Quando Raus Seixas escreveu a letra da música “Aluga-se”, não podia imaginar que, além de “free”, o governo ainda concederia empréstimos para os capitalistas se apropriarem das riquezas do Brasil.
“É tudo free,
Tá na hora agora é free,
vamo embora” (Raul Seixas)
No último dia 13 de setembro, Michel Temer (PMDB) assinou uma Medida Provisória que cria o Programa de Parcerias para Investimentos (PPI). O projeto, batizado de Projeto Crescer, é uma continuidade das concessões e privatizações no país e amplia a entrega de diversas empresas públicas nas áreas de transporte, energia, saneamento, mineração e outras. A lista especificada aparece abaixo.
Sem qualquer cerimônia, Temer está doando nosso patrimônio e ainda se utilizando dos recursos públicos e de uma das maiores reservas dos trabalhadores, o FGTS, para liberar crédito aos empresários – a quem o “presidente” insiste em chamar “investidores”.
Nunca é demais lembrar que os lucros das empresas públicas são do Estado. Quando são vendidas, passam a gerar lucro apenas para seus “donos”, empresários bilionários dos vários ramos do setor privado. São oss trabalhadores pagando o lucro dos patrões com suas vidas.
Em geral, dois argumentos são utilizados pelos governos para justificar a privatização. O primeiro é o combate à corrupção. Ora, essa é uma mentira deslavada, a corrupção é fruto do sistema capitalista. Como afirma Marx, para acabar com a corrupção é preciso mudar o sistema, pois as fraudes são permanentes: “Enquanto a aristocracia financeira legislava, dirigia a administração do Estado, dispunha de todos os poderes públicos organizados e dominava a opinião pública pelos fatos e pela imprensa, repetia-se em todas as esferas, desde a corte ao Café Borgne, a mesma prostituição, as mesmas despudoradas fraudes, o mesmo desejo ávido de enriquecer não através da produção, mas sim através da sonegação de riqueza alheia já existente;” (As Lutas de Classes em França de 1848 a 1850 – Karl Marx)
Essa sonegação do alheio citada por Marx não é de hoje. Essa sonegação do que é nosso aparece em todos os escândalos de corrupção, desde os primórdios do sistema capitalista. Uma promiscuidade entre os representantes políticos responsáveis pelo público e os empresários da iniciativa privada, permanente e sem fim. Se qualquer governo quiser acabar com a corrupção, começa por promover a estatização de todas as empresas que roubam dinheiro do patrimônio nacional e colocando-as sob o controle dos trabalhadores.
Neste momento, um exemplo de disposição de combate à corrupção seria a estatização da Odebrecht. Fonte de grande parte dos processos da Lava jato, a empresa viu seu patrimônio líquido subir de R$ 3,01 bilhões, em 2003, para R$ 9,14 bilhões. Esse crescimento se deu através de “vantagens” em contratos, como por exemplo, das obras do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio), da refinaria Abreu e Lima (PE) e da refinaria Getúlio Vargas (PR). Outro exemplo, dentre as centenas, seria o dos fundos de pensão da Petros (Petrobrás), Funcef (Caixa) e a Previ (Banco do Brasil) – os ditos fundos complementares de previdência. Já se sabe que os gestores dos fundos fizeram aplicações de risco sabedores das perdas que sofreriam. Ou seja, aplicam em ações de risco, de empresas privadas que não darão lucro, mas que são os ditos “amigos”. Estão usando o dinheiro de milhares de trabalhadores para beneficiar os bancos. Um governo sério reestatizaria imediatamente esses fundos, traria para a previdência geral da união e acabaria com a farra – mas claro que isso não está na pauta.
O segundo argumento usado pelos governos é o da geração de empregos e investimentos. Bom, aqui não precisa muita explicação. Ninguém seria louco de comprar um negócio que não dá lucro. As empresas públicas brasileiras dão muito lucro, por isso o “mercado” tem sede delas. Claro que gerará emprego de alguma maneira, mas elas geram emprego por existirem e não porque são privadas ou públicas. A diferença que resta é a intenção dos governantes em gerar retorno ao conjunto da população, ou apenas lucro para alguns milionários ‘amigos do rei’. Sobre os investimentos, outra mentira. Se alguém está disposto a investir nestas empresas é porque são rentáveis – simples assim.
Sobre a abertura de crédito
O governo informou oficialmente que, com Projeto Crescer , a expectativa é arrecadar R$ 24 bilhões em 2017. Porém, o mesmo governo irá abrir crédito de R$ 30 bilhões para os empresários que quiserem participar dos leilões. Não é preciso ser um economista para entender esta conta. Qualquer criança que já aprendeu as quatro operações matemáticas básicas poderá dizer que a conta não fecha, pois como um governo abre crédito de R$ 30 bilhões para lucrar R$ 24 bilhões? Ou seja, estamos falando de doação de nosso patrimônio e de roubo de dinheiro público.
A abertura de crédito e o FGTS
As ironias são muitas. No mesmo dia 13 de setembro, há cinquenta anos, o FGTS surgia. O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, dinheiro do trabalhador guardado em uma espécie de poupança, nasceu de um golpe brutal do então ditador Marechal Castelo Branco, pois vinha em substituição à estabilidade de emprego.
O Fundo de Garantia foi criado no programa de ajuste fiscal da Ditadura Militar. Em 1966 a ditadura completava seu plano e impunha aos trabalhadores a troca da estabilidade pelo FGTS. Com diversas manobras e propaganda estatal, a ditadura “convencia” e impunha ao trabalhador a ideia de que a estabilidade não era tão boa e que o ideal era a “liberdade” de trocar de emprego a hora que sentisse vontade, como se isso pudesse se constituir em realidade, como se vivêssemos no pleno emprego.
A estabilidade de emprego no Brasil
A estabilidade foi conquistada na década de 20, momento em que a Rússia mostrava ao mundo que era possível um governo dos trabalhadores. Com a vinda de milhares de imigrantes europeus para o Brasil, vieram também as suas experiências de lutas e suas ideias. Essas teorias foram fundamentais para os operários brasileiros iniciarem as suas conquistas. Dentre as conquistas estava a estabilidade de emprego. Nos foram dados os anéis para que não lhes tomássemos os dedos, pois o Brasil vivia momentos de convulsão social na onda da Grande Revolução Russa de 1917.
Nesta época, após 10 anos de trabalho, ferroviários, portuários, marítimos e outras categorias adquiriam estabilidade no emprego. Mesmo antes desses dez anos, o trabalhador tinha uma estabilidade parcial, pois não podia ser dispensado sem justa causa. Quando isso ocorria, antes dos 10 anos, havia uma indenização de um salário para cada ano trabalhado.
A ditadura militar instalada em 1964 destruiu essa conquista e criou uma “alternativa”, o FGTS. O objetivo era reduzir o custo das empresas na demissão de funcionários e acabar totalmente com a possibilidade de estabilidade. Instituído o fundo, em 1966, o trabalhador “optava” pelo FGTS ou estabilidade, na contratação. O objetivo foi, além de permitir a demissão e reduzir o seu custo, financiar a indústria da construção civil. O FGTS nasce como um fundo onde o empregador recolhe 8% do salário bruto do empregado. O fundo, nesta época, era administrado por 67 bancos, ou seja, os patrões escolhiam em qual banco depositavam. Esses bancos usavam o dinheiro para abrir crédito às empreiteiras para que construíssem casas populares, o antigo BNH. Na prática, era o dinheiro dos trabalhadores enriquecendo banqueiros e as empreiteiras, embora a propaganda oficial falasse apenas da geração de emprego na construção civil e construção de moradia. Um golpe nos trabalhadores e uma fantasia criada pela ditadura ao custo da morte de milhões que tentavam denunciar o que acontecia.
Na Constituição de 1988, o FGTS muda sua configuração e, novamente, em um momento de extremo combate dos trabalhadores, pode-se dizer que evolui. A partir daí passa a ser depositado na Caixa Econômica, um banco público, e passa a ser um fundo geral aos trabalhadores regidos pela CLT. Não era a estabilidade, mas era um avanço em relação aos tempos de ditadura. Este pequeno avanço vem sendo combatido ano a ano. Pode-se dizer que hoje o Fundo é uma poupança do trabalhador. Tem a garantia do governo, que é o responsável por cuidar desse dinheiro, garantir que ele não desapareça e que fique sempre equilibrado com relação ao seu valor real, claro que ano após ano tem sido desmantelado com uma correção cada dia menor. Mas está disponível para ser resgatado quando eventualmente um trabalhador fique desempregado.
Apesar dos inúmeros ataques, o FGTS ainda tem esse caráter. O que o governo Temer quer é num primeiro momento garantir que esse Fundo possa ir para os empresários que queiram comprar empresas públicas e, num segundo momento, recolocá-lo na integralidade à disposição do mercado financeiro. Por isso o governo fala em uma reforma da Previdência que abarque o FGTS, um único fundo, aberto a toda a especulação financeira. Obviamente, como na ditadura militar o objetivo é reduzir o custo da demissão, pois as demissões em grande escala já estão acontecendo e tendem a se transformarem em demissões em massa. Os patrões precisam extingui-lo ou garantir que ele vá para os bancos privados e possa ser fonte de financiamento aos empresários.
No Projeto Crescer a ideia fica escancarada. O governo pretende que R$ 12 bilhões sejam retirados do FGTS para emprestar aos especuladores que queiram comprar as empresas públicas. Estamos, portanto, sendo lesados duas vezes. Uma porque as empresas públicas são nossas, deveriam gerar lucro ao conjunto da população e não a meia dúzia de milionários, a segunda porque parte do dinheiro que eles vão usar para “comprar” sai da nossa poupança, do FGTS.
Isso é explicado pelo presidente da Caixa Econômica Federal, Gilberto Occhi, em declaração à Voz do Brasil (13/09/2016): “O FGTS tem cerca de 12 bilhões de reais para esses investimentos. Somados a cerca de 18 a 20 bilhões do BNDES, esse é o total desses recursos. Eu acho que nós estamos considerando 30 bilhões inicialmente…” São R$ 30 bilhões do nosso dinheiro para emprestar aos empresários, dos quais 12 são do FGTS.
Vale registrar que parte das concessões já estava prevista no governo da ex-presidente Dilma Rousseff. O que acontece agora é um aprofundamento para privatizações e mudança nas regras. Por exemplo, na concessão das rodovias o melhor preço ao usuário era item fundamental, agora não constará mais nas regras. Ou seja, o lucro privado está sendo ampliado e o bolso dos trabalhadores esvaziado de todas as formas. Na lista abaixo é possível observar várias concessões que já não estão na primeira rodada, ou seja, Temer continua e amplia.
Como diz a letra da música “Aluga-se” de Raul Seixas, “tá tudo pronto é só vir pegar; é tudo free”. Raul só não podia imaginar que além de ‘free’, ainda damos empréstimos. Contudo, a solução para o nosso povo trabalhador existe. É preciso uma Assembleia Popular Nacional Constituinte; é preciso que se derrube o governo Temer e o Congresso Nacional. Que essa Assembleia se constitua em um real governo dos trabalhadores e para os trabalhadores. Nossa pauta:
*Reestatização de todas as empresas privatizadas!
*Estatização imediata das empresas envolvidas em escândalos de corrupção, a exemplo da Odebrecht!
*Nenhum centavo de dinheiro público para empresas privadas;
*Reestatização de todos os Fundos de Previdência;
* Serviços públicos, gratuitos e para todos;
Lista de concessões e privatizações do Projeto Crescer:
Transporte
- Aeroporto de Porto Alegre
- Aeroporto de Salvador
- Aeroporto de Florianópolis
- Aeroporto de Fortaleza
- Terminais de Combustíveis de Santarém (STM 04 e 05)
- Terminal de Trigo do Rio de Janeiro
- BR-364/365/GO/MG
- BR-101/116/290/386/RS
- EF-151 SP/MG/GO/TO
- EF-170 MT/PA
- EF-334/BA – FIOL
Energia
- Quarta rodada de licitações de campos marginais de petróleo e gás natural (campos terrestres) sob o regime de concessão
- Décima quarta rodada de licitações de blocos exploratórios de petróleo e gás natural sob o regime de concessão
- Segunda rodada de licitações sob o regime de partilha de produção (áreas unitizáveis)
- Amazonas Distribuidora de Energia S.A.
- Boa Vista Energia S.A.
- Companhia de Eletricidade do Acre
- Companhia Energética de Alagoas
- Companhia de Energia do Piauí
- Usina Hidrelétrica de São Simão (GO)
- Usina Hidrelétrica de Volta Grande (MG)
- Usina Hidrelétrica de Miranda (MG)
- Usina Hidrelétrica de Pery (SC)
- Usina Hidrelétrica de Agro Trafo (TO)
- Centrais Elétricas de Rondônia S.A
Saneamento
- Distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto – Cedae
- Distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto – Caerd
- Distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto – Cosanpa
Mineração
- Direitos de fosfato de Miriri (PB/PE)
- Direitos minerários de cobre, chumbo e zinco em Palmeirópolis (TO)
- Direitos minerários de carvão em Candiota (RS)
- Direitos minerários de cobre em Bom Jardim (GO)
- Ativos da Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais – CPRM
Ministério da Fazenda
- Loteria Instantânea Exclusiva (Lotex)
* Maritania Camargo – Membro do Comitê Central da EM e professora da rede estadual de ensino em Santa Catarina.