Os mercados de ações embarcaram em uma montanha russa nos últimos meses, enquanto a errática política comercial de Trump leva a economia mundial à beira da recessão. Em um de seus últimos movimentos, Trump mais uma vez adiou parcialmente a introdução de novas tarifas, anunciadas por ele há semanas. Esse adiamento temporário pouco fará para resolver o conflito.
Um conflito que cresce
O degelo nas relações sino-estadunidenses, em junho, acabou sendo temporário. Os mercados de ações caíram e os indicadores econômicos estão apontando para baixo enquanto as tensões entre os dois países escalaram durante as duas primeiras semanas de agosto.
Depois de fracassar na tentativa de obter concessões significativas dos negociadores chineses, Trump aplicou um conjunto adicional de tarifas às importações da China em 1 de agosto. Uma tarifa de 10% seria introduzida sobre um valor adicional de 300 bilhões de dólares em exportações chinesas. Isso teria significado que praticamente todos os produtos chineses agora enfrentariam um mínimo de 10% de tarifas. Trump estava todo fanfarrão e dizia querer “cobrar impostos da China” até que chegassem a um acordo.
Pequim retaliou suspendendo as importações agrícolas dos EUA, desfechando outro golpe sobre os agricultores estadunidenses, em particular sobre os produtores de soja, que foram gravemente afetados pela retaliação chinesa. O banco central chinês também desvalorizou a moeda, mitigando assim o impacto das novas tarifas, mas com o risco de incitar a inflação e a fuga de capitais no país.
Quaisquer que sejam os últimos movimentos de Trump, o conflito está se intensificando gradualmente. O Wall Street Journal e seu painel de economistas agora consideram que se chegou a um ponto que deveria ser rotulado como “guerra comercial”, dada a gravidade do desacordo. Um acordo parece distante, enquanto os governos chinês e estadunidense se preparam para um conflito prolongado. Os EUA estão esperando infligir danos suficientes à economia chinesa para forçá-los à mesa de negociações, e os chineses parecem estar esperando por um novo presidente nos EUA depois das eleições do próximo ano.
Nem Trump nem Xi podem se dar ao luxo de aparentar debilidade neste momento, pois enfrentam sérios desafios políticos em casa, e, como já tínhamos explicado no ano passado. As classes dominantes dos dois países estão em rota de colisão:
“Algum tipo de acordo não se exclui no curto prazo. Aparentemente, o presidente Trump espera discutir com o presidente Xi em novembro, durante a cúpula do G20. Este acordo teria caráter temporário. O conflito entre a China e os EUA só se intensificará no próximo período, particularmente quando chegar a próxima recessão”
Um acordo formal agora parece improvável, mas ambos os lados temem as consequências de novos conflitos. É isso que, mais uma vez, levou Trump a piscar. Ele ficou claramente preocupado com o impacto sobre os consumidores estadunidenses, resultante de suas últimas propostas tarifárias no período que antecedeu ao Natal, bem como com o impacto sobre a economia como um todo. Um corte drástico no poder aquisitivo não seria um bom augúrio para sua reeleição no próximo ano. Os chineses, por seu lado, parecem estar tratando de evitar, na medida do possível, qualquer escalada, ao mesmo tempo em que não fazem quaisquer concessões significativas nas negociações.
Vento econômico de proa
Os mercados de ações, que estavam esperando que a cúpula do G20 seria acompanhada de um acordo, caíram rapidamente. Os índices S&P, Nasdaq e Dow Jones estão em queda de 5% desde o seu pico em julho. Sua queda só foi contida pela expectativa de que os bancos centrais se moverão para mais flexibilização monetária. Os economistas estão esperando outra redução da taxa pela Reserva Federal em setembro, e os dados sugerem que os mercados esperam que uma redução chegue até o fim do ano, com 100% de certeza.
A curva invertida de rendimentos, que indica uma recessão iminente, está agora em seu mais baixo nível desde 2007, o ano que antecedeu a última recessão séria.
Na China, os indicadores econômicos estão piorando. Os números divulgados na terça-feira mostram que o desemprego está aumentando nos centros urbanos. O indicador, 5,3%, é baixo para os padrões europeus, mas é preocupante para um país que depende da migração para as cidades para aliviar a pobreza no campo. O crescimento caiu para 6,2%, que é a menor taxa de crescimento desde 1992. A taxa de aumento das vendas no varejo e da produção industrial também está caindo. A cifra da produção industrial, em julho, foi somente 4,8% mais alta em comparação ao ano anterior. Em junho, essa cifra foi de 6,3%.
Essa desaceleração na China ocorre apesar das medidas de estímulo tomadas pelo governo chinês. Agora é provável que o banco central reduza as taxas de juros, e se esperam mais medidas de estímulo do governo.
Não se veem afetadas apenas as economias chinesa e estadunidense. A incerteza gerada pela guerra comercial está causando uma queda no investimento, o que levou a economia alemã a se contrair no segundo trimestre deste ano. Em geral, a incerteza sobre as condições do comércio e das relações internacionais está azedando os investimentos transnacionais. As empresas estão investindo menos e é muito menos provável que invistam no exterior. Isso compromete seriamente a economia capitalista.
Quaisquer que sejam as fanfarronadas dos dois governos, está claro que o conflito está causando tensão econômica.
Intensificação dos conflitos globais
Não são apenas os EUA e a China que estão em desacordo sobre o comércio. Pouco a pouco a burguesia está se dando conta de que o período de globalização terminou. Em um artigo na quarta-feira, Greg Ip, principal comentarista de economia do Wall Street Journal, assinalou isso em uma coluna bastante pessimista:
“A globalização sofreu reveses temporários nas últimas décadas. Dessa vez, parece diferente. Os EUA, que lideraram a criação das instituições globais, como a Organização Mundial do Comércio, agora lidera sua paralisação” (“As Global Order Crumbles, Risks of Recession Grow!, Wall Street Journal, 14 de agosto).
Em vez de tentar aliviar as tensões entre aliados, Trump está avivando o conflito, por exemplo, animando o Brexit.
Dois aliados próximos dos EUA, a Coreia do Sul e o Japão, estão causando ondas encrespadas com seu próprio conflito. As tensões entre os dois países estão escalando em consequência de um caso judicial na Coreia do Sul, em que empresas japonesas estão sendo demandadas por danos e prejuízos devidos às atrocidades cometidas durante a ocupação japonesa da Coreia.
O conflito levou agora os dois países a eliminar o status de parceiros comerciais favorecidos entre si. Isso ameaça interromper as cadeias de fornecimento para as empresas de ambos os lados, com atrasos na importação de componentes-chave. Embora não seja tão grave como a guerra comercial entre a China e os EUA, isso causa mais pressão sobre a economia da região.
A saga do Brexit é outra fonte de instabilidade. As tentativas de Boris Johnson de se preparar para nenhum acordo são citadas por um colunista de FT [Financial Times] como a compra de uma manta de fogo antes de se colocar em chamas. A ruptura que o Brexit provavelmente causará terá sérias consequências para a economia europeia, que já se encontra à beira da recessão.
O FT comenta:
“No plano superior se encontram as tensões geopolíticas e o discurso político no Reino Unido e em outros lugares que se interpõem no caminho de políticas econômicas coerentes. O crescente protecionismo significa que a ação política coordenadora liderada pelos EUA para restaurar a ordem econômica global não se repetirá. Os bancos centrais não terão outra opção além de vir em socorro. Um quarto do estoque total de títulos do mundo já está em território negativo. Chegarão mais. Na ausência de uma âncora resistente, está à frente uma viagem muito acidentada”.
O período de relativo livre comércio e de relações internacionais relativamente harmoniosas acabou. Com o aumento dos conflitos de classe, a burguesia está tentando cada vez mais exportar seus problemas sociais. Pelo menos uma ala da burguesia está tentando fazer isso. A outra ala está tentando desesperadamente se agarrar à velha ordem mundial, por medo das consequências. O movimento ao protecionismo intensificará as contradições econômicas e a luta de classes. No entanto, sob a pressão da crise, a manutenção do status quo é impossível.
Artigo publicado originalmente em 16 de agosto de 2019.
Tradução de Fabiano Leite.