Na última terça-feira (14/03) o Projeto de Lei 221/2014, intitulado em todo o Brasil como Lei da Mordaça, foi arquivado em Joinville. Projetos como este ainda tramitam em diversas câmaras municipais, assembleias legislativas estaduais (inclusive na de Santa Catarina) e no Congresso Nacional. Em todo o Brasil, a Organização Não Governamental (ONG) “Escola Sem Partido” incita legislações como esta, ou seja, busca impor a limitação ao acesso ao conhecimento nas escolas de todo Brasil e cercear o direito de livre expressão, discussão e pesquisa dos mais diversos temas nas entidades de ensino.
O combate a estes projetos foi nacionalmente organizado pela organização de juventude Liberdade e Luta, apoiada por diversas entidades e ganhou grande repercussão nacional. Em Joinville a campanha tomou corpo, várias entidades a assumiram. Destacam-se o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville e Região (Sinsej), o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte/Regional Joinville), a União Joinvilense de Estudantes Secundaristas (UJES), o DCE do Ielusc Florestan Fernandes, o Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz e o Partido Socialismo e Liberdade, além de diversos outros agrupamentos que colaboraram em toda a cidade. A Luta foi árdua, houve colocação outdoors pela cidade, vídeos explicativos, dezenas de discussões e assembleias em praças, universidades, escolas, acompanhamento das comissões que analisaram o projeto, visita aos parlamentares e mobilização para audiência pública, na qual centenas de jovens e trabalhadores lotaram a Câmara de Vereadores de Joinville. O resultado foi a vitória.
A Esquerda Marxista impulsionou seus militantes em todos os espaços que organiza, na busca de discutir a lei e a necessidade de derrotá-la. Essa vitória não só é um ânimo para todos os jovens e trabalhadores que tanto se empenharam na luta, mas também serve como exemplo de que com organização e uma luta incansável é possível chegar à vitória.
A luta Continua
O projeto continua tramitando em diversas cidades e em Brasília. Muito ainda se tem a fazer, é preciso intensificar a campanha, explicando que essa lei não só impede o acesso ao conhecimento, o que por si só é um retrocesso à Idade Média. Mas também, e, talvez, o mais cruel, tendo em vista o momento político que vivemos, ela impede a livre organização estudantil e sindical e toca na conquista republicana de escola laica, pública e para todos.
Não podemos permitir que a escola fique a deriva de lunáticos e degenerados que afirmam que o acesso ao conhecimento deve ser limitado ou significa doutrinação. Não podemos permitir que a segregação e o estímulo ao preconceito sejam vendidos como individualidades. A escola deve ser laica, pública e para todos. Não cansaremos de repetir, a escola é um ambiente de busca e socialização do conhecimento acumulado pela humanidade. A escola precisa ter grade curricular que abranja todas as ciências, as artes, as religiões, as filosofias e, portanto, toda a história.
A limitação do acesso ao conhecimento e a proibição de debates, do contraditório, implica, obrigatoriamente, negar a verdade aos nossos jovens, significa impedir a livre organização estudantil e sindical, pois esta obrigatoriamente estará contra a regra estabelecida pelos governos. Para além disso, a Lei da Mordaça tem o evidente intuito de perseguir aqueles que têm opiniões “diferentes”, o que é inaceitável dentro do ambiente escolar.
Muito se falou, nos debates em Joinville, sobre doutrinação marxista. Sobre os partidos atuando dentro das escolas para doutrinar estudantes. Ora, os partidos que atuam com mão de ferro dentro das escolas são os partidos dos governos, que indicam diretores e chefes e tentam diariamente proibir a livre organização estudantil e dos sindicatos. Sobre o marxismo na escola, isso nos parece um debate um tanto ridículo, vexatório aos defensores da “Escola sem partido”, mas vale algumas observações. As escolas públicas do Brasil sofrem pela precariedade de acesso e de socialização do conhecimento e não pelo excesso de alguma teoria. Os lunáticos defensores da “Escola sem partido” deveriam conhecer as escolas públicas, a falta de bibliotecas, de funcionários, de quadras, de livros. Uma assustadora desinformação e má intenção assola esses senhores, acreditam em “doutrinação marxista” nas escolas, um absurdo sem qualquer senso de proporção ou de realidade. Lamentavelmente, a maioria absoluta de nossos jovens de escola pública não estuda Marx, não estuda Hegel, nunca ouviu falar de Kant, não sabe quem é Simone de Beauvoir (como se observou no Enem 2015). Certamente isso piorará muito, se a Reforma do Ensino Médio não for derrubada, mesmo já tendo sido aprovada e a falta de conhecimento se transformará em regra caso tenhamos a Reforma do Ensino e a Lei da Mordaça juntas.
O que fica claro é que os que levantam essas falácias têm por objetivo cercear o pensamento, limitar ainda mais o acesso ao conhecimento.
Há uma história infanto juvenil* da escritora Lígia Bojunga Nunes uma das maiores escritoras brasileiras vivas, que ilustra muito bem que tipo de escola estes senhores, como Alexandre Frota e Miguel Nagib, querem para nós. Na história de Lígia há um pavão muito questionador que foi à escola e lá colocaram um filtro em seu pensamento, mas o filtro veio com defeito e o pavão passou a pensar por gotinhas: “Não deixaram ele falar mais nada. Seguraram ele com força, abriram a cabeça dele, botaram o filtro bem na entrada do pensamento, puxaram pra cá e pra lá ajeitando bem pra não entrar nenhuma ideia na cabeça do Pavão sem antes passar pelo filtro, e aí deixaram a torneira só um tiquinho aberta. Coisa à toa, não dava pra quase nada.” Não senhores, não aceitaremos filtros!
Por esse motivo, a Esquerda Marxista conclama todos os jovens e trabalhadores a unirem-se a nós nesse combate. Há muitos projetos tramitando no país e cabe a nós seguir o exemplo de Joinville e enterrar a Lei da Mordaça e com ela a Reforma do Ensino no Brasil.
* O excerto que aparece é do livro “A casa da Madrinha” de Lígia Bojunga Nunes. A escritora brasileira é reconhecida internacionalmente, já tendo sido premiada com o “Hans Christian Andersen”, o mais importante prêmio literário infantil, uma espécie de Prêmio Nobel da literatura infantil e infanto juvenil.
* Maritania Camargo é professora de língua portuguesa e literatura na rede estadual de ensino de Santa Catarina e Militante da Esquerda Marxista.