Um leitor nos escreveu discutindo o artigo que publicamos no jornal anterior (Jornal Luta de Classes no 5) sobre a CPMF e qual deveria ser a posição dos marxistas sobre a questão.
“O tributo a pagar à Inglaterra na seqüência da guerra desastrosa de 1840, o enorme consumo improdutivo de ópio, a hemorragia de metais preciosos como conseqüência do comércio de ópio, a ação devastadora da concorrência estrangeira sobre a produção local e o estado de desmoralização da administração pública tiveram um duplo efeito: os impostos tradicionais tornaram-se mais pesados e mais opressivos, e vieram impostos novos juntar-se aos antigos. Num decreto datado de Pequim, 5 de janeiro de 1853, o Imperador deu ordem aos vice-reis e governadores das províncias meridionais de Wouchang e Hanyang de diferir e enviar os impostos e, sobretudo, de não guardarem para si mais que o montante prescrito, porque, segundo o decreto, “como poderia a população pobre suportá-lo?”. E prosseguia o Imperador: “E, deste modo, em período de miséria e penúria gerais, talvez o meu povo seja poupado às perseguições e torturas dos coletores de impostos.” Lembramos de ter ouvido esta mesma linguagem e visto aplicar medidas semelhantes na Áustria, na China e na Alemanha, em 1848”.
(Karl Marx, “A Revolução na China e na Europa”, Julho de 1853)
Como uma forte cortina de fumaça foi lançada pelo governo e pela oposição do PSDB e DEM sobre esta questão que ocupa o noticiário hoje, resolvemos aprofundar a questão do ponto de vista do marxismo.
O companheiro diz que “Se nos posicionarmos contra a CPMF, vai passar a impressão que estamos fazendo coro com a burguesia…, inclusive daremos munição para sermos atacados pela direção do PT”.
Em primeiro lugar, tomar cuidado e discutir cuidadosamente como combater não pode ser igual a se adaptar ou abandonar as bandeiras, se disfarçar de poste. Isto é exatamente o que a direção e os parlamentares do PT estão fazendo enterrando seu combate desde a criação da CPMF por FHC.
Uma coisa é fazer coro e passeata cansada com a burguesia. Isto é fora de questão. Ou mesmo entrar em campanha contra a CPMF, como se esta fosse a questão que define o país ou fosse essencial como disse Lula (“Ninguém governa sem a CPMF…”). Fazer campanha seria tão ridículo quanto esta afirmação. Mas se a questão aparece é preciso responder com firmeza e do ponto de vista da classe operária.
Por exemplo: Um deputado marxista votaria na proposta de salário mínimo maior do que a do governo Lula? Mesmo se a direita votasse nela por demagogia ou manobra? Sim ou não? É evidente que votaria. Mas jamais comemoraria qualquer coisa junto com os senadores do PFL, certo?
Podemos votar junto com a burguesia ou setores da burguesia sobre certas questões pontuais no interesse da classe trabalhadora, evidentemente. Isto não significa “fazer coro com a burguesia contra o governo” que é como o aparelho do PT busca apresentar TODA oposição às medidas reacionárias do Governo de Coalizão.
Uma coisa é a tática a ser usada, ou acordos a serem feitos em cada situação.
Outra bem diferente é abandonar nossa posição histórica contra o CPMF, “outro imposto” em cima da classe trabalhadora. Sempre combatemos a CPMF desde sua criação pelo PSDB e pelo DEM (PFL). Não há nenhum argumento para mudar de posição. A não ser adaptação à pressão da direção do PT ou medo de ser atacado.
Nós somos contra todos, TODOS, os tributos criados pela burguesia sobre mercadorias (tipo ICMS, IPI, etc.). Isto quem paga é a classe trabalhadora na hora da compra. A burguesia não paga praticamente nada disso.
Empresas não pagam impostos. Elas só recolhem os tributos que são pagos pelos consumidores. E todas as empresas – sem exceção – calculam seus preços com base nos seus custos + tributos. Desta forma, ao comprar um serviço ou mercadoria, está incluindo no preço dezenas de tributos: ICMS, IPI, PIS, COFINS, CPMF, IOF, CSLL, II, etc. Com a atual estrutura tributária as empresas são meros agentes de arrecadação de dinheiro para os governos.
Empresa não paga imposto
Quem paga é o trabalhador. O que a burguesia local quer quando grita por Reforma Tributária não é aliviar a carga sobre os ombros dos trabalhadores. Eles não pretendem revogar os 35% de tributos existentes no preço das mercadorias para abaixar os preços finais. O que pretendem é manter os preços atuais, porque não podem subi-los mais, e parar de entregar ao governo estes tributos recolhidos do povo.
E, junto com isso se reapropriar daquilo que a luta da classe operária lhe arrancou como salário indireto, como o desconto para o INSS de 22% sobre a sobre a folha de pagamentos. E mesmo o FGTS, que originalmente foi introduzido pela ditadura militar como uma compensação, ou isca, para liquidar a estabilidade no emprego existente até 1964. Estes valores não são tributos, são salários indiretos e pertencem aos trabalhadores, mas a burguesia os chama de “imposto” para facilitar o assalto.
As multinacionais gritam por redução da carga tributária (Reforma Tributária) porque buscam ser competitivas no mercado internacional e tem capacidade de reduzir suas margens de lucro por largos períodos. Ao reduzir o custo do trabalho, direto e indireto, ganham em capacidade de invadir, destroçar e controlar mercados.
No mundo atual se aprofunda o estrangulamento das forças produtivas no limite dos estados nacionais e no quadro da propriedade privada dos meios de produção, situação que ameaça toda a sociedade de forma permanente e os capitalistas em particular. O incrível desenvolvimento da técnica e dos meios de produção, as conquistas operárias do pós-guerra em todo o mundo, levaram a tal queda na taxa de lucro que provocaram na burguesia uma reação selvagem. É por isso que desde o final dos anos 70 o capital internacional lançou-se com fúria para rebaixar o custo do trabalho. Esta sanha destrutora é conhecida como Globalização, apesar de ser apenas a expressão mais violenta da época do imperialismo, estágio supremo do capitalismo. Eles atacam os salários porque não podem mudar os preços e desejam ampliar seus lucros.
“Portanto, para explicar o caráter geral do lucro não tereis outro remédio senão partir do teorema de que as mercadorias se vendem, em média, pelos seus verdadeiros valores e que os lucros se obtêm vendendo as mercadorias pelo seu valor, isto é, em proporção à quantidade de trabalho nelas materializado”.
…
“O valor de uma mercadoria se determina pela quantidade total de trabalho que encerra. Mas uma parte desta quantidade de trabalho representa um valor pelo qual se pagou um equivalente em forma de salários; outra parte se materializa num valor pelo qual nenhum equivalente foi pago. Uma parte do trabalho incluído na mercadoria é trabalho remunerado; a outra parte, trabalho não remunerado. Logo, quando o capitalista vende a mercadoria pelo seu valor, isto é, como cristalização da quantidade total de trabalho nela invertido, o capitalista deve forçosamente vende-la com lucro. Vende não só o que lhe custou um equivalente, como também o que não lhe custou nada, embora haja custado o trabalho do seu operário. O custo da mercadoria para o capitalista e o custo real da mercadoria são coisas inteiramente distintas. Repito, pois, que lucros normais e médios se obtêm vendendo as mercadorias não acima do que valem e sim pelo seu verdadeiro valor” – (SALÁRIO, PREÇO E LUCRO, Karl Marx)
Marx mostra que o capitalista não pode determinar e não determina o preço, mas, que este segredo infernal é produzido na “morada oculta da produção”.
Assim, o que está em questão na dita “Reforma Tributária” não é mudança ou diminuição de preços, mesmo que uma multinacional possa fazer isso por certo tempo, mas apenas uma disputa para determinar quem se apropriará, no final, de partes deste valor, ou seja, do trabalho não pago.
“Como o capitalista e o operário só podem dividir este valor limitado, isto é, o valor medido pelo trabalho total do operário, quanto mais perceba um deles, menos obterá o outro, e reciprocamente. Partindo de uma dada quantidade, uma das partes aumentará sempre na mesma proporção em que a outra diminui. Se os salários se modificam, modificar-se-ão em sentido oposto aos lucros. Se os salários baixam, subirão os lucros; e se os salários sobem, baixarão os lucros” – (SALÁRIO, PREÇO E LUCRO, Karl Marx)
Fica o operário com seu salário indireto ou vai de volta para o bolso do patrão. Fica o governo com a parte que arranca do trabalhador, via tributos, para remunerar o capital financeiro especulativo internacional ou vai para o bolso do patrão, dos capitalistas individuais que arrancam a mais valia diretamente do operário ou finalmente nas mãos das multinacionais.
Ou seja, a “Reforma Tributária” que o governo e a burguesia pretendem, em todas as suas variantes, é a preparação de um enorme roubo, ou transferência, do dinheiro dos trabalhadores, ou “público”, para os bolsos dos capitalistas.
E só por isso que a tal “Reforma Tributária” não avança no Congresso. Tem muito pouco a ver com divulgada disputa entre União, estados e municípios, se bem que existe disputa, e muito mais a ver com qual setor da burguesia se apropriará desta imensa massa de mais-valia produzida pelo proletariado brasileiro assim como a resistência da classe trabalhadora. É a luta de classes, camarada!
A estrutura tributária sabe de quem rouba
Um trabalhador que ganha 1.000,00/mês gasta 50% de seu salário em comida e vestimentas. Disso, cerca de 40% são impostos, ou seja, 200,00. O que significa pagar 20% de seu salário em impostos.
Já quem ganha 100.000,00/mês gasta 10.000,00/mês em comida e roupa (e olhe lá gastar isso todo mês!) o resto investe, poupa, etc. O que significa 10% de seu salário, ou seja paga 4.000,00/mês de impostos comprometendo apenas 4% de seu salário.
Quem ganha 1.000,00 paga 20% de impostos. Quem ganha 100.000,00 paga 4%! Imagine-se este cálculo com o salário mínimo que é consumido praticamente inteiro em comida e vestimentas. Escandaloso, mas inteligente. Assim, se esconde um roubo sobre a imensa maioria.
Por isso Luis Bicalho está certo (JLC nº. 5) explicando que um governo popular deveria se dedicar a criar impostos sobre fortunas e heranças, parar de pagar a Dívida Interna e Externa, etc. O Imposto de Renda apenas sobre salários maiores que 10 salários mínimos seria um avanço, mas apenas um passo em direção ao objetivo que é desonerar os trabalhadores e pesar sobre os capitalistas. Afinal, salário de trabalhador não é “renda”. É salário.
E “salários” de cargos executivos em empresas não são salários, mas “participação societária” para oprimir os trabalhadores e arrancar a mais valia. A remuneração dos executivos é uma espécie de repartição de lucros.
Os falsos argumentos
A CPMF foi criada com o falso argumento de que seria para a Saúde. Mas, é inteiro desviado e isto é fácil ver. A DRU desvia direto para a Dívida 20% de TODO o Orçamento da União. E a Saúde está dentro do Orçamento da Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência) que é Superavitário em bilhões.
E a desoneração fiscal crescente do governo Lula? Presenteou os empresários em 29 bilhões de desoneração fiscal. E a manutenção da legislação de trabalho precário mantida desde FHC que sabota a Seguridade?
Controle do governo sobre as movimentações financeiras da burguesia, mafiosos, etc.?
Está brincando, camarada?! Que ingenuidade!
A Receita federal pode controlar tudo o que quiser nos bancos a hora que quiser. O Executivo federal pode impor taxas sobre movimentação financeira especulativa hoje isenta. A legislação de hoje já permite o controle de origem de qualquer valor acima de 5 mil. O governo pode fazer o que quiser se desejar localizar os narcotraficantes. E, aliás, depois de mais de 10 anos de CPMF quantos “narcos”, ou burgueses, foram pegos por movimentação financeira indevida localizada pelo CPMF?
Quantos o governo Lula “pegou”? Ou os bilhões do narcotráfico sumiram dos bancos?
A batalha da CPMF está apenas servindo ao DEM e ao PSDB para fazerem cena, assim como no caso Calheiros. É a eleição, camarada!
Ou o PMBD, o PP e o PTB, PRTB, não são a burguesia e por isso estariam a favor da CPMF de Lula?
Quem diz que “a burguesia”, a “direita”, está contra a CPMF deveria começar explicando que PMDB, PP, PTB e PRTB não são da burguesia, não são “direita”. Na verdade, os defensores da CPMF fazem a defesa do Governo de Coalizão atribuindo virtudes a estes partidos reacionários que repentinamente viraram “populares” ou “democráticos”.
Nos dois casos, CPMF e Renan Calheiros, um parlamentar marxista votaria pelo fim da CPMF e pela cassação de Calheiros, ninguém pode duvidar. Mas o faria agitando desde um ponto de vista de classe contra o governo, o PSDB e o DEM. E jamais como fez o PSOL “em defesa da moralidade” e “desta casa”, como se o Senado não fosse a casa mais podre deste bordel chamado Congresso Nacional.