índios nem miçangas coloridas e para todos nós dão uma banana.
Mas voltemos ao artigo assinado por Marta Salomon. Diz a jornalista: “pelo contrato ao qual o ‘Estado’ teve acesso, os índios se comprometem a não plantar ou extrair madeira das terras nos 30 anos de duração do acordo. Qualquer intervenção no território depende de aval prévio da Celestial Green Ventures, empresa irlandesa que se apresenta como líder no mercado mundial de créditos de carbono”.
Ainda segundo o mesmo artigo, “esse tipo de negócio é realizado em grande escala na região e a tal Celestial Green usa desse expediente para compensar emissões de gases de efeito estufa por grandes empresas poluidoras, sobretudo na Europa, além de negociar as cotações desses créditos. Na Amazônia, vem provocando assédio a comunidades indígenas e a proliferação de contratos nebulosos semelhantes ao fechado com os mundurucus. A Fundação Nacional do Índio (Funai) registra mais de 30 contratos nas mesmas bases”.
“Só a Celestial Green afirmou ao Estado ter fechado outros 16 projetos no Brasil, que somam 200 mil quilômetros quadrados. Isso é mais de duas vezes a área de Portugal ou quase o tamanho do Estado de São Paulo. A terra dos mundurucus representa pouco mais de 10% do total contratado pela empresa, que também negociou os territórios Tenharim Marmelos, no Amazonas, e Igarapé Lage, Igarapé Ribeirão e Rio Negro Ocaia, em Rondônia”.
Andrade explicando seus planos aos índios
A pergunta que não quer calar
E que faz o governo diante disso tudo? Pelo que saiba estas coisas acontecem no Brasil há muito tempo, com outra cara, mas sempre privatizando, com outros métodos, mas sempre roubando, sempre e sempre com os mesmos fins: pilhar as terras brasileiras, suas riquezas e acumular lucro fácil.
Lembremos o caso da fazenda por nome Curuá que denunciamos aqui neste Blog em novembro de 2011 onde a propriedade “registrada com quase 60 vezes o limite legal, com 4,7 milhões de hectares, área maior que os estados do Estados do Rio de Janeiro, Alagoas, Sergipe e Distrito Federal”. Aliás, esse assunto desapareceu da imprensa.
Na ocasião dizíamos: “É impressionante, mas é verdade, as várias usinas hidrelétricas, a voracidade das construtoras, o latifúndio e o agronegócio, estão de olho nas riquezas naturais do subsolo desta região. Curuá pode ter seu fim, mas a especulação e as multinacionais estão à espreita e agem permanentemente para controlarem a região de Altamira na Amazônia”. E acrescentávamos: “A divisão do Estado do Pará certamente facilitará este plano. A presidente Dilma se encolhe e abre as portas aos novos grileiros legais do agronegócio e das multinacionais. As grandes construtoras esfregam as mãos, ou melhor, o dedo médio no polegar, ávidas por mais dinheiro”.
Reconheço aqui que erramos, os capitalistas grilam também a Amazônia para aumentar o valor de suas ações com a especulação do CO2 e O2, sobre os quais teoricamente passariam a ter direitos ao comprar parte da floresta para “fornecer” suas cotas dos preciosos gases para empresas que emitem monóxido em excesso.
Seguindo o Tratado de Kyoto, as empresas emitindo monóxido de carbono estariam provocando o efeito estufa, mas, ao “cultivarem” o dióxido e o oxigênio produzido pela floresta estariam compensando a desgraça gerada. Maravilha! E de sobra praticam a biopirataria e grilam as terras dos brasileiros.
O tal do contrato de concessão; (Zé Dirceu vai ficar contente com a aplicação do termo concessão) por 30 anos, ou seja, privatização da área por 30 anos que prevê que a Celestial Green, ao contrário dos índios que ficam proibidos de mexer na mata, tem: “todos os direitos de certificados ou benefícios que se venha a obter por meio da biodiversidade dessa área”. Ou seja, pertencem à Celestial. Parece até obra do Edir Macedo!
Mas ainda restam outros aspectos a serem tratados
A Amazônia vem sendo destruída mais celeremente desde a época da ditadura militar quando foi criado o polo industrial e a região de livre comércio na capital Manaus, quando de uma só vez se desmatou milhares e milhares de hectares. Foi daquela época também a invenção de um empresário norteamericano que montou uma fábrica de celulose flutuante. Projeto Jari, era o nome do empreendimento bilionário.
O projeto foi idealizado pelo bilionário norteamericano Daniel Keith Ludwig. Ele mandou construir uma fábrica de celulose no Japão, na cidade de Kobe, usando tecnologia finlandesa da cidade de Tampere. Foram construídas duas plataformas flutuantes com uma unidade para a produção de celulose e outra para a produção de energia. A unidade de energia produzia 55 megawatts e era alimentada por óleo BPF, altamente poluente, a base de petróleo, mas com opção para consumo de cavacos de madeira. A fábrica viajou mares até chegar aqui.
Em 1982, sem apresentar resultados, Ludwig abandonou o projeto. Abriram-se então negociações que envolveram o homem forte do regime militar, o general Golbery do Couto e Silva. Cogitou-se a venda da fábrica, com intermediação do Banco do Brasil, para um pool de empresas ou para o empresário cujo nome era Augusto de Azevedo Antunes. Até o começo dos anos 1980 Ludwig declarava haver gasto no Jarí nada mais nada menos que 863 milhões de dólares.
No ano 2000 o projeto passou a ser controlado pelo Grupo Orsa e recebeu até certificado de sustentabilidade de um tal de Forest Stewardship Council no ano de 2004.
Na época da ditadura não existia ainda essa baboseira que a burguesia inventou, a tal da autosustentabilidade, as medidas mitigatórias e compensatórias. Isso só veio depois, quando os capitalistas começaram a perceber que o meio ambiente, sua pseudopreservação dava grandes lucros e poderia a partir daí surgir uma verdadeira cadeia de negócios realizados inclusive por meio de ONGs verdes. Desmata-se aqui, polui-se ali, em compensação planta-se uma palmeirazinha aqui e outra acolá. E batizaram isso de sustentabilidade. E dinheiro rola a rodo. Lembram-se da Mata Atlântica? Ela quase não mais existe. Lembram-se da despoluição do rio Tietê? Está aí, poluído e com uns matinhos em sua margens, que escondem a visão do rio, mas não esconde seu odor mortal.
Agora, no caso dos irlandeses malandros que ‘compraram’ as terras dos munducurus, é evidente que estão se escorando no rentável negócio permitido pelo Tratado de Kyoto. Explico: uma empresa que emite poluentes na Europa e compra ações da Celestial, passa a ser uma empresa que pratica a autosustentabilidade, zela do meioambiente, pois, como compensação frente à poluição que causa “fornece” ao mundo uma generosa cota de O2 e CO2. Basta comprar esse direito acionário da Verde Celestial por altos preços. O rico produto, o ar, passa assim a ter também dono. Resumindo: privatizaram o ar que respiramos. E as empresas recebem selinhos de qualidade verde!
Mas é só isso? Se já não fosse muito…
Não, não! Segundo dados divulgados por diversas fontes na imprensa, o cultivo de soja em regiões desmatadas da floresta amazônica atingiu entre 2003 e 2004 a cifra dos 27.000 km2. Tudo isso em áreas antes apenas de rios, lagos e florestas. Quem se beneficia da maior quantia dessa soja?
Segundo várias noticias veiculadas em jornais, empurradas pelo aumento da demanda mundial e pela riqueza de nutrientes das terras amazônicas, apenas 3 empresas multinacionais dominam o cultivo do grão: a ADM, a Bunge e a Cargill, todas ligadas à área de ração e alimentos, são responsáveis pelo cultivo de mais de 60% da produção de soja na região. E não nos esqueçamos, a soja deles é a soja transgênica, com roundup, um veneno inoculado na semente que a torna estéril e obriga os plantadores a eternamente comprar o grão envenenado da fabricante Monsanto.
E o governo? Como fica nisso tudo?
Diante das denuncias que vieram à tona desde final do ano passado, a atual ministra do Meio Ambiente disse sobre o caso envolvendo a Celestial: “Temos de evitar que oportunidades para avançarmos na valorização da biodiversidade disfarcem ações de biopirataria”, e a Marta, a jornalista do Estadão, diz que a ministra disse essas palavras como reação ao caso. Patético. Nada mais insólito e patético! Se isso é reagir, o que seria consentir? Qual o raciocínio que esconde essa ôca frase? ‘Os índios são os protetores da floresta e, portanto da biodiversidade, mas tem gente que se aproveita das boas ideias para transformá-las em seu oposto. Tem gente que se aproveita da boa fé e ingenuidade dos índios. Temos que evitar isso!’ Ah sim, evitar isso. Só isso ministra Izabella Teixeira? Nada mais a dizer?
Hoje, 14 de março, a Folha publicou o seguinte: “O governo federal deve ir à Justiça contra empresas estrangeiras que compram de tribos indígenas os direitos sobre a biodiversidade de terras na Amazônia”.
E que: “… a AGU (Advocacia Geral da União), responsável por defender judicialmente a União, investiga pelo menos 35 contratos elaborados por grupos internacionais que foram oferecidos a várias etnias”.
Áreas já negociadas pela Celestial:
Muito bem, se a justiça fosse favorável aos mais fracos, vá lá!
Há noticias de que a FUNAI notificou as empresas que realizam esse tipo de negócio. Ótimo, um passo adiante!
Mas, como em geral neste país das capitanias hereditárias imperialistas tudo acaba em pizza, convém sugerir que o governo Dilma casse imediatamente todos estes tipos de contratos e, que ao lado disso seja realizada uma auditoria dos negócios e contratos realizados sobre o território amazonense, de qualquer espécie. Uma auditoria pública sob controle popular, para que os brasileiros, todos, possam saber o que de fato se passa ali e tomar medidas contra o entreguismo disfarçado, dissimulado ou não, de nossas riquezas ao imperialismo.
Sem romper com o imperialismo, sem abrir a via para o socialismo, não haverá sustentabilidade possível. Sem isso a Amazônia não poderá voltar a ser nossa!