Durante o governo do Michel Temer (MDB), o então presidente criou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) n° 8.874/2016 com o objetivo de regulamentar parcerias com a iniciativa privada em diversos áreas sob responsabilidade do Estado, entre elas saneamento básico, saúde, educação, segurança pública e sistema prisional. Dando continuidade a tal política, Lula, através do Decreto 11.498, de 25 de abril de 2023, firma essa união com as Parcerias Públicas Privadas (PPPs). Ressalva-se que tal medida foi de caráter presidencial, uma vez não entrou em Congresso para votação, o que demonstra a velocidade em que o governo Lula-Alckmin busca atender aos interesses da burguesia; já que, como historicamente é sabido, o esquema prisional pune o indivíduo pobre, sobretudo os negros, para atender os interesses da burguesia, fomentando assim o esquema de corrupção e obtenção de lucro pelas classes dominantes.
Em relação à privatização dos presídios, é importante informar que a ideia é que o Estado assegure aos empresários 90% de repasse da verba gasta pela iniciativa privada, o que significa, na prática, que será necessário o aumento de prisões no país para garantir a manutenção desse valor à iniciativa privada. Em outras palavras, cada detento no sistema privado, custa cerca de R$ 3 mil por mês, enquanto que custaria 1,3 mil nas cadeias públicas. Nesse ínterim, nota-se que existe uma forte crítica por uma parcela da sociedade ao que tange o alto custo com os presidiários pelo Estado. Contudo, devido ao forte esquema de corrupção nos presídios, nem sempre a verba estatal contribui, de fato, para os custeios com os presos; que, não tendo condições financeiras, tornam-se obrigados a enfrentarem as piores condições de sub-humanidade no regime carcerário. Por outro lado, àqueles que possuem poder aquisitivo, a situação prisional é amenizada. Acrescenta-se aqui o fato de que a maioria dos familiares tem um alto custo com seus parentes encarcerados para lhes garantir alguma qualidade de vida, já que a verba estatal é desviada para esse fim no regime prisional. Além disso, geralmente são as facções criminosas que determinam quem tenha algum direito a um mínimo de dignidade na cadeia.
Outra questão que é debatida sobre o sistema carcerário no país é a superlotação. Certamente, não é a iniciativa privada que resolverá tamanho problema que está totalmente vinculado à desigualdade social, pois no mundo e no Brasil, as riquezas estão concentradas nas mãos de poucos. Entretanto, isso tudo, isto é, as péssimas condições do esquema carcerário no Brasil, e porque não dizer no mundo, não pode ser resolvido efetivamente nem pelo estado, nem tampouco pela iniciativa privada. É necessário que o capitalismo seja derrubado pela classe trabalhadora a fim de construir um sistema penal mais justo, em que não haja exploração do detento para obtenção de lucro. É preciso derrubar esse sistema prisional, em que o sujeito é condenado por sua condição social e/ou a sua cor. Todavia, é algo certo afirmar que a privatização dos presídios é uma forma de aumentar a opressão contra os presos, para que as empresas capitalistas lucrem, ampliando as suas riquezas. Isso não pode acontecer.
Memórias do Cárcere
A respeito do mau funcionamento dos presídios no contexto capitalista, na obra clássica nacional “Memórias do Cárcere” (1953), de Graciliano Ramos (1892-1953), o autor alagoano narra através de memórias o período em que esteve encarcerado durante o Estado Novo, na Era Vargas (1930-1945). A sua prisão foi dada por acusação de vínculo com o Partido Comunista. Assim, tal narrativa é construída nesse ambiente, onde o autor presenciou situações de barbárie, em que as autoridades humilhavam os presidiários e a falta de higiene e a alimentação precária tornaram-se uma situação comum na esfera prisional em que esteve presente. No caso, esses presos eram operários, militares e pequenos burgueses detidos como suspeitos de relação com o comunismo aos olhos das autoridades da época. Tal obra teve uma grande relevância para a literatura, além de contribuir na denúncia contra o sistema carcerário no Brasil, que se perpetua até hoje em dia. Segundo se constata no romance, não há uma intenção de restabelecimento do presidiário à sociedade por parte das autoridades; mas tão somente rebaixá-lo, condicionando o a uma situação de barbárie e total desesperança.
Consequências da privatização do sistema prisional
De acordo com Karl Marx, a lógica do sistema capitalista é explicada pela expropriação da mais-valia, isto é, expropriação da riqueza excedente produzida pela classe trabalhadora pelos ricos a fim de obter o lucro e a concentração do poder dos meios de produção econômico-social. Dessa forma, a história tem revelado o grau máximo de irracionalidade e o consequente desastre que o capitalismo tem provocado no mundo. Mesmo assim, ele ainda se permanece e, nesse sentido, os presídios brasileiros têm sido vistos como uma instigante fonte de geração de riqueza por empresas que visam a administrar as penitenciárias através da iniciativa privada. Afinal, em uma lógica em que se constrói a imagem da prisão como castigo das massas populares, a exploração dessa parcela social torna-se ainda mais interessante e vulnerável para os ricos, ávidos de lucro. Isso porque com a desculpa de que estariam dando uma oportunidade de emprego aos presos, os empresários visam a explorar mais ainda a mão de obra barata dos detentos, através de trabalhos repetitivos e alienados, com um pagamento muito abaixo do salário-mínimo, em um verdadeiro regime de escravidão contemporâneo disfarçado de projeto de reinserção de detentos à sociedade.
Assim, nos EUA, onde vem aumentando significativamente o número de privatizações dos presídios desde os anos de 1980, é um importante exemplo de como as empresas privadas se beneficiam do regime prisional. A superlotação e a exploração da mão de obra barata aumentadas dos presos são consequências da iniciativa privada no sistema prisional norte-americano, destacando-se Colorado e Arizona. Além disso, embora ofereçam uma promessa de custos mais baixos do que o setor público em relação aos presidiários, na prática, isso é uma grande ilusão. De acordo com as informações de El País:
O documento do ITPI considera “ilusório” pensar que as quotas mínimas de ocupação das prisões acabem beneficiando os contribuintes. A entidade assegura que, por exemplo, no Arizona as prisões privadas acabaram custando 33 centavos a mais diariamente por recluso do que as públicas, enquanto que no Colorado a transferência dos 3.330 presos para cumprir a base mínima acarretou uma fatura de dois milhões de dólares.
É importante também informar que desde 1990 até o presente momento, o número de presos no Brasilsubiu de 90 mil detentos para 715,6 mil. Dessa forma, o Brasil ocupa atualmente a terceira posição dentre as nações com maior quantidade de encarcerados no mundo. Já os Estados Unidos mantém-se em primeiro lugar no ranking, com 2,2 milhões. Em segundo, a China, com 1,7 milhão e, em quarto lugar, a Rússia, com 680 mil.
Com esses dados, fica claro que é errônea a ideia de que no Brasil ninguém é preso. O que ocorre na verdade é que o sistema prisional brasileiro e no mundo, sob a lógica do capitalismo, quem vai para cadeia e cumpre a pena na íntegra, na maioria das vezes, é o pobre sem condições de arcar com os custos para se manter em liberdade ou para cumprir a pena em regime fechado, mas em melhores condições de humanidade.
Nesse sentido, constata-se a necessidade URGENTE de revogar o Decreto 11.498, de 25 de abril de 2023, o qual o presidente Lula está apoiando. Não podemos permitir que a segurança pública fique resguardada pela iniciativa privada. Nem tampouco podemos permitir que aumente mais ainda a opressão contra os presidiários, que já sofrem com um sistema injusto e desumano. Acima de tudo, é fundamental que haja luta para que a lógica do sistema prisional do Brasil e do mundo seja transformada. Mas, para isso, será necessária a construção de uma nova sociedade, sendo que isso só é possível através da revolução socialista.
Fonte:
DECRETO Nº 11.498 DE 25 DE ABRIL DE 2023. Disponível em: <<https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=DEC&numero=11498&ano=2023&ato=9d 4QzZU10MZpWTdfd>> Consulta em 25/9/2023.
EM DEFESA DO COMUNISMO.COM. “Contra a privatização dos presídios no Brasil!” (21/9/2023). Disponível em: <<https://emdefesadocomunismo.com.br/contra-a-privatizacao dos-presidios-no-brasil/>> Consulta em 25/9/2023.
FAUS, Joan. “O negócio sujo das prisões privadas nos EUA” (23/01/2014). In: El País. Disponível em: <<https://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/23/internacional/1390438939_340631.html>> Consulta em 27/9/2023).
LIBÓRIO, Felipe. “Massacre prisional no Amazonas: os responsáveis não estão só atrás das grades”. In: Esquerda Marxista – Corrente Marxista Internacional. Disponível em: <<https://www.marxismo.org.br/massacre-prisional-no-amazonas-os-responsaveis-nao-estao so-atras-das-grades/ >> Consulta em 24/9/2023.
MARX, Karl (1818-1883). “A mercadoria”; In: O capital – Livro I: O processo de produção do capital, 1867; Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017, (Marx-Engels); p. 113-158.
NOBRE, Renarde Freire. “Violência e desencanto na sociedade brasileira: reflexões a partir do sistema prisional”. In: Revista Indisciplinar. vol. 6, n° 2; pp. 327- 364. Disponível em:
RAMOS, Graciliano (1892-1953). Memórias do cárcere (1953). Rio de Janeiro: Record, 1994. Disponível em: https://joaocamillopenna.files.wordpress.com/ (Consulta em 20/9/2023).
SALLA, Fernando. A. (2012), “Sistema prisional no Brasil: balanço de uma década”. In: Núcleo de Estudos da Violência – USP (org.). V Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos no Brasil 2001-2010 São Paulo, Urbania, pp. 150-157.
SANTOS, Patrícia. “Entidades pedem ao governo fim de incentivo à privatização de presídios” (22/9/2023). In: Terra.com.br – Seção Nós. Disponível em: <<https://www.terra.com.br/nos/entidades-pedem-ao-governo-fim-de-incentivo-a privatizacao-de-presidios,ae364beb42abdaacadc78516866e57867b1ze37g.html>> Consulta em 25/9/2023.