Enquanto no EUA o Comitê de Relações Exteriores do Senado acaba de aprovar nesta semana que Obama pode usar forças militares na Síria, na semana passada o primeiro Ministro Cameron sofreu uma derrota: o parlamento britânico votou contra a participação da Inglaterra na guerra contra a Síria. Leiam neste artigo análise sobre a derrota de Cameron
Enquanto no EUA o Comitê de Relações Exteriores do Senado acaba de aprovar nesta semana que Obama pode usar forças militares na Síria, na semana passada o primeiro Ministro Cameron sofreu uma derrota: o parlamento britânico votou contra a participação da Inglaterra na guerra contra a Síria. Leiam neste artigo análise sobre a derrota de Cameron
Mudanças bruscas e repentinas na situação – essa é a natureza da época atual. No intervalo de 24 horas, uma humilhante derrota parlamentar obrigou Cameron e o governo de coalizão a parar de bater o tambor anunciando ataques militares contra a Síria. A situação é inédita, na qual o governo de plantão, convocando o Parlamento para basicamente carimbar uma decisão dada como certa, foi derrotado em votação sobre uma ação militar.
A autoridade política de Cameron foi completamente abalada. Depois de derrotar a emenda do Partido Trabalhista [Labour Party, a emenda exigia provas claras de que o governo da Síria era realmente o autor do ataque com armas químicas, NT], o governo pensou que estava com o prato feito, abrindo o caminho para uma posterior segunda votação sobre o momento mais adequado para agir. Mas com 30 deputados Tory rebelados, o governo perdeu a votação por 285 contra 272 votos [Tory é o nome do principal partido da burguesia inglêsa, NT]. Isto significa que a Grã-Bretanha não vai mais participar no bombardeio planejado contra a Síria. Nunca havia acontecido uma tal derrota em uma questão de política externa.
O governo já havia tentado lançar as bases para fazer passar a sua resolução sobre o ataque à Síria com a publicação de um relatório do serviço de inteligência mostrando que Assad seria responsável por um ataque com armas químicas contra a oposição síria. Mas com o “dossiê trapaceiro” de Blair – “provando” que Saddam Hussein supostamente tinha armas de destruição em massa – ainda vivo na memória do público, só poderia haver desconfiança sobre este novo dossiê.
Apesar da posição entusiasta de Cameron no início desta semana, as coisas começaram a se desenrolar quando a liderança do Partido Trabalhista, sob pressão, foi forçada a recuar de seu apoio inicial à ação militar. Isso obrigou Cameron a retroceder diante de uma possível derrota parlamentar. Ele foi forçado a oferecer uma solução de compromisso, prometendo atuar em conjunto com as Nações Unidas e aguardar o relatório do inspetor. Em vez disso, o governo, que tinha convocado o parlamento, propôs uma resolução geral contra o uso de armas químicas na Síria.
O fato de que esta resolução tenha sido derrotada reflete as enormes pressões anti-intervencionistas fora do parlamento. A grande maioria, em pesquisa após pesquisa, rejeitava a intervenção militar na Síria.
Mesmo Tories eméritos não ficaram convencidos. David Davis, um ex-candidato à liderança Tory e ex-‘Shadow’ Secretário do Interior [Shadow Home Secretary, literalmente ‘secretário do interior na sombra’, é um cargo ocupado por algum político da oposição, para fiscalizar o governo, NT] disse: “Devemos considerar, estando onde estivemos antes neste Parlamento, que o nosso serviço de inteligência tal como se apresenta poderia simplesmente estar errado, porque esteve antes e temos de ser muito, muito duros ao testá-lo.”
Cheryl Gillan, ex-secretário do País de Gales sob Cameron, disse: “Eu não tenho informação suficientemente precisa ou verificável para apoiar uma ação militar direta do Reino Unido na Síria.” Recordando a votação sobre o Iraque, ela disse que estava cautelosa, porque ela “não poderia sentar nesta Casa e ser enganada novamente.”
Cameron tinha calculado mal. Ele estava aparentemente confiante, tal como no caso da Líbia, de que iria garantir uma maioria para a intervenção. Agora, seu excesso de confiança transformou-se em embaraço. Ele não foi capaz nem mesmo de unir seu próprio partido para apoiar seu governo. Este foi um golpe devastador.
“Hoje ficou muito claro que, tendo o Parlamento rejeitado a moção, é claro para mim que o parlamento britânico, refletindo as opiniões do povo britânico, não deseja a ação militar britânica. Eu assumo isto e o governo agirá em conformidade”, afirmou Cameron com o rosto avermelhado.
Isto desencadeou recriminações amargas. “O primeiro-ministro foi arrogante e irresponsável”, afirmou Miliband, o líder do Partido Trabalhista, embora sem descartar uma ação militar. Michael Gove, a secretária de Educação, foi ouvida gritando “vergonha” para os deputados rebelados do partido Tory. Sem dúvida, Cameron e sua camarilha estão esfumaçando de raiva com essa derrota humilhante. Os ministros do gabinete atacaram Nick Clegg pelo seu fraco desempenho. Isto contribuiu para minar o governo e o prestígio da política externa britânica. Lord Ashdown, ex-chefe dos Liberais Democratas, afirmou que a votação foi um desastre para a Grã-Bretanha abalando a sua posição no mundo.
No passado, os líderes conservadores (Tories) eram muito mais astutos, o que refletia o poder do capitalismo britânico. Hoje, Cameron representa uma nova geração de novos ricos míopes, que expõem a decadência do capitalismo britânico. A perda de poder do capitalismo britânico na arena mundial é evidenciada nessa votação. Esta situação é o reconhecimento de que a Grã-Bretanha tornou-se uma potência de terceira categoria que agarra-se desesperadamente ao seu passado imperial muito distante. Isto a conduziu de uma aventura para outra, como aconteceu no Iraque e no Afeganistão. Mesmo o alto escalão militar e os serviços de inteligência são contra o ataque à Síria por não estar em linha com os “interesses britânicos”.
Estas divisões no topo do aparelho estatal não tem precedentes. No passado, essas diferenças seriam preservadas atrás de portas trancadas. Elas refletem a crise do regime que acomete a Grã-Bretanha desde a última década aproximadamente.
O Partido Trabalhista claramente se beneficiou de sua posição contra Cameron – uma posição adotada devido à oposição do movimento operário em todo o país, profundamente enojado com as anteriores aventuras imperialistas de Tony Blair.
Philip Hammond, o secretário de Defesa, que tinha acusado Miliband antes da votação de prestar “socorro” ao regime de Assad por recusar-se a apoiar o governo de coalizão, disse que a derrota do governo afetaria a relação especial anglo-americana. “Isto certamente vai provocar algum estremecimento neste relacionamento especial. Os americanos entendem o processo parlamentar que nós temos que passar … Talvez eles tenham sido surpreendidos pela amplitude da oposição no parlamento”, disse Hammond.
A votação certamente somou-se às desgraças de Obama, que dava como certo o apoio da Grã-Bretanha, um aliado próximo e subserviente. Ken Pollack, pesquisador do Centro Saban para Política do Oriente Médio, disse que com a incerteza permanente sobre o quadro pintado pelo serviço de inteligência, e sem nenhum mandato legal claro para a ação militar, os EUA vai estar desesperado para garantir mais apoio internacional para argumentar que a intervenção é “legítima”.
“Se o governo não pode nem mesmo contar com o apoio efetivo de nosso aliado mais próximo, o país que nos deu apoio mesmo durante os piores dias da guerra do Iraque, então aquela legitimidade será posta em dúvida”, afirmou Pollack .
Enquanto o apoio britânico teria dado a Obama mais legitimidade, ele ainda assim está determinado a enfrentar a oposição nos Estados Unidos e seguir com os planos de ataques militares contra a Síria. Mas ele será agora forçado a fazê-lo sozinho. Como na Grã-Bretanha, as pessoas nos Estados Unidos se opõem a mais aventuras semelhantes as do Iraque e do Afeganistão. Isto levou a cisões e divisões no Congresso, tornando mais difícil para Obama criar um consenso. A votação britânica vai agravar esses problemas, porquanto a Grã-Bretanha deveria fornecer a cobertura política necessária para a América reivindicar uma “coalizão” democrática contra o regime de Assad.
Obama já foi forçado a recuar da alegação de que o uso de armas químicas constitui uma “linha vermelha”, como ele afirmou um ano atrás. Antes disso, Obama disse que Assad devia deixar a Síria. Agora, Obama abandonou qualquer conversa de “mudança de regime” e limitará a ação dos EUA a ataques aéreos punitivos, que estão se tornando cada vez mais difíceis.
Embora a Administração dos EUA tenha firmado posição pela intervenção, há uma preocupação generalizada. Ron Johnson, o senador republicano de Wisconsin, disse que os objetivos precisam ser definidos. “Eu preciso saber o argumento [ para a guerra ] e eu também preciso saber quem são os rebeldes. Nós não sabemos”, disse Johnson. Mais de 100 democratas e republicanos assinaram uma carta pedindo a Obama para receber a autorização formal do Congresso antes de ordenar o uso da força.
A situação toda está mostrando seus desdobramentos. Isso não vai, no entanto, impedir os EUA de tomar medidas unilaterais. Recusar-se a fazê-lo prejudicaria a sua credibilidade internacional. Prestígio é um componente vital do imperialismo – o prestígio que os EUA procuram defender a todo custo.
Na Grã-Bretanha, o Imperador ficou exposto sem nenhuma roupa. Isto marca um novo desastre para o governo de coalizão, e em particular para a credibilidade de Cameron. Em um momento de ataques ferozes contra a classe trabalhadora, eles precisam desta credibilidade mais do que nunca. O governo agora está lutando contra uma moção de desconfiança para com seu desempenho na situação. Cameron simplesmente reavivou as fortunas do Partido Trabalhista – a oposição – depois de semanas em que ela estava sob pressão.
Não vai demorar muito para que a baionetas estejam mais uma vez apontadas para Cameron. Este episódio revela claramente que os dias da Coalizão estão contados.
Tradução: Ruy Penna