Foi assassinado na segunda-feira (18/5), como consequência de uma operação conjunta da Polícia Civil e da Polícia Federal em São Gonçalo, Rio de Janeiro, “só mais um” João Pedro. O tribunal de exceção foi armado e em poucos minutos, talvez segundos, a pena foi executada. Parafraseando a música “Rap Do Silva”, João, com 14 anos de idade, foi impedido de fazer sua estrela brilhar. Corações acelerados, tiros de rifles automáticos que podem vir de todos os lados, inclusive dos céus, mãos na cabeça e peitos colados no chão. Não há lugar seguro, nem dentro da própria casa. Quando a polícia entra na favela, todos os moradores sabem que foi declarado estado de sítio e imposto um tribunal de exceção. Neilton Pinto, pai de João Pedro, desabafou em entrevista:
“Um jovem de 14 anos, um jovem com um futuro brilhante pela frente, que já sabia o que queria do seu futuro. Mas, infelizmente a polícia interrompeu o sonho do meu filho. A polícia chegou lá de uma maneira cruel, atirando, jogando granada, sem perguntar quem era.”
Tudo segue normal na favela, tirando pela grande exposição do caso João Pedro na mídia, que desviou a atenção das reportagens repetidas sobre o sangue que para de circular devido à Covid-19 para causar maiores picos de audiência com o sangue derramado de uma criança. Fora dos noticiários, diariamente, muitos outros Pedros, Joões e Silvas, continuam perdendo suas vidas pelas mãos das forças de segurança pública. Eles não dormirão mais com suas famílias. Pouco importa se a morte ocorre pelas mãos da polícia militar, civil, federal, ou pelas mãos de grupos armados que terceirizam a segurança pública para o Estado, como faz o PCC em São Paulo ou as milícias parapoliciais no Rio de Janeiro. Na favela a morte é mais matada do que morrida.
A pena de morte para suspeitos não está no texto da lei, mas ela existe no Brasil. Há até tipificação informal sobre quem deve ser colocado sob suspeita, capturado, ou mesmo julgado sem captura, seja à céu aberto ou dentro de alguma casa invadida com truculência. Em primeiro lugar, a polícia verifica se está pisando em uma favela. Se sim, todos são potencialmente suspeitos. Depois, a polícia precisa constatar a cor da pele de quem cruza seu caminho. Por último, confirma rapidamente pelo jeito de andar, falar, vestir e cortar o cabelo se pode executar a pena.
Se o julgamento do suspeito ocorrerá em um piscar de olhos, sob forte emoção, ou sob intensa e longa tortura na busca por informações, depende muito do fator “subjetivo” do agente. Muitos que passam pelo caminho do agente terão sorte e serão absolvidos ou perdoados. Compreensível: policiais são humanos, eles erram. Por isso estão sempre reclamando que matam pouca gente, erram muito.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, além de querer disparar um míssil contra a favela Cidade de Deus, deu uma importante dica no ano passado: informou que quem estiver com a bíblia na mão, ao invés de um fuzil, não será morto pela polícia. Aceitamos de bom grado a sugestão do governador. Entretanto, até agora os favelados continuam aguardando o recebimento das bíblias a prova de balas.
Mas por que a polícia é tão truculenta? Se vivemos em uma sociedade em crise, cada vez mais desigual, baseada na propriedade capitalista que acumula na mão de alguns e reproduz a pobreza para milhares, faz-se necessário uma instituição especial de repressão para proteger as relações sociais de produção que beneficiam estes alguns. Essa instituição é mais ou menos repressiva em cada país de acordo com o tamanho da miséria ou da força da burguesia nativa. Em países atrasados como o Brasil, é comum que o Estado governe diretamente nos locais mais pobres pelo poder do fuzil, que é posto na mão de serviçais bem alimentados, armados até os dentes, e que foram treinados para se tornarem monstros1.
Enquanto não houver uma transformação radical da sociedade, isto é, uma revolução social que torne a maioria trabalhadora em classe dominante, para que a riqueza se multiplique para além dos limites artificiais impostos pela propriedade privada, a polícia continuará praticando o genocídio nos bairros pobres e operários. E polícia não está só. Ela tem atrás de si, prestando todo o apoio necessário, os generais das forças armadas, o judiciário e as casas parlamentares. “Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia”2.
Referências:
1 Rodrigo Nogueira, ex-policial militar, relata em seu livro “Como Nascem os Monstros” seu percurso na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), mostrando por relatos de experiências “não-ficcionais” como um jovem idealista estudante de direito pode ser transformado em poucos anos em um excelente sequestrador e homicida.
2 Trecho da música “Polícia”, da banda Titãs.