Nota da redação: Artigo originalmente publicado em 6 de abril de 2018. Nós o republicamos hoje à luz da recente repressão aos apoiadores do movimento pashtun, em consequência da qual 11 de nossos camaradas foram sequestrados. Saiba como ajudar levando esse caso ao seu sindicato, partido, entidade estudantil e grupos, e envie mensagens de protesto.
Um novo movimento pashtun irrompeu no Paquistão, mobilizando centenas de milhares de pessoas por todo o país, com dezenas de milhares comparecendo às suas manifestações. O aparato do estado e toda a classe dominante, incluindo todos os partidos políticos do establishment, estão tremendo ante a visão desse enorme movimento que se originou nas áreas mais atrasadas do país – de onde menos se esperava.
O movimento começou com a morte, em 13 de janeiro, de Naqeeb ullah Mehsud, de 28 anos de idade, em Karachi, pelo infame policial Rao Anwar. Naqeeb ullah pertencia à tribo Mehsud do Waziristão do Norte e era comerciante em Karachi quando foi morto sob circunstâncias misteriosas. De acordo com suas postagens no Facebook, ele parecia ser um jovem amante da diversão e que gostava de danças e músicas tribais. Por outro lado, Rao Anwar é famoso pela grilagem de terras e pelo uso da extorsão e do assassinato para resolver disputas pessoais. Segundo os informes, ele matou pelo menos 444 pessoas entre 2011 e 2018, mas nenhum inquérito foi aberto contra ele. Rao Anwar também esteve envolvido no assassinato de Murtaza Bhutto, em 1996. É do conhecimento geral que esse policial brutal trabalha para os serviços secretos do Paquistão e é o seu principal braço para fazer o trabalho sujo. De acordo com os informes, ele também é próximo do ex-presidente e líder do Partido Popular do Paquistão (PPP), Zardari, e do homem mais rico do Paquistão, o magnata dos imóveis (leia-se grileiro de terras) Malik Riaz.
Para Rao Anwar, esse assassinato era mais um assunto rotineiro, mas ao contrário de seus planos, suas ações desataram um enorme movimento entre os pashtuns no Paquistão. Depois do assassinato, foram realizados protestos iniciais em Karachi, onde os pashtuns, na maioria provenientes da tribo Mehsud, protestaram contra esse ato de brutalidade. Depois disso, uma longa marcha partiu de D. I. Khan, perto do Waziristão, em 26 de janeiro e chegou a Islamabad em 1º de fevereiro exigindo justiça para Naqeeb ullah e a pena capital para seus assassinos. A longa marcha foi liderada por Manzoor Pashteen, de 24 anos de idade. Os manifestantes chamaram esta longa marcha de Movimento Mehsud Tahafuz (Proteção Mehsud), mas logo os pashtuns de outras tribos se juntaram e nos dias seguintes passou a ser chamado de Movimento Pashtun Tahafuz (Proteção Pashtun, PTM). Quando os manifestantes tribais chegaram a Islamabad obtiveram uma grande resposta e foi organizado um protesto sentado que continuou por 10 dias. Mais de 15 mil pessoas compareceram a esse protesto e foram feitos discursos inflamados contra o Estado e suas atrocidades contra o povo tribal e os pashtuns em geral.
As principais demandas dos manifestantes incluíam a prisão e execução de Rao Anwar e de seus cúmplices; o fim da repressão estatal em todas as áreas tribais do Paquistão e dos pashtuns em geral; a remoção dos postos de controle do exército, onde as pessoas que os atravessam são humilhadas diariamente, esperando durante horas em filas para irem para suas casas; o fim do discriminatório Cartão Watan e a retirada de todas as minas terrestres plantadas nas áreas tribais, que amputaram e mataram muitos inocentes, incluindo crianças. Finalmente, uma das principais demandas foi o reaparecimento de 32 mil pessoas “desaparecidas”, que na verdade foram sequestradas pelo exército sob espúrias acusações de atividades suspeitas.
O Waziristão do Norte é uma das sete regiões tribais do Paquistão, que são chamadas de FATA (Áreas Tribais Administradas Federalmente). Essas áreas na fronteira do Afeganistão foram usadas pelo imperialismo britânico como zona de amortecimento contra o Afeganistão e a Rússia quando traçaram a Linha Durand em 1893. Depois da chamada Independência de 1947, o status dessas áreas não mudou e elas constituem uma das partes mais atrasadas do país. As leis e a constituição do Paquistão não são aplicáveis e as infraestruturas básicas são escassas, incluindo escolas, hospitais e mesmo a água. Quando os americanos começaram sua imperialista Jihad do Dólar contra a União Soviética nos anos 1980, essas áreas foram usadas como plataforma de lançamento para enviar jihadistas ao Afeganistão com o apoio do Estado paquistanês. Mais tarde, na chamada Guerra ao Terror de 2001, essas áreas foram usadas como refúgios seguros para o Talibã e outros grupos fundamentalistas islâmicos, enquanto o imperialismo dos EUA usava drones para atacar seus antigos aliados.
Embora o imperialismo dis EUA e o Estado paquistanês estivessem aparentemente travando uma guerra contra o Talibã e o fundamentalismo islâmico, na verdade esta era uma guerra contra as pessoas simples dessas áreas, onde os fundamentalistas islâmicos eram cúmplices do Estado paquistanês e do imperialismo americano. Todos esses crimes do Estado paquistanês e do imperialismo americano estão agora saindo à superfície através desse movimento.
O líder do movimento é Manzoor Pashteen, que se tornou uma figura popular entre os pashtuns em apenas dois meses. Em seus discursos e mensagens de vídeo ele simplesmente descreve as atrocidades do Estado e do exército paquistanês nas chamadas operações contra o fundamentalismo islâmico. Segundo ele, em um incidente crianças e mulheres foram mortas em um bombardeio da força aérea paquistanesa do qual ele foi testemunha ocular. Mas, quando chegou em segurança a uma cidade próxima no dia seguinte e leu os jornais, viu que havia sido publicamente informado que vários terroristas tinham sido mortos por um ataque aéreo. Ele revelou também que casas de pessoas simples foram destruídas e/ou saqueadas pelo pessoal do exército. Em seus discursos, também relatou incidentes nos quais oficiais do exército foram vistos realizando reuniões com líderes Talibãs que deveriam matar ou prender.
Também descreveu os incidentes de humilhação nos postos de controle do exército no Norte e no Sul do Waziristão e em outras áreas das FATA, onde as pessoas simples são punidas com severidade se até mesmo ousarem falar. A situação das famílias das milhares de pessoas “desaparecidas” também é assustadora. Elas esperam por seus entes queridos durante anos, mas nunca conseguem descobrir o que lhes aconteceu. Não há registro de queixas em nome dessas pessoas e nenhum funcionário do governo sabe de seus paradeiros. Suas famílias não sabem se foram mortas pelo exército sob falsas acusações de terrorismo ou se ainda estão vivas, apodrecendo em alguma prisão clandestina.
Manzoor Pashteen também levantou sérias questões sobre as operações que o exército está realizando nessas áreas há mais de uma década. Ele afirma que os oficiais do exército colaboram totalmente com o Talibã e outros fundamentalistas islâmicos e que ele é testemunha ocular de muitas reuniões entre eles. Ele diz que é do conhecimento geral das pessoas nessas áreas que muitos oficiais do exército e membros do Talibã são bons amigos. Mas as pessoas simples estão sofrendo por conta dessas operações e centenas de milhares delas foram deslocadas de suas casas, transformando-se em refugiados em seu próprio país.
Todas essas discussões encorajaram milhares de outras pessoas a sair e levantar suas vozes contra essas atrocidades e para compartilhar suas próprias narrativas da “Guerra ao Terror”. Inspirados por esse movimento, enormes protestos foram organizados nas áreas tribais de Bajaur e Landi Kotal, na fronteira com o Afeganistão. Em Landi Kotal, 17 pessoas de uma família da classe trabalhadora ficaram “desaparecidas” durante muitos meses após acusações de terrorismo. As mulheres e as crianças dessa família foram deixadas na miséria sem nada para comer ou beber. Moradores locais protestaram com parlamentares e outros funcionários exigindo o seu retorno, mas parecia sem esperança. Mas, inspirados por esse movimento, um grande protesto foi realizado nessa área atrasada da fronteira. O protesto terminou quanto todos os “desaparecidos” retornaram.
Um protesto contra os postos de controle do exército também foi realizado em Swat, no qual cerca de 200 pessoas se reuniram na estrada principal. A primeira resposta do Estado foi enviar ameaças de morte juntamente com outras medidas, incluindo a abertura de processo legal contra os que organizaram o protesto. Mas isso encontrou uma resistência ardente na qual um protesto muito maior foi organizado. No final, o Estado teve que retirar todos os seus processos e os postos de controle foram relaxados para o povo de Swat.
No mês passado, o PTM organizou uma longa marcha de D. I. Khan à Quetta, com reuniões públicas em Zhob, Qila Saifullah, Khano Zai e finalmente em Quetta, capital do Balochistão. Houve uma maravilhosa resposta entre as comunidades pashtuns. Dezenas de milhares de pessoas compareceram a essas reuniões públicas, nas quais foram realizadas discussões semelhantes atacando o papel brutal do exército e do Estado paquistanês. Na pequena cidade de Zhob, o exército tentou sabotar a reunião pública organizando uma partida de futebol entre dois times locais, bem como um festival cultural. Mas os times de futebol se recusaram a jogar a partida e, apesar de todas as medidas tomadas contra a reunião pública, a mesma teve o comparecimento de milhares de pessoas. Em Qila Saifullah, foi aberto um processo legal contra a liderança do PTM, mas, devido à pressão do movimento, as autoridades estatais foram forçadas a anular o processo por ordem do Supremo Tribunal.
Em Quetta, a manifestação pública atraiu mais de 50 mil pessoas de todo o Balochistão. Pessoas comuns de outras nacionalidades oprimidas também compareceram a essa reunião, incluindo balochis e hazaras. Uma grande operação militar também está em andamento contra os balochis nacionalistas, na qual milhares de ativistas políticos foram assassinados e torturados e seus corpos mutilados jogados no lixo pelo Estado paquistanês. Essa operação está dirigida principalmente contra as pessoas comuns, incluindo mulheres e crianças, e só depois contra aqueles que estão na luta armada. Há um ressentimento ardente contra o estado paquistanês entre as massas balochis e elas estão buscando formas de levar adiante essa luta. Os hazaras de Quetta também são perseguidos pelos fundamentalistas islâmicos com total apoio do estado paquistanês. Em uma cidade onde os postos de controle do exército estão presentes a cada quilômetro, esses terroristas matam hazaras regularmente sem serem confrontados ou presos. Uma mulher hazara também se pronunciou na reunião pública em Quetta, o que mostra o enorme potencial desse movimento de se ligar a outros grupos oprimidos no Paquistão. A presença e a mobilização de mulheres em torno desse movimento é um desenvolvimento progressista nessa sociedade profundamente conservadora e atrasada. A reunião pública foi seguida por uma concentração em massa dos hazaras em Quetta, após a recente morte de um deles. Ela entrou agora em seu quinto dia.
O PTM vai realizar uma manifestação em Peshawar em 8 de abril, para a qual estão sendo feitos preparativos em larga escala. Estudantes da Universidade de Peshawar, junto a homens e mulheres comuns de várias áreas tribais, estão realizando reuniões para organizar essa importante manifestação. Além disso, estudantes das universidades em Islamabad estão organizando uma frota de ônibus para participar dessa histórica manifestação pública em Peshawar. Mesmo nas reuniões preparatórias, centenas de pessoas estão comparecendo, enquanto estão sendo arrecadados grandes fundos para fazer os preparativos. Essa reunião será um ponto de virada para o PTM. A longa marcha seguirá depois para Karachi, que certamente tem a maior população pashtun de todas as cidades do Paquistão. Sem dúvida, será saudada com entusiasmo e fervor.
Esse movimento acendeu os sinais de alarme nos salões do poder e a classe dominante está tentando de tudo para conter a crescente onda de raiva e descontentamento. Essa maré está dirigida contra o bárbaro Estado paquistanês, que é uma marionete dos EUA, da China e de outras potências imperialistas. Inicialmente, a classe dominante tentou deter o movimento através de suas medidas regulares de apresentação de processos por sedição e de ameaças oficiais, mas quando viram que essas ameaças tinham o efeito de lançar gasolina na fogueira, mudaram de tática. Em uma recente coletiva de imprensa, o porta-voz do exército paquistanês, general Asif Ghafoor, chamou Manzoor Pashteen de “garoto maravilhoso” e disse que o exército realizou reuniões com ele e que ele havia explicado todas as posições do PTM. Ele disse que está pronto para ter outras reuniões. Mas todas essas palavras “suaves” ainda não produziram nenhum efeito no movimento – que ainda está furioso. Junto a essas amáveis saudações da imprensa, está sendo lançada uma propaganda venenosa contra o movimento. Alega-se de forma falsa que a liderança do movimento está sendo financiada pelos serviço de inteligência externo da Índia (RAW) e por outros inimigos do Paquistão. Nenhuma prova foi apresentada para estas alegações, mas a mídia está dando cobertura total a isso e às coletivas de imprensa que expelem ódio e veneno contra a liderança do movimento.
O papel traiçoeiro da mídia como fantoche da classe dominante pode ser claramente visto aqui. Em primeiro lugar, ignorou o movimento e tentou destruí-lo através do silêncio. A maioria das pessoas pensa que a mídia pode alavancar ou destruir qualquer movimento. Isso é um fato para os políticos burgueses, que não têm nenhuma base entre as massas, que são criados em creches do establishment e, em seguida, são apoiados pela mídia. Mas para os movimentos reais das massas, a mídia é apenas outro inimigo a atacar. Quando a classe dominante viu o movimento crescer, apesar de ser ignorado pela mídia, tratou de lhe dar cobertura com suas próprias interpretações enganosas. Manzoor Pashteen também foi entrevistado em vários canais de TV, nos quais os âncoras tentaram enredá-lo. Foi incrível ver pessoas de partidos políticos opostos terem a mesma posição reacionária sobre esse movimento de massas, fazendo perguntas semelhantes e lançando dúvidas sobre a liderança.
O aspecto mais importante desse movimento é que está expondo a podridão de todos os partidos políticos do país, que estão unidos em seu coro de insultos e calúnias. Os partidos no parlamento nunca pronunciaram uma só palavra contra as atrocidades que afetam os povos tribais, pelo contrário, são cúmplices do inferno em que vivem as pessoas comuns. Da esquerda à direita, o conjunto do espectro político perdeu toda credibilidade aos olhos das massas. Elas não confiam mais em nenhum desses partidos. Embora houvesse um ódio ardente contra essas operações do exército, não havia nenhuma plataforma onde as pessoas pudessem levantar sua voz e travar sua luta. Em tais circunstâncias, o PTM se tornou a voz dos oprimidos e isto incomodou todos os partidos políticos com alguma base entre as massas pashtuns.
Dos partidos religiosos que apoiam o fundamentalismo islâmico, como a Assembleia dos Clérigos Islâmicos (JUI) e o Congresso Islâmico (JI), aos nacionalistas pashtuns do Partido Nacional Popular (ANP) e do Partido Nacional Popular Pashtunkhwa (PkMAP), que desfrutam de relações amistosas com o estado paquistanês, todos os partidos veem este movimento como uma ameaça aos seus feudos políticos e estão se utilizando de todas as medidas para detê-lo. A liderança do ANP anunciou abertamente que é contra o movimento e ordenou seus membros a não comparecerem às reuniões do PTM, caso contrário ações duras serão tomadas contra eles. Esses nacionalistas, que são em sua maioria ex-stalinistas, há muito abandonaram suas tradições seculares e contra o regime e se tornaram parte integrante do impiedoso Estado paquistanês. Também estão presentes nos governos em nível federal e provincial e se entregam aos saques e à corrupção como todos os demais.
Isso fez com que os genuínos proletários desses partidos e as pessoas comuns procurassem uma via alternativa para expressar seus sentimentos. De fato, não há diferenças entre esses partidos e os partidos islâmicos de direita. O assassinato brutal de Mashal Khan, um estudante da Universidade Mardan, no ano passado, sob falsas acusações de blasfêmia, foi um exemplo de sua traição. Ele se opôs à corrupção da administração da universidade, que é controlada pelos nacionalistas do ANP. Esses nacionalistas então planejaram seu assassinato com os verdugos da IJT (uma organização de estudantes fundamentalista islâmica), que realizou a ação em 13 de abril do ano passado. Tudo isso foi totalmente apoiado pelo Estado paquistanês, que ajudou para que fossem libertados quase todos os acusados pelos tribunais. Muitos outros exemplos de traição podem ser citados, incluindo o acordo vergonhoso entre o Talibã, os fundamentalistas islâmicos e o ANP, quando este estava no poder em Pashtunkhwa. Da mesma forma, o PkMAP está em uma coalizão com a Liga Muçulmana do Paquistão (PML-N), de direita, partido de Nawaz Sharif, um inimigo da classe trabalhadora que os líderes do PkMAP saudaram como herói nacional.
De todos, o maior crime é a traição do PPP. Esse partido não representa mais os trabalhadores e camponeses do Paquistão; pelo contrário, tornou-se uma ferramenta nas mãos de uma facção do estado. O PPP até mesmo organizou protestos contra o PTM em algumas áreas, mas só conseguiu atrair perto de uma dúzia de pessoas. Outros esforços desse tipo também encontraram o ódio das massas. O JUI – um partido fundamentalista islâmico e firme defensor do Estado paquistanês e do imperialismo americano – também anunciou uma reunião pública em 8 de abril em Peshawar para se contrapor à reunião pública do PTM, mas isso não será capaz de sabotar o movimento, que está se espalhando como um incêndio. Os partidos dominantes de Pashtunkhwa, o Movimento por Justiça do Paquistão (PTI) e o JI, primeiro anunciaram uma proibição de reuniões públicas na cidade e um estado de emergência para se contrapor à reunião pública do PTM, mas depois tiveram que retirar essa decisão. Também se utilizarão de medidas administrativas, como a criação de engarrafamentos artificiais, bloqueios de vias e postos de controle da polícia em nome da segurança para sabotar a manifestação pública de 8 de abril, mas com pouco efeito.
Todas essas medidas mostram que esse movimento está ganhando popularidade entre as massas e que se tornou uma expressão real de raiva e do descontentamento contra não somente as falsas operações e os assassinatos cometidos pelo exército, mas também contra a pobreza, a fome, o desemprego, as enfermidades e o analfabetismo, resultantes das políticas imperialistas. Manzoor Pashteen em recente mensagem online disse que essas brutais operações do exército afetaram principalmente os pobres, enquanto todos os que têm meios para escapar com segurança foram menos afetados. Ele disse que tanto o exército quanto o Talibã atacam os pobres e indefesos; enquanto as pessoas ricas e influentes saíam ilesas em sua maioria. Isso mostra que a questão de classe desempenha um significativo papel mesmo no sofrimento.
A gigantesca resposta das massas deu, por um lado, enorme força ao movimento, mas por outro, colocou importantes desafios. O movimento até agora se espalhou em algumas das regiões mais atrasadas do país, incluindo as FATA e o Balochistão, e agora está se dirigindo para os centros proletários urbanos, como Peshawar e Karachi. Ele atraiu ativistas políticos dos partidos nacionalistas, estudantes de várias universidades e pessoas comuns afetadas pelas falsas operações do exército e do fundamentalismo islâmico. Muitos deles são provenientes das camadas mais atrasadas da sociedade, que eram ao mesmo tempo o bastião da reação e áreas de apoio para o fundamentalismo islâmico. O Estado paquistanês confiou em alguns desses elementos no passado para travar guerras na Caxemira e para a intervenção imperialista no Afeganistão, mas agora a maré virou.
Isso mostra outra importante contradição dialética onde as camadas mais atrasadas travaram uma guerra contra o establishment com palavras de ordem avançadas, expondo o verdadeiro caráter do Estado brutal. Enquanto isso, os chamados setores educados da sociedade apoiam os partidos reacionários de direita da classe dominante, como o PTI e o PML-N. A comparação entre os recentes protestos sentados em Islamabad, o do PTM e o do PTI (um partido de direita de oposição), também revela esta situação. Os do PTI em sua maioria consistiam de pessoas pagas para estar ali, enquanto os discursos meramente caluniavam os rivais, carentes de um programa político. Participantes desses protestos estavam em sua maioria interessados no acompanhamento musical e nas danças, enquanto os discursos eram um intervalo aborrecido. Esses eventos receberam ampla cobertura da mídia e gozaram de pleno apoio do Estado, da polícia e dos islâmicos, que nunca pensaram em enviar um homem-bomba para interromper músicas e danças “não-islâmicas”.
Por outro lado, o protesto do PTM, que prosseguiu em Islamabad de 1 a 10 de fevereiro, era sobre questões reais e sobre um programa político para resolvê-las. Ninguém pagou aos participantes para comparecer; nem recebeu dinheiro de algum general para viagens e refeições diárias, como ocorreu em um protesto encenado de fundamentalistas islâmicos do TLY em Islamabad há poucas semanas. Todos os participantes do protesto do PTM fizeram sacrifícios para estar ali e estavam interessados nos discursos feitos no palco e no planejamento de outras estratégias para sua luta. Uma das respostas mais entusiásticas da audiência foi para o discurso proferido pelo camarada Umer Riaz da CMI, que não somente apoiou as demandas do PTM, como também expôs o caráter de classe do Estado. Esse discurso foi recebido com aplausos e todos os participantes (particularmente os jovens) o aplaudiram apaixonadamente. A mídia ignorou totalmente este evento e houve ameaças de repressão policial e ataques terroristas, os quais teriam o apoio do Estado.
Porém, mais tarde o protesto foi ocupado por elementos reacionários e por líderes de partidos políticos reacionários, a quem se permitiu discursar no palco. Esses líderes estavam chegando para acalmar o movimento e direcioná-lo a métodos legais, parlamentares ou qualquer outro método fútil. Mas todas essas abordagens fracassaram até agora e o movimento avança através delas.
Isto também colocou questões importantes para a liderança, sobre como o movimento deve prosseguir. No momento, existe todo tipo de diferentes correntes no movimento (tanto de esquerda quanto de direita) e ele não tem uma base ideológica clara. Devido à presença de muitos ativistas políticos dos partidos nacionalistas e às origens do movimento a partir das áreas pashtuns, as ideias nacionalistas estão dominando. Alguns dos líderes são ex-marxistas, agora representando a direita do movimento, que apresentam uma estreita linha nacionalista que isolará o movimento e pode levá-lo à queda. A principal liderança até agora desencorajou tais tendências, mas elas ainda estão presentes.
Na reunião pública em Zhob, quando um dos oradores disse que estamos travando uma batalha contra Lahore, referindo-se ao papel imperialista do Punjab, Manzoor Pashteen disse que nossa batalha não é contra Lahore, mas contra o Quartel-General do Exército Paquistanês, referindo-se ao papel dos generais do exército. A presença de balochis e hazaras na reunião pública em Quetta também mostra que esse movimento tem a capacidade de unir todos as nacionalidades oprimidas do Paquistão. Nos protestos do PTM e protestos sentados em Karachi, sindhis, mohajirs e pessoas de outras nacionalidades oprimidas chegaram ao palco e expressaram seus sentimentos contra a opressão do Estado. Isso mostra o caminho a seguir que pode unir o povo oprimido desde Karachi até Giglit-Balitsitan na mesma plataforma e travar uma luta unida contra o Estado imperialista, controlado pela elite dominante punjabi.
Outro ponto fraco do movimento é que convida todos os partidos políticos a participarem de suas reuniões, mesmo sabendo que estão tentando sabotá-lo. Esses partidos políticos não representam as reais aspirações das massas e são totalmente corrompidos. Esses partidos são uma importante ferramenta do Estado para manter as massas oprimidas e subjugadas. Em vez de buscar a amizade desses líderes corruptos e de seus partidos, é importante olhar para os movimentos dos trabalhadores e camponeses disseminados pelo país.
Mesmo em Pashtunkhwa e no Balochistão, milhares de trabalhadores dos setores público e privado estão levantando demandas quase todos os dias. Recentemente, houve grandes movimentos de professores escolares, jovens médicos, trabalhadores de hospitais, enfermeiras, trabalhadores de fábricas, trabalhadores do Departamento de Habitação pública (PWD), da Autoridade para o Desenvolvimento do Balochistão (BDA) e muitos outros em Pashtunkhwa e no Balochistão. Existem movimentos semelhantes no Punjab, Sindh e Gilgit-Baltistan. Grandes movimentos de camponeses e pequenos fazendeiros no Punjab também emergiram à superfície recentemente. Todos esses movimentos são aliados naturais do PTM e lhe darão forças ao apoiar suas demandas. Mas, para isso, é importante se livrar de todos os partidos políticos e proibir sua participação organizada nas reuniões públicas. É importante apoiar esses movimentos de trabalhadores e camponeses em vários setores e estender nossa solidariedade a eles.
Um enorme movimento contra a privatização de áreas do setor público também está ocorrendo em departamentos importantes, como a Autoridade para o Desevolvimento da Água e da Energia (WAPDA), das Linhas Aéreas Internacionais Paquistanesas (PIA), ferrovias, usinas siderúrgicas e outros locais. A solidariedade com esses movimentos também fortalecerá o caráter de classe do PTM e o tornará um movimento do proletariado paquistanês. Somente a classe trabalhadora pode assegurar a total liberdade das nacionalidades oprimidas do Estado imperialista e tem o potencial de travar uma batalha decisiva pela liberdade, não somente da opressão nacional, como também da exploração de classe e da escravidão assalariada.
A próxima etapa abrirá inevitavelmente essa discussão ideológica dentro do movimento e a batalha de ideias começará. Os marxistas intervieram nessa luta desde o início e estão explicando suas posições às massas em todos os lugares. Estiveram presentes em todas as manifestações do PTM até agora e estão fazendo preparativos para a manifestação pública de 8 de abril. Os marxistas da Universidade de Peshawar organizaram vários órgãos estudantis em uma plataforma e estão preparando uma delegação conjunta de estudantes para comparecer a essa reunião pública. Apoiaram incondicionalmente as demandas do PTM, mas também pediram para adicionar suas próprias demandas. Uma das principais reivindicações dos estudantes é que os postos de controle e a presença do exército, de paramilitares (rangers) e da polícia acabe em todos os institutos educacionais. Ainda exigem que a proibição de uniões de estudantes seja imediatamente suspensa e que eleições sejam realizadas em todas as universidades e faculdades. A administração da segurança desses institutos deve ser realizada por representantes eleitos dos estudantes, porque o exército e as outras instituições estatais fracassaram em proteger os estudantes dos terroristas mais de uma vez. O incidente na Escola Pública do Exército e em muitas outras são a prova dessa incompetência e da colaboração entre o Estado e os terroristas. Os estudantes também exigem que a educação deve ser gratuita para todos no país e que os institutos educacionais privados devem ser nacionalizados.
Os marxistas que representam organizações de trabalhadores também estão participando nessas manifestações públicas e têm sublinhado a importância de se conectar o movimento com a classe trabalhadora. O próximo Dia do Trabalho é uma ocasião importante para o PTM estender solidariedade aos trabalhadores do país e anunciar uma luta conjunta contra o Estado apodrecido.
Neste ponto, é importante entender a estrutura de classe do Estado. Até agora a liderança do PTM disse que quer travar sua luta através de meios legais e constitucionais. Mas as demandas levantadas pelo PTM não são viáveis sob o atual aparato do Estado. O atual estado do Paquistão representa os interesses da classe dominante paquistanesa, junto aos dos EUA e de outras potências imperialistas. Dentro dos limites desse Estado e suas leis e Constituição, é impossível trazer paz e prosperidade às massas.
A crise do sistema capitalista em níveis internacional e local está aprofundando a crise na economia e desestabilizando o status quo. A guerra entre várias potências imperialistas em toda a região está trazendo mais destruição e miséria para as pessoas comuns. As questões enfrentadas pelas massas das FATA e de outras áreas pashtuns do país são o resultado inevitável dessa crise. Esta crise também induziu a classe dominante paquistanesa a iniciar uma campanha maldosa e cruel contra os afegãos que vivem no Paquistão. O estado não apenas devastou seu país através da intervenção imperialista, como também utilizou os refugiados como uma ferramenta para implorar ajuda financeira do restante do mundo. Enquanto os cofres do Estado estavam cheios com a “ajuda” de doadores internacionais, os refugiados estavam vivendo uma vida miserável na indigência e na pobreza. Agora, começou uma campanha maliciosa em que afegãos estão sendo humilhados e presos apenas por serem afegãos.
A Linha Durand, traçada pelos imperialistas britânicos dividindo os pashtuns, também está sendo fortalecida pelo Estado, que está promulgando mais medidas para dividir as famílias. Os nacionalistas pashtuns abandonaram sua retórica de “unidade pashtun” através da divisão e estão se enriquecendo através da fronteira. A unidade pashtun não é possível sob o capitalismo.
A única saída para o pântano atual de ataques de drones, operações falsas do exército, opressão nacionalista, pobreza, miséria e desemprego é travar uma luta contra todas as forças da reação em linhas de classe. É importante identificar os inimigos e os amigos desse movimento e traçar linhas claras de batalha entre eles. Todos os setores da classe dominante, do Estado paquistanês e dos partidos políticos são inimigos do movimento de uma forma ou de outra. O judiciário, a burocracia ou qualquer outro departamento do Estado não podem oferecer qualquer solução. A recepção principesca a Rao Anwar no Supremo Tribunal e o tratamento de seu caso mostram as intenções reais e o caráter do Estado. Ele é uma importante ferramenta estatal, que fará tudo o que é possível para protegê-lo. Mesmo que ele seja removido sob a pressão do movimento, centenas de policiais semelhantes estão esperando para ocupar o seu lugar. Neste país, cada delegacia de polícia tem um policial como Rao Anwar, desejoso de proteger os interesses da classe dominante aterrorizando as pessoas comuns. Para se livrar desses elementos é necessário livrar-se do Estado e do sistema capitalista.
As potências imperialistas desde os EUA até a China, passando pela Arábia Saudita, o Irã e a Índia, também são inimigas das massas paquistanesas e não deve haver nenhuma ilusão em qualquer uma delas. Algumas pessoas dirão que não devemos ofender todos ao mesmo tempo e que devemos dar um passo atrás do outro. Mas isso prejudicará o movimento, como já vimos em muitos outros casos em que os movimentos nacionalistas se tornaram representantes nas mãos das potências imperialistas que os usam para seus próprios interesses. É importante condenar todo tipo de intervenção imperialista que apoie esse Estado brutal e que o apoiou desde o início para as necessidades estratégicas dos imperialistas na região. O imperialismo americano na verdade iniciou e patrocinou a ameaça do fundamentalismo islâmico e, mais tarde, pagou o Estado paquistanês para realizar suas falsas operações militares. Agora estão lutando por seus próprios interesses, mas nunca podem ser amigos dos oprimidos nem podem trazer paz ou prosperidade. Uma simples olhada no Afeganistão revela que ali o imperialismo americano fracassou miseravelmente, econômica, estratégica e militarmente.
O verdadeiro amigo desse movimento são as classes trabalhadoras do Paquistão, Afeganistão e outros países da região. Se a liderança desse movimento fracassar em reconhecer essas linhas ideológicas, afundará em um atoleiro de engano e traição. Temos esperança que isso acabará por abrir o caminho para movimentos mais radicais e avançados, e para uma liderança com uma abordagem mais clara dessas questões.
No momento, muitos ativistas do movimento estão tentando se organizar em níveis de cidade e distrito. Mas a organização sempre se baseia nos objetivos e na ideologia do movimento. Se os objetivos do PTM não forem clarificados, ele permanecerá frouxo e confuso. Nos próximos dias haverá ataques ao movimento de dentro e de fora, e é por isso que é importante se organizar em linhas ideológicas claras para defender o movimento desses ataques.
A participação nas próximas eleições gerais também é uma importante questão tática e deve ser tratada com cuidado. Muitos oportunistas gostariam de utilizar esta plataforma para suas carreiras políticas e enfatizarão sua participação para ganhos pessoais. Esses carreiristas são perigosos para o movimento e podem tentar vendê-lo. Mas usar o parlamento como um meio para alcançar os objetivos do movimento é uma questão distinta. Para isso é necessária uma clara compreensão do Estado e do parlamento na sociedade de classes. Neste sistema, as reformas não são possíveis através de emendas constitucionais ou aprovando resoluções no parlamento. É importante derrubar todo esse sistema podre e a sociedade de classes, até mesmo para se conseguir as menores reformas para as massas. As eleições e o parlamento podem ser utilizados para difundir a voz de uma pessoa a camadas mais amplas da sociedade, mas se iludir com esses métodos seria criminoso.
Como o movimento vai abordar essas questões determinará o seu futuro. Mas o que quer que aconteça, é certo que o status quo foi abalado e que a política revolucionária renasceu no país. Isso é um enorme passo à frente e levará ao ressurgimento de ideias radicais em uma escala muito maior. O vácuo aberto pelos corruptos partidos políticos do status quo será preenchido por uma nova batalha ideológica entre esquerda e direita. Os marxistas intervirão nessa batalha com força total e tentarão alcançar camadas mais amplas da classe trabalhadora. Enquanto isso, também fortaleceremos nossas fileiras com base em nossas ideias revolucionárias socialistas. Assinalaremos cada movimento de força do movimento contra o Estado e usaremos todas as nossas forças para defendê-lo, mas também assinalaremos suas debilidades para evitar erros. Além disso, tentaremos nos relacionar com outros movimentos da classe trabalhadora. Dessa forma, construiremos nossas forças para lançar uma guerra decisiva contra esse sistema capitalista obsoleto e contra o Estado ensopado de sangue através de uma revolução socialista.
O sistema capitalista no Paquistão e em todo o mundo chegou a um beco sem saída e está destruindo as vidas de milhões de pessoas. Só através da revolução as massas libertadas da brutalidade estatal, do terrorismo, da pobreza, da fome, da miséria, do analfabetismo e das enfermidades podem colocá-lo em seu túmulo. Só então o povo poderá respirar aliviado e viver em paz e prosperidade.
Artigo publicado originalmente em 6 de abril de 2018, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Pakistan: Pashtun movement (PTM) shakes the status quo!“
Tradução: Fabiano Leite.