O artigo do jornal Estado de Minas foi amplamente compartilhado e comentado pelas redes sociais. A maior parte dos comentários foi no sentido de parabenizar a “conquista” dos alunos “cotistas”. Contudo, gostaríamos de fazer uma análise mais atenta ao artigo.
O artigo “Nota de alunos que ingressam na UFMG pela cota já supera a dos não cotistas no último vestibular” (publicado pelo site Estado de Minas) foi amplamente compartilhado e comentado pelas redes sociais. A maior parte dos comentários foi no sentido de parabenizar a “conquista” dos alunos “cotistas”. Contudo, gostaríamos de fazer uma análise mais atenta ao artigo, para discutirmos se de fato esse “aumento da nota” é positivo para os estudantes que utilizam o sistema de cotas e para o conjunto da juventude que luta pra entrar na universidade pública.
Temos que tomar muito cuidado quando, hoje em dia, compartilhamos notícias da internet sem uma análise crítica mais profunda,
Quando lemos todo o artigo (não nos limitando ao tendencioso título que deram pra ele) percebemos o seguinte:
As notas de corte vêm aumentando a cada ano entre os “cotistas” e “não cotistas”.
O que parece apresentar uma boa notícia na verdade é uma infelicidade para qualquer estudante. O que se diz nas entrelinhas é que na UFMG: Cada ano está mais difícil entrar na universidade!!!
Observem que se comemorarmos as estatísticas que essa notícia nos apresenta, estamos na verdade comemorando o aumento da dificuldade em ultrapassar a barreira do vestibular. Ou seja, estaríamos comemorando que a cada ano o mecanismo de limitação dos estudantes no ensino superior público está mais cruel e excludente.
O artigo até pode servir como argumento para se contrapor aos racistas que consideram os negros menos capazes e, portanto, que suas notas seriam inferiores a dos demais. Mas por outro, utilizá-lo de forma positiva, significa o reforço da chamada meritocracia, a falsa ideia de que “se você se esforçar bastante você vai conseguir”.
A verdade é que o artigo afirma, através de suas estatísticas, que cada ano está mais difícil entrar na universidade e se recusa a discutir o motivo de haver poucas vagas e quais as alternativas para a grande maioria dos jovens que não conseguem entrar na universidade pública. É um artigo de apoio às cotas raciais, uma política baseada no anticientífico conceito de raças entre seres humanos, utilizada para desviar a luta por vagas para todos.
Se continuarmos lendo a entrevista, as más notícias só pioram. Vejamos:
O pró-reitor da universidade, Takahash, afirma ainda que com a adoção do SISU o número de candidatos mais que triplicou, a proporção de alunos de baixa renda aprovados está menor e o mais contraditório, a nota de corte das vagas reservadas às cotas no curso de história foi maior do que da “ampla concorrência” (2014).
Ou seja, se levarmos essa entrevista a sério (já que ela é muito tendenciosa, pois compara notas de anos diferentes e avaliações diferentes), teríamos que afirmar que tudo piorou com a adoção do ENEM/SISU: mais concorrência, menos pobres e notas de cortes mais altas para todas as vagas.
Além do fato de que em alguns casos é melhor disputar na “ampla concorrência”, tendo em vista o aumento vertiginoso das notas nas vagas reservadas para as cotas, que em alguns casos é maior até que da “ampla concorrência”. Fenômeno este observado em outras universidades de minas O que seria um forte argumento contra a politica de cotas que o próprio artigo defende. Já que coloca em questão as cotas como uma política que facilita o acesso.
Vemos que temos que tomar muito cuidado antes de compartilhar um artigo ou defender uma política. Se continuarmos seguindo essa linha de “defesa das ações afirmativas” sem discutir os detalhes, estaremos, colaborando pra ilusão de que “se você estudar muito você vencerá”!
Quando na verdade existem muitos elementos nesse debate, e que interferem diretamente nos resultados dos candidatos, e um dos principais deles é: onde estudaram os alunos aprovados nas vagas de cotas destinadas a estudantes de escolas públicas???
O próprio artigo afirma que são oriundos das escolas públicas federais. Ou seja, eles correspondem a uma escassa minoria presente na fração das melhores escolas públicas do Brasil, enquanto ficam de fora os alunos de escolas municipais e estaduais. O que define a nota é, principalmente, a qualidade de vida e da educação que os alunos receberam ao longo de sua trajetória escolar, não o esforço individual.
Vemos muitos problemas nesse artigo, mas o principal para nós é pensar quais as reais soluções para a esmagadora maioria dos jovens que não entram na universidade. Para estes as medidas criadas até hoje de nada servem.
Para a grande maioria dos jovens a única solução seria o aumento das vagas. Essa é a única solução real e imediata.
O que temos observado é que a reivindicação de vagas públicas, gratuitas e para todos, está sendo jogada pra escanteio, e as ditas “ações afirmativas” estão tomando todo o espaço das disputas políticas sobre educação, o que tem apenas desviado o rumo de um debate que deve voltar pra agenda do dia: universalização do ensino superior público.
Vagas públicas, gratuitas e para todos, em todos os níveis!
Felipe Araujo é professor de Filosofia da rede pública Estadual do Rio de Janeiro e militante da Liberdade e Luta. Felipe.araujo87@hotmail.com