México: aumento do preço dos combustíveis precipita o movimento de protesto em massa

Mobilizações ocorrem no quadro geral de uma situação econômica que piora cotidianamente, com o aumento do desemprego e com a queda de 60% no poder de compra dos mexicanos nas últimas décadas.

Desde que o presidente Peña Nieto e seu governo implementaram as reformas energéticas, com foco no aumento do preço da gasolina, têm ocorrido contínuos protestos públicos e manifestações de massas em nível nacional, contrários desde o início do Ano Novo.

O que é o Gasolinazo?

O preço da gasolina aumentou constantemente em cerca de 180% na última década, mas o aumento mais recente de 2 pesos por litro foi como o proverbial graveto de palha que aleijou as costas do camelo. Este aumento teve um efeito dominó imediato sobre os preços que estão aumentando no transporte público, nos bens básicos, nos aluguéis e no gás para uso doméstico. As empresas produtoras de arroz e leite e as empresas de transporte anunciaram aumentos de preço de seus produtos e serviços.

Tudo isto está ocorrendo no quadro geral de uma situação econômica que piora cotidianamente, com o aumento do desemprego e com a queda de 60% no poder de compra dos mexicanos nas últimas décadas. Isto, por sua vez, tornou o salário mínimo insuficiente para cobrir os gastos básicos de subsistência das famílias da classe trabalhadora e, dessa forma, tornou o preço da gasolina ainda mais inacessível.

As débeis e falsas justificativas para esta reforma dizem que é uma política ambiental que reduzirá a utilização de carros particulares e que o preço foi elevado em linha com os preços internacionais. A primeira razão é absurda e não engana ninguém, enquanto a segunda razão é simplesmente uma mentira. A gasolina nos EUA é agora mais barata, de fato está em 0,55 centavos de dólar por litro, em oposição aos 0,79 centavos de dólar no México.

As reformas de EPN e a privatização da indústria do petróleo

O gasolinazo (aumento súbito no preço da gasolina) como antes mencionado faz parte das reformas energéticas de Peña Nieto que se encaixam em reformas estruturais mais amplas que incluem as recentes e controversas reformas educacionais. Seu governo realizou uma campanha implacável para acabar com os vestígios restantes das conquistas da Revolução Mexicana.

A reforma energética foi aprovada em dezembro de 2013 por um conselho composto por PRI, PAN e o Partido Verde (os mais significativos partidos políticos de direita no México) e foi planejada para equilibrar a receita do governo ao manter o imposto sobre a produção de petróleo, assim como um imposto sobre o valor agregado de 26% sobre a venda da gasolina. A reforma não visa apenas privatizar a PEMEX (a empresa estatal de petróleo), que será dividida entre a oligarquia petrolífera, como também permite a exploração e extração privadas do petróleo no território mexicano. Sabe-se que a PEMEX tem lucros potenciais anuais de 100 bilhões de dólares que agora estão abertos à exploração do capital doméstico e externo. Gigantes petrolíferas como British Petroleum, Chevron, Total e ExxonMobil estão apostando nessa reivindicação, assim como Carso Gas and Oil, da qual Carlos Slim (o segundo homem mais rico do mundo) é acionista majoritário. Outros beneficiários desta reforma incluem empresas vinculadas a ex-membros do PAN e do PRI, o que denota o compadrio de uma corrupção governamental profundamente arraigada.

A propaganda de EPN argumenta que a PEMEX é improdutiva e incapaz de se modernizar e alardeia que a privatização encorajará maior investimento privado e aumento do emprego no setor privado. O que eles camuflam é que estes vastos lucros não foram reinvestidos na produção de petróleo. De fato, nenhuma nova refinaria foi construída desde 1979. A robustez e a rentabilidade da empresa estatal de petróleo foram negligenciadas durante décadas pelos políticos que buscam realizar ganhos de curto prazo vendendo-a. Como consequência, sem qualquer regulamentação do governo, nem limites para os preços, as empresas privadas estão livres para continuar aumentando o custo da gasolina em detrimento dos membros mais pobres da sociedade.

A privatização da PEMEX, que foi nacionalizada pelo governo de Lazaro Cardenas em 1938, também é considerada com razão como parte da venda dos ativos do país a potências estrangeiras, uma questão politicamente delicada no México.

Uma faísca para incendiar o descontentamento

Antes do gasolinazo, o movimento dos trabalhadores no México se encontrava em refluxo. O país testemunhara protestos espontâneos de grande escala em 2014, para protestar contra o desaparecimento os 43 estudantes em Ayotzinapa. O desaparecimento dos 43 de Ayotzinapa, bem como numerosos outros casos de desaparecimentos e a sanguinária epidemia de assassinatos de mulheres, conhecidos como feminicídios, criaram uma cultura de insegurança e medo. Adicionalmente a isso estão 30 anos de corrupção governamental e de cortes que de forma continuada causaram acúmulos de tensão sob a superfície.

A tensão entrou em erupção com o gasolinazo enquanto uma vaga de raiva e indignação varre o país. A questão está sendo vivamente debatida na mídia social e as massas saíram às ruas na forma de protestos espontâneos que não se detêm diante da pilhagem respaldada pelo temeroso governo. Janeiro de 2017 marca uma nova etapa na luta de classes enquanto uma força potencialmente incontrolável foi lançada por centenas de milhares de manifestantes surpreendendo e assustando aos políticos. Não somente estão as massas nas ruas como também o movimento está agora em um nível qualitativo mais alto à medida que se chega à conclusão de que as reformas energéticas são mais um ataque contra a classe trabalhadora.

Desenvolvimento do movimento em escala nacional

Para complicar, a indignação da mídia social está se expressando concretamente na forma de protestos e marchas organizadas. Como sempre, os camponeses, os trabalhadores e a juventude, diretamente afetados, estão entrando em ação. Contudo, novas camadas da classe trabalhadora também estão saindo para protestar, incluindo donas de casa e mães, bem como trabalhadores não sindicalizados.

De cima para baixo do país, podem-se testemunhar várias formas de agitação, algumas das quais serão destacadas aqui. Na capital, a Cidade do México, em 9 de janeiro, houve uma marcha de 40 mil manifestantes. Em Nuevo León, 20 mil manifestantes ocuparam a praça principal da capital do estado. Em Ixmiquilpan, no estado de Hidalgo, está em vigor um bloqueio de estrada desde 3 de janeiro que vem resistindo à repressão policial apesar da morte de dois jovens feridos pela polícia por munição letal. Em Puebla, uma marcha começou com 4 mil participantes e cresceu a 20 mil enchendo as ruas principais do centro da cidade. Em muitos outros estados houve bloqueios prolongados de vias, tomadas de prefeituras e incêndios de prédios governamentais. Na Baixa Califórnia, um estado tradicionalmente pacífico, houve um bloqueio às instalações da PEMEX desde 2 de janeiro e os manifestantes defenderam-se com pedras contra o uso de gás lacrimogênio e balas de borracha pela polícia para dispersá-los.

Pilhagem

Em meio às ações de protesto também houve um grave surto de pilhagens. Isto criou uma atmosfera de medo entre os ativistas como se esperava e levantou a ameaça de militarização a fim de sufocar o caos. Não surpreendentemente, o governo está utilizando agentes provocadores para causar pânico e justificar o uso da força militar contra os ativistas a quem estes crimes são atribuídos pela mídia. Aos saqueadores se oferecem de 800 a 1.000 pesos para realizar suas atividades e se lhes permite guardar o que saqueiam. Grupos de jovens mascarados têm como alvo os bairros proletários onde há uma notável ausência da presença policial e o exército tem autorização apenas para patrulhar em vez de intervir. Até agora, um total de 79 lojas foram saqueadas, levando a ANTAD, a associação de lojistas, a pedir intervenção militar.

O que é necessário para avançar?

Uma das características do movimento é seu caráter em grande parte espontâneo. Embora existam grupos de esquerda de tamanho significativo no México, eles não proporcionam nenhuma liderança ou coordenação ao movimento. O maior sindicato, a CNTE (a corrente radical dentro do sindicato dos professores, SNTE), está enfraquecido desde a agitação contra a reforma educacional de Peña Nieto. Alguns partidos querem adiar fazer justiça até as eleições e colocam fé em uma vitória eleitoral. Os Zapatistas do ELZN estão avançando uma candidatura indígena para as eleições de 2018, que é considerada como um ato meramente simbólico. Finalmente, Morena (o partido de oposição de esquerda) quer esperar até as eleições de 2018 para substituir Peña Nieto e o EPN. Mas esta questão não pode ser deixada sem resolver até lá e certamente não pode ser resolvida através da atividade parlamentar.

Também se deve reconhecer que marchas e protestos sozinhos não são suficientes para derrubar governos. O risco é que uma sucessão de manifestações diárias, sem qualquer foco claro e sem a escalada dos protestos, conduza ao cansaço e esmorecimento do movimento. Como aprendemos da história das revoluções, a ação unificada e coordenada é necessária para organizar e realizar uma greve geral em escala nacional. Isto exigirá assembleias dos trabalhadores que deveriam estar abertas à participação de todas as camadas do proletariado. Além do mais, a classe trabalhadora do México carece de um partido revolucionário genuíno para levar o movimento a sua necessária conclusão.

Os camaradas da seção mexicana da Corrente Marxista Internacional, La Izquierda Socialista, têm estado intervindo energicamente no movimento, tomando a iniciativa de convocar uma assembleia para coordenar os protestos. Isto foi assumido agora pelo sindicato dos professores da CNTE e outras organizações. Os camaradas têm uma proposta de programa, que inclui todas as questões que dizem respeito aos envolvidos nos protestos, que é a seguinte:

  • Revogação do aumento do preço da gasolina
  • Controle dos preços dos bens básicos e subsídios aos mais necessitados
  • Salário mínimo mensal efetivo e imediato de 8.000 pesos
  • Revogação das reformas energéticas
  • Contra a privatização da saúde e da água
  • Desmilitarização e implementação de comitês de autodefesa

Não está claro até onde este movimento vai chegar. Qualquer que seja o seu resultado, ele revelará claramente o enorme descontentamento acumulado na sociedade mexicana, bem como a disposição dos trabalhadores e da juventude de se engajarem na luta por seus direitos.


Artigo publicado originalmente em 16 de janeiro de 2017, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Mexico: price of fuel increase sparks mass protest movement“.

Tradução Fabiano Leite.