O artigo que segue afirma que no Irã: mesmo uma greve relativamente pequena, rapidamente adquire um caráter político e é forçada a, de alguma maneira, enfrentar o governo e o estado, a luta pela organização independente está surgindo
Desde domingo, dia 25 de Setembro, mais de 6000 trabalhadores temporários do complexo petroquímico Bandar Imam – a 14ª maior empresa do Irã, com base nos relatórios de vendas – na parte sudeste do Irã, estão em greve. Em solidariedade a eles, trabalhadores de, pelo menos quatro outras usinas petroquímicas na “Zona Econômica Especial Petroquímica” (PETZONE), que abriga um dos maiores complexos petroquímicos do Irã, se envolveram no conflito.
Por mais de 10 dias os trabalhadores realizaram manifestações nas ruas do complexo e na praça principal de frente ao prédio da administração. Os slogans que eles estão gritando são: “Nós não iremos embora até conseguirmos resultados”, “benefícios são nossos direitos”, “não fique com medo, estamos todos juntos aqui”, “Tirar os direitos de um trabalhador é trair o país” e “Por quanto tempo a discriminação contra os trabalhadores continuará?”
O contexto do conflito
A luta massiva é a continuação de um movimento que se intensificou no mês de abril, quando mais de 10.000 trabalhadores fizeram greve por mais de 13 dias exigindo o fim do trabalho temporário no complexo. Em abril a administração prometeu atender as demandas dos trabalhadores, mas afirmou que era necessário um período de seis meses para fazer as preparações necessárias. O fim daquele período chegou em 24 de Setembro e os trabalhadores ainda nem ouviram falar nada nem da administração nem do governador da província, sendo que ambos prometeram atender as exigências dos trabalhadores.
Na verdade os trabalhadores estavam atacando em seus slogans especificamente o governador de Mahshahr, Manouchehr Hayati, porque em abril ele fez a seguinte declaração: “Depois do acordo que nós fizemos – a administração do complexo Bandar Imam, e eu como o representante de Mahshahr, o gerente-diretor do complexo Bandar Imam, o Conselho de Segurança de Mahshahr e os representantes dos trabalhadores –, eu assegurarei pessoalmente seu cumprimento. Eu prometo a todos vocês trabalhadores, que se a aprovação do governo não estiver definida até 23 de Setembro, eu me juntarei a vocês no seu protesto. E eu sou homem de cumprir minha palavra…”
Claro, em 23 de setembro, não é necessário explicar, não havia nem sinal do governador nem de suas promessas. Em vez disso a administração pediu mais 15 dias para resolver as questões. Mas os trabalhadores, tendo aprendido com suas próprias experiências e com a experiência das principais greves ocorridas no Irã nos últimos 2 e 3 anos, corretamente não confiam na administração. Eles entendem que a administração das empresas apenas usa estes adiamentos para ganhar tempo e manobrar, desagrupar e minar a luta dos trabalhadores. Os trabalhadores sabem que os administradores não têm nenhuma intenção de atender suas demandas.
No dia 24 de setembro decidiram iniciar uma greve por tempo indeterminado, até que suas exigências sejam plenamente atendidas.
Interrupção da produção
Os trabalhadores estão com o objetivo de parar completamente a produção e parece que eles estão tendo êxito, especialmente porque uma série de serviços de manutenção importantes e trabalhos de reparos estão se acumulando e entupindo a produção de petróleo que já está com uma redução significativa.
A empresa, por outro lado, tem usado várias táticas para acabar com a greve. Inicialmente ignoraram a greve, e forçaram os trabalhadores permanentes a fazerem o trabalho dos temporários. Mas os trabalhadores permanentes resistiram e em uma das unidades de envasamento (tarefa esta realizada pelos temporários) os trabalhadores permanentes até quebraram algumas das máquinas e entraram então em conflito com a administração daquela unidade.
A administração também tentou trazer trabalhadores de fora para cobrir a jornada no envasamento. Mas assim que eles souberam da greve, eles imediatamente tiraram seus uniformes e se recusaram a realizar o trabalho.
Depois disso a administração começou a por as mangas de fora e no sétimo dia de luta a segurança da empresa, com clara coordenação da agência de inteligência do estado, prendeu três dos principais líderes da greve. Este ato, no entanto, parece ter provocado ainda mais os trabalhadores cuja fúria forçou as forças de segurança a libertarem seus lideres presos. Os trabalhadores, apesar da feroz repressão, mantiveram suas trincheiras e a greve continuou.
A luta alcança um nível superior
Pela luta os trabalhadores entenderam a tática e estratégia necessária para a organização permanente de um fundo de greve. Na semana passada eles anunciaram que estavam organizando um comitê oficial da greve e um caixa para a greve. O objetivo do comitê é organizar um sindicato independente.
O anúncio diz:
“Saudações aos trabalhadores e à luta por suas reivindicações. Este comunicado é para anunciar a formação do comitê de greve no complexo petroquímico de Bandar Imam em Mahshahr. Os trabalhadores começaram uma longa greve para alcançar seus direitos, para abolir todos os trabalhos subcontratados, para alcançar um contrato [permanente] direto, e neste sentido conseguir a aprovação [oficial] do estado. Nós chegamos à conclusão que sem organização e coordenação não conseguiremos nada. Mesmo se nossa greve for bem sucedida e alcançar alguns resultados, nós não conseguiremos manter estes resultados sem organização e estrutura. Assim, em primeira instância, nomeamos um comitê e esperamos ajuda e apoio de todos, dentro ou fora do país. Devemos destacar que o primeiro ato deste comitê foi fazer um fundo de greve para os trabalhadores de Mahshahr. Gostaríamos de agradecer a cada um por sua ajuda, mas também esperamos que seu apoio não seja limitado a escrever declarações – mas que de fato nos ajudem com atos – para que consigamos nosso objetivo final de organizar um sindicato independente pertencente a todos os trabalhadores de Mahshahr.
Na esperança de sucesso,
Comitê de Greve do Complexo Petroquímico de Mahshahr.”
O resultado da greve ainda não está claro, mas muitos elementos na situação indicam que os trabalhadores estão em boas condições para vencer a luta. Primeiro de tudo, eles estão em condições de manter a empresa parada, o que causará graves prejuízos econômicos. Segundo, e mais importante, a luta é na indústria petroquímica, a qual nos últimos anos se tornou um setor estrategicamente importante para o regime iraniano. Devido às sanções impostas ao regime, ele foi forçado a refinar seu próprio petróleo, embora a um preço muito mais alto que em uma refinaria normal, nas usinas do país. Então se os trabalhadores temporários conseguirem ligar a sua luta com a dos trabalhadores permanentes da fábrica e com o resto da indústria, terão uma boa chance de pressionar suficientemente o regime para que ele tenha que atender as suas exigências.
Descontentamento latente
O regime teme tal cenário, pois este imediatamente ergueria a confiança da classe trabalhadora como um todo e abriria as comportas para a ação da classe trabalhadora, em escala massiva.
O descontentamento é latente dentro da sociedade iraniana. Embora o movimento em 2009 tenha sido derrotado, nenhuma das contradições foi resolvida. O desemprego disparou, e segundo até mesmo as estatísticas oficiais, que são fortemente maquiadas, o subemprego (os desempregados e as horas não trabalhadas dos trabalhadores com meio período, juntos) chega a mais de 34%. Ao mesmo tempo a inflação oficial está a 17,5%, enquanto o salário mínimo subiu apenas 9%. O fato é que a taxa de inflação para produtos comprados pelas camadas mais pobres não é nunca anunciada porque, na realidade é muito mais alta. O preço do pão mais do que quadruplicou em relação ao ano passado, pois o governo aplicou cortes em subsídios sobre os produtos básicos.
Toda a situação está amadurecendo a um nível ainda mais alto do que era o antes das eleições de 2009. Embora o regime tenha conseguido manter o controle de Teerã, que era o centro das atividades no movimento de 2009, erupções continuam a acontecer em outras partes do país.
Minaa Saadadi em uma nota interessante no Shahrzaadnews.org explicou em 13 de Setembro:
“A antiga cidade de Uromieh no oeste do Irã está na vanguarda desta nova rodada de protesto contra o governo. A Unesco-listed avisou que o Lago Uromieh, o segundo maior lago salgado do mundo, corre o risco de secar completamente, e milhares de moradores locais tomaram as ruas, culpando as políticas do regime pelo desastre ambiental. Os protestos se tornaram mais generalizados e violentos na semana passada quando o Majles (parlamento) recusou a aprovar um projeto de lei de emergência para salvar o lago. Os manifestantes então usaram a realização de uma partida de futebol americano entre Teerã e Tabriz para invadir o estádio, gritando slogans contra o governo e confrontando as forças de segurança. Protestos similares e confrontos com a polícia foram noticiados como existentes nas cidades próximas de Khoi, Miandoab e Maraghe. Centenas de pessoas foram presas até agora. Em regiões curdas manifestantes entraram em confronto com as forças de segurança durante manifestações nas ruas contra a continuação do bombardeio de vilas curdas pelas forças iranianas e turcas.”
Houve um claro aumento nas atividades de greves. Toda semana ocorrem relatos de que centenas de trabalhadores estão fazendo greves para lutar por contratos permanentes, pelo pagamento de salários atrasados e contra o fechamento de fábricas.
O Jornal Notícias do Trabalho do Irã comunica:
“Em 5 de setembro, trabalhadores da Zhavehdan no Curdistão entraram em greve em protesto pelo não pagamento de salários atrasados, alguns com seis meses. Os trabalhadores indicaram que eles continuariam a greve até que recebessem a devida compensação.”
“200 trabalhadores da Pars Paper também se reuniram próximo ao escritório do governador da província de Shoush protestando pelo não pagamento de salários. A fábrica já empregou mais de 3000 trabalhadores permanentes e contratados. A força de trabalho encolheu agora para apenas 700.”
“600 professores contratados que foram expulsos, manifestaram-se perto dos escritórios do presidente e diretor de recursos humanos, protestando contra suas expulsões. Os professores têm entre 1 a 10 anos de experiência de ensino. Antes, em agosto, professores manifestaram-se pela terceira vez ao lado do prédio do Parlamento, reclamando do modo como os exames de admissão eram realizados. Eles pediam que mais professores contratados fossem empregados permanentemente pelo Ministério da Educação.”
“Trinta trabalhadores da fábrica metalúrgica Abhar, representando 230 trabalhadores, se reuniram ao lado da residência do governador Zanjan. Estes trabalhadores estavam se manifestando pelo não pagamento de benefícios não recebidos nos últimos dois anos.”
“Trabalhadores da fábrica de Aço Meibod fizeram manifestações por três dias consecutivos ao redor da mansão do prefeito da cidade (Meibod) exigindo seus benefícios de volta após o fechamento da fábrica ocorrido há 10 meses. Os trabalhadores representam outros 500 que perderam seus empregos depois das privatizações, eles são 46% da fábrica. A fábrica de Aços Meibod começou suas operações em 2004, produzia 300 mil toneladas de ferro fundido cinzento para o mercado interno e 72 mil toneladas de aço que eram exportadas para a Coréia do Sul, Tailândia e China.”
“Um grupo de trabalhadores do Irã Khodro Diesel fez recentemente um protesto perto do Tribunal da Justiça Administrativa na cidade de Teerã, contra uma decisão que efetivamente puniu-os por meio de ações administrativas que estavam erradas. A decisão seguinte foi a dos processos contra a Trailers Howo, que pedia o fechamento das contas e o corte de fornecimento de água e eletricidade na fábrica. Os trabalhadores protestaram porque essas ações resultariam na perda de seus empregos, o que já tinha acontecido com a linha de produção de ônibus naquela fábrica.”
Até agora, estas lutas estão dispersas e isoladas, e na maioria das vezes na defensiva e com caráter econômico. Eles também, na maioria das vezes, não atraem todos os trabalhadores, mas como ocorreu Mahshahr, apenas os elementos mais oprimidos, como os trabalhadores temporários, trabalhadores de manutenção, etc.
Mas está claro que em certo estágio, assim que os trabalhadores tornarem-se mais e mais conscientes de seu próprio papel, estas lutas irão adquirir um caráter mais geral e político. Como podemos ver na luta em Mahshahr, mesmo uma greve relativamente pequena, rapidamente adquire um caráter político e é forçada a, de alguma maneira, enfrentar o governo e o estado.
Em 2009, como foi confirmado depois nos movimentos egípcios e tunisianos, a maior fraqueza da luta de massas contra o regime iraniano era a falta de participação independente da classe trabalhadora. Mas dentro dos atuais desenvolvimentos encontra-se a chave para o reavivamento do movimento revolucionário no Irã em um nível qualitativamente mais elevado.
Tradução: Marcela Anita