A vacinação dos brasileiros pelo imunizante contra a Covid-19 se transformou em um espetáculo midiático. No palco, Jair Bolsonaro (Sem partifo) e João Doria (PSDB) fazem uma prévia das eleições presidenciais de 2022. Enquanto o governo Bolsonaro avança a passos de tartaruga e faz esboços do início da vacinação de profissionais da saúde e membros do grupo de risco apenas para março1, Doria se adianta e anuncia um calendário próprio para janeiro2, ofertando também a vacina para qualquer um que queira ir até São Paulo recebê-la.
Mesmo o plano “otimista” do governador de São Paulo, que conta com a aprovação da Anvisa, é ainda assim um ultraje para qualquer um que analise os números da capacidade produtiva das duas principais fábricas públicas de vacina no Brasil: a localizada no Instituto Butantã, em São Paulo, e a Bio-Manguinhos/Fiocruz, no Rio de Janeiro.
Em junho, a Fiocruz anunciou oficialmente que poderia produzir 30,4 milhões de doses até dezembro, antes do término do ensaio clínica da vacina de Oxford3, o que representa, em nossas contas, duas doses para 7,23% da população brasileira (210 milhões). Além disso, sua linha de produção tem capacidade para 40 milhões de doses mensais, sem prejudicar a produção de nenhuma outra vacina4. Baseado nos números da própria Fiocruz, faremos uma contabilidade sobre a capacidade produtiva até março, caso ela estivesse sendo desenvolvida em pleno potencial pelo Estado.
Produção anunciada até janeiro (Bio-Manguinhos/Fiocruz)
- 30,4 milhões de doses da Oxford.
- Equivale a duas doses para 7,2% da população.
Produção prevista até março (Bio-Manguinhos/Fiocruz)
- 30 milhões de doses por mês, 90 milhões até março. Contabilizamos 30 milhões por mês, considerando que até março a capacidade produtiva total de 40 milhões não será alcançada.
- Equivale a duas doses para aproximadamente 21,4% da população.
Total até março (Bio-Manguinhos/Fiocruz)
- 120,4 milhões de doses.
- Equivale a duas doses para aproximadamente 28,6% da população.
Já o Instituto Butantã, em São Paulo, anunciou que até janeiro terá produzido 40 milhões de doses da CoronaVac, da fabricante chinesa Sinovac, sendo que receberá prontas 6 milhões de doses5. Segundo nota oficial do Instituto, a capacidade diária de envase da vacina é entre 600 mil e 1 milhão de doses por dia6, o que significa 30 milhões de doses por mês.
Produção anunciada até janeiro (Instituto Butantã)
- 46 milhões de doses, com 40 milhões fabricadas no Instituto e 6 milhões recebidas prontas.
- Equivale a duas doses para aproximadamente 11% da população brasileira.
Produção prevista até março (Instituto Butantã)
- 12 milhões de doses por mês, 36 milhões até março. Contabilizamos o total mensal pela capacidade mínima anunciada (600 mil por dia).
- Equivale a duas doses para aproximadamente 8,6% da população brasileira.
Total até março (Bio-Manguinhos/Fiocruz)
- 82 milhões de doses
- Equivale a duas doses para aproximadamente 19,6% da população brasileira
Portanto, levando em consideração a capacidade produtiva da Bio-Manguinhos/Friocruz e do Instituto Butantã divulgada pelas próprias instituições, até março poderíamos vacinar, em estimativas pessimistas para a produtividade das duas fábricas, aproximadamente 48,2% dos brasileiros com o envase da maioria das vacinas feita em território nacional.
Segundo estudo da Unifesp7, entre 34% e 54% dos brasileiros fazem parte do grupo de risco. Sendo assim, até março temos capacidade produtiva para vacinar, com duas doses, ao menos todo o grupo de risco, profissionais da saúde, indígenas e quilombolas. Até junho, considerando a mesma capacidade produtiva acima, e sem levar em conta a importação de vacinas prontas e expansão da capacidade produtiva, é possível vacinar 100% da população.
A contabilidade realizada neste artigo é pessimista, ou seja, leva em conta a menor produtividade possível das fábricas brasileiras, que pode ser causada por problemas de logística, atrasos de fornecedores, e imprevistos quaisquer, assim como considera um baixo número ou a não importação de doses já prontas, como de fábricas estrangeiras da Pfizer, Sputnik V, e outras em desenvolvimento.
Até junho é possível afirmar, com segurança, que há condições objetivas para que todos os brasileiros (210 milhões) recebam as duas doses do imunizante contra a Covid-19. Se considerarmos a pesquisa da XP/Ipespe de novembro8, que mostra que apenas 66% dos brasileiros afirmaram que com certeza irão se vacinar, temos um cenário ainda mais veloz: até abril todos os brasileiros podem ser imunizados.
Entretanto, uma análise realizada pela consultoria britânica Airfinit, que focou nos acordos atuais do governo brasileiro com as empresas criadoras das vacinas, o Brasil teria imunizado 67% da população apenas em dezembro de 20229. Dois anos após o início da pandemia!
Paulo Guedes anunciou, no início de março, um pacote de R$ 1,2 trilhão para salvar os bancos e grandes empresas10, incluindo compra de 2,9 bilhões em títulos podres11. E os “milhões” e “bilhões” (20 bilhões, para sermos exatos12) para imunizar os brasileiros desenvolvendo fábricas, tecnologia, logística e capacitando profissionais?
Está posta a olho nu a função do Estado burguês. Para aliviar banqueiros e capitalistas da crise do sistema, até lixo o Banco Central compra, e imediatamente. Enquanto isso, para os trabalhadores, que não tem outra saída a não ser se espremerem em transportes públicos lotados e continuar trabalhando indo às ruas – para os que têm emprego e não estão de “home office” –, sobra uma longa caminhada até dezembro de 2022, restando para a maioria da população contar com a sorte, paciência, levar as mãos, máscara, distanciamento e álcool em gel.
Está aberta a perspectiva, diante da distância entre capacidade produtiva e intenção política dos governos do capital, de que a luta pelo direito à imunização se transforme em pauta política de um movimento de massas. Mais do que isso, a reivindicação “Vacina já!” constrói uma ponte entre a reivindicação imediata e urgente pela imunização, e um programa revolucionário que aponte a necessidade do socialismo. Se o Estado não se interessa em ter “altos gastos” para uma imunização eficaz e rápida, que os trabalhadores tomem as fábricas, os bancos e construam seu próprio futuro.
- Fora Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!
- Vacina Já!
1 <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-12-09/pressionado-pazuello-fala-em-adiantar-vacinacao-mas-esboco-de-plano-do-governo-nao-preve-datas.html>
2 <https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/12/09/doria-coronavac-anvisa.htm>
3 <https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/11/05/vacina-de-oxford-plano-da-fiocruz-e-ter-30-milhoes-de-doses-prontas-em-janeiro>
4 <https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-fiocruz-firmara-acordo-para-produzir-vacina-da-universidade-de-oxford>
5 <https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-12/instituto-butantan-inicia-producao-da-vacina-coronavac>
6 <https://butantan.gov.br/noticias/sp-inicia-producao-brasileira-de-vacina-do-butantan>
7 <https://www.unifesp.br/noticias-anteriores/item/4461-86-milhoes-de-adultos-brasileiros-estao-no-grupo-de-risco-para-covid-19>
8 <https://jovempan.com.br/noticias/brasil/rejeicao-a-vacina-da-covid-19-aumenta-no-brasil-especialistas-atribuem-alta-a-politizacao-e-falas-de-bolsonaro.html>
9 <https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/12/10/com-acordos-atuais-de-vacinas-brasil-so-atingira-imunidade-no-fim-de-2022.htm>
10 <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/03/24/internas_economia,836224/pacote-anunciado-pelo-governo-deve-liberar-r-1-2-trilhao-aos-bancos.shtml>
11 <https://www.brasildefato.com.br/2020/09/01/o-que-esta-por-tras-da-venda-de-titulos-de-creditos-do-banco-do-brasil-para-o-btg>
12 <https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2020/12/4894436-vacinacao-em-massa-vai-custar-rs-20-bilhoes-diz-guedes.html>