Parlamentares da Câmara e do Senado, em coalizão com o Governo Bolsonaro, avançam a tramitação de novas agressões aos direitos e aos níveis de vida das massas brasileiras. De um ponto de vista dos atingidos pelas medidas, toda a situação se resume a como alterar o curso dos acontecimentos. Entre os que reivindicam a defesa dos trabalhadores, são apresentadas diferentes propostas sobre qual o caminho seguir. Uma avaliação criteriosa delas precisa partir de uma apreciação da relação social existente na sociedade e do papel que, nessa situação, cumpre cada uma das proposições.
Há praticamente um consenso sobre a necessidade de uma frente única para enfrentar as classes dominantes e seus planos. O problema começa quando se tenta definir qual seria seu conteúdo e caráter, e como cada tendência de esquerda a entende. Identificam-se cinco concepções em disputa sobre essa questão, nas quais podemos enquadrar a miríade de grupos, organizações e partidos de esquerda no Brasil.
Em primeiro lugar cabe ressaltar a mais difundida e alardeada dessas concepções: a frente única dos democratas. Ela está encarnada no Brasil pela política do PT e está sendo aplicada sob a palavra de ordem “Lula Livre”. Seu ápice foi expresso no segundo turno das eleições de 2018, quando o candidato Fernando Haddad propôs a unidade de todos os democratas contra o então candidato Bolsonaro. Essa concepção de frente única ignora a divisão da sociedade em classes, concebendo em seu lugar uma divisão baseada em ideologias. Sua aplicação conduz a uma orientação “resolveremos na próxima eleição democrática, em 2022”. Trata-se da submissão do proletariado a uma burguesia supostamente progressista, que permitiria um aperfeiçoamento do capitalismo.
Sua negação apresenta-se sob a forma da frente única dos revolucionários. São personificações dessa concepção o PSTU e a central sindical por eles criada, a CSP-Conlutas. Fruto de uma política de autoproclamação permanente, a esse tipo de frente única aderem uma série de seitas e grupos marginais. Compartilham uma incompreensão comum sobre a psicologia de massas e dos processos sociais.
Uma variante dessa última percebe-se no comportamento daqueles que, embora admitindo a necessidade de uma luta unitária das massas, adotam políticas sectárias diante de outras organizações e trabalhadores. Esse tipo de orientação observa-se por exemplo no MRT. Participam de iniciativas comuns com outras organizações, entretanto com ultimatos e proposições sem relação com o nível de consciência das massas e de suas ligações com as organizações e partidos tradicionais.
Identificamos um quarto grupo partidário da frente única na figura dos oportunistas. Hoje encontrados mais claramente no guarda-chuva de tendências do PSOL, como a “Resistência”, dirigida por Valério Arcary. Essa concepção se expressa na linha de várias organizações que atuam dentro da Frente Povo Sem Medo. Sustentam a necessidade de uma luta unitária de massas, embora com critérios de classe.
Estaríamos então diante de uma perspectiva revolucionária? Lamentavelmente não é o caso. Apesar de seus ardentes desejos e de sua fraseologia revolucionária, rebaixam o programa e as reivindicações ao que supõem ser tangível às massas sob o regime político e econômico estabelecido. Cada recuo programático vem acompanhado de uma justificação sobre a necessidade de chegar às massas.
Sectários e oportunistas compartilham uma visão anti dialética sobre a formação da consciência das massas e sua transformação. No esforço de encontrar o caminho a elas, os sectários concebem uma classe trabalhadora idealizada, que atenderá aos seus chamados ultraesquerdistas e perceberá em certo momento que a eles deve se dirigir. Já os oportunistas manifestam esse mal em outro sentido, idealizando uma massa limitada, que agirá e pensará amanhã como age e pensa hoje, ou que pode acelerar seu desenvolvimento com líderes dotados de mais radicalismo e disposição que os atuais.
Nossa concepção de frente única é outra. Entendemos a frente única como uma ferramenta para as massas fazerem prevalecer seus interesses sociais mais profundos contra seus inimigos comuns. Esses agem em unidade na maioria do tempo, tomando vantagem das divisões dos trabalhadores em vários partidos, sindicatos e organizações. A exigência da frente única proletária se dirige em primeiro lugar, portanto, às organizações e partidos tradicionais dos trabalhadores, uma vez que são eles que congregam a maioria dos trabalhadores organizados.
Essa unidade deve estar baseada em reivindicações que permitam aos trabalhadores agir coletivamente por seus interesses comuns, apesar das diferenças organizativas, tradições e orientações políticas. Ao participar da frente única, os marxistas levam em conta a experiência e o nível de consciência dos trabalhadores. Com suas palavras de ordem e a própria experiência vivida, elevam a compreensão sobre o curso dos acontecimentos, a situação geral da luta de classes e as tarefas históricas para que as massas alcancem seus anseios. Isso envolve evidentemente ajudar os trabalhadores a identificar as traições e insuficiências de suas próprias lideranças, e assim compreender a necessidade de substituí-las.
Essas diferentes concepções sobre a frente única estão longe de significar uma disputa de “categorias”, de “conceitos” ou de “propostas”. Trata-se de uma batalha política que se realiza sob a pressão de forças sociais e refletem a luta de classes em algum nível. No período histórico que vivemos, essa pressão de classes estranhas ao proletariado se abate com extrema força sobre a vanguarda que tenta adotar uma perspectiva revolucionária e independente.
A tensão manifesta no debate sobre a frente única e em tantos outros trata-se da luta pela sobrevivência de posições e interesses irreconciliáveis. De nossa parte, alinhamo-nos com o proletariado e defendemos a frente única proletária. Essa é a nossa frente única.