No dia 24/8, os ferroviários das linhas 11, 12 e 13 da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), que ligam algumas das cidades da região metropolitana de São Paulo à zona leste da capital paulista, fizeram uma greve que deixou de transportar milhões de passageiros no principal centro político e econômico do país. Esta greve foi deflagrada contra a vontade da direção do Sindicato da Central do Brasil e expressou um importante ímpeto de luta da base da categoria, que paralisou as linhas sem nenhum tipo de orientação e auxílio da direção sindical. Vamos conversar com Lucas Dametto, maquinista da linha 13 da CPTM e coordenador do Comitê de Luta Contra a Privatização da CPTM.
Da Redação
Lucas, quais eram as reivindicações dos trabalhadores quando decidiram entrar em greve?
Os dirigentes sindicais só queriam pleitear a PPR – isso está diretamente ligado aos interesses da burocracia no recebimento das contribuições compulsórias -, mas a categoria reivindicava também o reajuste de salários. O valor pleiteado era o oferecido pela justiça em dissídio anterior de 4% para o ano anterior – 2020 – e 6% para 2021, assim como o pagamento do retroativo desse período.
Já havia ocorrido uma outra greve em 15 de julho em outras linhas da CPTM. Por que essa divisão? Por que todas as linhas não entraram em greve juntas? Sendo a mesma empresa pública de trens, as reivindicações dos trabalhadores das diferentes linhas não são as mesmas?
A divisão na categoria é histórica e fruto dos interesses das burocracias sindicais. Atualmente existem dois blocos: um ligado à UGT que abrange os sindicatos das linhas 8 e 9 (Sorocabana) e 7 e 10 (Ferroviários de São Paulo); e outro ligado à CUT, com o Sindicato da Central do Brasil que representa os trabalhadores das linhas 11, 12 e 13. Essas divisões são completamente alheias à categoria, que já expressou diversas vezes o interesse de unificação da luta, que é comum a todos os ferroviários. Essas divisões respondem em primeiro lugar à busca de cada uma dessas direções de garantir uma fonte de renda a partir das bases territoriais e da legitimidade emanada não dos trabalhadores, mas sim do Estado burguês. Se assemelham a gangues que dividem as rendas por territórios.
Quando a assembleia aprovou a greve na noite de 23/8 para iniciar à meia-noite, a direção do sindicato não organizou nada. Nos parece evidente que inclusive não queriam que a greve de fato conseguisse paralisar as linhas. Você e outros companheiros chegaram a propor a eleição de um Comando de Greve, mas as direções sindicais rechaçaram essa proposta. Pode nos contar um pouco deste processo?
A proposta do Comando de Greve foi algo que levamos à frente a partir de uma discussão coletiva, não apenas nas assembleias do sindicato Central do Brasil, mas também nas assembleias dos demais sindicatos das outras linhas, e a proposta foi sistematicamente boicotada pelas direções que se recusaram a colocar em votação. A ideia do Comando consistia em justamente organizar uma greve combativa ao mesmo tempo em que permitiria momentaneamente colocar os trabalhadores em pé de igualdade com as direções na tomada de decisões. Significativo da greve do dia 24 foi o fato de o Comando de Greve ter se formado de maneira espontânea entre os trabalhadores da base. Em poucas horas, o Comando rejeitado pela direção do Sindicato da Central do Brasil surgiu da necessidade dos trabalhadores de organizar a greve. Importante dizer que, apesar das limitações desse tipo de improvisação, é correto afirmar que sem essa iniciativa da base a greve não teria tido a magnitude que teve.
Com os trens parados na manhã de 24/8, milhões de passageiros ficaram sem acesso a este modal de transporte e a pressão sobre o governo foi enorme. Como o governo reagiu a isso?
O Governo Doria, através de seu Secretário de Transportes, Alexandre Baldy, reagiu da única maneira que sabe: caluniando os trabalhadores e reprimindo o movimento. Durante horas, Baldy destilou seu veneno contra os ferroviários em todos os meios de comunicação que pôde, e, próximo ao meio-dia, anunciou que haviam sido efetuadas 10 demissões de grevistas para “dar o exemplo”. Importante dizer que todas essas demissões ocorreram entre os maquinistas, que foi o setor mais mobilizado para a greve. Além disso, no mesmo dia Baldy anunciou em seu twitter que irá privatizar as linhas 11, 12 e 13 da CPTM. É necessário ter a compreensão clara que, para além do caráter desprezível dos indivíduos envolvidos (Doria e Baldy), essa forma de lidar com o movimento dos trabalhadores é a expressão de toda uma época. Uma época de crise aguda e de um aumento no ritmo da luta de classes. O conjunto da classe trabalhadora pode esperar de todos os governantes burgueses, seja de qual partido forem, uma ferrenha repressão de nossas lutas em nome de salvar o capitalismo da crise que ele próprio criou.
Essa ameaça de demitir os grevistas e de privatizar as linhas paralisadas fez o movimento recuar?
Ao contrário, essa ameaça radicalizou o movimento, que passou a exigir da direção do Sindicato Central do Brasil a continuidade da greve enquanto Baldy não voltasse atrás das demissões.
Todos vimos a negociação entre um diretor do sindicato e o secretário de transportes do governo Doria mediada pelo Datena, ao vivo em rede nacional de TV. Era possível ver que o diretor do sindicato estava muito pressionado bela base a ser firme quanto à nova reivindicação de cancelamento das demissões. Pode nos contar como se deu esse processo? A assembleia estava mesmo reunida enquanto o diretor do sindicato discutia ao vivo na TV?
O que é muito interessante sobre esse processo é que, no decorrer do dia 24, o Sindicato Central do Brasil não soltou uma única nota sequer chamando os trabalhadores para o sindicato. Apenas o nosso Comitê de Luta Contra a Privatização chamou os trabalhadores. Se dependesse da direção do sindicato, a assembleia no momento das negociações estaria esvaziada. Felizmente não estava e todos os presentes fizeram uma pressão enorme pela continuidade da greve. Como o próprio diretor fez questão de reiterar diversas vezes na TV, “os trabalhadores que estão irredutíveis”, deixando claro que, se fosse por ele e a direção do sindicato, a greve já teria sido encerrada. Só aceitamos encerrar a greve quando ao vivo na TV em rede nacional o Baldy se comprometeu em dar o reajuste e cancelar as demissões.
No dia seguinte, você e outros 12 maquinistas continuavam demitidos. Ou seja, o governo não honrou a palavra do seu secretário de transportes proferida em rede nacional de TV no dia anterior de que as demissões seriam canceladas. Obviamente, diante disso, o sindicato deveria retomar a greve imediatamente. Qual foi a reação dos dirigentes sindicais?
A direção do sindicato se limitou – depois de muito barulho da base – a emitir uma nota genérica onde dizia “nenhum ferroviário fica para trás”, sem a indicação de uma data de nova assembleia ou qualquer medida concreta.
Qual foi a atitude do Comitê de Luta Contra a Privatização da CPTM que você coordena?
Nós começamos imediatamente uma agitação por uma assembleia extraordinária para retomar a greve imediatamente, que não apenas foi combatida pela direção como provocou sua fúria contra nós.
Nós partimos do entendimento que, a partir do momento que o Baldy desmarcou a reunião do dia seguinte, ele havia rompido unilateralmente com o acordo que havia firmado com a categoria e a direção do sindicato. Soma-se isso ao fato de o Baldy ter reconhecidamente uma prática desonesta de desrespeitar os acordos que firma ou de buscar outras formas de retaliação. Expressão clara disso foi o tratamento com os metroviários a partir da justíssima greve dos companheiros mais cedo esse ano.
O que fez o governo recuar e finalmente cancelar as demissões?
O nosso Comitê soltou um boletim na categoria chamando a retomada imediata da greve. Os dirigentes do sindicato ficaram muito assustados. Vieram dizer que o nosso boletim havia chegado nas mãos do governo e que a ameaça de uma nova greve estava causando muito mal estar. Oras, era justamente o que queríamos! Uma hora e meia depois de soltarmos nosso boletim, o Baldy diz em seu twitter que as demissões seriam canceladas como ele havia prometido na TV e pede calma aos trabalhadores. No dia seguinte fomos reintegrados. É óbvio que o que levou o governo a recuar foi a iminência da retomada da greve que foi expressa pelo nosso boletim e não pela direção do sindicato, que se recusou o tempo todo a sequer convocar uma nova assembleia.
Se os maquinistas grevistas não tivessem sido reintegrados ao trabalho na sexta-feira, você acredita que havia clima na categoria para transbordar a direção do sindicato novamente e deflagar outra greve?
Sem dúvida, a mobilização da categoria em torno dos demitidos foi intensa e sentida não apenas pelas direções sindicais, mas também pelo governo estadual. Havia disposição e plenas condições de retomar o movimento. Se a direção do sindicato chamasse uma nova assembleia tudo indica que a categoria compareceria em peso apoiando o seu sindicato. Por isso é ainda mais criminoso o corpo mole mostrado pelas direções que insistiam em deixar a categoria no escuro e à deriva, desperdiçando momentos valiosos.
Lucas, você já foi demitido duas vezes da CPTM e reintegrado duas vezes. As duas vezes claramente por perseguição política e prática anti-sindical por parte do governo Doria e da direção da CPTM. Na primeira vez você foi demitido por “justa causa” e só foi readmitido depois de uma vitória num processo na justiça do trabalho, certo? Mesmo assim, você não arredou o pé da luta. Que mensagem você pode dar aos trabalhadores e jovens que hoje veem os seus direitos e conquistas sendo atacados pelo governo Bolsonaro e a classe dos patrões?
Chamo todos os trabalhadores e jovens que desejam sinceramente transformar o mundo que também não arredem o pé! Nós somos a força e a esperança da construção de uma nova sociedade. Mas o que me deu forças para conseguir resistir a toda a perseguição e repressão foi ser membro de um coletivo fortíssimo em seu programa e métodos, que é a Esquerda Marxista.
O sistema capitalista esgotou suas possibilidades, os ataques que enfrentam os ferroviários e que levaram ao movimento grevista não são especiais a nós e afetam o conjunto da classe trabalhadora e da juventude. O que podemos esperar é um aprofundamento da crise econômica e ataques cada vez mais constantes e intensos aos nossos direitos. O exemplo claro do papel que jogam as direções sindicais atuais na desorganização dos ferroviários da CPTM também não é exclusividade da nossa categoria, corresponde a um problema estrutural do modelo de sindicalismo CLT, que amarra os sindicatos ao Estado burguês, o que propicia a formação de burocracias. Para enfrentar isso, como Lênin já explicou: “na luta contra a classe dominante a classe operária não conta com outra arma além de sua própria organização”.
Essas greves da CPTM mostraram que é possível superar a crise de direção do proletariado a partir de uma intervenção centralizada e firmemente localizada no terreno do marxismo revolucionário. Por isso chamo todos os ativistas trabalhadores e jovens a dar um passo na superação desse problema e construir a organização revolucionária do proletariado. Conhecer e se juntar à Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional, para construir a direção revolucionária capaz de organizar a luta em direção ao socialismo e a revolução internacional.