Desde que Macron foi eleito, esse garoto propaganda do liberalismo europeu e autodenominado presidente jupiteriano[1] viu sua popularidade declinar constantemente à medida em que sua fachada eleitoral desmorona. A maioria dos eleitores franceses (57%) está agora “insatisfeita” com o desempenho do presidente, razão por que seus índices de aprovação são os mais baixos para qualquer presidente entrante desde 1995, depois de quatro meses na função.
Isso, naturalmente, não é surpresa para ninguém, visto que Macron foi pego em uma série de gafes políticas, desde suas observações racistas sobre os refugiados até o gasto de € 26 mil euros em maquiagem. Macron repetidamente se mostrou totalmente fora de sintonia com o povo francês. Esse ex-banqueiro colocou-se firmemente dentro dos bolsos das grandes empresas e dos capitalistas, mas agora, de forma mais insidiosa, está começando a desencadear ataques contra os trabalhadores franceses. O chamado salvador do centro liberal na Europa foi afetado pelas realidades de um sistema econômico que está enfrentando uma crise financeira e política, e seus índices de aprovação continuarão, portanto, em queda livre.
Reforma Trabalhista
Agindo no interesse da classe capitalista francesa, Macron buscará fazer o que Sarkozy e Hollande não conseguiram fazer no passado: revisar as leis trabalhistas da França. A história da classe trabalhadora francesa é uma história de radicalização e luta de classes. Os trabalhadores da França conquistaram muitas concessões da burguesia no período do pós-guerra, incluindo leis trabalhistas favoráveis e direitos sindicais que a burguesia até agora não conseguiu remover completamente. No entanto, nesse período de crise financeira os capitalistas não podem mais se permitir essas concessões e estamos vendo uma amarga tentativa de sua parte para retomá-las. Porém, quaisquer ataques realizados pela burguesia alterarão enormemente a dinâmica social e política na França e abrirão o país a um período de intensa luta política.
As mudanças propostas no código trabalhista francês de 3 mil páginas foram reveladas recentemente pelo primeiro-ministro, Édouard Phillippe, na quinta-feira, 31 de agosto. Macron quer que o parlamento vote a nova legislação na próxima sessão parlamentar e, devido à maioria da coalizão de seu partido conquistada na última eleição geral, certamente impulsionará esses ataques. Para os trabalhadores franceses esse será o terceiro ataque sobre seus direitos nos anos recentes. As mudanças pretendem dar aos capitalistas franceses mais “flexibilidade”, o que significa maior capacidade para demitir trabalhadores e negociar piores condições e pagamentos em uma típica corrida em marcha ré.
As reformas anunciadas pelo primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, incluem algumas medidas básicas:
Primeiramente reduz o prazo, de dois a um ano, para os trabalhadores apresentarem um caso de demissão injustificada nos tribunais de trabalho “Prud’hommes”. Também limita a indenização que os trabalhadores podem receber nesses casos de demissão. A indenização limite também será proporcional ao salário mensal e ao tempo em que a pessoa em questão trabalhou para a empresa, começando com três meses de salário para empregados com mais de 30 anos de serviço. Isso prepara claramente o terreno para as demissões em massa que podem ocorrer nos próximos anos.
Em segundo lugar, em algumas questões como bonificações do pessoal, duração dos contratos de prazo fixo e renovação do contrato de trabalho, as empresas não estarão mais submetidas à legislação nacional. Essas questões podem ser resolvidas ao nível da empresa ou da indústria, o que significará uma grave piora das condições para os trabalhadores, já que a forte posição que os trabalhadores franceses uma vez tiveram em nível nacional será completamente socavada.
Para as pequenas empresas com menos de 50 empregados, estas agora podem excluir os sindicatos e os acordos de negociação coletiva da indústria durante as negociações e estabelecer contato direto com os trabalhadores sobre uma série de questões, incluindo a remuneração e o horário de trabalho. Há também uma pressão crescente de grupos empresariais e lobistas para que essas medidas também se apliquem em empresas com menos de 300 empregados.
As anteriores fortes leis sobre demissões da França também serão completamente minadas, visto que agora se tornará mais fácil para as empresas oferecer demissões voluntárias. As multinacionais também enfrentarão menos obstáculos para demitir funcionários franceses. Atualmente, os grupos internacionais têm que oferecer empregos aos trabalhadores franceses em operações no exterior, isso será completamente descartado. Os órgãos de representação dos trabalhadores dentro das empresas se compunham anteriormente de três comitês separados, mas agora se verão obrigados a se fundir em um único órgão.
O presidente das grandes empresas
O capitalismo francês está ficando para trás na concorrência internacional, em particular contra outros países europeus como a Alemanha. Em períodos anteriores, a classe dominante tinha a opção de desvalorizar sua moeda para impulsionar temporariamente a economia, mas com a introdução do euro isso não é mais uma opção. Em vez disso, o que resta é a “desvalorização interna”, isto é, diminuir forçosamente o custo de produção atacando a classe trabalhadora. Outros países europeus, como a Grã-Bretanha, a Itália e a Alemanha, já realizaram ataques semelhantes. Então quando Macron faz esses apelos por “reforma” sob o pretexto da modernização, o que ele quer dizer é atacar e derrotar os trabalhadores franceses e levá-los a contratos de zero horas e a salários de pobreza como no restante da Europa. Ele está tentando acompanhar as demais classes capitalistas europeias.
Macron tentou justificar as medidas dizendo: “Somos a única economia importante da União Europeia que não venceu o desemprego em massa em mais de três décadas”. De fato, Macron está culpando os trabalhadores, supostamente demasiado bem pagos, pelo desemprego. Ele prometeu reduzir drasticamente o desemprego em sete pontos percentuais até 2022. Tudo isso deve ser alcançado atacando as condições de vida, a remuneração e a segurança no emprego. Do ponto de vista da classe capitalista, apertar a classe trabalhadora se tornou necessário para manter os lucros e a “competitividade”. Mas um nível de vida mais baixo não resolverá a crise. De fato, ao reduzir a demanda, somente a aumentará.
Situação política na França
A eleição presidencial em maio viu Macron chegar ao poder contra a Frente Nacional de direita. Os dois candidatos no segundo turno, tão divorciados politicamente da realidade do povo francês, significou que cerca de 37% do eleitorado não votou por nenhum deles. Muitos outros se permitiram votar por Macron somente para manter a reacionária Le Pen fora do cargo. Os 66,1% de votos que Macron assegurou foram uma pequena indicação de sua popularidade real. De fato, nas ruas, as camadas politicamente mais avançadas das massas e da juventude começaram a se reunir em torno das palavras de ordem: “Nem o banqueiro, nem a racista!” e “O real anti-establishment somos nós!”. Após anos de traições e de ziguezagues oportunistas dos partidos socialista e comunista, a única alternativa real de esquerda naquelas eleições foi Jean-Luc Mélenchon. Infelizmente, ele não chegou à votação do segundo turno por uns poucos pontos percentuais, do contrário o resultado poderia ser bem diferente para Macron.
Em junho, um mês mais tarde, as eleições legislativas francesas impulsionaram a coalizão liberal de Macron a uma maioria total, ganhando gritantes 350 assentos de um total de 557. Sozinho, seu partido ganhou uma grande maioria de 308 assentos. Tal como na eleição presidencial, isso se produziu na base do colapso dos voto das anteriores coalizões políticas, os “Republicanos” de direita, e o declínio massivo da coalizão de centro-esquerda liderada pelo Partido Socialista Francês. No primeiro turno, essas coalizões perderam 13% e 30% dos votos, respectivamente. O Partido Socialista perdeu quase toda a credibilidade e inevitavelmente se engajará no movimento de Macron, assim como o Partido Comunista Francês, que escandalosamente pediu o voto por Macron durante a eleição presidencial.
A “Frente Nacional” de Marine Le Pen também sofreu pequenas perdas nas eleições legislativas. De fato, os dois únicos partidos que obtiveram ganhos foram os dois partidos recém-formados: o “En Marche”, de Macron, e o anti-austeridade “A França Insubmissa”, de Mélenchon. Essa é uma indicação clara do nível de descontentamento das massas que perderam a fé no antigo establishment político e estão buscando uma forma de escapar do beco sem saída.
Assim como o declínio de Sarkozy viu o Partido Socialista e François Hollande chegarem ao poder em 2012, sob o pretexto de uma mensagem anti-austeridade e a favor dos trabalhadores, Macron teve que se apresentar como uma figura anti-establishment. Naturalmente, nada poderia estar mais longe da verdade. Se há alguma diferença entre Macron e Hollande, é que Macron apenas está mais em sintonia com a classe dominante. A presidência de Hollande, que continuou a trair a classe trabalhadora, viu suas taxas de aprovação em pesquisas caírem a miseráveis 4%. A popularidade de Macron está declinando ainda mais rápido e isso ainda antes de começar a implementar o seu programa. O próprio Hollande apoiou Macron na corrida presidencial e suas diferenças superficiais em política partidária são apenas um disfarce para sua similaridade subjacente. Todos os ataques contra a classe trabalhadora realizados pela administração anterior, incluindo as leis trabalhistas, os cortes orçamentários e as dezenas de bilhões de euros pagos como subsídios às grandes empresas, sem dúvida continuarão e, de fato, piorarão. Macron acelerará o que Hollande iniciou impulsionando as reformas trabalhistas e a privatização. Isso, por sua vez, levará a tensões crescentes com a classe trabalhadora, cujos líderes serão forçados a agir. A crise orgânica do capitalismo significa que o confronto de classes é inevitável e que o bastão apenas foi passado para Macron.
A resposta da classe trabalhadora
À medida em que as propostas da reforma trabalhista foram anunciadas, pequenos protestos irromperam no subúrbio parisiense de Jouy-en Josas, convocados pelas federações sindicais mais esquerdistas da Confederação Geral do Trabalho (CGT) e da Solidaires [Solidaires Unitaires Démocratiques], que reuniram umas poucas centenas de ativistas. Um manifestante disse: “Macron representa os grandes patrões e os que querem cortar os serviços públicos, a proteção social e tudo que foi conquistado pelos trabalhadores”. Outro insistiu: “A questão é ideológica… para poder demitir mais facilmente os trabalhadores e deter o trabalho. De fato, ele quer se livrar completamente de tudo o que protege o empregado”. Um dia nacional de ação com 65 manifestações foi convocado para 12 de setembro.
No Verão passado, sob a pressão das fileiras, os líderes sindicais reagiram à proposta de reforma trabalhista de Hollande com grandes protestos e greves. Dessa vez, dois dos três maiores sindicatos, a mais moderada Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT) e o terceiro maior sindicato, Force Ouvrière, ofereceram uma crítica tímida diante desses ataques e descartaram as greves e os protestos. Essa é uma clara traição à classe trabalhadora que está enfrentando ataques brutais às suas condições de vida.
A raiva abunda entre os trabalhadores e os jovens franceses. Anos de austeridade e de queda dos padrões de vida prepararam o terreno para grandes explosões. Os novos ataques somente acelerarão esse processo de radicalização. As massas estão dispostas a lutar. Mas greves e protestos isolados claramente não são suficientes, como vimos no ano passado. Os “dias de ação”, que já vemos sendo planejados para setembro, não deterão por si só a nova determinação dos patrões e de seu porta-voz, Macron. É preciso que os líderes sindicais intensifiquem a luta e passem de greves de um dia à preparação de greves por tempo indeterminado.
Não está claro o que acontecerá no próximo período e como a organização da contraofensiva dos trabalhadores se materializará. No entanto, podemos estar certos de que a classe trabalhadora não aceitará esses ataques sem uma reação. Jean-Luc Mélenchon pediu aos seus seguidores que se juntem aos protestos planejados. Ele também pediu uma manifestação política de massas em Paris em 23 de setembro. Sua frente política, o movimento “França Insubmissa”, poderia se transformar em um ponto focal para a crescente radicalização dentro da sociedade. O tempo é propício para se lançar uma campanha ousada e radical com estratégia clara para ganhar o poder no próximo período. Uma verdadeira alternativa socialista é o único remédio contra Le Pen e a FN, que sem dúvida também tratarão de ganhar apoio aproveitando o crescimento das políticas anti-establishment. Uma campanha radical poderia atrair os numerosos trabalhadores e desempregados que foram ganhos por Le Pen, não necessariamente pela força de seu programa, mas por desgosto devido à impotência e à corrupção dos partidos do establishment. Uma luta séria contra a classe dominante, seja ela representada por Macron ou Le Pen, deve ser elevada em torno da mobilização da juventude e dos trabalhadores na base de um programa socialista que explique as causas fundamentais da crise atual, todas elas enraizadas no sistema capitalista. Somente uma ruptura com esse sistema pode resolver os problemas enfrentados pelos trabalhadores e jovens da França.
[1] Alusão a Júpiter, o deus dos deuses – NDT.
Artigo publicado em 5 de setembro de 2017, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Macron loses his shine as he prepares to attack workers“.
Tradução Fabiano Leite.