O Governo Dilma de colaboração de classes, as perspectivas e tarefas dos marxistas – Parte 1

Parte 1 de 4 de uma análise marxista do governo que toma posse em 1º de janeiro.

Perspectivas e tarefas

Após derrotar o candidato burguês, José Serra, do PSDB, a classe trabalhadora brasileira agora tem que se concentrar em defender suas conquistas, lutar por suas reivindicações e encontrar e construir os meios de avançar sua luta para enterrar o regime capitalista, regime baseado na propriedade privada dos grandes meios de produção e abrir caminho para o socialismo.

A primeira condição necessária para isso é ter uma análise séria e realista da situação e do governo. E não se deixar enganar pela enorme máquina de propaganda que busca educar a classe trabalhadora na louvação do capitalismo e suas utópicas possibilidades de reforma. Máquina que se dedica a cantar glórias às medidas de salvação e reforço do capitalismo e apresenta as esmolas que caem da mesa das elites como grandes conquistas populares.

A guerra que importa ao Imperialismo: a guerra comercial sem quartel

O FED, Banco Central dos EUA, anunciou que vai injetar na economia mais U$600 bilhões. Wall Street e seus economistas já sabem que na verdade a “injeção” vai chegar a U$1,2 trilhão. As bolsas de todo o mundo sobem em frenesi, mas o índice oficial de desemprego nos EUA continua em 10% e a previsão do governo é que continue assim ou até aumente algo pelos próximos anos. Os atuais trabalhadores empregados tiveram, em muitíssimos casos, que arcar com cortes de direitos ou mesmo de salários e abrir mão de conquistas. Diga-se de passagem, que não por falta de combatividade da classe trabalhadora norte-americana, mas pela ação, ou traição, pelo servilismo dos dirigentes sindicais que, transformados em diretores de grandes negócios geridos pelos sindicatos, não têm o menor problema em comprar ações para salvar seu patrão ou entregar os Fundos de Aposentadoria dos trabalhadores para tapar os rombos da voracidade capitalista.

Em todo o mundo ouviu-se um coro de resmungos e no Brasil também. Lula disse que ia ao G-20 para dizer que os EUA não podiam fazer isso. Mantega declarou que mesmo essa “chuva de dinheiro não vai fazer crescer a economia dos EUA”. E foram todos ao G-20, resmungaram, reclamaram junto com Alemanha, com China e outros, e voltaram para casa para continuar “como tudo dantes no quartel de Abrantes”.

O principal jornal burguês do Brasil comentou, em editorial, os resultados da reunião:

“O fracasso da reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20), formado pelas maiores economias desenvolvidas e em desenvolvimento, aumenta o risco do jogo sujo no comércio internacional e de um prolongamento da crise. A desordem cambial, o assunto mais importante do encontro, continua sem solução. As moedas chinesa e americana – yuan e dólar – permanecerão depreciadas e sujeitas a maior desvalorização, porque as políticas serão mantidas nos dois países. Os demais, incluído o Brasil, continuarão pagando pelos desajustes globais.

Depois de dois dias de conversas e trocas de acusações, os chefes de governo reunidos em Seul emitiram um comunicado e vários documentos, num total de 90 páginas, sem um só compromisso importante além daqueles assumidos nas quatro conferências anteriores, desde novembro de 2008.” (O Estado de São Paulo, 12/11/2010).

A questão tem grande importância inclusive para compreender o que se passa no Brasil. Afinal, com o desatamento de uma “guerra cambial” internacional por parte dos Estados Unidos a economia brasileira vai de fato se ressentir e logo acusar o golpe.

O principal jornal econômico brasileiro na matéria “Lenta, desindustrialização já atinge produção e emprego” explica as consequências dessa guerra, na verdade a “Guerra que importa” (sem trocadilho):

“A produção de TVs de LCD cresceu 153% de janeiro a outubro de 2010 em relação ao ano passado. Os fabricantes de televisores integram os segmentos que puxam as empresas do Polo Industrial de Manaus, que deve bater recorde de faturamento este ano. A Gatsby do Brasil, porém, que há 17 anos fabrica cabos para televisores na capital amazonense, deve terminar o ano com um terço do quadro de funcionários que possuía no ano passado e com faturamento 40% menor do que o de 2009.

Puxada pela expansão da produção agrícola em razão da forte exportação de commodities, a venda de tratores e máquinas agrícolas está em franca expansão. Este ano a venda desses itens no mercado interno cresceu 28% no acumulado até outubro na comparação com igual período de 2008, antes dos efeitos da crise financeira. A Engrecon, que desde 1973 fabrica engrenagens para tratores no município paulista de Santana de Parnaíba, contudo, deve terminar o ano com produção de peças 30% menor e um terço a menos de trabalhadores em relação ao mesmo período pré-crise.

A Gatsby e a Engrecon são dois exemplos de indústrias cuja produção ficou em 2010 em total descompasso com a expansão das vendas do produto cuja cadeia de produção elas integram. O que as tirou da festa de comemoração de vendas crescentes no mercado interno foram as importações. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) mostram que a importação de peças para receptores e televisores, por exemplo, triplicou de janeiro a setembro deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. “Na mudança de TVs de tubo pelas de tela plana os fabricantes passaram a importar kits de componentes que já incluem os cabos que fornecemos”, diz Josué Indalécio, diretor da Gatsby do Brasil.

“A desindustrialização começa assim, aos poucos, em alguns segmentos específicos. Quando chega a afetar os números mais gerais de capacidade de produção é porque muitas empresas já fecharam as portas e demitiram funcionários”, diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

(…)

A perda de mercado para os importados em um momento de real valorizado, lembra Castro, não significa que as encomendas retornarão aos níveis anteriores caso o dólar volte a ficar mais forte, mesmo se o consumo doméstico continuar aquecido. “Indústrias que estão sendo minadas pelos importados tendem a perder a ligação com seus clientes. Não só perdem ritmo de produção e ficam desatualizadas, mas também deixam de ter capacidade de investimento.”

Fundada em 1943, a fabricante de calçados femininos Schmidt Irmãos, com sede em Campo Bom, interior gaúcho, é um caso emblemático. Ela vendia para os Estados Unidos e Europa 100% da produção de 21 unidades fabris distribuídas em oito municípios. Desde julho, desativou fábricas em seis cidades e o quadro de 3 mil funcionários foi reduzido para cerca de 500 pessoas. Até o início de 2011 a empresa deixará o Brasil e passará a produzir calçados na zona franca de Zaratoga, na capital da Nicarágua. Além de um acordo comercial que lhe dará vantagem competitiva, em Manágua a empresa ficará livre do impacto da valorização do real.” (Valor, de 08/12/2010)

A China e os Estados Unidos

Um lugar importante cabe à China nesta guerra internacional que se desatou com a crise iniciada em 2008. Este importante país, que a burocracia do Partido Comunista Chinês (PCC) conduziu à restauração capitalista, foi literalmente assaltado pelas multinacionais de todo o mundo em busca de mão de obra semi-escrava e “paz social” – as duas coisas garantidas pela ditadura policial do PCC. A partir daí um impulso econômico enorme foi dado a este “chão de fábrica do mundo”. A burocracia capitalista chinesa do PCC que tem seus próprios interesses, evidentemente, passa a ser a controladora de uma economia de dimensões enormes e a jogar um papel no mundo. Este controle da China, entretanto não lhe deu um controle “nacional” e soberano de sua economia. As decisões sobre sua economia são tomadas como resultado dos interesses globais do capital e, portanto das multinacionais e do capital financeiro internacional onde entram os componentes próprios dos burocratas chineses que buscam enriquecer e da burocracia de Estado que continua a existir, agora como burocracia de um Estado capitalista. A economia capitalista é global e o imperialismo, na acepção que Lênin deu à esta palavra, continua ditando as regras no mercado planetário.

É importante entender o que se passa com os Estados Unidos e a China nesta questão da guerra comercial, e seu derivativo chamado de guerra cambial, porque aí aparece com força o drama do regime capitalista mundial.

A economia chinesa está umbilicalmente ligada às matrizes das multinacionais dos EUA que aí operam. Essas multinacionais produzem na China para exportar para o mercado consumidor nos EUA e no resto do mundo, e também produzem na China muitos componentes de produtos que têm fabricação final mais sofisticada nos EUA. Portanto, qualquer mudança na relação entre a moeda chinesa e a norte-americana afeta imediatamente a vida dessas megaempresas globais norte-americanas.

Assim, o que se trata é de uma batalha entre dois setores poderosos do imperialismo norte-americano sobre a desvalorização ou não do Yuan (Reminbi). O governo chinês, a ditadura do atualmente Partido Capitalista Chinês, tem sua sobrevivência ligada à coexistência e servilismo em relação a essas empresas e ao conjunto da economia mundial. Trata-se não de uma disputa “geopolítica” entre dois Estados ou duas burguesias imperialistas, mas de um tremendo “Cabo de Guerra” entre os próprios donos da mais poderosa economia do planeta em que os ex-maoistas e atuais capitalistas do PCC e a nascente burguesia mafiosa chinesa entram como coadjuvantes.

O governo Obama e economistas como o Premio Nobel Paul Krugman advogam uma saída ao estilo protecionista com adoção de medidas no sentido de “Buy american” e de pressão para a valorização do Yuan. Poderosas corporações e impérios financeiros globais reagem avisando que uma queda nas exportações chinesas seria um sério golpe nas finanças norte-americanas e nos lucros das multinacionais norte-americanas que estão instaladas na China ou lucram com o fluxo de importações e exportações deste país.

Na verdade, é tal o grau de integração de negócios entre EUA e China que é mais razoável e correto estimar que seja preciso haver um fino equilíbrio entre a valorização e a desvalorização do Yuan. E este fino equilíbrio deve ser encontrado para permitir que o fluxo continue sem que nenhum dos dois lados entre em colapso, ou ao menos sofra prejuízos graves que poderiam levar ao desastre. Isto do ponto de vista das frações imperialistas internacionais, e inclusive dentro dos EUA, assim como do ponto de vista da burocracia estatal chinesa restauracionista e sua burguesia recente e mafiosa, que igualmente se divide sobre a questão.

Forças poderosas se enfrentam, cada qual defendendo seus interesses e de fato a questão será resolvida pela luta política entre essas frações imperialistas e a luta de classes do proletariado chinês contra seus espoliadores locais e internacionais. Diferentes interesses materiais e diferentes visões dentro das classes dominantes dos EUA orientam as considerações teóricas dos seus mais destacados porta-vozes econômicos.

Entusiasta de Barack Obama e do Partido Democrata, Paul Krugman defende que uma política chinesa de desvalorização cambial e de crescentes superávits comerciais provoca um “efeito depressivo” no crescimento econômico dos Estados Unidos, Europa e Japão. Segundo ele se a moeda chinesa fosse revalorizada haveria um “significativo impacto” para a recuperação global. E para que isso aconteça defende a adoção de medidas dos EUA contra a China.

Diz Krugman: “Se impusermos mudanças na política cambial chinesa, poderíamos ajudar o mundo”. E prossegue: “Não devemos ter medo do que a China poderia fazer se a pressionarmos para parar essa manipulação de divisas. Os EUA devem ser mais agressivos nas negociações com a China, combatendo esse tipo de câmbio com medidas como barreiras alfandegárias e subsídios à exportação. Sem uma verdadeira ameaça, não vamos a lugar nenhum.” (Bloomberg News – “Krugman Says China Yuan Policy Depresses Global Economic Growth” – 12 Março 2010).

Essa opinião “protecionista” ou “nacionalista” sobre o problema e as ameaças de guerra comercial de Krugman e, mais moderadamente expressas pelo governo Obama, enfrentam forte resistência de setores mais “globalizados” do imperialismo que têm uma visão menos paroquial e mais ampla sobre o problema. Stephen Roach, economista e diretor da divisão asiática do Morgan Stanley, o maior banco de investimentos do mundo, explica: “Krugman está dando a Washington um conselho muito ruim, um péssimo conselho. Temos que tirar o taco de basebol da mão de Paul Krugman… Eu penso que sua opinião está completamente errada. Estamos descartando a China ao invés de atraí-la para nossos próprios interesses.” (Bloomberg News – “Roach Spars With Krugman Over Call to Pressure China” – 19 Março 2010).

Os economistas burgueses partidários de uma doutrina mais “internacionalista” da acumulação do capital, ou seja, mais diretamente ligados ao capital financeiro internacional, têm a possibilidade de compreender melhor as consequências da economia mundial e mesmo dos complexos interesses da economia imperialista norte-americana no mundo.

O principal jornal do mercado financeiro no mundo, o Wall Street Journal dedica um ilustrativo editorial sobre a questão e dá uma lição aos “protecionistas”. De fato, reclama de sua incompetência e incompreensão, sua política desastrosa para os interesses globais do capital financeiro, do capital imperialista norte-americano. Reproduzimos a seguir todo este editorial que dá a dimensão do que se passa dentro do imperialismo mais poderoso do mundo e também mostra que as forças que se enfrentam utilizam todas as armas que têm. Uns, neste momento se apóiam no atual governo dos EUA e outros tentam reorientar este governo se apoiando em sua própria força dentro e fora dos EUA. E em especial manobrando utilizando-se do governo chinês capitalista e devotado aos interesses das multinacionais que fazem da China a fábrica do planeta.

“O Bode Expiatório Yuan
O establishment dos EUA flerta com uma guerra monetária e de comércio com a China

Como se a economia mundial não fosse frágil o suficiente, os políticos dos EUA e da China parecem decididos a lutar uma guerra à moda antiga. Os EUA estão mais errados do que a China aqui, e é importante para entender o porquê, antes que os dois países enviem o mundo de volta à idade das trevas do “arruine-teu-vizinho” com o protecionismo cambial.

A batalha se refere à decisão da China de atrelar sua moeda, o Yuan, a uma taxa de 6,83 Yuan por dólar. Ouvindo o establishment político e empresarial americano falar, este preço (do Yuan em relação ao dólar) é a fonte de todos os problemas da economia global. O atrelamento mantém o Yuan “subvalorizado”, dizem eles, e isso alimenta as exportações da China e prejudica os EUA, a Europa e todos os outros. Se os chineses deixassem o Yuan “flutuar”, ele iria subir de valor, a vantagem das exportações da China iria cair, e os “desequilíbrios” no comércio global iriam acabar.

O presidente Barack Obama agarrou o tema e semana passada convidou Pequim a adotar “uma taxa de câmbio mais orientada para o mercado”, que “dará uma contribuição essencial para o esforço de reequilíbrio global”. Menos diplomáticos, 130 membros do Congresso, enviaram uma carta ao Tesouro nesta semana, exigindo que se a China não permitir que o Yuan se valorize, os EUA devem impor tarifas sobre as mercadorias chinesas. É só o que o mundo precisava: uma guerra comercial.

No âmago desse argumento há um engano básico da política monetária. Não existe livre mercado de moedas, como há para o trigo ou banana. Moedas são comercializadas nos mercados globais, mas sua oferta é controlada por um cartel de Bancos Centrais, que têm o monopólio da criação de moeda. A Reserva Federal controla a oferta global de dólares e, portanto, tem muito mais influência sobre o valor do dólar do que qualquer outro ator único.

A taxa de câmbio fixa também não é uma prática econômica nefasta rara nos assuntos humanos. A partir do final da Segunda Guerra Mundial até a década de 1970, a maioria das taxas de câmbio global foi fixada no âmbito do sistema monetário de Bretton-Woods criado por Lorde Keynes e Harry Dexter White. Esse sistema ruiu com a inflação oriunda nos EUA da década de 1970 e grande parte do mundo passou para “taxas de juros flutuantes.”

Mas, muitos países continuam a atrelar suas moedas ao dólar, e com a criação do euro a maior parte da Europa decidiu se mudar para um sistema de taxa fixa. A razão não é para obter alguma vantagem comercial contra seus vizinhos, mas para obter os benefícios econômicos de taxas de câmbio estáveis e em alguns casos, uma política monetária mais estável. A taxa de câmbio estável elimina uma importante fonte de incerteza para as decisões de investimento e comércio e fluxos de capitais.

O problema é que ao abrigo de um regime de taxa fixa um país perde alguma ou toda sua independência monetária. No caso dos países do bloco do euro, isto significa ceder ao Banco Central Europeu, e nos países do bloco do dólar significa ceder à Reserva Federal dos EUA.

Isso é o que a China fez com o seu Yuan atrelado ao dólar. Ao manter uma taxa de câmbio dólar-yuan fixa, a China tem subcontratado muito do seu poder monetário para o FED em troca dos benefícios da estabilidade cambial. Por mais de uma década, este tem servido bem à economia mundial, levando a uma explosão das trocas comerciais, a mercadorias mais baratas para os americanos que elevaram os padrões de vida dos EUA, e a uma nova prosperidade para dezenas de milhões de chineses.

Durante anos, o establishment dos EUA tem, no entanto, pressionado a China para “valorizar” o Yuan, em nome da redução do déficit comercial dos EUA. Não lembram que grande parte desse déficit é o comércio intra-empresa, com empresas dos EUA que terceirizam a produção para a China para permanecerem competitivas em nível mundial (e os trabalhadores e acionistas dos EUA se beneficiando). Pequim foi dobrada por um tempo, no meio da década passada, e aprovou um sistema de “crawling peg” (sistema de cambio flutuante entre valores decididos pela autoridade monetária), o que revalorizou o Yuan em cerca de 18%, mas isso teve pouco impacto sobre o déficit comercial. A China prefixou a taxa no meio do pânico financeiro de 2008, e agora o clamor americano por uma “revalorização” está crescendo novamente.

A China tem direito de resistir a esses apelos, no mínimo porque uma grande revalorização poderia prejudicar o crescimento da China. A China aprendeu com a experiência do Japão, o qual sofreu pressão monetária similar por parte do dólar nos anos 80 e 90, desvalorizando o Yen de 360 até 80 em 1995. Como o economista de Stanford Ron McKinnon tem mostrado, o resultado foi deflação interna no Japão e décadas perdidas de crescimento. Enquanto isso, o Japão continuou a manter um excedente comercial, mas as importações caíram com o menor crescimento interno e os preços externos ajustados. A China tem ajudado a guiar a economia global para que saia da recessão, e o mundo precisa que isso continue.

Uma alternativa proposta é para que a China mais uma vez, passe para um sistema de “crawling peg” (sistema de cambio flutuante entre valores decididos pela autoridade monetária), com uma valorização modesta. Mas, isso só iria trazer mais pressão sobre o Yuan, com o “hot-money” global e especuladores de moeda antecipando um aumento maior de yuans. Isto é especialmente verdade com o FED mantendo a taxa de juro em zero, o que também incentiva o “hot-money” para que vá para a China, em antecipação a um aumento do Yuan.

Isso não quer dizer que o arranjo atual é o ideal. O verdadeiro problema da China não é a sua paridade com o dólar, mas a falta de conversibilidade do Yuan em outras moedas e controles de capitais na China. Esses controles têm embotado o desenvolvimento do Yuan como moeda negociável, o que significa que os mercados privados não podem reciclar o fluxo de dólares para a China a partir do seu grande superávit comercial. Em vez disso, este trabalho é deixado para o Banco Central da China, que compra com yuans os dólares depositados em bancos chineses. É por isso que o Banco Central acumulou cerca de US$2,5 trilhões de dólares em reservas (para evitar uma explosão de yuans e inflação doméstica o Banco Central da China em seguida “esteriliza” os yuans pela emissão de títulos, mas isso é outro editorial).

A acumulação de reservas da China em dólar está contribuindo para a raiva do mundo em relação à China, e representa uma enorme má-alocação de recursos globais. Em vez de deixar suas reservas de dólares encontrarem o melhor uso privado como investimento, a China usa-os para comprar títulos do Tesouro dos EUA, ou títulos da Fannie Mae.

Uma solução seria fazer o Yuan conversível, e deixar os fluxos de capitais e comércio se ajustarem através de mercados privados, ao invés disso ser feito pelo Banco Central chinês.

É assim como a Alemanha recicla seu superávit comercial. Uma pequena revalorização para, digamos 6,5 Yuan por dólar, acompanhado da conversibilidade contribuiria com o ajuste global, evitando os perigos da deflação como no Japão.

O governo chinês resiste a abrir o mercado de capitais porque teme ter menos controle político. Pelo menos em um primeiro momento a conversibilidade do Yuan poderá também conduzir a um aumento de fuga de capitais da China, empresas e indivíduos chineses diversificando os seus capitais em moeda corrente e investimentos. Mas com o tempo e, provavelmente, rapidamente, os mercados poderiam se ajustar e alcançar um novo equilíbrio. A conversibilidade também aumentaria a pressão interna para a China liberalizar seu sistema financeiro.

Este é o lugar onde os EUA devem colocar a sua pressão diplomática, ao invés da taxa de câmbio. Ainda melhor seria uma declaração conjunta do Tesouro EUA-China, em nome desta mudança política, o que daria ainda mais credibilidade ao novo arranjo monetário.

Compreendemos que essas opiniões sobre a China divirjam da medicina duvidosa do Establishment dos EUA de bater e desvalorizar o dólar. Mas esperamos, pelo menos, introduzir uma nota de cautela na linha de culpar o Yuan e a China pela atual ansiedade econômica dos Estados Unidos.

É especialmente desanimador ver até mesmo os economistas e colunistas norte-americanos e europeus que vendiam estímulos keynesianos como uma panacéia econômica, agora nos dizerem que suas políticas poderiam trabalhar melhor somente se o preço do dólar-yuan fosse diferente. Porque as suas próprias idéias fracassaram eles agora querem fazer do Yuan um bode expiatório e arriscam uma guerra comercial com a China. Eles já não têm feito dano suficiente? (The Wall Street Journal, 18/Março/2010)

O economista Paul Krugman é um dos porta-vozes da burguesia nacionalista, protecionista cuja expressão maior nos Estados Unidos são os pequenos e médios empresários do setor de bens de consumo não duráveis como calçados, confecções, tecidos, e outros. Estes continuam nos Estados Unidos e são afetados diretamente pela concorrência dos produtos chineses. Mas, o certo é que uma parte destas mesmas empresas ainda terminará transferindo sua produção para a China. Lá produzem como “maquiadoras” montando produtos e depois enviam para os EUA novos “produtos chineses” mais baratos e com taxa de lucro ampliada.

Já Stephen Roach é porta-voz da burguesia norte-americana internacionalista como seu próprio capital. Ela pensa em termos globais e não nacionais mesmo se isso ainda tem um peso por conta de suas raízes e origens nacionais. Evidentemente seu jornal é o The Wall Street Journal, expressão do capital na época imperialista que sabe que o capital, nesta época em que vivemos só pode se realizar plenamente no espaço do mercado mundial.

A situação é bastante clara. Mesmo Paul Krugman percebe o que se passa nas profundezas ocultas da China. Em 17/12/2010, publica em seu blog do jornal The New York Times uma nota que confirma a análise aqui exposta sobre a natureza das decisões econômicas chinesas.

Confusões chinesas

A China parece jogar hoje em boa parte de nosso discurso o mesmo papel que o Japão jogava há duas décadas. Nós olhamos para nossas loucuras – que são imensas – e depois olhamos para os chineses e atribuímos a eles todas as virtudes de previdência e determinação que nos faltam.

Mas, assim como os japoneses, os chineses são humanos, e suas autoridades políticas estão sujeitas aos mesmos tipos de confusão e incapacidade de tomar decisões difíceis que fazem parte da condição humana. E a política macroeconômica dos chineses está em vias de se tornar uma história edificante.

A economia básica diz que, ao decidir manter o Yuan subvalorizado, os chineses se colocaram sob pressão inflacionária: e, de fato, a inflação está rapidamente se tornando um problema grave.

Mas as considerações políticas parecem estar regendo todas as repostas racionais. Eles não revalorizarão o câmbio porque isso prejudicaria exportadores politicamente influentes. Eles relutam em elevar as taxas de juros porque isso prejudicaria empreiteiros imobiliários politicamente influentes. Eles estão tentando impor limites quantitativos ao crédito, mas estão descobrindo que os que tomam empréstimos têm suficiente influência para contornar os limites. E agora estão tentando controles de preços – o que inevitavelmente fracassará a menos que eles façam alguma coisa sobre as pressões subjacentes.

É um espetáculo edificante.

Agora, a Schadenfreude (alegria pela tristeza dos outros) não deve autorizar nenhuma complacência de nossa parte: a China pode ser corrupta e incapaz de fazer escolhas delicadas de curto prazo, mas, em termos de incapacidade fundamental para lidar com problemas de longo prazo, nós ainda ganhamos feio. Mesmo assim, não custa lembrar que os gigantes têm pés de barro.” (Paul Krugman, The New York Times, 17/12/2010).

Numa situação internacional marcada por uma profunda crise econômica duas almas ocupam o mesmo corpo burguês imperialista. A tendência ao protecionismo é a primeira reação entre os burgueses acostumados ao “cada um por si e deus por todos”, próprio do sistema capitalista. Mas, os protecionistas que acreditam poder se “recolher” no espaço nacional, têm que conviver com seu duplo que se move pelos interesses do capital financeiro e internacional e, portanto, raciocina em termos globais.

Estes últimos contam ainda com a existência dos órgãos econômicos multilaterais erguidos pelo capital nas últimas décadas e que respondem não apenas aos interesses nacionais das burguesias imperialistas (norte-americana, alemã, etc.), mas aos interesses globais do capital que dependem de uma equação financeira internacional delicada.

O resultado deste cabo de guerra não está decidido e dependerá do desenvolvimento da economia dos EUA e da Europa, do aprofundamento ou suavização momentânea da crise e dos resultados da luta de classes nestes países. A política é a economia concentrada.

É por isso que mal o FED acaba de anunciar a compra de U$600 bilhões em títulos e Obama vem anunciar mais um pacote de U$900 bilhões em desoneração fiscal e outras medidas. E é por isso que o governo Dilma nasce como um governo de cortes de Orçamento e de “austeridade”. Mas, é a luta de classes que vai dar a última palavra.

O berço do capitalismo se arruinando

A crise chegou à Europa em 2008 batendo forte e não foi mais embora. Uma vaga de revoltas percorre o velho continente que começou com a Grécia, passou pela Espanha, foi a Portugal, invadiu Londres, espalhou pânico na Irlanda, varreu a França e viajou para a Itália. Sem falar nas menos significativas, ou apenas menos visíveis manifestações em outros países. O fato é que a classe trabalhadora européia, que muitos tipos ditos de esquerda já haviam caracterizado como “aburguesada”, está de novo surpreendendo seus próprios dirigentes e despertando as simpatias de todos os trabalhadores do mundo.

Num artigo intitulado “A Europa em crise” Alan Woods, marxista britânico, analisa a situação do velho continente. A seguir se reproduz largos extratos deste excelente artigo, pois ele dá um claro panorama da situação européia e das suas perspectivas.

Ele diz:

O título do artigo do ‘The Economist’ diz tudo: ‘Europa: mais dores, poucos ganhos’. Em toda a Europa, os governos estão lutando para manter enormes déficits sob controle.

Com essa finalidade, passam a fatura para a classe trabalhadora e classe média. Pouco a pouco, a verdade está começando a se evidenciar aos olhos dos trabalhadores, que enfrentam todo um período de cortes e ataques aos seus níveis de vida. E estão reagindo.

Como sempre, os trabalhadores franceses estiveram na vanguarda da ação militante, com greves gerais e manifestações de massa. Mas o movimento está começando em todas as partes. No sábado, 27 de novembro, houve uma manifestação de 100 mil em Dublin (Irlanda). A recente greve geral em Portugal teve apoio massivo (80-85%, segundo os dirigentes sindicais – a maior desde a Revolução dos Cravos).

Na Espanha, houve uma greve geral em 26 de setembro. Na Itália, houve manifestações massivas, convocadas pela central sindical CGIL e pela Federação do Metal, a FIOM. Na Grécia, realizaram-se de oito a nove greves gerais neste ano. Na Grã-Bretanha, houve manifestações de estudantes em todas as principais cidades em protesto à proposta de aumento das taxas estudantis.

(…)

A crise continua

Os anos de bonança se basearam em grande medida na gigantesca expansão do crédito, que se refletiu no enorme aumento dos níveis da dívida privada, antes da crise, e nos níveis sem precedentes da dívida pública, depois dela. Depois da farra, vem a ressaca. Os governos trataram de sair da crise mediante o estímulo de suas economias, o que somente significa que o mundo rico tem um monte de dinheiro para devolver. Esta é uma das razões pelas quais a recuperação se atrasará e haverá uma crise depois de outra.

À medida que os mercados se davam conta do estado real das finanças públicas no mundo desenvolvido, houve um crescente nervosismo ante o problema da dívida soberana, a dívida pública. E o problema vai aumentar muito mais. Em 2011, os montantes da dívida pública que vencerão nos EUA e na zona do euro serão ainda maiores que em 2010. Ascenderão a 3,5 trilhões, em comparação aos 3,1 trilhões, segundo a Bloomberg.

Neste momento a atenção se concentra nas economias periféricas da zona do euro (Irlanda, Portugal e Grécia). A corrente do capitalismo europeu está se rompendo por seus elos mais fracos. Mas a cada novo elo que se rompe a força da corrente se aproxima do limite de sua ruptura. Cedo ou tarde esse limite será alcançado.

(…)

Isso é só o começo. Indica que há efervescência em todos os níveis da sociedade e que deve encontrar sua expressão dentro das fileiras do movimento dos trabalhadores. Os dirigentes sindicais estão desesperados para chegar a um acordo com a burguesia, mas há um problema: a burguesia não tem nada para oferecer. Não somente não pode oferecer nenhuma contrapartida, como também não pode mais tolerar que continuem os benefícios conquistados pelos trabalhadores no passado.

(…)

Quem paga a conta?

Os governos estão andando na corda bamba, tratando de tranquilizar os mercados mediante a aplicação de cortes brutais em nome da “disciplina orçamentária”, tratando de não causar danos irreparáveis em suas economias. Mas isso é como tentar enquadrar o círculo. No final, os programas de austeridade na Europa não vão resolver nada, somente piorarão a crise. É muito possível que a recuperação se veja afetada pelo endurecimento da política fiscal, especialmente na Europa.

Os pacotes de resgate para a Grécia e Irlanda tinham por objetivo demonstrar aos mercados financeiros que o euro estaria a salvo em 2011, já que a existência de um enorme fundo de reserva significa que há um investidor de último recurso a postos para a dívida da zona do euro. Mas isso de forma alguma garante o futuro do euro.

Em 29 de outubro, os líderes da União Européia concordaram que deveriam reabrir os tratados para “estabelecer um mecanismo de crise permanente” que inclua “o papel do setor privado”. Os mercados tomaram isso como um sinal de que os possuidores de bônus se encarregariam de pagar os futuros resgates dos países da zona do euro com problemas. Imediatamente começaram a descarregar seus bônus de dívida dos países mais expostos, a saber, Irlanda e Portugal.

Em 21 de novembro, o governo irlandês cedeu finalmente à pressão da União Européia para buscar um resgate de emergência da UE e do FMI no valor de 85 bilhões de euros (115 bilhões de dólares). Quando o governo grego obteve o resgate de 110 bilhões de euros em maio e se criou um fundo de ajuda conjunto UE/FMI de 750 bilhões de euros para financiar isso, o mercado se recuperou. Mas desta vez as grandes agências de qualificação creditícia reagiram negativamente.

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Alemanha – o país chave da Europa

Visto que os governos tomaram a decisão de financiar as perdas de seus grandes bancos, sua solvência está totalmente vinculada ao balanço destes últimos. O problema é que ninguém sabe a quantidade de dívidas impagáveis dos bancos. De acordo com a agência de crédito Moody’s, as instituições que controla alcançarão níveis de dívida de 1,8 trilhões de dólares em 2011. A essa cifra há que se acrescentar os bancos que não estão na lista da Moody’s. Dessa forma, a quantidade total será muito maior. Ninguém sabe quanto.

Isso se aplica particularmente aos bancos europeus, que enfrentarão enormes refinanciamentos em 2011. Nos anos de auge, esses bancos ganharam grandes quantidades de dinheiro com a especulação. Agora, esperam que suas perdas sejam indenizadas pelos bancos centrais. Estes últimos são vistos como uma espécie de cornucópia – uma cornucópia mágica que lhes facilita toda a liquidez necessária. Mas os recursos dos bancos centrais não são ilimitados.

Espera-se agora que a Alemanha esgote todo o seu dinheiro e seu crédito para recuperar toda a zona do euro. Se fosse apenas um problema da Grécia, Irlanda e Portugal, talvez isso fosse possível. Contudo, a Espanha é um assunto completamente diferente. É a quarta economia da zona do euro, com um PIB e uma população maior que aqueles três países juntos. Os 750 bilhões de euros do Fundo Europeu de Estabilidade Européia não foram projetados para proteger a Espanha, nem os outros países débeis da zona euro. Em maio passado, quando foi criado, parecia pouco provável que necessitasse ser usado.

Até agora, a Alemanha vem respaldando os resgates, embora maldiga isso constantemente. Mas, estará disposta a pagar pela Espanha? Merkel e seu ministro de finanças, Wolfgang Schäuble, estão bem conscientes de que cada vez mais há ressentimentos na Alemanha acerca dos resgates. Também sabem que o Tratado de Maastricht de 1992 não continha provisões para resgates, um fato que o Tribunal Constitucional alemão poderá assinalar a qualquer momento. A revista Bild perguntava recentemente: “Primeiro os gregos; em seguida, os irlandeses… Então, vamos ter de pagar por todos na Europa?”.

(…)

A ameaça dos mercados de bônus não apenas pende sobre as cabeças dos países débeis, como Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha. Lança-se sobre toda a Europa e ameaça desmoronar o euro. Quando o euro foi lançado em dezembro de 1995 assinalamos que os Estados membros tinham economias tão radicalmente diferentes que se encontrariam ante a impossibilidade de marchar ao mesmo ritmo e com as mesmas políticas fiscais e monetárias. Explicamos que era impossível unir economias que estão puxando em diferentes direções. E previmos que, numa crise, o euro desabaria em meio a recriminações mútuas. Esta situação está sendo alcançada rapidamente.

Durante algum tempo parecia que a zona do euro poderia ter êxito. Na base de um auge geral do capitalismo mundial, os capitalistas europeus foram capazes de chegar a um acordo de cavalheiros. Mas, agora, tudo mudou. O resgate da Irlanda vem dar-nos a razão sobre o euro. Agora, a União Européia está tratando desesperadamente de deter a propagação do contágio que ameaça a própria existência do euro. O The Economist recentemente advertiu: “Quando os recursos se tornam escassos, as disputas sobre o que se deve repartir se tornam muito mais intensas”. Isso diz tudo em poucas palavras.

O futuro do euro depende exclusivamente da Alemanha e do Banco Central Europeu – que são efetivamente a mesma coisa. A Alemanha é a economia mais forte da Europa e está obrigada a financiar as perdas da zona euro. Contudo, essa carga é provavelmente maior do que pode suportar. O euro está, dessa forma, destinado a cair e ninguém sabe até onde. Alguns estimam que o euro poderia cair 15% ou mais frente ao dólar nos próximos 6 a 12 meses, mas ninguém sabe ao certo.

Agora, há temores reais de que a crise do euro se espalhe ainda mais na União Européia. A Europa enfrenta um longo período de incerteza, crise, especulação e austeridade. Países como a Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia estarão sob pressão para intensificar ainda mais os ataques aos padrões de vida.

Embora a Grã-Bretanha não forme parte da zona do euro, não pode se manter à margem da crise européia em geral. Viu-se obrigada a participar no resgate da Irlanda, não por altruísmo, mas pela exposição dos bancos britânicos e por outros interesses na economia irlandesa. Como uma queda em dominó, a hora da Grã-Bretanha chegará. E embora ninguém goste que seja mencionado, a saúde das finanças da América do Norte não é melhor que a da Europa.

Os reformistas acreditam que seja possível voltar à época do auge econômico que se seguiu à II Guerra Mundial e que permitiu à burguesia da Europa e dos EUA fazer grandes concessões à classe trabalhadora para dissipar o vapor da luta de classes. Mas isso agora é impossível. Todos os mecanismos normais para se sair de uma recessão já foram utilizados durante o auge. As taxas de juro estão próximas do zero e não podem ser reduzidas mais. O déficit massivo descarta a possibilidade de obras públicas em grande escala.

A denominada expansão quantitativa (quantitative easing) – emissão de papel moeda – é uma medida desesperada que ameaça com uma explosão da inflação no próximo período. Por outro lado, as tentativas de reduzir o déficit com cortes do gasto público reduzirão a demanda e poderão precipitar uma nova recessão. Em outras palavras: “todos os caminhos levam à ruína”. (Alan Woods, A Europa em Crise).

É evidente que o que se passou na França e nos outros países europeus é uma situação transitória. O ataque que a burguesia imperialista européia desencadeia contra as massas vai continuar encontrando resposta na luta de classes. Os trabalhadores estão fartos de terem permanentemente suas conquistas ameaçadas ou retiradas em nome de uma crise que é produto da ação anárquica e irresponsável, da voracidade dos capitalistas e dos mecanismos internos deste regime.

Mas, por mais que as massas se mobilizem e resistam isso não pode ser feito indefinidamente contra os dirigentes das organizações operárias de massa e sem poder contar com elas. As massas tentam utilizar essas organizações em sua luta e esbarram permanentemente com esses dirigentes vendidos para o capital. Vimos isso em todos os países. Eles são o obstáculo real.

Na verdade, o principal e mais poderoso obstáculo político que as massas têm encontrado em sua luta contra o regime da propriedade privada dos grandes meios de produção são esses dirigentes e seus aparelhos a serviço do capital. Das menores reivindicações às grandes e magníficas mobilizações de centenas de milhares e de milhões de trabalhadores e jovens, eles se deparam com esses obstáculos que devem enfrentar e superar. Este é o verdadeiro empecilho a romper para desatar as mobilizações de milhões e milhões de trabalhadores, que se pondo em movimento por seus próprios interesses, varrerão o capitalismo na Europa.

Os trabalhadores deverão em suas lutas construir novos dirigentes e tomar as velhas organizações ou nesta luta construir novas. Sem isso teremos uma situação convulsiva indefinida e um afundamento na barbárie.

A situação de organização da classe trabalhadora

Apesar de todos os ataques dos últimos anos contra os sindicatos e os movimentos sociais, apesar da crescente criminalização dos dirigentes e do silêncio do governo Lula sobre a questão, apesar da incansável política de colaboração de classes dos dirigentes sindicais e políticos da classe trabalhadora, as organizações sindicais e políticas que os trabalhadores construíram continuam existindo poderosas e organizadas.

Essa é uma diferença importante em relação a toda a América Latina (exceto o Uruguai) e explica muito do caráter do governo brasileiro, sua tentativa de harmonizar capital e trabalho, assim como sua política externa que às vezes aparece com traços “progressistas”. É por isso que aceita e defende Zelaya na embaixada de Honduras, mas mantém as tropas brasileiras a serviço do imperialismo massacrando o povo do Haiti.

Na Argentina, os trabalhadores não têm um partido operário de massas e estão divididos em duas Centrais Sindicais que praticam a colaboração de classes.

No Chile, a combativa classe operária que construiu os Cordões Industriais (embriões de Soviets) nos anos 70, após Pinochet e a traição dos partidos de esquerda, não tem mais verdadeiros partidos operários como teve por décadas, e nem mesmo sindicatos, ou central sindical, dignos deste nome.

Na Bolívia, a COB está dividida, paralisada e em profunda confusão política, ao mesmo tempo em que não há um verdadeiro partido operário de massas no país. O MAS é um partido pequeno-burguês com setores radicalizados e outras tantas camarilhas, apesar de que hoje ocupa (por ausência e recusa permanente dos dirigentes da COB em construir tal partido) o lugar de um partido da classe trabalhadora.

No Equador, a confusão é enorme com as massas majoritariamente apoiando um presidente “progressista” que busca governar sem partido, e em geral contra os sindicatos, no mais puro estilo bonapartista. Manda retirar a base norte-americana de Mantra, mas mantém o dólar como moeda oficial do país. Enfrenta e nega as reivindicações sociais ao mesmo tempo em que reequipa as forças burguesas de repressão.

Na Venezuela, o PSUV se constrói em uma luta profunda entre a classe trabalhadora e a burocracia partidária e governamental, que busca manter o capitalismo e se tornar uma nova camada burguesa. É um partido operário em disputa e que ainda não tem futuro decidido e nem orientação clara. A política de Chávez de estatizar empresas (mais de 400 desde 1999, sendo 200 em 2010) encontra apoio nos trabalhadores, mas se choca com os interesses da “boliburguesia” e a burocracia que tentam confiscar a revolução. A UNETE, Central Sindical em processo de construção ainda não tem capacidade política e organizativa para ser um instrumento nacional de peso, como a CUT brasileira, graças à política de divisão de seus dirigentes onde se combinam sectarismo com oportunismo.

No Brasil, o movimento operário mantém suas grandes organizações, o PT e a CUT. É isso que explica a vitória da candidata do PT, Dilma Rousseff, nas eleições presidenciais. Apesar da política de colaboração de classes dos dirigentes operários políticos e sindicais e de toda a criminalização dos movimentos sociais desenvolvida pelo aparelho de Estado brasileiro, as grandes organizações operárias seguem praticamente intactas. E não foram pequenos os ataques e tentativas de destroçá-las direta e indiretamente.

A cenoura, o porrete e a criminalização

Há uma combinação da política de envolvimento das organizações operárias na gestão do Estado burguês e das empresas através de todo tipo de políticas de “Tripartismo”. Essa é a política preferida hoje em dia pela maioria dos dirigentes operários e populares. Quando ela não funciona, o aparelho de Estado faz saber quem realmente manda usando todos os seus recursos.

Nas recentes manifestações e greves na França vimos os dirigentes das centrais sindicais durante o ano arrastar fraudulentas “negociações” com o governo Sarkozy buscando colaborar de alguma forma na “reforma” da Previdência. Quando tudo saiu do controle e as greves começaram a estourar pela base enquanto os dirigentes se recusavam a organizar a Greve Geral o governo passou à repressão direta nos locais de trabalho e contra a juventude. Podemos citar dezenas de casos semelhantes no mundo.

No Brasil, essa política também foi e está sendo aplicada.

Foi o Executivo, o Ministério da Previdência, que pediu a intervenção policial-militar na Cipla em 2006/2007 e continua utilizando largamente a PF, a PM e a Policia Civil para intimidar e perseguir militantes. Como é o caso do MST (dezenas de presos e condenados), dos Sem-Teto (Gegê continua perseguido), de sindicalistas (perseguidos e condenados de diferentes formas), entre outros. Sempre sob a capa do respeito à lei e à ordem estabelecida. Como se essa fosse a função de um partido socialista e de um governo eleito pelas massas trabalhadoras para tirá-las do inferno da exploração e opressão capitalista.

O Judiciário, frente ao silêncio e, ou, a colaboração do governo, arvorou-se em legislador e governante decidindo que, no Brasil, a questão social é simplesmente um caso de polícia. Aliás, sem inovar, pois essa é a regra no mundo hoje, frente à incapacidade da burguesia de disciplinar o movimento operário e camponês por medidas abertas de força. Em Honduras, um golpe preventivo que deveria ser apenas uma revolução palaciana desencadeou uma situação revolucionária que nem a repressão sanguinária e desmedida conseguiu até agora fazer refluir inteiramente. É só olhar a Grécia, a França, a Espanha, Portugal, Inglaterra e Itália onde sem o concurso direto ou indireto dos dirigentes sindicais, a burguesia não consegue aplicar seus planos de austeridade e nem pacificar as ruas.

A perseguição judicial se tornou a regra para tentar quebrar os movimentos, destroçar as organizações, liquidar os militantes que não se dobram à voracidade e à violência da classe dominante brasileira, sócia menor e capataz do imperialismo nas terras do Brasil. O pavor das classes dominantes frente aos movimentos de massas dá uma medida de sua fragilidade e de sua disposição de defender com unhas e dentes, a ferro e fogo, seus privilégios mesquinhos e degenerados. É assim que hoje tentam impedir a classe operária e seus aliados, os Sem-Terra, os pequenos proprietários rurais, os trabalhadores assalariados do campo e da cidade, a juventude, de abrir caminho para o socialismo.

Mas, apesar de tudo, as elites continuam em pânico. É por isso que Paulo Setúbal, presidente do Itaú, declara que “Lula é dez, com estrelinhas. Nunca se ganhou tanto dinheiro. O governo está ótimo. O problema ainda continua no PT, pois apesar da evolução, lá dentro ainda continuam existindo viúvas do socialismo”. Em outras palavras, esse reacionário banqueiro teme que se as circunstâncias econômicas mudarem a classe operária se utilize do PT para tentar um ataque contra seus exploradores e surja daí uma corrente revolucionária de massas. Esse é o pânico.

E o mesmo se aplica a todos os patrões em relação à CUT. Eles temem que os dirigentes “sensatos e modernos”, que hoje os ajudam a manter e a elevar a taxa de exploração dos trabalhadores, não consigam em determinado momento controlar mais suas bases, que ainda têm os meios de se expressar através dos sindicatos e da CUT. Eles temem o transbordamento dos sindicatos e a irrupção das massas diretamente na cena política tomando as ruas em nome de suas reivindicações. E que a classe operária se levante nas fábricas com greves e ocupações.

Fim da 1ª Parte

* Serge Goulart é membro do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores e dirigente da corrente Esquerda Marxista.

Sumário

1ª Parte

  • Perspectivas e tarefas
  • A guerra que importa ao imperialismo: a guerra comercial sem quartel
  • A China e os Estados Unidos
  • O berço do capitalismo se arruinando
  • A situação de organização da classe trabalhadora
  • A cenoura, o porrete e a criminalização

2ª Parte clique aqui

  • Como se forja um falso paraíso
  • A realidade que tira o sono de capitalistas e reformistas
  • Brasil, país dominado pelo imperialismo
  • O desenvolvimento desigual e combinado do Brasil e as diferentes formas em que se apresenta a dominação imperialista
  • Mudança de pele na economia brasileira, adequação às novas necessidades do capital internacional

3ª Parte clique aqui

  • A crise internacional continua e ameaça o Brasil
  • A situação da burguesia e a crise dos partidos burgueses
  • A política de colaboração de classes e suas consequências no movimento operário
  • O que é o governo Dilma/Temer e quais são as perspectivas
  • A orientação fundamental do governo Dilma/Temer
  • “Nova equipe econômica defende austeridade”

4ª Parte clique aqui

  • O movimento operário tem as forças intactas e vai se chocar com a política do governo apesar dos dirigentes
  • Perspectivas
  • Ruptura com os partidos burgueses e o imperialismo. Governo Socialista dos Trabalhadores

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