Foto: Pedro Castillo Presidente, Facebook

Peru: esquerda vence eleições em meio à polarização política

O candidato da esquerda Pedro Castillo (Peru Libre) venceu o segundo turno das eleições presidenciais do Peru. Na votação, ocorrida neste domingo, com a apuração ainda em andamento, Castillo que conta 50,2% votos válidos, derrotando Keiko Fujimori (Fuerza Popular), que conta com 49,8%.[1] Diante da crise social e política e da divisão entre os diversos representantes das classes dominantes, que apresentaram várias candidaturas no primeiro turno das eleições, coube a Keiko, filha do ditador Alberto Fujimori, defender os interesses da burguesia contra os trabalhadores. O Peru vive há anos um clima de profunda instabilidade política e social. Cinco dos últimos presidentes do país foram julgados por corrupção, dos quais quatro por terem recebido propina da Odebrecht. Alan García suicidou-se em 2019, em meio a acusações de corrupção. Alejandro Toledo está preso nos Estados Unidos, com um pedido de extradição. Pedro Pablo Kuczynski está cumprindo prisão domiciliar, condenado por lavagem de dinheiro. Ollanta Humala também está sendo investigado pelo caso Odebrecht e Alberto Fujimori está preso por diversos crimes, inclusive corrupção. Nessa lista pode ser incluído ainda Martín Vizcarra, também acusado de corrupção, cassado por meio de um impeachment que desencadeou o movimento de massas de novembro de 2020. Vizcarra, acusado de receber propina da Odebrecht, assumiu a presidência em 2018, depois da renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, também denunciado em esquemas com a Odebrecht. Manuel Merino, então presidente do Congresso Nacional, que conduziu o processo de impeachment contra Vizcarra, assumiu a presidência por poucos dias, vindo a ser substituído por Francisco Sagasti, em 17 de novembro. Contudo, essa instabilidade nas instituições é apenas a expressão mais evidente de uma crise muito mais profunda, que se materializa no crescente ódio dos trabalhadores contra seus representantes. Essa disposição ficou evidente no dia 14 de novembro de 2020, quando centenas de milhares de pessoas foram às ruas se manifestar. O governo, na época ocupado por Merino, apelou para a repressão policial, o que levou à morte de dois jovens que participaram dos atos. Outras centenas de pessoas ficaram feridas. Diante dessa crise, 11 dos 18 ministros deixaram o governo e, no dia 15, o parlamento forçou a renúncia de Merino como forma de tentar acalmar as massas. Esse é o cenário que antecedeu a polarização entre Castillo e Fujimori. O primeiro turno contou com 18 candidaturas, fazendo com que os votos tanto da direita como da esquerda fossem pulverizados entre os diferentes partidos. Castillo venceu o primeiro turno com apenas 18,92% dos votos. Fujimori obteve 13,41%, conquistando uma pequena vantagem em relação a Rafael López Aliaga (11,75%) e Hernando de Soto (11,63%). No segundo turno, estes e outros setores da burguesia se uniram numa frente em apoio a Fujimori para derrotar Castillo. Pedro Castillo ficou conhecido por ter sido o dirigente sindical de professores que liderou uma greve de 2017, em rebelião de base contra a direção burocrática do seu sindicato (SUTEP), controlado pelo Partido Comunista do Peru – Pátria Vermelha. O massivo apoio à candidatura de Castillo, que teve como um de seus slogans de campanha “chega de pobres em país rico”, expressa o profundo descontentamento com a situação social e política vivenciada no Peru. Do processo de polarização que se viu ao longo das eleições, que foi aprofundado nesse segundo turno, saiu vitorioso o candidato que se mostrou como aquele que mais se diferencia da política oficial. O sindicalista anunciou que renunciará ao salário de presidente e viverá de seu salário de professor, e que reduzirá pela metade os salários de ministros, deputados e altos funcionários públicos. O partido Peru Livre, criado em 2016, pelo qual Castillo disputou a eleições, se define como “marxista-leninista-mariateguista” e usa abertamente a palavra socialista em seu programa. Na plataforma eleitoral, defendeu a nacionalização do gás natural e propôs a revisão dos contratos com as multinacionais para que, em vez de ficarem com 70% do lucro e deixar 30% para o Estado, seja o contrário. Com este dinheiro, se propõe a financiar um programa de investimento em serviços públicos, dedicando 10% do orçamento nacional à educação, e garantindo o direito à saúde. Essa proposta, inclusive, foi destaque na campanha de Castillo: O seu programa, apesar dos limites nacionalistas, foi um dos motivos para que Castillo sofresse ataques por parte da mídia e das classes dominantes, incluindo outdoors em Lima com os dizeres “Comunismo é pobreza” e “Socialismo leva ao Comunismo”. O premiado escritor Vargas Llosa, que se opunha a Fujimori, chegou a afirmar que votar em Keiko seria “a única forma de salvar a democracia”. Em resposta à campanha de ataques, Castillo tentou apresentar uma face mais moderada para sua candidatura, propondo reverter alguns de seus compromissos anteriormente assumidos. Um dos economista da equipe de Pedro Castillo divulgou nas redes sociais documento afirmando que não serão realizadas estatizações, expropriações ou confiscos: Contudo, apesar da vitória da esquerda sobre a candidatura apoiada pela burguesia, não é possível ter ilusões nas ações do futuro governo. Embora se utilize de uma retórica marxista, o programa de Peru Livre é nacionalista, com apelos aos capitalistas para que trabalhem no desenvolvimento do país. O partido tem como modelo os governos de Correa no Equador e de Morales na Bolívia. Contudo, nessa questão há uma diferença histórica significativa: os governos de Correa e Morales ocorreram em um ciclo de alta dos preços das matérias-primas, permitindo certa margem de manobra para implementar algumas reformas sociais dentro dos limites do capitalismo. Castillo, contudo, assumirá não apenas em meio a uma pandemia, mas também na mais profunda crise do capitalismo. Portanto, para aplicar o programa pelo qual foi eleito, precisará combater os interesses da burguesia e do imperialismo. Caso contrário, governará tendo pouco espaço para realizar até mesmo limitadas reformas. Cabe destacar, contudo, que, apesar de todas as contradições do processo político peruano e das limitações estratégicas de Castillo e de seu partido, a derrota de Keiko Fujimori significa um duro golpe nos interesses da burguesia e do imperialismo. É preciso entender que a polarização na eleição presidencial no Peru se deu como parte de um processo político mais amplo da América Latina, onde o descontentamento acumulado causado ​​pela crise capitalista e pelo aumento da exploração e da pobreza levou a levantes no Chile e no Equador e a movimentos massivos no Paraguai e na Colômbia, entre outros países. Pedro Castillo sofrerá todos os tipos de pressões para não aplicar o programa pelo qual foi eleito ou para implementá-lo de forma o mais moderada possível. Mesmo que suas propostas não sejam socialistas, tendo uma perspectiva nacionalista de reformas sem romper com o capitalismo, seu mandato será pressionado e atacado pela burguesia e pelo imperialismo. As classes dominantes sabem que, em um cenário de crise, ao mobilizar a luta dos trabalhadores, até mesmo o limitado programa de Castillo pode ser uma ameaça aos seus interesses e privilégios. O mandato de Castillo provocará ilusões nos trabalhadores e camponeses pobres, em especial por conta das promessas feitas na campanha e dos ataques que o futuro presidente continuará a sofrer por parte da burguesia. Os trabalhadores e camponeses pobres encerram o processo eleitoral se sentindo vitoriosos e fortalecidos, dispostos a continuar a se mobilizar por suas reivindicações, enxergando Castillo como um aliado para suas lutas. Durante o governo, deve seguir a efervescência social e continuará a ocorrer ações dos trabalhadores no sentido de garantir o atendimento de suas reivindicações. Contudo, a esperança provocada pelo novo governo vai se chocar com o não atendimento das promessas por parte de Castillo. Os trabalhadores peruanos farão sua experiência com o novo governo. Essa experiência, marcada por muitas mobilizações e lutas, com certeza fará com que os trabalhadores e os camponeses pobres superem as ilusões em Castillo e em seu partido. Diante do débil regime burguês e da instável situação econômica de país, abre-se a perspectivas não apenas de grandes lutas, mas também de profundas transformações na sociedade.
[1] Embora a apuração ainda não tenha sido encerrada, a votação de Castillo não deve ser superada por Fujimori, considerando os dados divulgados pela Oficina Nacional de Procesos Electorales (ONPE)