Este artigo é uma contribuição ao debate sobre a luta por moradia no atual cenário político brasileiro. O papel central cumprido pelo MTST na luta de classes implica a necessidade de uma análise por parte dos marxistas.
Este artigo é uma contribuição ao debate sobre a luta por moradia no atual cenário político brasileiro. O papel central cumprido pelo MTST na luta de classes implica a necessidade de uma análise por parte dos marxistas.
Além de suas ocupações de luta por moradia, em prédios e terrenos ociosos, o MTST está engajado em diversas outras atividades. Neste momento, o coordenador do movimento Guilherme Boulos é um dos expoentes da luta contra o impeachment, caracterizado por ele – como por tantos outros – como um “golpe”. Por estas e outras ações, o MTST, de fato, tem cumprido um papel de destaque na luta de classes.
Recentemente, por exemplo, foi possível vê-lo atuando em apoio ao vitorioso movimento estudantil secundarista nas ocupações de escolas contra a reorganização escolar do governo Alckmin, que pretendia fechar 94 escolas, além de atacar o turno noturno, especializar as escolas em determinados ciclos e fechar salas.
No dia 23 de setembro de 2015, o MTST ocupou o saguão da recepção do Ministério da Fazenda em São Paulo, junto com representantes do ANDES (Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior), contra o ajuste fiscal proposto pelo ministro Levy. Os docentes também reivindicavam sua própria pauta, pois estavam então em greve há mais de 116 dias. Segundo o site da Folha, cerca de 8 mil militantes do MTST se concentraram na estação da Luz e caminharam até a sede do Ministério, onde houve ameaça de confronto com a polícia, que afirmou que não interferiria enquanto o protesto fosse “pacífico”. Houve protesto semelhante na sede do ministério em Brasília.
De acordo com uma entrevista concedida por Boulos ao mesmo site, os atos foram contra os cortes do governo federal nos gastos com programas sociais e pelo lançamento da terceira fase do Programa Minha Casa Minha Vida. Ele explicava que não é contra o governo ajustar as contas, mas que o ajuste seja “em cima dos mais ricos, com taxação das grandes fortunas, dividendos e remessas de lucro, além de uma auditoria da dívida pública”[1].
Outra questão importante é que no dia 8 de outubro de 2015 foi lançada, com base na iniciativa do MTST, a Frente Povo sem Medo, com a participação da CUT, CTB, Intersindical- CTB, UNE e UBES, e apoiada por organizações políticas como o PCR, correntes do PSOL, e outras organizações, incluindo a Esquerda Marxista. Guilherme Boulos teve papel preponderante nesta atividade.
A primeira grande manifestação da Frente Povo sem Medo, no dia 18 de novembro reforçou essa condição de liderança.
As posições políticas do MTST assumem hoje enorme importância pelo papel que este ocupa no cenário atual. Desde as jornadas de junho de 2013, a situação política brasileira mudou e abriu-se uma nova etapa. Milhões saíram às ruas, primeiro em luta por redução em preços das passagens de ônibus, mas rapidamente por outras diversas reivindicações. Grande parte da juventude descobria, pela primeira vez, o sabor de tomar as ruas e discutir política. De forma muito confusa, a juventude levantou a cabeça e decidiu lutar.
A repressão policial, em junho de 2013, teve efeito diferente dos anos anteriores. O movimento cresceu, não se acovardou e a juventude descobriu que não tem necessariamente que se calar e voltar para casa. O acúmulo das experiências passadas, as diversas tentativas de mobilização, suas derrotas e seus acertos durante anos de reajustes nos preços das passagens somados à repressão policial culminaram na explosão de junho de 2013. Mas uma explosão inesperada dispara estilhaços para todos os lados. Nenhuma das organizações tradicionais dos trabalhadores e da juventude brasileira estava pronta para aquilo. E mesmo que estivessem prontas, já estavam tão distantes das lutas do povo que em nada poderiam alterar o quadro. Nem UNE, CUT ou PT cumpriram qualquer papel dirigente neste movimento, que começou convocado pelo MPL, mas que logo o ultrapassou.
A juventude que só conhece o PT do governo, e que se conhece seu passado de lutas é pelos livros de história e relatos dos mais velhos, lutou contra ele como luta contra qualquer outro governo. Depois que os jovens foram para casa, o ano de 2014 trouxe consigo importantes movimentos grevistas, que vêm até hoje mostrando a crescente disposição de luta dos trabalhadores. Em muitas ocasiões, as bases estão atropelando as direções sindicais burocráticas e impondo greves em assembleias massivas.
Diante da grande mudança no estado de ânimo do povo e seu cada vez maior descontentamento com o governo federal dirigido pelo PT, o Partido dos Trabalhadores viu sua autoridade frente aos movimentos sociais afundar. Com isso, a burguesia levantou a cabeça. Desde então, sem encarar o PT como um instrumento de resistência do povo, ela vem lançando ataque após ataque.
Com a ruptura cada vez mais acelerada com as direções tradicionais dos trabalhadores, movimentos que não se identificam claramente com os mais conhecidos líderes petistas e que não estão alinhados com o governo federal, ganham evidência. Atualmente, um dos principais deles é certamente o MTST, do qual o líder, Guilherme Boulos, assumiu um papel destacado no cenário político nacional.
As maiores manifestações de rua promovidas por organizações dos trabalhadores e movimentos sociais no último período tiveram importante contribuição do MTST. Nas manifestações, Boulos fala diretamente a dezenas de milhares de pessoas e suas posições reverberam em grande parte do movimento dos trabalhadores. Pela internet, são muitas as entrevistas e artigos de sua autoria ou sobre suas declarações. O site da UOL, ligado à Folha de São Paulo, reserva-lhe uma coluna regular. Grande parte dos jovens que saíram em 2013 às ruas para lutar por suas reivindicações e não encontraram amparo nas organizações tradicionais da classe trabalhadora brasileira viram e veem neste movimento um ponto de apoio independente.
O presente ataque brutal da burguesia contra os direitos dos trabalhadores e as liberdades democráticas, torna ainda mais importante esta análise.
Embora carregada de contradições, a postura política da Frente Povo sem Medo, com Boulos à frente, que formula uma saída política pela esquerda, sem dar cobertura ao governo do PT – como faz a Frente Brasil Popular – combatendo centralmente o Ajuste Fiscal e os ataques da burguesia aos trabalhadores, cria em torno de Boulos um ar de independência política e estimula em seus apoiadores uma perspectiva ilusória de organização independente e verdadeiramente revolucionária.
Por isso, é necessário nos determos sobre o que significam suas propostas.
O que é e o que defende o MTST? No site do movimento, podemos ler em “Quem somos”:
“Somos um movimento de trabalhadores. Operários, informais, subempregados, desempregados que, como mais de 50 milhões de brasileiros não tem sequer moradia digna. Vivemos de aluguel, de favor ou moramos em áreas de risco pelas periferias urbanas do Brasil.
No final da década de 1990, iniciamos nossa trajetória de luta contra a especulação imobiliária e o estado que a protege. Todos sabem que as grandes cidades brasileiras, cada vez mais ricas, escondem nas periferias a enorme pobreza daqueles que as constroem.
Nosso objetivo é combater a máquina de produção de miséria nos centros urbanos, formar militantes e acumular forças no sentido de construir uma nova sociedade. A ocupação de terra, trabalho de organização popular, é a principal forma de ação do movimento. Quando ocupamos um latifúndio urbano ocioso, provamos que não é natural nascer, viver e morrer pobre e oprimido. Não aceitamos a espoliação que muitos chamam de sina.
Ao montar barracos de lona num terreno vazio e organizar os trabalhadores para lutar, cortamos a cerca nada imaginária que protege a concentração de riqueza e de terra nas mãos de poucos. E em alto e bom som gritamos: chegou a nossa hora. Criar poder popular!!”
Na cartilha de princípios do MTST, que pode ser acessada em seu site, temos a seguinte explicação sobre os desafios de uma ocupação:
“Por que fazemos ocupações? Alguns companheiros respondem: “Para conseguir moradia! ”. Mas é só isso que queremos? Ficaremos satisfeitos se, daqui há 10 ou 20 anos, olharmos para trás e virmos apenas um monte de conjuntos habitacionais? De nada adianta conseguirmos moradias e a vida continuar do mesmo jeito, com o capitalismo impondo suas leis. Por isso, a ocupação tem para nós um sentido muito maior do que a luta por moradia: é uma forma de formarmos novos militantes para a luta, de construir referência nos bairros de periferia e de mostrar para os trabalhadores que – com união e organização – temos poder de enfrentar este sistema. Nossas ocupações devem ter sempre este horizonte!”
Não se pode questionar a coragem dos militantes que organizam as ocupações e atos do MTST ou a relevância das suas lutas pelo direito à moradia. Inclusive, suas lutas vão para além da questão da moradia, envolvendo transporte, direitos trabalhistas e assumem caráter ainda mais político, colocando-se contra o ajuste fiscal proposto por Dilma. Mais que isso, propõe o “Poder popular”. Estão, portanto, sem dúvida alguma, do lado do conjunto da classe trabalhadora. Mas quando o próprio movimento deixa claro que não luta “apenas” para conseguir moradia, que tem um “horizonte”, torna-se necessário analisarmos, à luz do marxismo, o significado deste horizonte.
Sim, companheiros! Como dizem, com união e organização, os trabalhadores podem enfrentar o sistema. Mas o que significa enfrentar o sistema, enfrentar para quê? O que propomos em seu lugar?
É aí que reside a fonte dos problemas do MTST. É possível enfrentar o sistema e reivindicar o lançamento da terceira fase do Projeto Minha Casa Minha Vida (MCMV), ao mesmo tempo? Cremos que não. Não tapamos os ouvidos às contínuas críticas que o MTST faz ao MCMV. Sabemos que não consideram este projeto um modelo e o criticam duramente. Porém, contraditoriamente, ele consta em suas pautas de reivindicações, com este mesmo nome.
Sem ter em vista a abolição da propriedade privada dos meios de produção e a expropriação das grandes parcelas de terra, a estatização das grandes construtoras e empreiteiras, dos bancos, a ocupação compulsória dos imóveis residenciais vazios, não pode haver realmente solução para a situação de penúria de habitações em nossas cidades. Um programa de redistribuição da terra urbana que mantenha a produção capitalista da casa e da cidade e que mantenha existindo o mercado imobiliário onde casas são produzidas para a venda nunca resolverá o problema.
Em junho de 2013, no turbilhão que envolvia a juventude brasileira, o MTST foi chamado a sentar-se à mesa de negociações com a presidente Dilma. Em nota publicada em seu site, o movimento apresentou sua pauta de reivindicações:
“Levaremos para Dilma os seguintes pontos de pauta em relação à Reforma Urbana:
– Combate à especulação imobiliária, federalizando a implementação do Estatuto da Cidade e encaminhando ao Congresso projeto de Nova Lei do Inquilinato.
– Implantação de política federal de desapropriação de terrenos ociosos e destinação de terrenos da União (SPU) para habitação popular.
– Política de combate a despejos forçados, criando Secretaria específica no Ministério das Cidades.
– Qualificação e desburocratização do Programa MCMV Entidades, aumentando os recursos destinados e estabelecendo tamanho mínimo de 55 m2 para as habitações.
– Construção de política federal de aluguel social.
Além disso, defenderemos as bandeiras gerais que têm mobilizado os trabalhadores das periferias em suas lutas:
– Não à violência policial nas periferias. Contra a criminalização das lutas populares!
– Saúde e Educação “Padrão FIFA”. Nada de dinheiro para a Copa e Olimpíadas!
– Controle sobre o valor dos aluguéis. Contra as remoções!
– Tarifa Zero para o transporte público!
– Redução da jornada de trabalho para 40 hs semanais, sem redução de salário! ”
Em março de 2015, o MTST, em conjunto com a Frente Nacional pela Reforma Urbana, fez manifestações com ocupação de ministérios e outros atos pelo país e chegaram a travar 30 rodovias, exigindo do governo federal, resumidamente, as seguintes reivindicações:
-Liberação do 3º lote do Minha Casa Minha Vida
– que esta nova fase do MCMV dê prioridade à modalidade Entidades, em que a gestão dos recursos é feita pelos futuros moradores, através de suas organizações próprias.
-Implementação do IPTU progressivo no tempo, conforme previsto no Estatuto da Cidade.
-Imposição de tetos para os preços de aluguéis, com o governo apresentando ao Congresso uma nova proposta de Lei do Inquilinato.
O único compromisso assumido por Dilma foi a criação de uma Comissão Federal de Acompanhamento e Prevenção de Despejos Forçados.
Para analisar a pauta de reivindicações do MTST e o programa político que lhe sustenta, é preciso passar por um caminho prévio, retomando alguns ensinamentos do marxismo.
Os marxistas e a questão da habitação
Já no Manifesto Comunista, Marx e Engels explicaram o papel da cidade moderna no desenvolvimento do modo de produção capitalista:
“A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos, aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da vida rural. Do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, ou países bárbaros e semibárbaros aos povos burgueses, o oriente ao ocidente” (Manifesto do Partido Comunista, 1948)
Suprimindo rapidamente as relações de produção feudais, o capitalismo reorganizava o espaço urbano para adequar-se ao novo modo de produção.
A cidade moderna é o resultado de uma enorme concentração dos meios de produção (oficinas e, mais tarde, as grandes fábricas) e dos trabalhadores, em favor do sistema capitalista.
O campo abastece a cidade, onde se faz a transformação das matérias-primas, com base na indústria explorando o tempo de trabalho comprado do proletariado, a classe dos trabalhadores “livres” que não tem nada a não ser sua força de trabalho para vender. Toda esta riqueza, obtida através dos lucros da burguesia, tende a concentrar-se na cidade.
O desenho da cidade ou o planejamento urbano corresponde à necessidade de organizar o espaço para organizar a própria extração da mais-valia e a produção dos lucros. A cidade é, inicialmente, planejada pela burguesia, com apoio de seu comitê de negócios comuns, o Estado, de forma a melhorar o sistema de exploração dos trabalhadores. Mas a anarquia do mercado capitalista, que também dirige a construção da cidade, não permite grandes planejamentos. O mercado capitalista não é planificado.
A contradição do crescimento urbano no mundo é impressionante. As cidades que mais crescem no planeta, via de regra, fazem parte do chamado Terceiro Mundo, ou estão na China, onde o fenômeno é mais gritante. E ao invés de significar desenvolvimento, esse crescimento vertiginoso produz cada vez mais tragédias e sofrimento.
A crise do capital, que leva a uma encruzilhada onde sua enorme produção deixa de encontrar consumidores suficientes, produz uma cidade com um sem-número de imóveis fechados, esperando compradores ou locatários que não existem. No entanto, nos centros urbanos há sem-teto por todos os lados e nas periferias vivem amontoados os trabalhadores mal pagos, juntamente com o excedente de mão de obra, o exército de reserva do capital, a imensa massa de desempregados eventuais ou crônicos de nossa sociedade.
“A burguesia, em sua sede interminável de lucros, produz muito mais da mercadoria cidade do que a própria sociedade capitalista é capaz de consumir. Quando falamos de alimentação, ocorre que um terço dos alimentos produzidos no mundo vão para o lixo, enquanto bilhões vivem com fome. Com a moradia, embora tenhamos uma produção incrível, temos um também incrível número de casas e apartamentos vazios! Na maior parte das grandes cidades não seria necessário construir nenhuma nova casa para abrigar todos os sem-teto. Bastaria ocupar os imóveis vazios e planificar o provimento de habitações.
Sabemos que hoje se produz comida suficiente para alimentar toda a população mundial. Da mesma forma, a espécie humana já é capaz de produzir moradia para todos e, mesmo assim, em 2005 já eram estimados 1 bilhão de favelados e um incalculável número de sem-teto pelo mundo. ”[2]
Engels já afirmava isso em seu tempo, quando se referia às grandes cidades europeias do século XIX: “É, porém, certo que já hoje existem nas grandes cidades edifícios suficientes para, com uma utilização racional dos mesmos, se remediar de imediato toda a falta de habitação real”. (A questão da habitação, 1872)
O dilema constante é: Como sustentar eternamente uma produção nestes moldes se não é possível à imensa maioria do povo comprá-la? Este é o limite do capitalismo. A crise mundial de 2008 demonstrou novamente que este limite não é apenas uma hipótese teórica. A bolha inflacionária criada pela concessão de crédito sem bases materiais concretas empurrava por muitos anos o problema para a frente. O limite apareceu ante os olhos de seus próprios criadores como algo surpreendente.
A cidade capitalista de nosso tempo está à beira da barbárie.
“Vivemos um momento histórico chave. Em primeiro lugar, tivemos na história do capitalismo a urbanização moderna como consequência da industrialização, que no primeiro mundo correspondeu à fase ascendente, de desenvolvimento inicial do capitalismo. Mesmo no chamado terceiro mundo, muitos casos de industrialização tardia geraram uma urbanização deste tipo no século XX. É o caso de diversas cidades do Brasil.
Hoje, em muitas partes do mundo, em especial nos países mais pobres do Terceiro Mundo, temos a urbanização sem industrialização. Em muitas regiões da África, da América Central e da Ásia, temos a favelização sem urbanização, uma profunda contradição de nosso tempo.
Só uma revolução socialista poderá colocar a cidade a serviço dos trabalhadores que a constroem. ” (Vila Operária e Popular – um terreno e uma fábrica ocupados: 10 anos de luta, 2015)
Dizemos aos companheiros do MTST, com quem lutamos tantas vezes ombro a ombro – basta lembrar da importante parceria estabelecida entre o MTST e a Fábrica Ocupada Flaskô e a Vila Operária e Popular, que sempre cultivamos – que é necessário colocar claramente no horizonte a necessidade de tomar o poder nas mãos do povo, abolir a propriedade privada dos meios de produção e da terra e adotar medidas realmente revolucionárias no campo da habitação. Não se pode tapar o sol com a peneira.
É daí que decorre a pauta de reivindicações a adotar.
Sobre o Programa Minha Casa Minha Vida
Reivindicar a continuidade do Minha Casa Minha Vida, mesmo com críticas, é um equívoco gigantesco. A política de fazer crescer o bolo capitalista para dividi-lo já mostrou a quem serve, é não é ao povo. O MTST apresenta como uma forma de lutar por uma “outra sociedade”, como forma de construir o “poder popular”, uma pauta de reivindicações que apenas visa por “ordem” no sistema vigente. Acaba por reivindicar que o governo amplie o seu projeto capitalista para a habitação, sem propor qualquer alteração realmente essencial.
Uma questão central na pauta do MTST tem sido o lançamento do 3º lote do Minha Casa Minha Vida, suspenso em função dos cortes orçamentários, parte do pacote de ajuste fiscal apresentado por Dilma. Os movimentos de moradia estão corretos ao exigir casas em número suficiente, baratas ou mesmo gratuitas, de qualidade, bem localizadas, etc. Cabe ao Estado garantir este direito. Em muitos casos, em situações concretas excepcionais, podemos exigir que trabalhadores em luta sejam incluídos nos projetos habitacionais existentes, entre eles o MCMV. Mas, se temos um horizonte, além de reivindicar casas, devemos apontar o caminho a seguir para resolver o problema da moradia. Se pretendemos fazer propostas sobre os meios que o governo deve adotar para construir tais casas, não faz sentido propor uma política capitalista tão nefasta como o “Minha Casa Minha Vida”.
O papel do movimento dos trabalhadores é apresentar a pauta imediata (neste caso, casas) e explicar que a política atual não é capaz de resolver o problema da habitação, que é necessário uma total ruptura.
O MCMV é um programa que pretende resolver a questão da habitação proporcionando a compra da casa a trabalhadores que não tem condição de fazê-lo no mercado “convencional”, para isso participando do negócio através de forte subsídio governamental.
Em fevereiro de 2015, publiquei sobre este programa as seguintes linhas:
“Mesmo o lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida, cujo objetivo divulgado pelo governo federal foi de, através de forte subsídio governamental, fomentar o mercado da construção civil de moradias para as classes mais baixas, não conseguiu sequer se aproximar da resolução deste problema. Tal programa atingiu apenas uma pequena parcela da classe trabalhadora e, sendo um programa criado para que o governo injete dinheiro na economia privada, favoreceu o enriquecimento de construtoras e empreiteiras por todo o país. Na sanha por maiores taxas de lucros, muitos destes empreendimentos entregaram moradias de baixa qualidade e em terrenos e localizações desfavoráveis à moradia digna. Longe de resolver o problema da classe trabalhadora, a política habitacional do Governo Lula – e depois de Dilma – favoreceu os capitalistas do setor da construção civil, acima de tudo. Para isso, os presidentes petistas na última década contaram com o apoio de seus ministros reacionários do Partido Progressista, oriundo do Arena – Aliança Renovadora Nacional, partido que dava sustentação à Ditadura Militar no Brasil. Esse foi o partido responsável pela direção do Ministérios das Cidades, desde 2005 até o final de 2014. Atualmente, o Ministério está sob a direção de Gilberto Kassab, do PSD, ou seja, continua nas mãos de partidos burgueses.”[3] (Vila Operária e Popular – um terreno e uma fábrica ocupados: 10 anos de luta, 2015)
No mundo inteiro a burguesia pediu socorro aos governos diante da crise de 2008. Em tempos de “boom” econômico encheram seus próprios cofres, em tempo de crise correram esvaziar os cofres do estado, tirando dinheiro dos serviços públicos e dos trabalhadores. No Brasil não foi diferente.
A crise de 2008 e o Programa Minha Casa Minha Vida
O Programa “Minha Casa Minha Vida” toma a classe trabalhadora como uma fatia do mercado ainda inexplorada para o mercado imobiliário e não como a classe social que tudo produz e que deve ter por direito o produto do seu trabalho para satisfazer plenamente suas necessidades fundamentais. É um programa capitalista.
Em 2008, eclodiu a crise dos subprime, ou o estouro da bolha imobiliária norte-americana. Ninguém que leia ou assista qualquer noticiário deixou de saber que o mundo estava abalado com algo que só tinha paralelo em 1929.
A bolha consistia, de forma geral, no processo através do qual o mercado financeiro norte-americano concedeu por anos seguidos empréstimos em quantidade e valores acima do que o mercado era capaz de assimilar – e pagar.
Durante anos, além do crescimento econômico mundial, que por si só era um motivador para a expansão do mercado de crédito, o próprio governo americano incentivou o relaxamento das condições para concessão de empréstimos imobiliários. Os bancos, após conceder empréstimos com poucas garantias, vendiam as carteiras de clientes para outras empresas que, por sua vez, revendiam a especuladores espalhados pelo mundo.
Cada banco, de acordo com as regras do Banco Central Americano, tinha um limite para concessão de empréstimos que está relacionado ao seu próprio patrimônio. Com a venda das carteiras, os bancos ficavam livres para conceder novos empréstimos, e assim por diante.
Com um aumento vertiginoso na demanda por imóveis, os preços subiam sem parar. As hipotecas de imóveis, servindo de base para financiar a compra de bens de consumo gerou uma bolha gigantesca. Essa bolha só poderia se sustentar com base no crescimento contínuo nos preços dos imóveis. E isso é impossível.
Mesmo com a enorme facilitação da compra, o mercado consumidor tem um limite. A base do mercado é de trabalhadores assalariados, a quem não é dada a oportunidade de enriquecer continuamente. Com dificuldades de pagar os empréstimos, principalmente sentida pela classe trabalhadora, a compra de imóveis e outros bens, a certa altura, diminuiu.
Quando os preços dos imóveis pararam de subir, o efeito cascata fez desmoronar todo o esquema. Os trabalhadores, sem condição de pagar os empréstimos que contraíram, viram-se diante da necessidade de entregar suas próprias casas aos bancos e especuladores donos da carteira de crédito. Quem não entregou por bem foi, muitas vezes, despejado a força. Uma enorme tragédia.
Recebendo tantos imóveis, as empresas e bancos que compraram tais carteiras de empréstimos tinham muitos imóveis para vender ao mesmo tempo, o que pressionava ainda mais os preços para baixo. Quem tentasse vender os imóveis não conseguia valores capazes de pagar as dívidas. Um beco sem saída.
Devido ao caráter mundial da economia capitalista, todos os países foram de uma maneira ou de outra, atingidos. O mercado financeiro, aflito diante do risco de uma quebradeira generalizada, pediu socorro aos governos. O comitê de negócios da burguesia – o Estado capitalista – foi buscar no tesouro público os recursos para salvar o mercado. O dinheiro dos trabalhadores foi entregue por governos de diversos países, aos banqueiros.
No Brasil, além do resgate em espécie, dado pelo governo do PT, outras importantes iniciativas ajudaram os capitalistas a enfrentar a tempestade. Lula e o PT sempre disseram que o Brasil estava blindado contra a crise. Mas a blindagem de que ele falava nunca existiu e se a crise não foi sentida ainda mais profundamente pelos trabalhadores brasileiros, foi porque o PT entregou voluntaria e gratuitamente os recursos do governo aos capitalistas para salvá-los.
O MCMV, lançado em 2009 para salvar as empreiteiras, construtoras e o sistema financeiro que lhe fornece o crédito e abocanha os maiores lucros, seguiu a mesma linha do governo do PT de tentar resolver a vida dos trabalhadores inserindo-os no mercado. Se há mais dinheiro no mercado para comprar moradia e se há, consequentemente, maior procura, o mercado todo regula-se num nível de preço superior. Foi o presente do governo à burguesia que pedia salvação.
O Programa, inicialmente, subsidiou a compra da casa para famílias com renda de até R$ 1.600,00 e facilitou a compra para famílias com renda até R$ 5.000,00.
Na faixa de renda até R$ 1.600,00 é proibida de vender o imóvel até sua quitação. Basta lembrar do que disse Engels sobre a forma através da qual os empresários industriais conseguiam prender os operários à sua região concedendo-lhes a propriedade da casa, para entender o quão pior é quando o governo não apenas providencia apoio para a propriedade da casa, mas decreta que ela não pode ser vendida antes de quitada.
A primeira fase do Programa Minha Casa Minha Vida – (MCMV) foi lançada em março de 2009, com objetivo de conceder financiamentos para construção de 1 milhão de unidades residenciais urbanas, com verba estimada de 34 bilhões.
As metas divididas por faixas de renda eram as seguintes:
-400 mil moradias para famílias com renda de até 3 salários mínimos
-200 mil unidades para famílias que recebam mais de 3 até 4 salários mínimos;
-100 mil moradias, para renda de 4 até 5 salários mínimos;
-100 mil moradias para as famílias que recebem de 5 a 6 salários mínimos;
-200 mil moradias para as famílias que recebem mais de 6 a 10 salários mínimos
O problema central é que mais de 90% do déficit habitacional brasileiro, segundo os estudos do próprio governo no ano de implementação do Programa, concentram-se nas famílias com menos de 3 salários mínimos. Na primeira etapa do programa, caso fossem feitas as 1 milhão de moradias, menos de 5% do déficit contabilizado nesta faixa de renda à época seria sanado. Na faixa entre 3 e 6 salários mínimos, o déficit equivalia a cerca de 85% do déficit geral.
Já o número de unidades previstas para a faixa de renda acima de 6 salários mínimos era maior que o déficit habitacional contabilizado para esta faixa de renda, segundo os dados do governo. A ideia é resolver o problema de quem?
Em resumo, quase nada para quem mais precisa e mais para quem pode – ainda que a duríssimas penas – pagar por uma casa nova. O foco é justamente quem pode pagar uma prestação mais alta ou uma mercadoria mais valiosa para garantir lucros aos capitalistas.
De nossa parte, sabemos que os dados do déficit habitacional do governo são muito ruins e inferiores à realidade. Mesmo assim, fica claro o disparate. Todo o desenvolvimento posterior do Programa seguiu esta linha, com pequenas variações que nada mudaram sua essência.
O mesmo programa também fez parte do projeto de geração de empregos. Reacelerando o mercado da construção civil, o governo diz ter criado milhares de empregos ligados à construção neste período. Este tipo de emprego é o mais instável, com alta rotatividade, baixa especialização, mal pago e muito sujeito a acidentes de trabalho, devido aos métodos arriscados e à superexploração.
O déficit habitacional – breves dados
A inutilidade do Minha Casa Minha Vida para realmente reduzir o Déficit Habitacional vem sendo debatida há muito tempo. A Carta Capital, em 30/01/2014 publicava uma matéria com o seguinte trecho:
“Em 2008, o número de famílias sem moradia no país era de 5.546.000 de acordo com o Ministério das Cidades. Em fevereiro de 2009, foi lançado o Programa MCMV com a promessa de redução drástica destes números. Ao final de 2010, o MCMV havia atingido a meta de 1 milhão de casas construídas ou contratadas. Resultado: o número de famílias sem moradia no final de 2010 era de 6.940.000. Após 1 milhão financiadas pelo governo, a carência de moradias no Brasil aumentou praticamente 1,5 milhão. Como pode? “ [4]
Segundo os dados do IBGE da amostra do PNAD 2012, o total do déficit habitacional era de 5.430.562 domicílios. Tomando os dados do governo como corretos – e poderíamos tratar aqui de uma longa lista de motivos para desconfiar deles – sem falar dos critérios usados -, chegaríamos à conclusão de que o déficit habitacional em 2012 era basicamente o mesmo que em 2008!!!! O próprio Boulos já afirmou que o Minha Casa Minha Vida é algo como enxugar gelo. Nisso estamos plenamente de acordo.
Atualmente, somando-se ao enorme problema representado pelo fracasso do MCMV, outros recursos usados por uma parcela da classe trabalhadora para adquirir uma casa se torna cada vez menos acessível. São os financiamentos habitacionais da Caixa Econômica Federal. Segundo o site G1 publicou em 28/03/2016:
“Financiar a casa própria com recursos da poupança pela Caixa Econômica Federal ficou mais caro: o banco anunciou nesta segunda-feira (28) que subiu, desde a última quinta, a taxa de juros do financiamento. No ano passado, essa taxa subiu três vezes.
Com o novo aumento, a taxa efetiva total de financiamento para não clientes da Caixa passa de 9,9% ao ano para 11,22% ao ano, para compra de imóveis pelo Sistema Financeiro Habitacional (SFH). Já para o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), com imóveis acima de R$ 750 mil, a taxa para não clientes sobe de 11,5% para 12,5% ao ano. ”[5]
Até para quem é assalariado nas faixas que se enquadram nos programas da Caixa – uma pequena parcela do proletariado -, a chance de condenar-se a 30 ou 35 anos de prestações por uma casa popular nas grandes cidades poderá não existir mais. Dentro do atual sistema não há saída para a classe trabalhadora.
Uma breve história do BNH
O primeiro grande programa habitacional brasileiro foi o BNH. A criatividade do governo do PT é bem menor do que ele faz parecer com seus demagógicos discursos.
O BNH foi criado através de um decreto federal em 21 de agosto de 1964, já sob o regime militar golpista. Seu objetivo manifesto era justamente fomentar, através do financiamento governamental do mercado privado a provisão de habitação de interesse social.
É sempre importante ressaltar o quão curioso é o fato de que o termo “de interesse social” tenha se tornado sinônimo de “para as classes mais pobres”. Qual habitação numa cidade não é de interesse social?
Com o BNH, o processo foi parecido com o que ocorreu de fato com o Minha Casa Minha Vida. A diferença é que o governo que criou o BNH nunca pretendeu aplicar nenhum verniz socialista em sua política capitalista. Pelo contrário, ele justificava sua existência como uma necessidade contra o “perigo do comunismo”.
“Os objetivos da criação do BNH e dos demais órgãos a ele relacionados sempre foram explícitos. Em todos os documentos oficiais da instituição, e mais claramente no relatório referente ao exercício de 1969, são definidos como:
1-coordenação política habitacional e do financiamento para o saneamento;
2-difusão da propriedade residencial, especialmente entre as classes menos favorecidas;
3-melhoria do padrão habitacional e do ambiente, bem como eliminação de favelas;
4-redução do preço da habitação pelo aumento da oferta, da economia de escala na produção, do aumento da produtividade nas indústrias da construção civil e redução de intermediários;
5- melhoria sanitária da população;
6-redistribuição regional dos investimentos;
7-estímulo à poupança privada e, consequentemente, ao investimento;
8-aumento na eficiência na aplicação dos recursos estaduais e municipais;
9-aumento de investimento na indústria da construção civil, material de construção e de bens de consumo duráveis, inicialmente de forma acentuada – até o atendimento da demanda reprimida- e de forma atenuada, mas permanente, para o atendimento das demandas vegetativas e de reposição;
10-aumento da oferta de emprego, permitindo absorver mão-de-obra ociosa não especializada;
11-criação de polos de desenvolvimento com a consequente melhoria das condições de vida nas áreas rurais. ” (Bolaffi, 79. p50-51)
A partir de 1967, o BNH assumiu a gestão do Fundo de Garantia por Tempo de Trabalho (FGTS) e passou a financiar o mercado imobiliário com o dinheiro dos próprios trabalhadores. O lucro dos empreiteiros e especuladores era financiado com base no FGTS, sob a bandeira de ajudar os pobres a terem sua casa. A partir de 1969, diante do fiasco das iniciativas para habitações para as classes mais baixas, os financiamentos já estavam orientados para consumidores com melhores rendas e o suposto objetivo inicial foi evidentemente abandonado na prática.
O discurso oficial sempre foi extremamente carregado da ideologia da casa própria, que visava incutir uma visão pequeno-burguesa nos extratos mais altos da classe trabalhadora.
Em 1986 o BNH foi incorporado à Caixa Econômica Federal sem ter sequer passado perto de resolver o problema da habitação. Pelo contrário, com escândalos de corrupção, desvio de dinheiro, serviu de suporte para o enriquecimento das empresas associadas ao regime militar. O déficit habitacional cresceu muito neste período. As cerca de 4 milhões de unidades produzidas sob este esquema são conhecidas por sua péssima qualidade, localizações desfavoráveis e como instrumento para a especulação imobiliária por todo o país.
Triste que o governo do partido dos trabalhadores tenha sido incapaz de tirar as conclusões básicas de uma lição tão importante aplicada pela história de seu próprio país.
MTST e MCMV
Boulos e outros líderes do MTST não apenas entendem isso como costumam explicar este problema. Mas, contraditoriamente, o MCMV aparece em suas pautas de reivindicação.
O MTST não reivindica apenas o lançamento do terceiro lote do MCMV, suspenso por Dilma, mas exige que seja dado maior investimento para a modalidade “Entidades”, em que o próprio movimento, quando contemplado, faz a gestão dos recursos. Na prática, visando melhorar o tamanho, localização e a qualidade das habitações, preferem eles mesmos gerirem o dinheiro, no lugar das empreiteiras. Nesta gestão, podem ser utilizados diversos métodos, desde os mutirões autogeridos às contratações de empreiteiras menores, fiscalizadas pelos próprios futuros moradores.
Os mutirões, se por um lado realmente podem melhorar a qualidade da habitação (embora não haja garantia disso), submetem os futuros moradores a um sobretrabalho, pois devem continuar a batalhar sua sobrevivência em seus ofícios habituais. Isso, na prática, torna a habitação mais “cara”, pois além dos recursos repassados pelo governo e das prestações que deverão pagar, a casa também terá sido paga com seu próprio trabalho. Mas em grande parte das vezes, é necessário também recorrer ao mercado capitalista da construção. Essa modalidade “Entidades” em nada altera a essência do programa e faz parte do rol de políticas econômicas “solidárias”, tão em moda, que transferem ao trabalhador individualmente o ônus e as responsabilidades do Estado. Há diversas ONGs reivindicando e disputando essa verba, com interesses muito diversos dos do MTST.
É preciso lembrar que ao preferir o pequeno capitalista (empreiteiras menores) às grandes empresas, só reforçam o caráter pequeno-burguês da reivindicação.
É uma medida criada pelo governo para cooptar os movimentos e destruí-los e devemos combater com todas as energias.
O fato é que proporcionar ao trabalhador a compra da casa nada tem de revolucionário. A solução no campo do capitalismo não é solução. No capitalismo, o proletariado não tem estabilidade. Ele depende da venda de sua força de trabalho num mercado anárquico. Hoje ele trabalha aqui, mas amanhã pode trabalhar acolá, se tiver trabalho. É uma solução que tem origem no socialismo pequeno-burguês. Voltemos ao velho Engels, que combateu com todos os seus recursos essa vertente de pensamento no movimento operário:
“Toda a concepção de que o operário deve comprar a sua habitação assenta por sua vez na reacionária visão fundamental de Proudhon, já assinalada, de que as situações criadas pela grande indústria moderna são excrescências doentias e que a sociedade tem de ser levada pela força — isto é, contra a corrente que segue há cem anos — a uma situação em que o antigo e estável trabalho manual do produtor individual seja a regra, e que não é, em geral, mais do que uma reprodução idealizada da pequena empresa, já arruinada e que continua a arruinar-se. (…) Só que Proudhon esquece que, para realizar isto, tem primeiro de fazer o relógio da história mundial andar para trás cem anos e que, desse modo, tornaria os operários de hoje de novo em almas de escravos tão limitadas, rastejantes e hipócritas como o foram os seus tetravôs. Na medida em que nesta solução de Proudhon para a questão da habitação reside um conteúdo racional, praticamente realizável, ela já está hoje em dia a ser realizada e essa realização não nasce «do seio da ideia revolucionária», mas… da própria grande burguesia. ”
É por isso que, embora apresentado como política para os pobres, o Minha Casa Minha Vida é uma política burguesa e o fato de que os governos anteriores mais recentes no Brasil não o tenham feito em nada muda sua essência. O BNH cumpriu o mesmo papel em outro momento histórico, na ditadura. Do CDHU pode-se dizer o mesmo, em menor escala ainda. Apenas agora a faixa de remuneração faz aumentar a carteira de clientes do capital imobiliário, nada mais.
O resultado mais evidente do interesse da grande burguesia neste negócio é o escândalo de corrupção envolvendo as empreiteiras envolvidas em obras do MCMV, recentemente divulgados em operações como a Lava-Jato. Isso também é algo bastante propagandeado pelo próprio Boulos, inclusive seus livros e artigos.
Para melhor entender o assunto, é preciso analisarmos as questões de classe envolvidas no problema da moradia. Engels dedica-se, no mesmo livro, a analisar a política da burguesia para a habitação:
“Suponhamos que numa dada zona industrial se tinha tornado regra cada operário possuir a sua própria casinha. Neste caso, a classe operária dessa região tem habitação gratuita; os gastos com a habitação já não entram no valor da sua força de trabalho. Toda a diminuição custos de produção da força de trabalho, isto é, todo o abaixamento duradouro dos preços das necessidades vitais do operário, equivale, porém, “com base nas leis de bronze da doutrina da economia nacional”, a uma redução do valor da força de trabalho e, por esse motivo, acaba por ter como consequência uma queda correspondente no salário. O salário desceria, portanto, em média, tanto como a quantia poupada na média dos alugueres, isto é, o operário pagaria o aluguer da sua própria casa, não em dinheiro, como anteriormente, mas sim em trabalho não pago pelo fabricante para quem trabalha. Deste modo, as economias do operário investidas na casinha tornar-se-iam, de facto, em certa medida, em capital; porém, não em capital para ele, mas sim para o capitalista que o emprega. ”
Qualquer trabalhador assalariado que já participou de greves sabe que uma vitória num ano, se não seguida de novas lutas e conquistas, some rapidamente com a inflação. A questão da propriedade da casa obedece à mesma lógica, mas não no âmbito da categoria profissional e sim de grandes regiões e no nível de toda a classe trabalhadora de tal lugar.
É importante ressaltar que a grande crise da mobilidade urbana está relacionada ao problema da anarquia capitalista nas relações de compra e venda das habitações e na localização das fábricas, lojas e demais locais de trabalho. A distância dos grandes depósitos de trabalhadores pobres aos locais de trabalho gera o trânsito caótico e tornam o transporte público tão rentável ao capital e tão trágico ao proletariado.
A regulação do Capital Imobiliário: controle dos aluguéis e prevenção de despejos forçados
A ideia da regulação do capital imobiliário é só uma aplicação ao campo do mercado imobiliário da velha ideia reformista de que é possível um capitalismo mais humano. Toda e qualquer iniciativa do movimento dos trabalhadores que vise defendê-los frente aos ataques da burguesia, pretende, de uma maneira ou de outra, disputar com ela a apropriação do produto do trabalho da classe trabalhadora. Ao reivindicar o congelamento ou a redução dos preços dos aluguéis, o trabalhador na verdade está lutando para que uma parte maior do salário permaneça em seu bolso e que, além da mais-valia que ficou nas mãos do proprietário dos meios de produção, seu salário não seja distribuído imediatamente aos proprietários de imóveis. Mas precisamos entender que, na condição de inquilino, o trabalhador não participa na relação comercial “como trabalhador”, mas como um consumidor qualquer. Vejamos como Engels tratou este debate:
“A chamada falta de habitação, que hoje em dia desempenha na imprensa um papel tão grande, não consiste no facto de a classe operária em geral viver em casas más, apinhadas e insalubres. Esta falta de habitação não é algo próprio do presente; ela não é sequer um dos sofrimentos próprios do moderno proletariado, face a todas as anteriores classes oprimidas; pelo contrário, ela atingiu de uma forma bastante parecida todas as classes oprimidas de todos os tempos. Para pôr fim a esta falta de habitação, há apenas um meio: eliminar a exploração e opressão da classe trabalhadora pela classe dominante. — Aquilo que hoje se entende por falta de habitação é o agravamento particular que as más condições de habitação dos operários sofreram devido à repentina afluência da população às grandes cidades; é o aumento colossal dos alugueres, uma concentração ainda maior dos inquilinos em cada casa e, para alguns, a impossibilidade de em geral encontrar um alojamento. E esta falta de habitação só dá tanto que falar porque não se limita à classe operária, mas também atingiu a pequena burguesia. ”[6]
“(…) Ela não é, de forma nenhuma, uma consequência direta da exploração do operário, como operário, pelo capitalista. “
A exploração que caracteriza o capitalismo é a extração de mais-valia. O capitalista, proprietário de meios de produção compra ao trabalhador seu tempo de trabalho em um determinado número de horas maior do que o necessário para pagar seu próprio salário. O tempo de trabalho excedente é todo apropriado pelo capitalista.
“A mais-valia produzida desta forma é repartida pelo conjunto da classe dos capitalistas e proprietários fundiários, com os servidores a seu soldo, desde o Papa e o Imperador até ao guarda-noturno e por aí abaixo. Não nos interessa aqui como se faz esta repartição; o certo é que todos aqueles que não trabalham só podem viver de bocados dessa mais-valia que de uma ou de outra maneira lhes vão parar às mãos. (Ver Marx, O Capital, onde este ponto foi pela primeira vez desenvolvido.) ”[7]
Nem mesmo a questão da especulação imobiliária pode ser considerada fato novo, recente ou sequer coisa do século XX. Era um problema já vivido nos tempos de Marx e Engels e tratado por este último em seus artigos.
A luta organizada do movimento operário contra a carestia dos aluguéis remonta, pelo menos, ao século XIX. Na Europa, as greves de operários contra os aumentos de aluguéis tiveram grande papel e mesmo no Brasil os operários imigrantes ensinaram seus irmãos de classe a travar esta luta no início do séc. passado. Mas a grande questão é justamente entender o que é o inquilino e o que é o operário. O mesmo pode ser estendido aos demais trabalhadores das diversas categorias profissionais urbanas.
O inquilino é um consumidor, um comprador do direito de usar um imóvel por determinado tempo. Ao vendedor desde direito, via de regra, pouco importa a classe social a qual pertence o inquilino, da mesma forma que não importa ao inquilino saber quão rico ou o que faz o proprietário. As greves contra os aumentos de aluguéis que cumpriram grande papel no desenvolvimento do movimento operário europeu eram greves de operários que lutavam para não perderem a maior parte de seus salários para garantirem um teto sob o qual dormir.
Indiretamente, era uma luta por salários. O movimento operário, em seu processo de desenvolvimento, acabou por elaborar uma teoria capaz de tirar as consequências necessárias destas lutas pontuais: o socialismo científico, a partir da obra de Marx e Engels. Uma vitória grevista com reajuste salarial ou a vitória grevista que leva ao congelamento dos aluguéis, se não for seguida de novas conquistas e se não culmina numa revolução, acaba por permitir à burguesia se reapropriar do que acabou de perder na derrota.
O movimento operário, por seu caráter de classe, conseguia extrair destas lutas um horizonte.
O movimento operário europeu, por exemplo, está repleto de exemplos incríveis de luta de caráter socialista pelo direito à moradia. Após a segunda guerra mundial, em países devastados como a Alemanha, onde havia um déficit habitacional de 35%, ou em diversos outros onde as condições eram também difíceis, o movimento operário lutou e conquistou a implementação de políticas de alojamento social, na sua maior parte de propriedade pública, com aluguéis baixos, para que fossem viáveis para os trabalhadores.
Este deveria ser o exemplo a seguir e desenvolver adaptando à nossa realidade.
O MTST se difere do movimento sindical dos trabalhadores por seu caráter de classe bastante heterogêneo, mais complexo, como ocorre de maneira geral nos movimentos de moradia. Nele coexistem trabalhadores informais, operários, aposentados, desempregados crônicos, autônomos e mesmo pequenos comerciantes. Do lumpen-proletariado, passando pelo proletariado até os extratos mais pobres da pequena-burguesia compõe suas fileiras.
Nada impede que um movimento cuja fronteira de classe de suas bases seja menos definida possa ter uma bandeira realmente revolucionária. Mas as pressões dos interesses individuais são ainda mais fortes.
Ainda que em seu livro “Por que ocupamos? ” Boulos tenha defendido que moradia é direito e não mercadoria, o MTST acaba por lutar por este direito através da regulação da venda desta mercadoria e apresenta essa regulação em seu horizonte.
A regulação dos preços de aluguéis nada mais é do que regulamentar os preços de uma mercadoria como qualquer outra. Em nada toca ou questiona o que deve ser o centro do problema.
Não é a toa que o próprio Boulos explicou, em entrevista ao programa na web Espaço Público que o controle sobre os aluguéis não é nada mais que algo praticado em qualquer capitalismo que se pretenda sério. [8]
O MTST reivindica também o apoio Estatal aos moradores em caso de despejos, com uma comissão nacional de acompanhamento em casos de despejos forçados e uma política de prevenção. Segundo o próprio Boulos, na entrevistada já citada, a presidente Dilma atendeu este último pedido e criou uma comissão nacional de acompanhamento, que deve fornecer apoio jurídico, de garantia dos direitos humanos, etc.
É claro que o governo federal deve assumir a sua responsabilidade diante da absurda repressão que costumamos ver nos despejos atacados pelas Polícias Militares em diversos Estados. É preciso lembrar, porém, que o próprio governo federal deu sua contribuição a esta repressão no período da Copa do Mundo.
Enfim, não fica clara sequer a bandeira da absoluta proibição de despejos sem que seja garantida a remoção para uma habitação alternativa! A palavra de ordem de nenhum trabalhador sem casa é substituída por uma comissão de acompanhamento justamente quando se está na mesa de negociações com o governo federal apresentando o seu programa, a sua pauta! Se diante de uma reivindicação de fato socialista Dilma recusasse e oferecesse uma comissão, era algo a avaliar em função da correlação de forças num determinado momento da luta. Mas é o MTST propondo isso. É um programa muito rebaixado e não admira que a presidente o tenha atendido prontamente, pois em nada lhe atinge e sequer arranha a fachada do sistema capitalista.
MTST, Boulos e a luta por uma Frente de Esquerda para unificar a luta contra o ajuste fiscal
Boulos encabeça a Frente Povo sem Medo, em nome do MTST. A Frente Povo sem Medo é, no momento, um instrumento de resistência importantíssimo contra os ataques da burguesia, tanto daqueles lançados pela oposição com a campanha pelo impeachment e a desmoralização e criminalização dos movimentos sociais, como daqueles lançados diretamente pelo governo, com a Lei Antiterror, o Ajuste Fiscal, o aprofundamento da entrega do Pré-Sal, da Petrobras, etc.
Consideramos que seu manifesto é o produto de um grande avanço nas posições políticas deste movimento e saudamos a iniciativa. A trajetória deste debate é importante para a melhor compreensão de nossa crítica às posições do MTST.
Assim Boulos expressou sua posição em junho de 2014:
“A frente que precisamos hoje é social. Evidentemente deve construir um campo político, com intelectuais e partidos de esquerda. Mas seu foco deve ser a construção de amplas mobilizações populares.
Além disso, essa frente não pode estar atrelada ao governo. Ao contrário, deve buscar construir saídas pela esquerda à crise do governo petista, sem temer criticá-lo em seus rumos. Criticá-lo pela retomada de uma política econômica neoliberal e pela falta de disposição política em enfrentar as reformas populares tão necessárias ao Brasil. Com a mesma decisão com que deve enfrentar o avanço das pautas conservadoras no Congresso e na sociedade. Na construção de uma frente, os movimentos sociais brasileiros devem se precaver de dois erros. O primeiro é, em nome da ofensiva da direita, abster-se de enfrentar as políticas deste governo. O outro é, em nome do enfrentamento ao governo, subestimar a ofensiva da direita.
Uma frente ampla e unitária da esquerda deve ter a capacidade de responder a estes dois grandes desafios, focando na retomada da mobilização social. ”[9]
Ora, precisamos perguntar: como uma Frente Popular nestes termos poderia resolver a situação da classe trabalhadora sem colocar claramente a raiz do problema? A classe trabalhadora precisa compreender que não haverá moradia para todos enquanto os meios de produção, as construtoras e empreiteiras forem propriedade privada, enquanto a terra e os prédios forem propriedade privada. E qual é o programa político para uma Frente que realmente possa armar os trabalhadores na luta de classes brasileira, hoje?
Em janeiro, Boulos abriu uma das reuniões para a criação de tal Frente, contando com as mais variadas correntes do PSOL, do PT, PSTU, movimentos populares, CUT, UNE, MST. A Esquerda Marxista enviou representantes para apresentar sua posição. (Ver https://www.marxismo.org.br/content/sobre-frente-pelas-reformas-populares ) O resultado foi um documento, que a Esquerda Marxista não assinou, com os seguintes pontos:
“1) Luta pelas Reformas Populares;
2) Enfrentamento das pautas da direita na sociedade, no Congresso, no Judiciário e nos Governos;
3) Contra os ataques aos direitos trabalhistas, previdenciários e investimentos sociais;
4) Contra a repressão às lutas sociais e o genocídio da juventude negra e pobre e periférica.
Num cenário de demissões, tentativas de redução salarial e cortes de direitos é preciso colocar em pauta o enfrentamento da política de ajuste fiscal do Governo Federal, dos Governos Estaduais e Prefeituras. Defendemos a imediata revogação das MPs 664 e 665/14, que representam ataques ao seguro-desemprego e pensões.
Chamamos também para a necessidade de enfrentar o aumento de tarifas de serviços e concessões públicas, como o transporte urbano, a energia elétrica e a água. Não aceitaremos que os trabalhadores paguem pela crise. ”
Em março deste ano, na quadra dos Bancários, Guilherme Boulos e Ivan Valente (PSOL) estiveram na mesa de um debate sobre a situação política propunha debater as bases para uma Frente, contando com a presença de André Singer e Frei Beto, antigos quadros petistas.
Ficou a cargo de Ivan Valente propor um programa mínimo sobre a qual uma frente poderia se construir.
– combate ao ajuste fiscal de Levy;
– democratização dos meios de Comunicação;
– reforma agrária e combate ao latifúndio;
– defesa da Democracia e rechaço ao golpismo;
– defesa dos direitos trabalhistas. [10]
A imprecisão das análises políticas diante do acirramento da luta de classes leva às tentativas de buscar a unidade através de um perigoso rebaixamento do programa político.
Desde a defesa de “reformas populares” até a “defesa da democracia e contra o golpismo”, a confusão ainda impera. Mas o momento pede uma posição mais firme e ousada do movimento dos trabalhadores. Com a derrocada do PT e a crescente aversão ao governo, a burguesia lança seus ataques furiosos com intenção de desgastá-lo a ponto de que o caminho esteja livre para seu retorno à presidência, com um representante próprio.
Os trabalhadores precisam de clareza. Por exemplo, a reivindicação das reformas populares incluía a reforma política, cuja evidência se deu principalmente após a presidente Dilma propor uma Constituinte Exclusiva para esta reforma.
Assim a Esquerda Marxista se posicionou sobre esta questão em janeiro:
“Por exemplo, temos desacordo com a chamada Reforma Política, defendida em diversas intervenções na Plenária realizada no dia 19 de janeiro. A proposta foi lançada pelo governo, após as mobilizações de junho de 2013, de uma Constituinte Exclusiva pela Reforma Política. Mas a realidade é que Dilma e o PT estão na cabeça do governo federal, com todas as condições de editar medidas provisórias e enviar os projetos de lei que atendam as reivindicações populares que levaram milhões às ruas por transporte, saúde e educação, públicos, gratuitos e para todos, contra a repressão e a criminalização das lutas sociais. Mas Dilma, Lula e o PT passaram então a agitar que a saída é uma Reforma Política, enquanto a prática real do governo tem sido uma política de ataques à classe trabalhadora. Consideramos que a proposta de Reforma Política, nesse contexto, não passa de uma cortina de fumaça para confundir e desviar os anseios das massas para uma via institucional. ”[11]
De todos os debates dos últimos meses, resultaram duas diferentes “Frentes”: a Frente Brasil Popular, que agrupa o MST, a CMP, CUT, UNE e correntes petistas, e que assume um caráter de defesa do governo maquiada pela fórmula de “defesa da democracia”; e a Frente Povo sem Medo, cujos componentes já citamos anteriormente.
A atual posição do MTST no plano político nacional é um avanço. Afastando-se evidentemente do setor mais governista, tende à esquerda. Embora ainda apareça nos discursos a questão da reforma política e um enorme impressionismo com a “ameaça de golpe”[12], além de outros problemas, o centro do trabalho nas ruas passa a ser claramente o combate ao ajuste fiscal aplicado pelo governo federal, aos ataques aos direitos dos trabalhadores e o combate ao impeachment. Demarcando o terreno ante a burguesia e ante aos que em nome da esquerda fazem coro com a direita pela derrubada de Dilma, sem confundir-se com os ataques do patronato e combatendo-os diuturnamente, a Frente se propõe resistir aos golpes da burguesia e do governo federal, abrindo uma via independente de luta.
A Frente Povo sem Medo convoca uma marcha a Brasília para o dia 31/03, a Esquerda Marxista endossa esse chamado. Assim nos posicionamos frente a convocatória:
“Dia 31/03, duas políticas vão se chocar
A Marcha a Brasília que ocorrerá no dia 31/03, foi convocada de forma unitária pela Frente Povo Sem Medo e a Frente Brasil Popular, sobre a base do combate contra toda a pauta reacionária do Congresso e do governo federal. Eis o que diz muito corretamente:
“Os eixos da mobilização unitária são os seguintes:
– CONTRA A REFORMA DA PREVIDÊNCIA
– CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA PETROBRÁS
– EM DEFESA DO PRÉ-SAL
– NÃO A LEI ANTI-TERRORISMO
– CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
– NÃO AO AJUSTE FISCAL E AOS CORTES NOS INVESTIMENTOS SOCIAIS
– EM DEFESA DO EMPREGO E DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES
– FORA CUNHA!
– CONTRA O IMPEACHMENT
(http://cut.org.br/acao/31-03-dia-nacional-de-mobilizacao-f706/)
Mas, é evidente que duas políticas vão se chocar aí. Como podem os defensores do governo (PT, PCdoB, direção da CUT, CTB), se manifestar com estas bandeiras e mobilizar os trabalhadores com uma pauta que é um enfrentamento direto com Dilma?
E como podem os defensores desta pauta (o MTST, a Esquerda Marxista, MES, Insurgência, PCB, etc.) defender estas bandeiras da convocatória, e é o que vão fazer, sem enfrentar diretamente o governo?
São duas políticas inconciliáveis. É por isso que o aparato do PT estava, até o dia 18, convocando os dois Atos, dia 18 e dia 31/03, “Em defesa da Democracia”. Após o dia 18 sumiu a convocatória do dia 31/03 do site da CUT e do PT. Sumiu também do site do PCdoB. No site da CTB se sabe que “No dia 31 de março, marcha rumo a Brasília sairá em defesa da democracia e contra o impeachment” e as palavras de ordem são:
– Contra o impeachment
– Contra a Reforma da Previdência
– Não ao ajuste fiscal e aos cortes em investimentos sociais
– Em defesa do emprego e dos direitos dos trabalhadores
– Fora Cunha!
Ou seja, outra pauta.
A Esquerda Marxista orienta todos seus militantes, ativistas e apoiadores a se engajarem firmes na Marcha a Brasília do dia 31/03/2016, levantando bem alto as bandeiras da convocatória original da Marcha, assim como suas próprias bandeiras políticas, que abrem um caminho para derrotar a oposição de direita e todos seus objetivos, o Judiciário totalitário e o Governo do capital, agora dirigido por Dilma e Lula diretamente.
– Defesa da independência de classe! Em defesa das reivindicações, direitos e conquistas!
– Defesa das liberdades democráticas! Fora Sérgio Moro e a Lei Antiterrorismo!
– Organizar para mobilizar e varrer este Congresso de corruptos!
– Não pagamento da Dívida Interna e Externa! Abaixo os Cortes e as privatizações!
– Assembleia Popular Nacional Constituinte! Por um Governo dos Trabalhadores! ”[13]
No horizonte, a expropriação da burguesia e a construção do socialismo
O nosso horizonte precisa estar claro, pois em função dele é que lutamos cotidianamente contra o capital. Sem isso, os militantes perdem-se em questões pontuais e acabam por tentar resolvê-la de forma “prática”, terminam por se adaptar ao sistema.
As tendências pequeno-burguesas na questão da habitação se apresentam em todo o canto do mundo. Em seu importante trabalho Reformismo ou Revolução, Alan Wood cita a mesma situação com os socialistas pequeno-burgueses na Venezuela e, ao combater as propostas que visam regulamentar o mercado de moradia, lança luz sobre o problema:
“Para resolver problemas como o desemprego ou a carência de moradias e escolas, é necessário que o governo introduza a planificação econômica, elaborando um plano econômico baseado nas necessidades da maioria e não para benefício da minoria. Mas não se pode planificar o que não se controla e não se pode controlar o que não se possui. (…)”
“Problemas sérios exigem soluções sérias. Depois da Revolução de Outubro na Rússia, os bolcheviques expropriaram todas as moradias vazias ou mal ocupadas, além dos palácios dos ricos e da propriedade da igreja, e as utilizaram para albergar os sem-teto e para proporcionar locais socialmente úteis, como clubes juvenis, centros para a terceira idade, clínicas, galerias de arte e museus. A solução real, contudo, é a nacionalização da terra, dos bancos, das instituições financeiras e das grandes empresas de construção”.[14]
Nossas bandeiras imediatas para a resolução do problema da habitação devem ter por base:
-Regularização fundiária de todos os assentamentos precários, com garantia de posse por tempo indeterminado, implantação de saneamento básico e toda a infraestrutura urbana necessária.
-Garantia de habitação (imediata) a todos os ocupados.
– A proibição dos despejos para quaisquer famílias que não possuam um abrigo próprio
– A expropriação de todos os terrenos e imóveis ociosos nos centros urbanos.
– A proibição de manter imóveis fechados.
– A proibição de um único indivíduo ter diversos imóveis.
-A expropriação de imóveis residenciais em nome de empresas.
Estas medidas podem dar uma resposta imediata. Mas para o real enfrentamento do problema é urgente:
– A conversão de todos os imóveis expropriados em alojamento público, cedidos/alugados aos sem-teto e trabalhadores que vivem em habitações precárias pelos quais o Estado poderá cobrar apenas o necessário para sua manutenção.
– A estatização de todas as grandes construtoras, a começar pelas envolvidas nos escândalos de corrupção e sonegação fiscal.
– O emprego do grande contingente de homens e mulheres atualmente desempregados na construção e reforma de habitações, para que possamos elaborar uma política habitacional digna.
– Ruptura do pagamento da dívida e o direcionamento dos recursos aos serviços públicos. Os investimentos do governo, em todos os seus níveis, devem ser direcionados à criação de uma grande empresa estatal de construção de habitações, sob controle dos próprios trabalhadores e atendendo a uma planificação geral, da qual devem participar os trabalhadores de todos os ramos.
Para isso, devemos defender cotidianamente o direito à moradia, como todos os direitos do povo trabalhador, mas tendo em vista, tendo no nosso horizonte, a revolução socialista.
[1] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/09/1681638-mtst-planeja-ocupacoes-e-atos-contra-cortes-no-minha-casa-minha-vida.shtml
[2] CAMARGO, Vinícius Martins de; Vila Operária e Popular – um terreno e uma fábrica ocupados: 10 anos de luta, CEMOP: 2015
[3] Idem
[4] http://www.cartacapital.com.br/politica/como-nao-fazer-politica-urbana-3066.html
[5] http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/03/veja-simulacoes-de-financiamento-de-imovel-com-os-novos-juros-da-caixa2016.html
[6] https://www.marxists.org/portugues/marx/1873/habita/cap01.htm
[7] https://www.marxists.org/portugues/marx/1873/habita/cap01.htm
[8] https://www.youtube.com/watch?v=qS7-uTBS6n8
[9] http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Movimentos-Sociais/Que-frente-queremos-Por-Guilherme-Boulos/2/33812 23/06/2015
[10] http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/plenos-poderes/boulos-psol-e-petistas-defendem-frente-popular-para-barrar-avanco-conservador/
[11] https://www.marxismo.org.br/content/sobre-frente-pelas-reformas-populares
[12] Desde maio de 2015 a Esquerda Marxista vem buscando explicar que o que está em curso não é um Golpe. Este é um fantasma criado pelo próprio PT e seus aliados para, com base no medo, reagrupar sua base de apoio popular. Sobre nossa posição, sugiro ler: https://www.marxismo.org.br/blog/2015/05/20/ha-possibilidade-de-um-golpe-de-direita e https://www.marxismo.org.br/content/crise-lula-lava-jato-e-impeachment-o-que-se-passa-e-qual-saida
[13] https://www.marxismo.org.br/content/manifestacoes-do-dia-13-e-18-de-marco-e-tarefas-dos-marxistas
[14] WOOD, Alan. Reformismo ou Revolução: p. 108 – 109.