No dia 15 de junho foi anunciada a implementação do Novo Ensino Médio. Muitas lacunas ainda existem nessa proposta, mas é necessário retomar algumas questões sobre esse projeto.
A Reforma do Ensino Médio foi primeiramente apresentada como Medida Provisória, sendo posteriormente aprovada como alteração da LDB, no Congresso Nacional, e sancionada pelo governo de Michel Temer (MDB). Importante ressaltar que o então ministro da Educação era Rossieli Soares, hoje secretário da educação do estado de São Paulo.
A Reforma do Ensino Médio é mais um dos ataques da burguesia ao que restade de uma conquista histórica dos trabalhadores: o direito à educação pública, gratuita e para todos. Essa mudança do formato da educação, do foco nos conteúdos, para o foco nas competências não é de agora e já era preconizada dentro a tão falada Conferência Mundial da UNESCO em 1990 e do estabelecimento dos pilares da educação (Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser). Com a Reforma do Ensino Médio isso foi oficialmente estabelecido, mas, na verdade, toda a educação básica está norteada por esses princípios há muito tempo.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), demanda a substituição de todos os currículos escolares do ensino fundamental ao médio das redes de ensino brasileiras. Em São Paulo, os novos currículos foram implementados em 2021. Ela por si só já havia imposto a pedagogia das competências, que diminui o papel dos conteúdos sob a alegação da necessidade de desenvolvimento de competências e habilidades voltadas ao mundo do trabalho.
A necessidade do desenvolvimento de competências e habilidades, que hoje norteia os currículos das escolas, são formuladas com fins corporativos e de acordo com os interesses da classe dominante. De modo simplista, podemos ilustrar o processo da seguinte forma: observa-se um trabalhador. Ele logo se destaca e sobe na hierarquia da empresa. Os pesquisadores das competências, então, analisam este trabalhador “competente” e quais suas qualidades. Extraídas essas qualidades elas são convertidas em competências e habilidades necessárias a todos os estudantes, com base no que seria necessário desenvolver para que os filhos da classe trabalhadora se adaptem ao “mundo do trabalho”.
Mas o que propõe o Novo ensino médio em SP?
A principal questão apresentada pelo Novo Ensino Médio SP é aplicação da Reforma do Ensino Médio quanto à substituição dos componentes básicos pelos itinerários formativos. E o que seria isso?
Os componentes básicos, divididos por áreas são:
- Área de linguagens: Língua portuguesa, Língua Inglesa, Ed. Física e Arte.
- Área de Matemática e suas tecnologias: Matemática.
- Área de Ciências da Natureza: Física, Biologia e Química.
- Área de Ciências Humanas: Sociologia, Filosofia, História e Geografia.
Na rede estadual paulista de ensino, desde 2019 todos esses componentes são distribuídos em 30 aulas semanais. E mais 5 aulas semanais são ofertadas aos alunos: Eletivas (2), Projeto de vida (2) e Tecnologia (1). Até 2021 todos os estudantes de todas as séries do Ensino Médio tinham acesso a essa carga horária.
Ressalta-se que em 2019 a carga horária básica dos estudantes já havia sido reduzida. Até o fim do ano letivo de 2018 os estudantes tinham direito a 30 aulas semanais de 50 minutos congregando todos os componentes básicos (Total de 1050 horas por ano). Em 2019, o governo Dória diminuiu o tempo da aula, de 50 para 45 minutos. Assim, incluiu os três componentes do chamado “Inova Educação”, que era já um ensaio da efetiva implementação do Novo Ensino Médio e dos itinerários formativos. Diminuiu de 1050, para 900 horas por ano o acesso aos componentes básicos por ano. Nas três séries isso implica um total de menos 450 horas de acesso aos componentes básicos.
Com a implementação do Novo Ensino Médio em SP, as 150 horas do “Inova Educação” passam a ser oficialmente consideradas parte da implementação dos itinerários. Assim, conforme apresentação do próprio governo, a nova carga horária dos estudantes fica da seguinte forma:
Como vemos, há uma progressiva redução da formação básica, de 900 a 300 horas. Em tempos percentuais, a carga básica é de 85,71% (30 aulas de 45 minutos) na primeira série, de 57,14% na segunda série (20 aulas de 45 minutos) e de míseros 28,57% (10 aulas de 45 minutos) na terceira série.Considerando o §3º do art. 3º da Lei 13.415, somente 2 componentes curriculares são obrigatórios nas 3 séries do EM: Língua portuguesa e Matemática. Possivelmente na terceira série do Ensino Médio os estudantes terão somente esses dois componentes na formação básica.
Outro aspecto a ressaltar: a Reforma do Ensino Médio estipula que a Formação Geral Comum não deve ultrapassar 1800 horas no decorrer da carga horária estipulada de 3 mil horas para todo esse segmento. Isso implica em 60% de conteúdos comuns e 40% voltadas aos itinerários formativos. Contudo, o Novo Ensino Médio SP impõe 44,26% de componentes ligados aos itinerários e, consequentemente, reduz ainda mais a formação básica, para 55,74% do total de horas às quais teriam direito os estudantes.
E do que tratam os itinerários formativos? Como isso impacta as escolas?
Esse ainda é um terreno cinzento da proposição de implementação do Novo Ensino Médio em SP. O governo organizou a oferta de itinerários considerando 10 áreas do conhecimento puras ou congregadas:
Possibilidades de itinerários de área do conhecimento:
- Linguagens
- Matemática
- Ciências da Natureza
- Ciências Humanas
- Linguagens e Matemática
- Linguagens e Ciências Humanas
- Linguagens e Ciências da Natureza
- Matemática e Ciências Humanas
- Matemática e Ciências da Natureza
- Ciências Humanas e Ciências da Natureza
Todos os estudantes da 1ª série escolherão 2 ou mais áreas por ordem de opção. Aí vêm uma das dúvidas: como ficará o processo de atribuição de aulas e oferta de componentes a partir da escolha dos estudantes?
Duas situações se apresentam como as mais prováveis:
- Estudantes da 1ª série selecionam as Áreas de conhecimento de seu interesse. A partir disso, as duas mais selecionadas serão as áreas de ofertadas por aquela escola. Isso acarretaria uma divisão das escolas entre áreas de conhecimento, o que implicaria mudança de escola a estudantes e professores. Uma reestruturação significativa da comunidade escolar.
- As escolas vão oferecer os itinerários considerando as opções dos estudantes. Isso, em tese, não significaria prejuízo imediato e mudança de escola por parte de professores e estudantes.
A situação real ainda não foi suficientemente esclarecida e gera grande inquietação à categoria dos professores e ao conjunto da comunidade escolar. De qualquer forma, o confisco de acesso ao conhecimento, já inerente à sociedade capitalista, intensifica-se ainda mais com a Reforma do Ensino Médio e, ainda mais, no Novo Ensino Médio de SP.
Problemas para um futuro próximo
O art. 4º da Lei 13.415/2017 em seu § 11º consta que:
“§ 11. Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento, mediante as seguintes formas de comprovação:
I – demonstração prática;
II – experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;
III – atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino credenciadas;
IV – cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;
V – estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras;
VI – cursos realizados por meio de educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias.”
Como vemos, no processo de cumprimento dos itinerários formativos, a Reforma do Ensino Médio possibilita que a iniciativa privada ofereça tais componentes. Assim, o projeto implementado possibilita sim a gradativa substituição dos professores efetivos e com direitos por profissionais precarizados de ONGs, ofertando os itinerários formativos de “interesse” dos estudantes.
O Novo Ensino Médio SP é um confisco do direito ao conhecimento e mais um passo no processo de privatização da educação pública. Processo esse que precariza as condições dos trabalhadores da educação e diminui ainda mais as possibilidades dos estudantes de acesso aos saberes historicamente acumulados da humanidade.
Nossas tarefas
Uma primeira tarefa dos estudantes e professores é se apropriar dessa discussão, na luta permanente pela Educação pública, gratuita e para todos. Em função disso, a Liberdade e Luta e o Educadores pelo Socialismo organizam Live no dia 06 de julho como parte desse processo de esclarecimento.
Junto à discussão sobre essa contrarreforma, é necessário nos somarmos às lutas nacionais por Abaixo Bolsonaro, na luta por um governo dos trabalhadores sem patrões, nem generais. A derrota de Bolsonaro implicaria uma vitória significativa do conjunto da classe trabalhadora e da juventude, e abriria um novo processo de luta para colocar em questão todas as contrarreformas do último período: Reforma trabalhista, Reforma do Ensino Médio, Lei da Terceirização, Reforma da Previdência, assim como as que virão: Reforma Tributária e Reforma Administrativa.
É por isso que nos somamos ao chamado a mais de 1500 participantes para estarmos juntos no dia 10 de julho, no Encontro Nacional de Luta Abaixo Bolsonaro! Por um Governo dos Trabalhadores sem Patrões nem Generais!
Essa é nossa luta, junte-se a nós!