Um tremor sacode as bolsas

(Algumas considerações sobre o capital fictício e o imperialismo)

Na manhã do dia 28 de fevereiro o Jornal “O Globo” ostentava em manchete: “China dá susto no mundo. Mercados perdem 792 bilhões dólares”. O Jornal explicava que a totalização das perdas ocorridas nos mercados dos EUA, América Latina e China levaram a que “792 bilhões sumiram do mapa ontem”. Caso alguém tivesse feito o calculo com as bolsas da Europa, Japão e Ásia, seguramente este cálculo teria ultrapassado 1 trilhão de dólares. Mas, como pode um trilhão de dólares “sumir do mapa”? Afinal, o PIB brasileiro chega a 1,5 trilhão de dólares. Então, algo semelhante a dois terços do Brasil teriam “sumido” sem deixar rastros?

Mas, se olharmos ao lado, veremos que o mundo continua com seu rastro de sangue e de miséria. Mas continua. E nem a Amazônia nem São Paulo desapareceram. Então, de onde veio e para onde foi este trilhão de dólares?

Para que possamos entender esta mágica, perdoem os nossos leitores por repetir coisas que Marx explicou muito melhor que podemos fazê-lo.

Em primeiro lugar, o que é o dinheiro? Marx nos explica no Capital que é uma mercadoria como todas as outras que ocupa o lugar de equivalente geral. Ou seja, quando as relações de produção atingem determinado nível de desenvolvimento, a troca deixa de ser um “escambo”, troca de uma mercadoria para outra, para ser uma troca de uma mercadoria por uma mercadoria especial a qual todas as outras mercadorias são referenciadas: esta mercadoria especial toma o nome de dinheiro.

Marx explicava que o dinheiro, como toda outra mercadoria, tinha um determinado valor equivalente ao tempo de trabalho necessário a sua produção. Em termos simples, qualquer mercadoria tem um valor de troca (o preço “médio” de uma mercadoria no tempo e no espaço nos fornece um indicador deste valor) que é igual ao tempo médio necessário para a sua produção. Atenção – tempo médio necessário. Se temos um sapateiro preguiçoso que produz somente um sapato no tempo necessário para produzir dois, ele simplesmente vai, no final do mês, ter recebido metade do dinheiro do seu vizinho e se tentar vender o seu sapato pelo dobro vai receber um riso na cara de um possível comprador.

Mas, qual o tempo médio necessário para produzir o dinheiro? Historicamente, várias mercadorias já assumiram o papel de dinheiro. Sal (de onde vem a palavra salário para indicar o pagamento dos trabalhadores), ferro, cobre, gado, cobre, prata, ouro. O capitalismo começou com um duplo padrão monetário, prata e ouro, mas o metal mais nobre expulsou a prata e a maioria dos paises, já no século XIX tinha adotado o padrão ouro. E hoje, qual o valor do dinheiro?

Para examinarmos isso, temos que examinar a metamorfose, a transformação que o dinheiro sofre sobre o capitalismo. Antes de tudo o dinheiro deixa de ser somente “meio de troca” para ser Capital, ou seja, para ser a representação do trabalho passado, entesourado sob a forma de maquinas, equipamentos, fabricas, terras, mercadorias que podem produzir mais mercadorias ou serem vendidas. E, se cria ao mesmo tempo um mercado onde se trocam, se vende e se compra as obrigações, títulos, sobre este Capital. Nascem as “bolsas de valores”. Na França do século XIX (1800-1900) eram criadas e “desaparecidas” dezenas e centenas de empresas cujo único motivo de existência era de embolsar o dinheiro dos desavisados. A este dinheiro investido no mercado de obrigações, sem que às vezes tenha contrapartida real, que é uma “promessa” de lucros, mas sem que se possa dizer que vai se ganhar, Marx chama de Capital Fictício.

O Capitalismo, no final do Século XIX e inicio do século XX transformou-se no que se chama de Imperialismo (ver analise de Lênin, Imperialismo, estágio supremo do Capitalismo,emhttp://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/index.htm). Em termos muito resumidos, o capital industrial funde-se com o capital bancário e cria o capital financeiro, que organiza trusts e monopólios que abarcam setores inteiros da economia; os paises “desenvolvidos”, que chegaram primeiro no capitalismo, que conseguiram desenvolver e manter os seus mercados internos, passam de exportadores de mercadorias a exportadores de capital, de fábricas, empréstimos, pelos quais eles dominam os paises “atrasados”, coloniais ou semi-coloniais (por exemplo, a América Latina, os paises da África, Ásia, etc). É a era da reação em toda a linha.

Esta analise foi feita durante a primeira Guerra Mundial (1914 a 1918). Ao final da Guerra, uma nova divisão de mercados tinha sido feita e os EUA eram a potencia dominante (substituindo a Inglaterra), mas que ainda tinha contestações. Por outro lado, a Guerra não resolveu nenhum dos problemas causados pelo fim da divisão do mundo, ou seja, não haviam mais mercados a serem conquistados. O resultado foi a crise da bolsa de Chicago que cuja queda levou ao fechamento de milhares de bancos, de empresas, desemprego massivo. A queda da bolsa foi apenas o epicentro da crise. A crise se extendia a Inglaterra, Alemanha, França, etc. A crise de 29 provocou uma paralisação do comércio mundial: o café caiu quase 70%, o que significou um desastre para o Brasil; e a carne e o trigo, principais produtos exportados pela Argentina, caíram mais de 40%.

O seu resultado político foi a ascensão do Nazismo (ajudado pelo estalinismo, ver alguns textos de Trotsky sobre o assunto:

http://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/09/perigo-fascista.htm

http://www.marxists.org/portugues/trotsky/1931/11/26.htm

As causas da crise de 29 foram as mesmas que Marx já analisava no Capital e no Manifesto do Partido Comunista: se produzia demais e não se conseguia “realizar” o lucro, ou seja, vender a mercadoria e conseguir manter o sistema funcionando. A saída para isso é enveredar na “economia de Guerra”, aumentar a produção de armamentos e preparar-se para disputar o mercado com outras potências imperialistas. É o que faz a Alemanha e o Japão, que se lançam nesta direção. O resultado, previsível, é a segunda guerra Mundial (1939-1945). Quando a derrota da Alemanha se faz palpável, é feito um acordo mundial ditado em ultima analise pelo maior vencedor da Guerra (EUA), que tomou o nome do local onde foi assinado (Breton Woods). Por este acordo, o padrão monetário deixa de ser o ouro e passa a ser o dolar, com os EUA garantindo que manteriam fixa a cotação ouro-dolar.[1]

O acordo, em outras palavras, dava aos EUA o direito de serem o banqueiro do mundo inteiro, de emitir a sua moeda e ela ser o equivalente geral, a moeda de troca internacional. Este acordo não saiu do nada, nasceu é evidente da posição dominante do imperialismo americano na economia e política de então, posição que se manifestava pelas tropas, pelo armamento, pelos navios que ocupavam o mundo. È preciso lembrar que os EUA tinnham 15% das reservas de ouro em 1899, 30% em 1910 e 60% (!) em 1944. Um artigo de Jan Kregel – http://marina.ribeiro.sites.uol.com.br/moeda/moeda6.htm explica o nascimento deste processo:

A fuga de ouro foi contida com a Gold Standard Act de 1900, que pôs fim ao bimetalismo (o dólar era cotado em ouro e prata, ndr), ajustou o dólar com firmeza ao padrão-ouro e obrigou os bancos privados a terem um respaldo nesse metal para a emissão de notas. A quantidade de ouro nas mãos do público triplicou entre 1899 e 1910, como aliás a do Tesouro. O montante de ouro da reserva mundial correspondente aos EUA passou de 15% a 30%, ao mesmo tempo em que muitos outros países (Áustria-Hungria, Rússia, Japão…) adoraram também o padrão-ouro.

No entanto, as duas condições necessárias para a ulterior supremacia internacional do dólar já existiam: a acumulação nos EUA de uma parte considerável da reserva mundial de ouro, o que obrigou o sistema monetário internacional a adotar um padrão-ouro de câmbio, e a unificação da moeda nacional, emitida por uma só autoridade com poder para atuar como garantidor de última instância.

A I Guerra Mundial debilitou o poder do Reino Unido, e a moeda norte-americana entrou no período de pós-guerra com uma paridade em relação ao ouro superior à da libra esterlina. Além disso, a economia dos EUA, após uma breve recessão, conheceria o período de prosperidade chamado de “os anos loucos da década de 20”, época áurea do rádio e do automóvel.

A segunda Guerra praticamente destroçou os paises e, tal qual aconteceu na primeira, levou a um levante sem precedentes na história do mundo, uma desencadear de revoluções em todo o planeta, a começar pela Europa. Estas revoluções foram traídas pelos Partidos Comunistas que não quiseram tomar o poder, que organizaram o recuo (na França a palavra de ordem do PC era produriz, greve é atitude de contra-revolucionários, no Brasil, o PC de Prestes primeiro faz a campanha de Constituinte com Getulio, depois, quando recebe mais de 10% dos votos nas eleições de 45, aceita ser colocado na ilegalidade sem nenhum protesto ou mobilização séria[2]).

O resultado é que o capitalismo reconstrói-se e passamos pelo que os economistas burgueses chamam de os “30 anos gloriosos”. A economia, neste período, cresce em primeiro lugar para reconstruir o que tinha sido destruído durante a II Guerra e depois impulsionada pela economia de armamentos, em particular pela industria de guerra dos EUA. Isto supre de um lado a necessidade do imperialismo de achar saídas e, de outro lado, cumpre o papel suplementar de pressionar a URSS. Mas, este modelo, que permite que os EUA financiem toda a reconstrução do mundo e ao mesmo tempo recebam rendas do mundo inteiro, cobrem juros do mundo inteiro no seu papel de banqueiro mundial, este modelo chega a um esgotamento.

O final dos 30 anos gloriosos começa na revolução de 1968 que sacode o planeta, tanto no seu lado Oeste (greve geral na França, principalmente) como no lado Oeste (Primavera de Praga). Este movimento continua e leva a derrota dos EUA no Vietnam (1975). Mas tem o seu ponto de inflexão na decisão de Nixon, então presidente dos EUA, de acabar com a conversabilidade do ouro em dolar (1971)

O economista burguês Roberto Campos, participante da conferência de Bretton Woods e ex-ministro da ditadura militar, explica (José Roberto Campos. Publicado na Folha de S. Paulo em 17 de julho de 1994)

“O sistema de Bretton Woods era um retrato do mundo ao fim da 2ª Guerra. Europa e Japão estavam devastados. Livres do conflito, temiam a expansão do comunismo e a única potência em condições de empurrar suas economias e barrar a URSS eram os EUA. Após a conferência, o mundo dependia de ouro e dólares. Cerca de 60% das reservas de ouro estavam nos cofres do Tesouro dos EUA. Para obter dólares, os demais países dependiam ou de exportações ou de empréstimos. A primeira condição não existia porque esses países estavam com suas economias destruídas. A segunda condição foi amplamente suprida pelos EUA, mas não nos quadros do que havia sido estipulado em Bretton Woods. Em julho de 1947, George Marshall, secretário do Tesouro dos EUA, lançou o amplo programa de reconstrução da Europa que levaria seu nome. Para terem a quem vender mercadorias, os países precisavam reerguer-se. De 1949 a 1953, os EUA transferiram em empréstimos e subvenções US$ 33 bilhões. De 1949 a 1952, as instituições criadas em Bretton Woods enviaram à Europa apenas US$ 3 bilhões.”

“No dia 15 de agosto de 1971, o presidente Richard Nixon, após reunir-se com seus assessores na residência de repouso de Camp David, anunciou que suspendera a conversibilidade do dólar em ouro -sobre a qual repousara a época de maior expansão e bem-estar da história do capitalismo. Rondando as decisões de Camp David estavam inflação em alta, os estragos políticos e econômicos causados pela guerra no Vietnã, greves, a perda violenta de competitividade do parque industrial americano, um crônico déficit público e o primeiro déficit comercial do país desde 1893.”

Por 26 anos, desde a conferência de Bretton Woods, em 1945, os Estados Unidos mantiveram o compromisso de oferecer como lastro para o dólar reservas em ouro. Nixon suspendeu essa conversibilidade em ouro. A rigor, desde o início dos anos 60 a supremacia internacional dos EUA sofria abalos. O superávit do comércio exterior, de cerca de US$ 5 bilhões em 1960, despencou para um nível dez vezes menor em 69. As saídas de capitais, que em 1965 eram de US$ 5,7 bilhões, foram o dobro em 1969. Enfraqueciam-se os EUA como pólo de crescimento e de atração de capitais. Ao longo dos 26 anos anteriores a Nixon, o mundo fora irrigado de dólares. Assim foi financiada a reconstrução da Europa e do Japão. Assim foram dolarizados o comércio e os investimentos mundiais. Ao final, simplesmente havia muitíssimo mais papel-moeda verde circulando pelo mundo com a inscrição In God We Trust; do que barras douradas amontoadas nos subterrâneos de Fort Knox. Nixon corria o risco de ter de honrar uma corrida por resgates em ouro. Ao negar o lastro, pôs às claras a essência do fenômeno monetário: confiança. Sem ouro suficiente, o lastro monetário passa a ser a própria política econômica do governo que emite o papel-moeda. De fato, foi devido à política econômica nas duas décadas seguintes que o dólar conseguiu permanecer o padrão monetário internacional.

Richard Nixon (1969-1974) decretou o dólar sem lastro e surpreendeu o mundo na noite de 15 de agosto de 1971. Pela TV, anunciou pacote de congelamento de preços e salários, restrição a importações e alívio fiscal, ao mesmo tempo em que rompia com os compromissos de Bretton Woods, ao suspender a conversibilidade do dólar em ouro.

É preciso aqui lembrar um pouco as origens do Dolar e os motivos que o levaram a ocupar a posição predominante no mundo. Em artigo publicado na Internet o Professor Claus M. Germer explica (nesta longa citação, as notas são do professor Germer. O artigo completo encontras-e em www.economia.ufpr.br/publica/textos/1998/txt0398%20Claus%20padrao%20ouro.doc

É paradoxal que a teoria do dinheiro de Marx, que afirma categoricamente que só uma mercadoria pode tornar-se dinheiro, sendo no capitalismo o ouro, ao mesmo tempo demonstra que, com o desenvolvimento do capitalismo as funções do dinheiro (=ouro), na circulação, são assumidas por instrumentos dele derivados, até o ponto de o ouro ser inteiramente dispensado de circular. A mercadoria-dinheiro só não pode ser substituída na função de equivalente geral. Assim, na função de meio de circulação o dinheiro pode ser substituído, em primeiro lugar, por signos de valor, como indicado acima. Mas no capitalismo o dinheiro é substituído, nesta função, predominantemente por títulos de crédito, na medida que o crédito comercial se difunde como resultado da expansão do caráter mercantil da economia. Com isso a função de meio de pagamento se torna cada vez mais importante e predominante. Mas também nesta função o dinheiro passa a ser substituído pelo cancelamento de dívidas recíprocas, cabendo ao dinheiro (=ouro) apenas cobrir os saldos restantes. O sistema bancário desenvolve-se em seguida e assume as funções de comércio de dinheiro e administrador dos saldos de capital-dinheiro dos capitalistas, que são saldos em ouro, e os converte em notas bancárias, que são utilizadas, no lugar do dinheiro (=ouro) para cobrir os saldos devedores. Deste modo, surgem formas sucessivas de dinheiro de crédito em hierarquia ascendente, em primeiro lugar os títulos de crédito comercial, cujos saldos devedores são cobertos com dinheiro (=ouro); em seguida, sobre sua base, as notas bancárias dos bancos individuais, que substituem o dinheiro no pagamento dos saldos devedores de títulos comerciais, sendo os saldos devedores entre bancos cobertos com dinheiro (=ouro). Posteriormente, as notas do banco central substituem o dinheiro na cobertura dos saldos devedores entre bancos, restando ao dinheiro a cobertura de saldos devedores do comércio exterior. Assim, uma hierarquia ascendente de títulos de crédito substitui o dinheiro na função de meio de pagamento, constituindo o eixo do que Marx denominou sistema de crédito[3].

O parágrafo acima explica a indicação de Marx, em passagem freqüentemente citada, mas cujas implicações foram pouco compreendidas, de que o dinheiro (=ouro) poderia ser inteiramente excluído da circulação interna, mantendo-se entretanto indispensável no comércio internacional[4], sem que isto implicasse a abolição do ouro como base do sistema monetário do capitalismo. Sendo assim, a retirada do ouro das funções de circulação interna de um país não pode ser interpretada, nos termos da teoria de Marx, como indicação de que o dinheiro deixou de ser uma mercadoria. Portanto, o chamado ‘fim do padrão-ouro’, ao desencadear-se a I Guerra Mundial, não pode ser admitido, no campo marxista, como início da vigência do dinheiro simbólico. O que ocorreu inicialmente, naquela ocasião, foi apenas a habitual atitude defensiva dos países, de suspender a conversibilidade das suas notas bancárias, a fim de proteger suas reservas de ouro. Mas os padrões monetários continuaram expressos em termos de ouro. É curioso que os autores marxistas tenham deixado de observar esta importante característica daquele acontecimento, pois se o fizessem não poderiam sentir-se autorizados a argumentar que o ouro deixou de desempenhar funções monetárias importantes desde a I Guerra Mundial.

Mais importante, porém, é o fato de que o que veio a ser conhecido como ‘padrão ouro-câmbio’[5], que se materializou de modo clássico no padrão ouro-dólar, após a II Guerra Mundial, corresponde, em essência, ao que Marx descreveu sucintamente na citação apresentada acima, pois a partir do fim da II Guerra Mundial até 1971, “o metal, na realidade, só [era] necessário para saldar o comércio internacional quando seu equilíbrio estava momentaneamente perturbado”. A participação direta do ouro realizando funções monetárias na circulação interna foi gradualmente abolida após o fim da I Guerra Mundial, em todos os países capitalistas[6], proibindo-se, inclusive, o entesouramento privado de ouro monetário, função esta que se tornou monopólio dos bancos centrais[7]. No padrão ouro-câmbio, como se sabe, o ouro é complementado pelo padrão monetário do país líder como reserva internacional dos demais países, realizando juntamente com o ouro a função de liquidação de saldos internacionais. No padrão ouro-dólar, vigente após a II Guerra Mundial, este papel, em caráter mais que complementar, coube ao dólar. Poderia este fato invalidar a tese de Marx, apresentada acima? Uma sucinta exposição da estrutura deste padrão mostrará que não.”

Resumindo, nós nos encontramos numa situação em que as moedas, o dinheiro, ainda é uma mercadoria, uma mercadoria com um caráter especifico (ser o equivalente geral) e representada, na maioria das vezes, por títulos de credito. Se, quando o capital foi escrito as moedas eram representadas por notas conversíveis, hoje a maioria das pessoas não usa nem as notas conversíveis, mas uma representação contábil destas disponíveis em bancos (que vemos quando consultamos nosso “saldo” nas telas do computador ou nos caixas eletrônicos dos bancos), utilizamos cada vez mais cartões – em particular cartões de crédito – para fazer nossos pagamentos. Ou seja, a economia gira baseada em que todos vão receber os seus créditos no dia ou no mês seguinte….

Mas, o que garante que todos recebamos nossos créditos? A falência de qualquer banco – e alguns já faliram – demonstra que nem sempre a nossa expectativa de receber o crédito é viável. Uma demissão leva a que um operário que comprou vários eletrodomésticos a crédito não possa paga-los. Nos EUA, recentemente, foi aprovada uma lei que permite que as instituições financeiras possam apertar as cobranças de cartões de créditos não honrados…E a nível das bolsas, dos grandes mercados? Qualquer sopro político significa um tremor para um capital que não tem materialidade, que não foi criado na produção real, que depende de compromissos e mais compromissos, de títulos de créditos enfileirados um atrás do outro. Assim, criam-se bilhões e bilhões de dólares, trilhões, quatrilhões sem que se tenha este dinheiro seja uma representação real do dinheiro real, do ouro, da mercadoria que continua a ser o equivalente geral. O resultado? Um sopro qualquer derruba bolsas no mundo inteiro, dissolve bilhões de dólares (neste caso, mais de um trilhão de dólares que a “recuperação” das bolsas no dia seguinte não recuperou).

Na outra ponta da vida, os resultados virão. Enquanto que os capitalistas lamentam seus bilhões perdidos, para “ajustar” a economia, para impedir estes “soluços”, os capitalistas lançam os seus planos de reestruturação. Todas as grandes empresas, de tempos em tempos, organizam demissões. Ontem, o consórcio Airbus Franco-Alemão promete 10 mil demissões e o fechamento de várias fábricas. Mais do que nunca a frase de Trotsky no programa de Transição se encontra presente:

A premissa econômica da revolução proletária já alcançou há muito o ponto mais elevado que possa ser atingido sob o capitalismo. As forças produtivas da humanidade deixaram de crescer. As novas invenções e os novos progressos técnicos não conduzem mais a um crescimento da riqueza material. As crises conjunturais, nas condições da crise social de todo o sistema capitalista, sobrecarregam as massas de privações e sofrimentos cada vez maiores. O crescimento do desemprego aprofunda, por sua vez, a crise financeira do Estado e mina os sistemas monetários estremecidos…

Os falatórios de toda espécie, segundo os quais as condições históricas não estariam “maduras” para o socialismo, são apenas produto da ignorância ou de um engano consciente. As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer. Sem vitória da revolução socialista no próximo período histórico, toda a civilização humana está ameaçada de ser conduzida a uma catástrofe. Tudo depende do proletariado, ou seja, antes de mais nada, de sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária.

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[1] Em artigo da Folha de São Paulo Carlos Eduardo Lins Da Silva (Publicado na Folha de S. Paulo em 17 de julho de 1994) explica:

“Menos de um mês depois do Dia D, em junho de 1944, a confiança do Reino Unido e dos EUA em sua vitória na Segunda Guerra Mundial era completa. Tanto que eles não vacilaram em dar início, no dia 1º de julho, à conferência de Bretton Woods, convocada para ordenar a vida econômica e financeira do mundo após a derrota do eixo Alemanha-Itália-Japão. O nome formal era Conferência Financeira e Monetária das Nações Unidas. Economistas representando 44 países, inclusive a URSS, se reuniram por 21 dias no até hoje luxuoso Mount Washington Hotel, em New Hampshire, Nova Inglaterra (costa leste dos EUA). Eles conceberam, sob a liderança do britânico John Maynard Keynes, um sistema cambial atrelado ao dólar, que por sua vez se fixaria no ouro, visando dar estabilidade à economia mundial. Resolveram também criar duas instituições: o Banco Mundial (sob o nome formal de Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, ou Bird) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao Bird, que começou a operar em junho de 1946, caberia financiar projetos para o desenvolvimento dos países-membro. Ao FMI, manter estável o sistema cambial pelo financiamento de dívidas de curto prazo nos pagamentos internacionais. Apesar do domínio intelectual de Keynes sobre a conferência, ela representou uma completa vitória política dos EUA.”

[2] Incluímos algumas obras de referencia como anexo, por não serem disponíveis em Português, do camarada Just, então militante da OCI Francesa:

Em defesa do Trotquismo II – http://www.marxists.org/francais/just/ddt2/ddt2.htm

A propósito de uma possibilidade teórica e da luta pela ditadura do proletariado – http://www.marxists.org/francais/just/hypoth/sjhyp.htm

[3] Deve-se salientar que diversos autores marxistas atualmente atribuem o caráter de dinheiro em sentido pleno a formas de dinheiro de crédito. Este surgiu inicialmente sob a forma de notas bancárias, mas atualmente apresenta-se na forma predominante de depósitos bancários. O exposto acima mostra que se trata de títulos de dívida, isto é, meros compromissos formais de pagamento de preços de mercadorias, cujos valores devem ter sido medidos anteriormente pelo dinheiro. Um título de dívida não pode ser ao mesmo tempo medida de valor, mas pode funcionar como meio de circulação e de pagamento, no lugar do dinheiro, por transferência entre credores.

[4] “Toda a história da indústria moderna mostra que o metal, na realidade, só seria necessário para saldar o comércio internacional quando seu equilíbrio estivesse momentaneamente perturbado, se a produção interna estivesse organizada. Que o interior já agora não precisa de dinheiro metálico, demonstra a suspensão dos pagamentos em espécie pelos assim chamados bancos nacionais, à qual se recorre como único recurso em todos os casos extremos” (OC, III/2, p. 49). O processo de substituição do dinheiro (=ouro) nas funções de circulação foi objeto de artigo recente (Germer, 1997c).

[5] A configuração geral deste padrão foi instituída, oficialmente, na Conferência de Gênova, em 1922 (Niveau, 1969, p. 286-8).

[6] “O século que se encerrou com a I Guerra Mundial assistiu à substituição gradativa da moeda-mercadoria internacional (ouro e prata) pelas moedas fiduciárias nacionais (…) que circulavam apenas dentro das fronteiras de cada país. Esse processo chegou ao seu final na década de 1920, e em princípios da década de 1930, com o desaparecimento universal do ouro (…) da circulação monetária ativa (grifos acrescentados) e mesmo das reservas de caixa dos bancos comerciais e de depósito” (Triffin, 1972, p. 61). “… Ya no es preciso mantener reservas para la conversión de depósitos bancarios y papel moneda en su cobertura legal en oro, con miras a la circulación interna. La disminución de las reservas actualmente se asocia única y exclusivamente a los déficit externos en la balanza de pagos del país” (Triffin, 1970, p. 36, grifos acrescentados).

[7] A proibição da posse de ouro monetário pelos particulares ocorreu em 1933 nos EUA, tendo sido novamente permitida em 1975 (Aggarwal, 1992, p. 257).

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