O Tráfico de Escravos, por George Morland / Imagem: Domínio público

Ensaio sobre a Escravidão: do Arado Neolítico à Abolição Moderna

“Querem saber onde tudo isso aconteceu?
agora é que vossas excelências vão ficar surpreendidas…
Foi em Pequim!
Salvei a moral pública!
Cante-se o hino!”1

Há cerca de 12 mil anos, tivera fim a última era glacial. Com condições de estabilidade climática, foi possível desenvolver a agricultura como principal forma de subsistência humana, e na medida em que os homens poderiam finalmente respirar certa garantia das condições de vida, o respiro foi interrompido. Dominado relativamente a natureza, o domínio passaria à própria espécie: surge a primeira forma de exploração do homem pelo homem, a escravidão.

Tão antiga quanto o eu lírico de Raul Seixas que nasceu a 10 mil anos, poucos fenômenos estiveram tão presentes ao longo da história humana, após a Revolução Neolítica, quanto a escravidão. Foi sob o jugo escravo que se desenvolveram as primeiras civilizações da Mesopotâmia, que Aristóteles dispôs de tempo para filosofar, que o capitalismo tomou seu impulso inicial e que clandestinamente ainda existe em nossos dias.

Esse ensaio busca tratar de dois processos, que na verdade são quatro: 1) a origem da escravidão; e 2) sua dissolução; esses dois processos tanto no mundo romano (Antiguidade Clássica) como nos primórdios do capitalismo. 

É preciso destacar algumas ideias apresentadas ao longo do texto. Em primeiro, que a escravidão é uma instituição que se origina fundamentalmente por motivos economicos, toda a análise em torno da escravidão — que vai desde a defesa da tese engelsiana do início da escravidão até a transição feudo capitalista — deve ajudar a compreender isto, para que se separe aquilo que é a máscara ideológica da escravidão (as justificações religiosas e raciais) daquilo que é sua base real. Isso deve ajudar a contrapor as análises racialistas e geográficas em que apontam, por exemplo, a escravidão moderna como uma empreitada de europeus contra africanos, não uma empreitada de aristocratas e burgueses europeus (em conluio com aristocracias africanas) contra as classes oprimidas e sociedades domésticas da África.

Em segundo, o papel da luta de classes na dissolução dos regimes escravistas. No caso dos escravos, dado o baixo número de revoltas em comparação à assalariados e servos, é uma visão comum, mesmo de teóricos respeitados da escravidão, a ideia de que não houve luta de classes  entre os escravos. Aqui busco explicar o papel central da luta de classes para a dissolução da escravidão.

É preciso dizer que esse ensaio é fruto de um estudo e não constitui uma resposta cabal sobre as questões apresentadas, mas uma contribuição inicial. Há elaborações que devem ser acrescentadas futuramente, como uma crítica ao texto On Slavery and Slave Formations (1979), de Orlando Patterson, e outras elaborações que contribuem para o debate.

Antes de tratarmos da escravidão como modo de produção no mundo antigo, isto é, como fator fundamental da produção de sociedades como a romana, é preciso analisar como ela surge meramente como regime de trabalho, como trabalho escravo, nas sociedades em que impera o trabalho comunal livre. Passemos, portanto, à análise.

A subjugação de uma população humana tem o propósito claro de que a sociedade escravista possa produzir mais do que ela produziria sem tal exploração. A empreitada de captura de seres humanos e a manutenção de sua subjugação, custo com pessoas dedicadas ao trabalho de vigilância, etc., não seriam realizados pura e simplesmente por crueldade ou desvio moral. A escravidão tem um fim econômico bastante claro.

Tendo em vista que a escravidão deve liberar, total ou parcialmente, o escravista do trabalho, ela só pode ser realizada em um nível tal das condições de produção de uma sociedade em que o trabalho do conjunto dos membros ativos seja suficiente para produzir consideravelmente mais do que a sua própria subsistência. Sem isso, a produção dos escravos seria destinada apenas à subsistência dos próprios escravos, e não restaria nenhum sobreproduto.2 

É por isso que nas sociedades domésticas — o que Marx chama de comunidade natural, e Rosa Luxemburgo de comunismo primitivo,3 onde há a propriedade comunal da terra e a gens constitui um fator determinante do regime social — a escravidão, quando aparece, é como parte do processo de dissolução dessas sociedades.4

O fundamento mais básico de reprodução de toda e qualquer sociedade, especialmente das sociedades domésticas, é que o conjunto da produção dos ativos deve ser maior que o consumo desses próprios indivíduos, constituindo, assim, um sobreproduto. Este sobreproduto deve ser suficiente para o consumo das crianças, ou mais precisamente, dos pré-produtivos, esses que futuramente serão a garantia da manutenção dessa sociedade. Há outros fatores ainda que esse sobreproduto deve cobrir, como por exemplo os períodos em que fatores naturais levam à baixa da produção.

Se tomarmos uma sociedade doméstica em que homens e mulheres passam a ser ativos a partir dos 6 anos, o produto total da caça, pesca, artesanato etc., deve ser suficiente para o total dos produtivos e dos improdutivos. Se tomarmos a média de que o consumo em alimento de uma criança é cerca de metade do consumo de um adulto,5 a reprodução simples de um indivíduo (a sua substituição de um ativo por um futuro ativo, isto é 1:1), a produção total de alimento deve ser, ao menos, 50% mais do que o necessário para o consumo dos ativos. Sem levar em consideração fatores como períodos de baixa de produção por fatores naturais.

Esse fundamento de reprodução social não é válido apenas para seres humanos, muitos animais não nascem já independentes, e precisam de seus progenitores para sobreviverem: filhotes de pássaros antes de aprenderem a voar e felinos antes de serem capazes de caçar, e entre outros. Portanto, os animais adultos dessas espécies devem ser capazes de adquirir os meios de subsistência não apenas de si próprios, mas também de seus filhotes.

Mas enquanto entre os animais o sobreproduto será pouco variável dependendo de fatores exclusivamente naturais, nas sociedades humanas, em que a técnica se desenvolve, o trabalho torna-se mais produtivo, e cada vez mais o sobreproduto do trabalho dos ativos se torna maior. 

O impacto do aumento desse sobreproduto é variado, pode levar ao aumento demográfico com o aumento da taxa de natalidade, afinal, agora a produção dos ativos pode alimentar mais crianças, pode levar a redução do tempo de trabalho, assim liberando o tempo dos produtivos para ritos religiosos, confecção de novos produtos e uma série de possibilidades. 

Há uma série de fatores que impactaram o desenvolvimento da produtividade nas sociedades humanas: o domínio do fogo, o desenvolvimento do arco e flecha, da cerâmica etc. Fatores de maior ordem que geraram impactos muito significativos na organização social humana. 

Mas existem diversos graus do desenvolvimento técnico que aumentam a produtividade, e se por um lado o surgimento do arco e flecha em si foi um ponto de inflexão na produtividade. Por outro lado, o aperfeiçoamento da técnica de produção de um arco e flecha pode tornar a caça mais efetiva, gerando algum impacto na atividade produtiva de uma comunidade,. No primeiro caso vemos um salto qualitativo, no segundo um processo quantitativo. 

Um salto qualitativo ainda maior foi a criação de gado, a elaboração de metais e a agricultura. Engels explica que enquanto esses elementos não aparecem, “a força de trabalho do homem não produz excedente apreciável sobre os gastos de sua manutenção6 e que a partir do surgimento desses fatores, juntamente com uma reorganização das relações sociais em que a apropriação torna-se desigual, tem-se origem a escravidão.7

A agricultura e a pecuária permitiram que não existisse apenas um sobreproduto que permitia a subsistência dos não produtivos e o armazenamento para períodos de baixa produtiva, mas que houvesse um sobreproduto que crescia e passava a exceder mais e mais as necessidades de manutenção da sociedade, permitindo a regularidade da troca, isto é, o comércio.

Marcel Mazoyer e Laurence Roudart, na obra História das Agriculturas no Mundo, fazem o seguinte apontamento sobre a questão:

“Conforme ressalta Meillassoux (1986), o escravo, a quem a reprodução era geralmente proibida, não tinha família a seu encargo. Suas necessidades se reduziam a sua própria ração de manutenção e, nessas condições, o escravo trabalhando na produção agrícola podia garantir um “excedente” exatamente no qual um homem livre, chefe de família, não poderia fazê-lo. E, claro, esse “excedente” era quase ilusório, pois foram na verdade as sociedades periféricas, submetidas à pilhagem de sua própria mão de obra, que produziram essa força de trabalho capturada e reduzida à escravidão. Para a cidade escravista, o custo de renovação do escravo se limitava ao custo de sua captura e de seu comércio e, quanto maior a superioridade militar da cidade conquistadora, mais fácil a captura, além do fato de que o custo de manutenção se reduzia apenas à sua alimentação e à sua vigilância. 

Essa análise é bem diferente daquela feita por Engels (1983), segundo a qual a escravidão teria se desenvolvido historicamente a partir do momento em que a produção de um ativo tornando-se superior às suas próprias necessidades, era mais vantajoso manter cativos de guerra como escravos em vez de exterminá-los como antigamente. Esse ponto de vista não é mais defensável. Na verdade, para que uma sociedade, qualquer que fosse, pudesse se reproduzir, segundo seus próprios meios, era necessário que a produção de um ativo fosse superior às suas próprias necessidades, ainda que fosse para alimentar suas crianças, seus doentes, os inválidos momentâneos etc.. Essa regra vale para todas as sociedades, inclusive aquelas anteriores ao desenvolvimento da escravidão. 

Para nós, o desenvolvimento da escravidão antiga no Ocidente, e sua perpetuação durante mais de um milênio pode ser explicada de outra forma. A escravidão, que se tornou “necessária” quando do surgimento da cidade antiga, devia-se ao fato de que a produtividade agrícola da época era muito insuficiente para garantir simultaneamente a renovação das gerações e excedentes capazes de abastecer a cidade. O que tornava, portanto, a escravidão possível, além da superioridade militar da cidade escravista, era a existência na periferia desta, de povos menos poderosos constituindo uma vasta reserva de mão de obra.” (MAZOYER & ROUDART, 2010, pp. 284-5)

A posição que Marcel Mazoyer e Laurence Roudart atribuem a Engels é uma distorção. Não é simplesmente quando a produção de um membro ativo torna-se superior às suas próprias necessidades, pois como já vimos, em toda sociedade a produção de um ativo deve produzir um sobreproduto, isto garante a sobrevivência dos mais novos e a garantia da reprodução da sociedade.

Quando Engels justifica a não existência de escravidão nas sociedades domésticas explicando que “a força de trabalho do homem não produz excedente apreciável sobre os gastos de sua manutenção”, não significa que qualquer excedente residual traz consigo o trabalho escravo, mas sim que um excedente considerável, apreciável, torna o trabalho escravo viável.

Nas sociedades domésticas, suas instituições gentílicas são incompatíveis com a escravidão propriamente dita, a sociedade é baseada em relações consanguíniais e, quando há a adoção de um estranho (isto é, um não consanguíneo), ele deve ser adotado e fazer parte da gens, com os mesmos direitos e garantias de qualquer outro membro da gens. A sociedade gentílica contradiz a escravidão, não há espaço para um estranho dominado, que não seja incorporado à gens, por isso, o destino de um capturado entre os tupinambás era a morte, como explica Júlio Cezar Melatti, em Índios do Brasil: 

Entre os antigos Tupinambás, o prisioneiro de guerra era propriedade daquele que o tinha capturado. O proprietário podia dá-lo de presente a outros indivíduos, parentes seus. Mas o prisioneiro não se destinava a produzir bens para seu proprietário: este, depois de algum tempo, sacrificava-o no ritual antropofágico, ganhando assim mais um nome. (MELATTI, 1993, p.66).

É no processo de dissolução da sociedade gentílica, na passagem da família sindiásmica à monogâmica, que abre-se um espaço para a incorporação dos escravos à família, fator fundamental para o surgimento da escravidão antiga.8

Por isso, para que exista condições necessárias para o surgimento da escravidão, é necessário não um excedente residual, comum a toda sociedade humana, mas sim um excedente capaz de abalar as estruturas de uma forma social muito antiga, que são as sociedades domésticas com suas instituições gentílicas bastante cristalizadas. É nesse contexto que Engels explica a possibilidade da escravidão. 

Até a fase inferior da barbárie, a riqueza duradoura” isto é, parte considerável do parco excedente comum a toda sociedade, “limitava-se pouco mais ou menos à habitação, às vestes, aos adornos primitivos e aos utensílios necessários para a obtenção e preparação dos alimentos: o barco, as armas, os objetos caseiros mais simples. O alimento devia ser conseguido dia a dia.9 Ora, uma sociedade com um parco excedente, tendo de conseguir a subsistência dia a dia, não teria as condições para voltar sua atividade para a dominação, sequer teria condição de manter a subjugação de modo permanente, como também sua estrutura secular não seria alterada em torno de uma vantagem tão ínfima. 

Entretanto, todo esse cenário será modificado com a domesticação de animais, o domínio dos metais e a agricultura, pelos quais foram abertos “mananciais de riqueza até então desconhecidos”. A partir disto, a força de trabalho passou a produzir excedente realmente apreciável sobre os gastos de sua manutenção, e assim, num processo comum, as instituições gentílicas dissolvem-se e surge a escravidão como primeira distinção de classes.

O desenvolvimento de todos os ramos da produção – criação de gado, agricultura, ofícios manuais domésticos – tornou a força de trabalho do homem capaz de produzir mais do que o necessário para sua manutenção. Ao mesmo tempo, aumentou a soma de trabalho diário correspondente a cada membro da gens, da comunidade doméstica ou da família isolada. Passou a ser conveniente conseguir mais força de trabalho, o que se logrou através da guerra; os prisioneiros foram transformados em escravos. Dadas as condições históricas gerais de então, a primeira grande divisão social do trabalho, ao aumentar a produtividade deste, e por conseguinte a riqueza, e ao estender o campo da atividade produtora, tinha que trazer consigo – necessariamente – a escravidão. Da primeira grande divisão social do trabalho, nasceu a primeira grande divisão da sociedade em duas classes: senhores e escravos, exploradores e explorados. (ENGELS, 2012, p.203).

O que Mazoyer e Roudart tentam defender com a distorção da tese de Engels é a posição absurda que a escravidão derivaria não pelo excedente, mas justamente pela escassez. Ora, dado que “a produtividade agrícola da época era geralmente suficiente apenas para alimentar os agricultores e suas famílias10, a produção era insuficiente para manter uma classe liberada do trabalho, uma aristocracia como a romana ou a grega, e a cidade dessas Impérios, e portanto a escravidão surgiria como uma necessidade do abastecimento da cidade e da liberação da aristocracia do mundo do trabalho.

O que estes autores fazem é uma inversão. Não é o trabalho escravo que surge como uma necessidade para a liberação do aristocrata e o abastecimento citadino, mas o contrário, estas coisas aparecem como um produto do trabalho escravo. Com um raciocínio idealista, pressupõem a aristocracia, e esta constituindo uma classe escrava para sua subsistência, como um jardim que cria o jardineiro para poder ser cultivado.

A produtividade, que é insuficiente do ponto de vista de uma sociedade de classes, era suficiente na sociedade doméstica, e o aparecimento do trabalho escravo na sociedade doméstica, alavancou a produtividade, permitindo assim a construção das cidades e a formação de uma aristocracia. Mas sem o grau de produtividade que permitia o excedente inicial que possibilitou o trabalho escravo, nada disso seria possível.

Nem a aristocracia liberada do trabalho, nem as cidades, nem o comércio, a arte, a ciência e o conjunto de coisas que chamamos cultura, foram produzidas do mundo antigo sem o braço escravo. Ao contrário do que afirma Mazoyer e Roudart, afirma Engels em seu Anti-Dühring:

É claro que, enquanto o trabalho humano era tão pouco produtivo que fornecia parco excedente além dos meios necessários à vida, o aumento das forças produtivas, a expansão do intercâmbio, o desenvolvimento do Estado e do direito, a fundação da arte e da ciência só eram possíveis mediante a divisão do trabalho intensificada, que necessariamente tinha como fundamento a grade divisão do trabalho entre as massas que proviam o simples trabalho manual e os poucos privilegiados que se ocupavam da condução do trabalho, do comércio, dos negócios do Estado e, mais tarde, da arte e da ciência. A forma mais simples, mais natural dessa divisão do trabalho era exatamente a escravidão. (ENGELS, 2015, p. 210).

Há ainda um exagero de Mazoyer e Roudart. A agricultura com alqueive e tração leve, praticada na antiguidade, que os autores apontam ser “suficiente apenas para alimentar os agricultores e suas famílias”, foi suficiente para que o trabalho dos escravos (sem filhos, é verdade) mantivessem não apenas uma aristocracia livre do trabalho, mas o proletariado romano, os artesãos, os escravos domésticos e os gladiadores romanos, que eram escravos que morriam aos milhares em lutas épicas. Portanto, é bastante questionável que esse sistema agrário fosse tão improdutivo. 

Orlando Patterson aponta que entre 16 a 20% da população no Império romano era escrava,11 e o estudo realizado por Kyle Harper aponta uma população escrava entre 4,6 a 19,3% da população no período tardio do Império Romano.12 Sem levar em consideração que boa parte destas percentagens eram de escravos improdutivos, que não trabalhavam nem na agricultura e nem no artesanato (isto é, para fazermos uma estimativa conservadora), podemos dizer que menos de ⅕ da população produzia o suficiente para manter os outros ⅘, entre estes, uma aristocracia decadente e esbanjadora.

O sistema agrícola de alqueive e a tração leve não era “suficiente apenas para alimentar os agricultores e suas famílias”, com essa técnica era possível sim produzir um excedente, mas Mazoyer e Roudart raciocinam como liberais que são capazes de dizer aos trabalhadores: “vocês precisam trabalhar 8h por dia, 6 dias da semana e com direitos trabalhistas e previdenciários precários porque nossa capacidade produtiva é baixa, não tem nada a ver com nosso modo de produção, apenas com a nossa capacidade técnica”. 

O que o trabalho escravo realizou não foi a possibilidade de um excedente, o que já foi pressuposto para sua própria existência, mas a potencialização desse excedente. A escravidão, quando não surge como um fenômeno externo, parte da capacidade produtiva que se desenvolve no seio da sociedade doméstica e a estrapola, e que a partir dela permite a formação de uma aristocracia e das cidades.

A tese de Engels, quando despida das distorções realizadas por outros autores, permanece a mais precisa sobre a origem da escravidão, e não um “ponto de vista que não é mais defensável”. Na verdade, seja para defender ou para criticar, a explicação marxista segue sendo incontornável para todo pensador posterior sobre a questão da escravidão, de Claude Meillassoux a Paul Lovejoy, e de Lovejoy a Orlando Patterson, todo teórico da escravidão teve de fazer referência à produção marxista.13

Diferentemente da escravidão antiga, a escravidão moderna não surgiu do seio de uma sociedade doméstica, mas a partir de uma sociedade em que já havia extratificação de classes,  a sociedade feudal, onde dominava o modo servil de exploração do trabalho e onde a agricultura havia passado por importantes avanços, em especial a passagem da tração leve para a tração pesada e o sistema trienal de cultivo, fatores que desenvolveram a capacidade produtiva e a possibilidade de exploração da terra em áreas mais afastadas do mediterrâneo.14

Se o surgimento da escravidão na sociedade doméstica promoveu, a partir da agricultura, o acúmulo necessário para a constituição das sociedades clássicas antigas, da qual servem de modelo Roma e Grécia, o surgimento da escravidão e colonização moderna promoveram o acúmulo necessário para o impulso inicial do capitalismo.

Durante o final do longo processo de Reconquista, em que os Ibéricos se livraram do jugo árabe, eles tomam contato com a escravidão na África. Portugal, que expulsa os árabes antes dos espanhóis, conhece a escravidão de africanos em 1441, quando a expedição de Antão Gonçalves e Nuno Tristão, a mando de Dom Henrique, volta do Rio do Ouro com 10 cativos.15 Mas antes do século XV, a escravidão já havia sido instalada na África desde o século VIII pelos árabes.

O Império Árabe surgiu em meio ao esgotamento dos impérios romano e persa, quando beduínos nômades, ainda em organizações sociais tribais, dão luz ao império. As relações tribais foram superadas graças ao Islã, religião propaganda por Maomé que foi capaz de organizar as aspirações que advinham do desenvolvimento do comércio e a exaustão dos impérios vizinhos, sendo assim uma religião que atuou como um fator agregador.

O Império se expandiu com uma força e velocidade avassaladora. Desde a conquista de Meca por Maomé e seus guerreiros em 630, a expansão acontece em ritmo desenfreado: em 632, ano da morte de Maomé, seu exército já havia conquistado toda a Península Arábica (Apenas dois anos!); Em 641 conquistam o Egito, em 698 Cartago é tomada definitivamente e em poucos anos todo o norte da África é parte do Império Árabe. 

A expansão árabe, à ocidente e à oriente, se dá em apenas um século. Na terceira década do século VIII o domínio árabe já se estendia do atual Paquistão até a Península Ibérica, na porta do Império Carolíngio, também chamado Reino dos Francos. 

A expansão árabe no norte da África causou profundas transformações no Saara e na África Saheliana. Já no século X havia um tráfico de escravos relativamente organizado, no qual destacam-se cidades como Kawar (atual Níger) e Zawila (atual Líbia).16 E a organização desse tráfico de escravos foi relativamente pacífica, dado que a expanssão rumo ao sul da África resultou em resistências difíceis para os árabes: o resultado foi uma política de acordos capazes de garantir o fornecimento de escravos.

[…]os árabes frequentemente interromperam a sua progressão rumo ao Sul, quando surgiam resistências demasiado difíceis a vencer, em contextos históricos e políticos desconhecidos, mal conhecidos ou dificilmente controláveis: destarte foramos seus avanços, muito limitados, em direção à Núbia, rumo ao Fezzān e ao Kawār, em direção ao Sūs e ao Saara Ocidental. Nestas regiões, os dirigentes do Império aplicaram a mesma política que ao Norte dos Pirineus ou na Ásia Central: conscientes dos perigos que comportavam as derrotas militares maciças, eles se contentaram com expedições de sondagem, confiadas a grupos restritos. Malgrado o tom triunfalista concedido, posteriormente, ao relato de algum dentre estes avanços, a eles não sobrevieram grandes efeitos e os seus resultados foram frequentemente compromissos, assegurando sem riscos o fornecimento de escravos aos muçulmanos, garantindo, no entanto, a paz às populações do Sul. (DRAMANI-ISSIFOU, 2010, pp.118-9).

Em nota, Dramani-Issifou fornece alguns dados sobre esse tráfico: “Cerca de 500 escravos por ano, entregues em Assuã pelo rei da Núbia; 360 – número simbólico – entregues pelo Fezzan e pelo Kawar (IBN ‘ABD AL‑HAKAM, 1947, p. 63 [Conquète de l’Afrique du Nord et de l’Espagne]): ou seja, no total, cerca de 1300 a 1500 escravos por ano.

O desenvolvimento da escravidão na África tornou comum que sociedades vítimas de incursões para captura de escravos passassem a captudoras de escravos, seja para o fornecimento de escravos a outros estados, seja para a exploração na própria sociedade. O Império Gana, após submetido ao Império islâmico Almorávida no século XI, passa a comercializar não apenas ouro, sal e marfim, mas volta-se para a captura e comércio de escravos: 

Desde o século XI, Gana (Estado saheliano) dispunha de numerosos exércitos e de cavalaria. El-Bekri (1068/1965; 332) afirma que o rei podia mobilizar 200 mil guerreiros “dos quais mais de 40 mil armados de arco e flecha” e mais a sua cavalaria. “O povo de Gana, escreve al-Zuhri (1154-1161), faz campanha no país dos Barbara, dos Amima e se apoderam dos habitantes, como se fazia outrora, no tempo em que eles próprios eram pagãos…Os habitantes de Gana os invadem todos os anos” (Cuoq, 1975; 120).  (MEILLASSOUX, 1995, p.37).

O Império Gana neste período, submetido aos almorávidas, dispunham de mais de 30% de escravos em sua população. A mesma cifra para o Império Mali17 que, em condição muito semelhante, volta sua atividade para a captura de escravos: 

No século XIV, o testemunho de al-Omari sobre o Mali é semelhante ao de El-Bekri sobre Gana: o exército do Mali contava “100 mil homens” dos quais “10 mil cavaleiros” (p.66-67) e seus soberanos “fazem constantemente a guerra santa e estão continuamente em expedição contra os negros pagãos” (al-Omari;81) (MEILLASSOUX, 1995, p.37).

Não apenas os Impérios Gana e Mali, o Reino Jalofo, começando no século XIV, também possuía uma cifra de mais de 30% de escravos. Antes dos Europeus chegarem, os árabes e os Estados islamizados já haviam desenvolvido um forte comércio escravista no Sahel, conectando a uma rede comercial que levava escravos ao oriente, ao norte da África e mesmo, através de comerciantes judeus,18 ao Império Carolíngio.

Assim, a dominação árabe, seu modelo escravista combinado com um modelo de servidão que já existia e era bastante difundido na África ocidental, o jonya,19 ajudou a formar estados escravistas propriamente ditos no continente africano. 

Para alguns, é bastante duro aceitar que, para além dos europeus, a escravidão foi bastante difundida na África por árabes e africanos não islamizados, que a Àfrica não foi um continente idílico, mas com estados que constituiam classes, aristocratas que exploravam seu próprio povo e submetiam outros povos. Em especial, que a África era dividida em classes, assim como a Europa. Esses estados foram erguidos, assim como outros impérios, sob o peso da escravidão, que enriqueceu e apoderou as aristocracias africanas através da exploração do escravo no campo, no comércio destes para outros povos e na sua utilização como eunucos ou concubinas. Entretanto, esse é um capítulo importante da pré-história da escravidão moderna.

Quando os europeus entraram em cena, no final do século XV e início do XVI, com as grandes navegações, um novo impulso surge na captura de escravos na África. Aqueles que a séculos desconheciam o trabalho escravo como regra da produção social, seriam aqueles que organizariam uma rede de comércio internacional baseada no trabalho de africanos escravizados. 

Na África, as sociedades que participam de modo cooperativo com esse tráfico apresentam uma taxa significativa de escravos em sua própria sociedade: Império Bamana (também chamado Reino de Segu) e o Songhai com mais de 40% de escravos cada, Daomé com mais 33%, os Axanti com 33%, Oyó com uma estimativa entre 33 e 50%, e o reino do Kongo com mais de 50%.20

Mas com a presença europeia, as elites dominantes africanas que eram favorecidas com a escravidão, só poderiam o ser de modo relativo. A dominação europeia na África, com base na pilhagem, também levava ao esmagamento das elites locais, todo acordo firmado entre os comerciantes europeus e as aristocracias africanas eram sempre frágeis e suscetíveis a rupturas. Por isso, mais comum que os acordos, a regra foi a resistência.

A pilhagem dos comerciantes europeus destruiu todo o produto civilizatório criado pelos árabes no Norte da África e no Sahel: 

A economia de pilhagem provocou a estagnação das trocas comerciais entre as cidades e o campo e influiu consequentemente em suas relações. Até então, suas atividades e produções haviam sido complementares. As cidades haviam quebrado o círculo vicioso da agricultura de subsistência, acentuado a divisão do trabalho e lançado as bases da sociedade nova. Elas criaram o ambiente necessário ao desenvolvimento científico e técnico, bem como ao crescimento do comércio e das indústrias especializadas. […] O século XVI, contudo, iria abalar esse universo e mergulhá­‑lo na crise. O despovoamento das cidades acarretou o declínio da economia do campo, causando o empobrecimento generalizado dos camponeses e o retorno ao estágio selvagem de vastas superfícies de terras aráveis. Expostos a uma insegurança crescente, os habitantes do campo foram se refugiar nos confins das florestas onde, desligados da civilização de consumo das cidades, voltaram cada vez mais a uma autonomia familiar ou comunitária, praticando uma agricultura de subsistência. (DIAGNE. 2010. p.43-4).

Este é um fato muito importante que contraria a tese de Tidiane N’diaye,21 que aponta a escravidão desenvolvida pelos árabes como mais danosa para a África que a escravidão desenvolvida pelos europeus. N’diaye aponta, em defesa dessa tese, o fato da escravidão árabe ter durado mais tempo e escravizado mais africanos, entretanto não se pode desconsiderar que enquanto a dominação árabe promoveu centros comerciais e intelectuais como Timbuktu, a dominação europeia promoveu, como apontado por Diagne, a volta de diversos povos à agricultura de subsistência, isto é, uma regressão brutal. 

Como apontado mais acima, algumas aristocracias puderam tirar uma vantagem relativa desse processo: Segu, Songhai, Daomé, Axânti e outros, mas a regra geral foi a devastação quase que total dos povos africanos. 

A caça de escravizados na África abasteceu uma intensa atividade comercial entre os continentes africano, americano e europeu, uma rede comercial que deu vida ao mercado mundial, impulsionando enormemente a manufatura. No chamado comércio triangular, o escravo era levado da África especialmente para a América, na América produzia cana, tabaco, algodão, café etc. e, da Europa, saíam os produtos manufaturados; esse comércio, baseado na escravidão de negros na América e na expropriação do pequeno camponês europeu, promoveu o que ficou conhecido como acumulação primitiva

Mas como e porque a Europa feudal entrou nessa empreitada? Para responder essa pergunta, é necessário olhar para o processo da Reconquista, quando os ibéricos foram, ao longo de séculos, libertando-se do jugo árabe. 

Como explica Henri Pirenne, um dos maiores medievalistas da história, o domínio árabe no Norte da África e na Península Ibérica havia fechado o comércio via mediterrâneo para o ocidente, aprofundando a retração do comércio na Europa Ocidental não muçulmana e, marcando assim, o início da Idade Média.22 A Reconquista significou, assim, o florescimento do comércio para a Europa Ocidental Cristã. 

Entre os séculos XI e XIII, presenciou-se um período de revigoramento do comércio, quando a Reconquista estava relativamente avançada, com já constituídos: Portugal, Reino de Leão, Castela, Navarra e Aragão. O desenvolvimento da técnica agrícola somado à abertura de mercados, propiciou o desenvolvimento de importantes rotas comerciais na Europa. 

No século XIV esse revigoramento é suspenso. Após o longo período de expansão e desmatamento de florestas que antecederam o período, alterações climáticas, que trouxeram grandes chuvas, as plantações foram prejudicadas e isso gerou a chamada Grande Fome, de 1315 até 1317.23 Trinta anos depois, a Europa é abatida pela Peste Negra. 

Até o século XV, a superexploração dos camponeses, dos quais eram exigidas cada vez mais receitas de seus senhores, promove a fuga de servos e, junto a isso, o desenvolvimento das rotas comerciais ajudam a impulsionar o surgimento de dois centros manufatureiros: no Norte, o condado de Flandres (na atual Bélgica) e, no Sul, Florença. A produção manufatureira, o desenvolvimento das rotas e a fuga dos servos são fenômenos que se retroalimentam para formação das cidades e desenvolvimento do comércio.24

A formação das cidades a partir do desenvolvimento do comércio marcava o movimento oposto da ruralização que marcou o declínio do Império Romano, a formação das cidades era, assim, a marca do declínio do feudalismo. Em um artigo pouco conhecido e inacabado de Engels, intitulado O Declínio do Feudalismo e a Ascensão da Burguesia, ele explica:

Já no século XV, os habitantes da cidade desempenhavam um papel mais crucial na sociedade do que o feudalismo. Certamente, ainda era verdade que a agricultura ocupava a maior proporção da população e, portanto, permanecia sendo o principal modo de produção. […] Ao mesmo tempo, as necessidades da própria nobreza aumentaram e mudaram tanto que nem ela podia prescindir das cidades: afinal, era nas cidades que o nobre obtinha suas próprias “ferramentas” especiais – armaduras e armas. Têxteis domésticos, móveis e ornamentos, seda italiana, rendas de Brabant, peles do Norte, perfumes da Arábia, frutas do Levante e especiarias da Índia: tudo menos sabão ele tinha que comprar dos habitantes da cidade. Um certo grau do comércio internacional já havia se desenvolvido: os italianos navegavam pelo Mediterrâneo e ao longo da Costa Atlântica até o norte de Flandres[…] Foi assim que o feudalismo de toda a Europa Ocidental estava em pleno declínio durante o século XV. (ENGELS, 2023, pp. 15-16).

Mas o comércio mundial propriamente dito foi produto da expansão destas rotas na busca de novos mercados, necessidade gerada pelo comércio, impulsionou as Grandes Navegações, e estas permitiram o surgimento do comércio mundial. O tráfico transatlântico foi uma peça central nesse processo, e não seria de outra forma.

A escravidão de povos indígenas americanos e de brancos não foi bem sucedida, a falta de costume dos povos indígenas com um regime de exploração e os brancos em regime de servidão eram poucos para suprir as demandas coloniais.25 A escravidão desenvolvida pelos árabes havia preparado o terreno para suprir essa necessidade, ela permitia um grande fluxo de escravizados e já havia naturalizado essa condição ao longo de séculos. Assim, como uma trágica peripécia, terá início a escravidão moderna.

O resultado foram as incursões África a dentro para a caça de negros, o embarque na Senegâmbia, Costa do Ouro, Benin, Biafra, nos portos de Luanda e Benguela, o desembarque nas diferentes regiões da América (Sul, Centro e Norte) e na Europa, para não contar o tráfico oriental que atravessou o Índico. Segundo o Slave Voyage, maior base de dados sobre o tráfico transatlântico de escravos, entre os anos de 1514 e 1866, foram mais de 35.000 expedições no Atlântico, e entre 12 a 14 milhões de traficados, sem contar os escravizados nascidos nas Américas. Essa imensa operação financiou o desenvolvimento industrial e criou a máquina que transformaria uma massa camponesa na Europa em um exército proletário. Assim, com sangue suor e lágrimas, a escravidão moderna batizou o novo regime.

Se por um lado a escravidão surge por razões economicas, ela é justificada ideologicamente nas sociedades que a praticam, e isso gera uma confusão naqueles que buscam compreender uma sociedade não pelo que ela é, mas pela imagem que ela fez de si própria, pois mesmo que essa imagem influencie o funcionamento social, a imagem em si só pode ser considerada na medida desta influência. Portanto, a justificativa que é dada para escravizar só deve ser considerada na medida que influencia a própria prática escravagista, mas não deve ser tomada como razão primeira do escravismo.

Portanto, esta discussão, sobre a justificação ideológica da escravidão, caberia uma maior elaboração, especialmente para tratar da origem do racismo, mas cabe aqui fazer alguns breves apontamentos.

Podemos apontar dois tipos de justificativas para a escravidão no mundo pré capitalista: a mais usual foi a divina, onde uma aristocracia tinha o direito divino de explorar o trabalho escravo de outros, dos quais se supunha inferiores; uma segunda foi inexcrupulosamente economica, podendo pressupor ou não a inferioridade do escravizado, como entre os romanos e os gregos.

O racismo como justificativa da escravidão é uma invenção moderna, não é um apelo ao divino (por mais que tivesse envolto das missões católicas), mas é uma teoria que apela ao plano biológico uma distinção e hierarquia de raças huamans. Mas então como e porque surgiu o racismo?

Ao se afirmar que o racismo é uma invenção moderna, isso não significa dizer que o racismo nasce pronto como uma teoria sem pressupor uma prática social que o legitima desde a Idade Média. 

A exploração executada pelas classes dominantes árabes, berberes e sudanesas (negras) foi de um grau tamanho que produziu nestas populações, uma imagem de feiúra, deselegância, estupidez, preguiça, dissimulação para com os povos que foram submetidos ao trabalho escravo. A tudo isto era ainda atribuída uma natureza divina, Meillassoux, citando Vieillard, diz que os peul (também conhecidos por fulas), da região do Futa Djalon, “agradeciam a Deus por ter criado pagãos de crânio duro mas de braços fortes destinados a servir os crentes”.26

Esse tipo de concepção foi aprofundada, pela prática, ao longo dos séculos XVI ao XVIII com o tráfico transatlântico, mas também não fora isso que produziu uma concepção racial de divisão da humanidade. Para começar, a escravidão moderna não pediu a autorização de uma teoria racial, o sentido do racismo não foi propiciar a origem da escravidão moderna. 

Quando o desenvolvimento econômico propiciou alterações políticas e a burguesia alcançou o poder, quando o humanismo renascentista ganhou novas cores e rigor com a Revolução Americana (1783) e a Revolução Francesa (1789), a escravidão tinha se tornado contraditória com os ideais que haviam alçado esta classe ao poder, o humanismo. É aqui que surgirá o racismo, não justificando a origem, mas a manutenção da escravidão moderna. 

Ao longo das Grandes Navegações a crença cristã dos europeus se viu abalada, disto surgem teorias que buscaram classificar os seres humanos, como as de Lord Kames e Carl Linnaeus, mas sem propriamente ter um profundo impacto. É no século XIX, após a maturação do desenvolvimento industrial e a pressão pela abolição, que terão vida as teorias racistas propriamente ditas, temperando séculos de discriminação com certo cientificismo falseado, terão voz nomes como Blumenbach e Gobineau. O racismo é, portanto, desde sua origem reacionário, servindo para a manutenção de um regime já em declínio, o escravista. 

Onde quer que tenha sido empregada, a escravidão potencializou a produtividade das sociedades escravistas, entretanto, levou estas sociedades à contradições que desencadearam ou o fim destas sociedades ou o fim da escravidão. Ou tornara-se impossível capturar novos escravos, ou tornara-se desvantajoso. 

Sabemos que em determinado grau o trabalho escravo se torna um entrave para o desenvolvimento das forças produtivas, isto graças, antes de mais nada, por ser um trabalho executado com resistência. Em nota ao capítulo 5 do Volume 1 d’O Capital, Marx destaca a rudeza dos instrumentos do trabalho escravo, fator que reduzia a produtividade: “nesse modo de produção, vale o princípio econômico de empregar apenas os instrumentos de trabalho mais rudes e pesados, porém difíceis de danificar justamente em virtude desse seu irremediável desajeitamento.”27 Soma-se a isso também o desgaste do solo que esse modo de produção gera. Esses são elementos bastante gerais, mas passemos à situação romana.

Em Roma, a escravidão levou à uma contradição insolúvel. A economia do Império Romano era fundamentada na guerra, a expansão do território romano era a expansão das terras para cultivo e a aquisição de novos escravos, capturados em guerra. Quanto mais Roma se expandia, mais o escravismo era a regra no campo e o camponês livre, arruinado, se proletariza na cidade. Entretanto, como explica Kautsky, o camponês livre era a base do exército romano:

“A guerra, entretanto, não podia ser feita sem soldados, e os melhores elementos para isso eram os camponeses. Acostumados ao trabalho duro e constante ao ar livre, no calor e no frio, sob sol ardente e chuvas torrenciais, podiam suportar melhor as adversidades de um legionário. O proletário empobrecido da cidade, havendo perdido o costume do trabalho, da mesma forma como o destro artesão, tecelão, serralheiro ou escultor, nunca se prestaria a esse serviço. A extinção dos camponeses livres significou o desaparecimento de soldados para os exércitos romanos.” (KAUTSKY, 2014, p. 93).

Este problema de abastecimento de soldados romano aumenta o “amor de Roma pela paz”, o incremento de mercenários bárbaros no exército romano é insuficiente para manter uma política expansionista.

A guerra trazia escravos e novas terras cultiváveis, os novos escravos substituíam o camponês livre que, arruinado e proletarizado na cidade, gerava uma carência nas fileiras do exército. Essa foi a contradição fundamental que provocou a decadência do Império Romano, que num primeiro momento foi mascarada no período final da “Pax Romana”, pela aparente estabilidade, mas que foi totalmente desmascarada com a Crise do Terceiro Século, e no período de Diocleciano (284-305) a “solução” para a crise passa a ser a ênfase na defesa das fronteiras, fim da expansão do Império e a divisão entre Império Ocidental e Império Oriental. 

Na decadência da figura do escravo, surge a figura do colono. A inviabilidade do latifúndio arado por mãos escravas trouxe uma reorganização do modo de produção:

“Os proprietários dos latifúndios não estavam dispostos a ceder suas terras, nem a diminuir a escala de suas grandes operações. Punham uma parte de suas propriedades à disposição de pequenos arrendatários ou colonos, sob a condição de que estes trabalhassem uma parte do tempo na fazenda do patrão. Desse modo surgiu um sistema agrário que mesmo depois, no período feudal, continuou sendo a ambição dos grandes proprietários, até que o capitalismo o suplantou com o sistema de arrendamentos.” (KAUTSKY, 2014, pp. 94-5).

Essa nova classe, o colono, que nada mais era que ex escravos, camponeses arruinados, proletários, artesãos etc., não podia conter a desintegração do Império Romano Ocidental, fruto da crise do escravismo. E essa desintegração provocou a ruralização. As cidades não podiam mais garantir proteção contra possíveis invasões e saques, e, com isso, as villae, tornaram-se auto suficientes, os patrícios garantiam a segurança que o Império moribundo já não era capaz de garantir. O colono não era ainda servo, se não em situações de leis que subjugaram o colono à terra.

A condição de servo só fora realmente estabelecida como regra no regime feudal, quando a Conquista Árabe, de norte da África e Península Ibérica, tornou a parte ocidental do Mar Mediterrâneo um “lago mulçumano”, fechado para o comércio do Império Carolíngio, principal Império erguido nas ruínas do Império Romano.28

“Antes do séc VIII, o que existe é a continuação da economia mediterrânea antiga. Depois do séc VIII, há uma ruptura completa com essa economia. O mar está fechado. O comércio desapareceu. Encontramo-nos na presença de um Império no qual a terra é a única riqueza e no qual a circulação dos bens móveis está reduzida ao mínimo” (PIRRENE, p.223).

Da crise do escravismo do Império Romano até a Conquista Árabe da Península Ibérica, temos um quadro do declínio da escravidão e ascenção da servidão na Europa Ocidental não mulçumana, declínio que acontece junto com o declínio do comércio.

Parece existir uma tendência de que a dissolução da sociedade escravista acompanha uma redução do comércio, há o desenvolvimento da servidão. São os casos de algumas sociedades africanas apontadas por Meillassoux.

Se a dissolução da escravidão romana, que produziu o colonato e depois o servo feudal, se deu junto à uma contração do comércio, a dissolução da escravidão moderna se dá justamente com seu oposto, o desenvolvimento do comércio mundial apresentará contradições fundamentais para a queda do escravismo.

Vejamos a história. O comércio de escravos desenvolveu especialmente a cidade portuária de Liverpool, além de Bristol e Glasgow. Eric Williams aponta Liverpool antes e depois da primeira metade do século XVIII, quando se desenvolveu como uma cidade do comércio de escravos: 

Em 1565, Liverpool tinha 138 chefes de família, sete ruas apenas eram habitadas, a marinha mercante do porto compreendia doze navios de 223 toneladas. Até o fim do século XVII o único acontecimento local de importância fora o sítio da cidade durante a Guerra Civil Inglesa […] Os navios que entraram em Liverpool aumentaram quatro vezes e meia entre 1709 e 1771; a tonelagem exportada, seis vezes e meia. O número de navios pertencentes ao porto multiplicou-se quatro vezes durante o mesmo período, a tonelagem e os marinheiros mais de seis vezes. A receita alfandegária subiu da média de 51.000 libras, para os ano de 1750 a 1757, para 648.000 libras, em 1785. Os direitos de estocagem aumentaram duas vezes e meia entre 1752 e 1771. A população elevou-se de 5.000, em 1700, para 34.000, em 1773. Em 1770, Liverpool já se tinha tornado uma cidade muito famosa no mundo comercial para que Arthur Young passasse por ela em suas viagens pela Inglaterra. (pp. 69-70).

Marx destaca “Liverpool teve um crescimento considerável graças ao tráfico de escravos. Esse foi o seu método de acumulação primitiva, e até hoje a “respeitabilidade” de Liverpool é o Píndaro do tráfico de escravos.29

O desenvolvimento de Liverpool impulsionou o desenvolvimento da manufatura têxtil em Manchester. A manufatura havia crescido em ritmo acelerado e, demonstrado em pouco, uma grande importância: “Manchester em 1788 [em um ano apenas!] forneceu ao comércio com as índias Ocidentais mais de 300.000 libras, durante o ano todo, em manufaturas, o que propiciou emprego a muitos milhares de pessoas.”30

O desenvolvimento de uma classe capitalista em Manchester foi um fator fundamental na imensa quebra de braços entre defensores do monopólio e os defensores do livre comércio e, posteriormente, a vitória do livre comércio.

Em primeiro, o monopólio havia se tornado um problema para os interesses dos proprietários americanos, que podiam vender seus produtos apenas ao Império Britânico, o resultado do conflito de interesses entre os proprietários norte americanos com o monopólio inglês foi a Revolução Americana (1776), garantindo a independência dos EUA. Foi a primeira vitória decisiva do livre comércio. 

Em segundo, o sistema monopolista representava uma série de obstáculos aos interesses dos industriais de Manchester que, obrigados a comprar produtos das colônias inglesas a preço de monopólio, conformam uma sólida oposição ao monopólio no parlamento reformado. Os industriais precisavam comprar algodão o mais barato possível para abaixar o preço de seus produtos e abaixar o máximo preço de alimentos, para assim abaixar o salário dos trabalhadores,31 mas sem concorrência, os proprietários coloniais mantinham preços altos. Para além disso, os industriais não podiam tirar nenhuma vantagem do monopólio na venda: as colônias inglesas não pagavam mais caro pelos produtos.32 O sistema monopolista não representava nenhuma vantagem para os industriais, apenas desvantagens, era necessário, portanto, pôr abaixo esse modelo econômico antiquado e, com ele, seu maior sustentáculo: a escravidão. 

Quanto mais se desenvolvia a indústria e o mercado mundial, mais o sistema monopolista se apresentava como um empecilho. É sob a base dessa contradição que se constituirá as lutas políticas que resultarão na dissolução da escravidão. Seja no parlamento inglês reformado, na letra do jornal abolicionista ou nas resistências escravas, foi a luta de classes que, no terreno desta contradição econômica, pôs abaixo a escravidão.

Observando as contradições que levam à dissolução do escravismo, muitos autores defendem a ideia que ou não há, ou que é muito incipiente, a luta de classes travada pelos escravos. Meillassoux, ainda influenciado por concepções estruturalistas althusserianas, chega mesmo a afirmar que não há luta de classes no escravismo.

Essa concepção de que as contradições de um modo de produção levarão, por si próprias, à dissolução de uma sociedade não é exclusiva para o escravismo. A tese da crise terminal do capitalismo, por exemplo, e a concepção economicista de que as contradições do capital se elevariam a tal ponto que o modo de produção capitalista ruiria por si só foi demonstrada como um equívoco histórico. 

As contradições de um modo de produção compõem um terreno necessário sob o qual os indivíduos atuam: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Mas sem os sujeitos, não há transformação histórica: “A história de toda sociedade até hoje existente tem sido a história da luta de classes”.

Onde há classes, há luta de classes, e a razão é simples: todo modo de produção baseado na distinção de classes constringe a reprodução natural, pois se baseia no alheamento da classe oprimida em desfrutar plenamente o produto social. 

As Guerras Servis na sociedade romana, especialmente a terceira, liderada por Espártaco, são exemplos de grandes levantes escravos ainda no mundo antigo. Mas mesmo o maior dos levantes não poderia ser bem sucedido se tivesse a perspectiva apenas da resistência, o que reduziria a luta apenas a um desgaste do sistema vigente.

O que há de específico nas lutas dos escravos é que, via de regra, é uma luta de resistência, de mera negação do sistema vigente. Num primeiro momento, a condição escrava não permite a proposição de uma superação positiva da sociedade escravagista. Devemos resistir ao escravismo, e até derrubá-lo, mas para pôr o que em seu lugar? Ter uma alternativa positiva é um fator de ânimo fundamental. A dificuldade de elevar a consciência em si numa consciência para si, no caso dos escravos, resultou, via de regra, em lutas dispersas. 

Quando CLR James escreve, em Jacobinos Negros: “Os líderes das revoluções foram geralmente aqueles que tiveram a capacidade de lucrar com o benefício da cultura do sistema que combatiam, e a revolução em São Domingos não foi uma exceção a essa regra33, ele não revela apenas um traço da formação pessoal de Toussaint Louverture, ou da formação pessoal de qualquer dirigente. Mais do que sobre as capacidades pessoais da direção, trata-se da capacidade de propor uma superação positiva da sociedade da qual combatem.

A superação [Aufhebung] exige não apenas a negação pura e simples, mas também a conservação. Esse foi um fator fundamental do sucesso da Revolução Haitiana. Os negros do Haiti não lutaram apenas para derrubar a escravidão, não era apenas a negação do sistema vigente, eles conservaram o que havia de mais avançado no sistema que combatiam, lutaram pela instauração de uma república liberal que, livre da escravidão, seria politicamente mais avançada que a metrópole, promovendo uma superação.

A Revolução Haitiana foi o único levante escravo da modernidade, talvez da história, bem sucedido. Não porque foi o mais organizado, não porque foi o que mais ganhou as massas, e não que esses fatores (o nível de organização e carácter de massas) não tenham sido importantes, mas o que garantiu a vitória dos negros haitianos foi saber o que estavam construindo para por lugar ao sistema podre do escravismo. 

Tornou-se lugar comum da direita brasileira invalidar a luta de Zumbi dos Palmares por ele ter sido, supostamente, dono de escravos. Isso foi propagado pelo patético livro “Guia do Politicamente Incorreto”. Apoiado na ideia de que Zumbi teria sido sobrinho do Ganga Zumba da época, que por sua vez era neto de Aqualtune, princesa do Kongo escravizada no Brasil. Não há nenhuma fonte histórica que comprove essa genealogia, mas vamos compreender o que de fato foram os quilombos para esclarecer a expressão mais comum da resistência negra ao longo dos séculos XVI a XVIII.

Os quilombos que se alastraram pela América escravista tiveram origem nas sociedades da África Centro-Ocidental, especialmente dos Imbangalas. Os imbangalas compunham um tipo de sociedade daquelas que Meillassoux chamou de companhia militar, que se formavam a partir da prática das razias, incursões de saque e captura de escravos. 

Com uma economia baseada nas razias, os imbangalas desenvolveram o Kilombo como um grande acampamento militar de apoio à essas incursões:

De acordo com os registros de Andrew Battell, viajante inglês que passou cerca de 16 meses com os Imbangala, entre 1601 e 1602, os Kilombos eram acampamentos provisórios e fortificados, de formato circular, circundados por troncos, com portões em posições estratégicas, e no seu interior, ficavam as moradias dos integrantes, sendo a do chefe situada ao centro do acampamento. Os Kilombos serviam de ponto de parada e proteção para os grupos guerreiros durante suas constantes migrações, os quais ficavam sempre de prontidão para qualquer necessidade de contra-ataque. (SOUZA, 2022, pp. 247-8).

Essas razias abasteciam o tráfico transatlântico de escravos e, com exceção dos imbangalas do Sul do Rio Kwanza e da Rainha Nzinga que depois, e só depois, se opôs aos portugueses, os Imbangalas tiveram fortes alianças com os portugueses no século XVII.34

Com o tráfico transatlântico, a instituição que foi estruturada para a caça de escravos na África, passa a ser uma estrutura militar de resistência à escravidão nas Américas. Mas ao certo os quilombos da África Centro-Ocidental não eram a mesma coisa que os quilombos no continente americano.

Como acampamento de uma companhia militar de saques, o Kilombo estava submetido às rígidas leis da yijila, que proibiam as relações sexuais e previam canibalismo para com os guerreiros medrosos. Essas leis tinham sentido para aquela organização social, os imbangalas, como companhia militar, eram a negação de uma sociedade gentílica, a proibição de relações sexuais era a negação da formação de parentesco e gens; já o canibalismo para com os medrosos era a forma de manter a disciplina de guerra em uma sociedade em constante combate.

Essas leis não cabiam aos quilombos na América, primeiro porque a próprio tráfico transatlântico, reunindo negros de grupos étnicos diferentes, já havia esfacelado as relações gentílicas e de parentesco. Segundo porque todos os membros eram úteis na tarefa de resistência.

Os quilombos americanos eram instituições de defesa, o oposto de sua função original. Eles possuíam uma função ofensiva apenas quando, em poucos casos, praticavam ataques aos engenhos. 

Se havia algum tipo de escravidão doméstica nos quilombos, isto não passa de especulação, mas também não é possível descartar totalmente essa possibilidade. É necessário compreender que os homens fazem história com as ferramentas que possuem, e os escravizados fariam seu modelo de resistência com base nas sociedades que conheciam. Essas eram as ferramentas que os escravizados conheciam até a Revolução Haitiana, o que não diminui o papel dos quilombos dos séculos XVI ao XVIII.

No final do século XVIII e XIX, o desenvolvimento do capitalismo produziu o que chamamos de movimento abolicionista, isto é, uma parcela livre da sociedade, em especial brancos, que defendiam em primeiro a abolição do tráfico negreiro, e em segundo a abolição em si da escravidão. 

Na Grã Bretanha devemos destacar o nome de William Wilberforce, parlamentar ao modelo ‘tribuno do povo’, graças a campanha que encabeçou contra o tráfico de escravos, foi conquistado o ato contra o comércio de escravos em 1807, abolindo o comércio de escravos nas terras britânicas. Nos EUA, Harriet Tubman, líder Underground Railroad (uma impressionante rede de rotas secretas para a fuga de escravos), Frederick Douglass, William Lloyd Garrison e entre outros.

Apesar da existência de abolicionistas negros como os americanos Harriet Tubman e Frederick Douglass, e ainda o brasileiro Luís Gama, o movimento abolicionista foi majoritariamente branco. Isto gerou leituras sectárias do movimento negro contemporâneo, que tende a desprezar a importância do movimento abolicionista ou não compreendê-lo como luta de classes, dado que não foi encabeçado pelos próprios escravos, mas isso é um erro. 

O movimento abolicionista é a expressão da luta de classes entre os mercantes e monopolistas coloniais contra a burguesia que surgia e os pequenos comerciantes e classes médias. O desenvolvimento do capitalismo produziu o movimento abolicionista como expressão da luta de classes entre a antiga classe dirigente e a nova classe dirigente, e foi expressão do grande progresso do capitalismo no período em que a burguesia ainda era uma classe revolucionária.

O abolicionismo inglês e norte americano é produto do desenvolvimento industrial e político que experimentaram com a Revolução Americana e o desenvolvimento industrial. No Brasil, o abolicionismo foi mais a expressão da decadência colonial que do desenvolvimento do capitalismo, a maior expressão disso é Joaquim Nabuco, filho da decadência da economia da cana e dos engenhos. Esses órfãos de uma aristocracia falida, quando ilustrados, formaram uma camada importante do movimento abolicionista.

Não custa lembrar que o abolicionismo vem ao Brasil como irmão do movimento romântico e, portanto, esteve interligado sempre ao debate de projeto de nação brasileira. Na Revista Nitheroy, marco do romantismo brasileiro lançada em 1836 — onde o romântico Gonçalves de Magalhães escreve seu importante Ensaio Sobre a História da Literatura do Brasil — Francisco de Sales Torres Homem, importante político e abolicionista, lança dois textos de fôlego para o debate público: Considerações Economicas sobre a Escravatura  e Reflexões Sobre o Crédito Público

Movimento abolicionista e romantismo foram, como irmãos no século XIX, as bases da discussão de projeto de nação no Brasil. É por isso que enquanto o movimento negro contemporâneo tende a menosprezar a importância do abolicionismo, os conservadores tendem a exagerar e a glorificar as figuras de Dom Pedro II e a Princesa Isabel no processo da abolição. 

Importantes políticos liberais do século XIX estavam sobre as nuvens de influência do abolicionismo romântico, mas a combinação do sentimentalismo humanista com o cálculo frio do lucro não poderia tornar essas nuvens numa tempestade real. Foi necessário a luta de classes travada pelos próprios escravizados, e pelos negros libertos, para derrubar de uma vez a carcaça carcomida do escravismo e dar energia ao discurso abolicionista. 

O século XIX, portanto, presenciou uma convergência dos interesses de uma pequeno burguesia urbana brasileira, o imperialismo britânico e a classe escrava, convergência de interesses pela abolição, e isso constituiu uma quebra de braço com a aristocracia rural brasileira, os senhores de engenho. Dom Pedro II e Princesa Isabel foram, nesta quebra de braços, apenas os representantes de quem se sobreporia, se a correlação de forças fosse mais favorável aos senhores de engenho, não seria assinada a Lei Áurea. 

Ao longo do séc XIX, século que viria a abolição, o Brasil foi marcado por diversas revoltas escravas. Para além das já bastante conhecidas Revolta dos Malês (1835) na Bahia, Cabanagem (1835-40) no Grão-Pará, Balaiada (1838-41) no Maranhão e a Greve dos Jangadeiros (1881) liderada por Dragão do Mar no Ceará, há uma série de revoltas menos conhecidas.

Nas duas primeiras décadas, antes da proclamação da independência em 1822, as capitanias de Pernambuco e da Bahia eram o centro dessas revoltas. Na Bahia, a etnia haussá, etnia islamizada, foi responsável por alguns dos principais eventos: organizaram em 1807 uma revolta em Salvador e no Recôncavo para o dia de Corpus Christi, em 1809 fogem em massa de Salvador e de Nazaré das Farinhas, em 1814, sob direção de João Malomi e Francisco Cidade,35 saem de Itapuã em direção ao Recôncavo incendiando mais de 100 engenhos e, em 1816, ateiam fogo em fazendas de cana nos Engenhos Santo Amaro e São Francisco do Conde. 

Em Pernambuco, o clima revolucionário que desencadearia na Revolução Pernambucana de 1817, também agitava a escravaria e, sob a liderança do preto forro36 Domingos do Carmo, tido como rei dos congos e de todas as nações dos gentios de Guiné, organizaram uma revolta de escravos urbanos e libertos nos bairros centrais de Recife, onde concentravam-se cerca de 15 mil negros.

Após a Independência do Brasil, a poeira não baixou na luta pela libertação, dos 30 anos que atravessam a independência e vão até a primeira lei abolicionista, a Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, proibindo o tráfico transatlântico de escravos para terras brasileiras, são anos em que as revoltas em Pernambuco e Bahia não param, mas que também aparecem revoltas mais expressivas em outras regiões.

Em Novembro de 1826 é assinada a Convenção entre Brasil e Grã-Bretanha que visava a abolição do tráfico de escravos em três anos. Em Dezembro do mesmo ano ocorreram os ousados ataques à capital Salvador, realizados na Revolta do Quilombo do Urubu, liderada pela rainha nagô Zeferina. Mesmo que muito importante para a abolição da escravatura, a pressão do Imperialismo Britânico não resolveria a emancipação sem as revoltas dos escravos, basta observar que os 3 anos da Convenção se transformaram em mais de 20 anos. 

As lutas escravas se alastraram. Com o desenvolvimento da economia do café, as revoltas tiveram palco em São Paulo, Sul de Minas e Rio de Janeiro e outros: em 1832, campinas foi palco de uma conspiração, escravos de 15 Engenhos de Açúcar nas margens do Rio Atibaia, liderados por Diogo Rebolo e com a participação de um liberto em São Paulo, João Barbeiro, organizaram um plano para tornarem-se livres.37 

Em 1833, foi a vez de Minas Gerais, quando na Revolta das Carrancas, escravos da família Junqueira mataram diversos membros da família em 3 fazendas do Sul de Minas. A repercussão da revolta liderada por Ventura Mina foi grande, dada a importância da família Junqueira e da morte do deputado Gabriel Francisco Junqueira. 

A segunda metade da década de 30 e início da década de 40 presenciou grandes revoltas: Revolta dos Malês, Cabanagem e Balaiada. Essas dispensam apresentações.

Em 1846, a revolta liderada pelo líder carismático Agostinho José Pereira, o Divino Mestre, o negro luterano que com uma bíblia grifada em todas as passagens sobre liberdade e fim da escravidão, reunia em Recife mais de 300 discípulos, os quais ele alfabetizava. O pregador dos mercados de escravos, que defendia um Deus moreno e a liberdade dos escravos, foi preso com um poema, conhecido como ABC do Divino Mestre, onde falava não apenas de uma combinação cristã abolicionista, mas também da tão temida Revolução Haitiana. Sua prisão com 14 discípulos foi um escândalo.

“Oh! grande é [a] cegueira
Desta gente Brasileira
Não olha para o Haiti
E para a América Inglesa

São tão certas as experiências
Que nos dá a entender
Que dos morenos|Foi que Cristo quis nascer”38

Em 1848, o Vale do Paraíba conheceu ainda uma série de conspirações negras e, em 1849 o Espírito Santo presenciou uma revolta de mais de 300 escravizados contra o missionário que não cumpriu uma promessa de liberdade, Gregório José Maria de Bene.

Até a fatídica lei Eusébio de Queiroz, os negros combateram em todo o Brasil por sua emancipação. Não foram simplesmente as contradições econômicas e a pressão do capitalismo inglês, mas uma grande luta de classes entre escravos e senhores de engenho.

Nos anos seguintes à Lei de proibição do tráfico, o Império decretava o primeiro censo, o resultado foi o Levante dos Marimbondos, trabalhadores negros livres temiam que com o fim do tráfico negreiro, o censo fosse utilizado para mapeá-los e escravizá-los para repor a demanda gerada pela proibição do tráfico. O levante explode primeiro em Paudalho (PE), se expande para outros municípios em Pernambuco com insurretos desarmando oficiais e cercando vilas, o pânico tomou importantes cidades açucareiras como Nazaré da Mata, Limoeiro, Garanhuns e Jaboatão, e ainda alcançou outras províncias: Paraíba, Ceará, Alagoas, Sergipe e Minas Gerais.39

Até a abolição propriamente dita, prevaleceu o medo dos livres e a insatisfação dos escravizados. As revoltas continuaram lei após lei, do Ventre Livre (1871) à Lei dos Sexagenários (1885), os negros revoltavam-se de Norte a Sul: Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul.

Mas deve-se observar o caso particular do Ceará, que aboliu a escravidão 4 anos antes do resto do Brasil. Em 1883, quando Sátiro Dias, então chefe de Estado do Ceará, decreta a abolição na Província, o faz sob o contexto de pressão de negociação com jangadeiros grevistas: em 1881 os jangadeiros do Porto de Fortaleza, liderados por João Luís Napoleão e Francisco José do Nascimento, o famoso Dragão do Mar, se recusam a embarcar qualquer escravizado. 

O Ceará tem uma ocupação tardia, justamente por conta do baixo interesse colonial em terras tão afetadas pelas secas. Sem expressão da cultura da cana, desenvolveu-se a pecuária bovina para a produção de couro e charque, até que no final do século XVII desenvolve-se  a cultura do algodão. Com a Revolução Americana (1776), o algodão americano, que era a matéria prima das famosas indústrias têxteis inglesas, foi estancado, mas a indústria inglesa continuava demandando algodão. Neste cenário, o Ceará, que tinha condições climáticas favoráveis para esta cultura, se tornou um importante fornecedor de algodão e o Brasil se tornou o segundo maior fornecedor de algodão para Liverpool,40 com status de produto de melhor qualidade frente aos concorrentes.41

Mas a economia do algodão no Ceará sofreu um duro golpe. Concomitante à Longa Depressão que abatia a economia mundial na década de 1870, o Ceará sofreu a seca mais devastadora da história do Brasil em 1877-79. A seca provocou a morte de mais de 400 mil pessoas, somando-se a morte, os sobreviventes migraram em massa para a região Norte e para Fortaleza, provocando um despovoamento no interior cearense. 

Alguns interpretam, portanto, que a abolição no Ceará, que aconteceu apenas 4 anos após a grande seca, se deu apenas pela falta de sentido economico que a escravidão havia adquirido numa região despovoada. Sem dúvidas este é um fator decisivo para o adiantamento da abolição no Ceará, entretanto é imprudente esquecer que a abolição só foi decretada diante da negociação com os jangadeiros que impunham, através da luta de classes, uma vitória contra uma elite moribunda. 

Assim como no Ceará, a luta de classes foi o fator determinante para a abolição no Brasil e em todo o mundo. As sociedades cimarronas na América Espanhola, a Guerra Civil Americana entre outros. Após a abolição no Ceará, o Brasil ainda presenciou levantes negros em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul, levantes cruciais que, ao longo dos 3 anos que antecederam 1888, crumpriram um papel importante para o fim da escravidão.

A pressão do imperialismo inglês foi, sem dúvidas, um fator crucial, mas sozinho não traria a queda do escravismo. Por trás da pena da Princesa Isabel houve o sangue de todos os revoltosos, estes que deram significado real à abolição, e é por isso que o 13 de Maio não pode ser esquecido, não por conta da Princesa Isabel, mas porque foram as revoltas que conquistaram a abolição.

  1.  Após expor as hipocrisias comuns no cotidiano da sociedade portuguesa em “Dinheiro! Dinheiro!”, Camilo Castelo Branco assim encerra o conto. ↩︎
  2.  Sobreproduto e excedente não se equivalem. Sobreproduto refere-se a qualquer montante a mais na produção, mesmo que pequeno; excedente refere-se a um sobreproduto global que permita alterações na organização da produção, pois supera as necessidades dos improdutivos e dos contratempos naturais. ↩︎
  3.  ver Marx. Formas que Precedem a Produção Capitalista. in: Grundrisse, pp. 388-423; e Rosa Luxemburgo. Introdução  ↩︎
  4.  Neste estágio, a escravidão é apenas uma forma de exploração do trabalho, mas não constitui um modo de produção. ↩︎
  5.  Os parâmetros de diferença de consumo individual entre crianças e adultos não é aleatório, mas convergente com a estimativa feita por Claude Meillassoux e pelos parâmetros modernos de consumo infantil. ↩︎
  6.  (ENGELS, 2012, p.75). ↩︎
  7.  É possível dizer que foi a escravidão promoveu uma reorganização das relações sociais, mas também que a reorganização das relações sociais foi fundamental para o surgimento da escravidão, pois não são estágios diferentes, mas momentos de um mesmo processo, momentos que se interagem dialeticamente.  ↩︎
  8.  “Os traços essenciais são a incorporação dos escravos e do domínio paterno; por isso, a família romana é o tipo perfeito dessa forma de família. Em sua origem, a palavra família não significa o ideal – mistura de sentimentalismo e dissensões domésticas – do filisteu de nossa época; de princípio, entre os romanos, não se aplicava sequer ao par de cônjuges e aos seus filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico e família é o conjunto dos escravos pertencentes a um mesmo homem.” (ENGELS, 2012, p.78) ↩︎
  9.  (ENGELS, 2012, pp.73-4). ↩︎
  10.  (MAZOYER & ROUDART, 2010, p.284). ↩︎
  11.  (PATTERSON, 2008, p. 484). ↩︎
  12.  (HARPER, ,p.59). ↩︎
  13.  Antes de passar à origem da escravidão moderna, caberia ainda uma crítica.  ↩︎
  14.  Para compreender o papel desempenhado por essas inovações, ver MAZOYER & ROUDART. ↩︎
  15.  O fato é narrado por Gomes Eanes de Zurara, em 1453, na Crônica do Descobrimento e Conquista da Guiné. ↩︎
  16.  “Kawar, a quinze dias de marcha de Zawila, tinha uma população muçulmana de várias procedências, de maioria berbere, que fazia o tráfico dos Sudan [negros] (in Cuoq, 1975; 48-49 [Joseph Cuoq. Recueil des sources arabes concernant l’Afrique occidentale du VIIIe au XVIe siècle]) Esse tráfico, aparentemente já bem organizado, tinha seu centro em Zawila, segundo os autores da época, <<nas fronteiras do Maghreb…É uma cidade de porte médio, que tem um grande distrito limítrofe do território do Sudão>>, de onde vinham os escravos <<vendidos nas terras do islã(…) São de uma raça de cor negra muito pura>> (al-Istakhri, ano 951, in Cuoq, 1975; 65)” (MEILLASSOUX, 1995, p.36). ↩︎
  17.  (PATTERSON, 2008, p. 484). ↩︎
  18.  (PIRRENE, 2010, pp. 243-4). ↩︎
  19.  “O jonya (do termo mande jon, que significa cativo) era difundido principalmente no Sudão ocidental, assim como na região do Níger e do Chade. Um jon (jaam em wolof, maccuba em fulfude, bayi em haussa) era um escravo ligado a uma linhagem. Não era cedível e possuía a maior parte do que produzia. Nas sociedades em que reinava esse sistema, ele pertencia a uma categoria sociopolítica integrada à classe dominante; era então cidadão exclusivo do Estado e pertencia a seu aparelho político. Enquanto sistema e categoria social, o jonya desempenhou um papel considerável e original nos Estados e impérios de Gana, Takrūr, Mali, Kanem­‑Borno, Ashanti, Iorubá e de Monomotapa (Mwene Mutapa). A elite dos escravos reais (os jon tigi mande, os farba dos jaami buur, de Takrūr, e os sarkin bayi, dos haussas) pertenciam à classe dominante do Estado e da sociedade. Ela exercia certo poder, abarcava fortunas, além de poder, ela mesma, possuir escravos como os jombiri jon mande e escravos cativos de Daomé.” (DIAGNE. 2010. p.28). ↩︎
  20.  (PATTERSON, 2008, pp. 484-6). ↩︎
  21.  ver Genocídio Velado: Investigação Histórica sobre o Tráfico Negreiro Árabo-Mulçumano↩︎
  22.  Renée Doehaerd contrapõe a tese de Pirenne apontando o domínio da marinha bizantina na parte oriental do Mediterrâneo, e outros autores apontam que num geral não houve retrocesso do comércio, mas se houve algum comércio na parte oriental do Mediterrâneo, isso não alterou o movimento geral de retração do comércio. A estes cabem as palavras do próprio Pirenne: “Que importa que ainda se tenha podido cunhar, no século IX, algumas peças de ouro? O que conta não é saber se te­mos nos textos algumas menções ao comércio e à troca. Comér­cio e troca existiram em todas as épocas. O que está em questão é sua importância e sua natureza. Para avaliar um movimento econômico é necessário constatar fatos em massa, e não fatos isolados, raridades e singularidades. A presença de um vendedor ambulante ou de um barqueiro disperso não prova a existência de uma economia de troca. Se percebemos que na época carolíngia a moedagem do ouro desapareceu, que o empréstimo a juros está proibido, que não existe mais uma classe de mercado­res de profissão, que a importação de produtos orientais (papi­ro, especiarias, seda) cessou, que a circulação monetária está re­duzida ao mínimo, que o saber ler e escrever desapareceu entre os leigos, que não se encontra mais recolhimento organizado de impostos e que as cidades não são mais do que fortalezas, pode­mos concluir sem temor que nos encontramos na presença de uma civilização que retroagiu a um estágio puramente agrícola, que não tem mais necessidade de comercio, de crédito e de tro­cas regulares para manter o corpo social.↩︎
  23.  “O aumento populacional [nos séculos anteriores] tinha implicado a derrubada de grandes extensões florestais, já que a madeira era o principal combustível e material de construção: em 1300 as florestas da França cobriam 1 milhão de hectares a menos que hoje (57: 80). Dessa forma comprometia-se o equilíbrio ecológico, provocando mudanças no regime pluvial e portanto no clima, elemento fundamental para uma sociedade agrária como aquela. Isso ajuda a explicar as chuvas torrenciais que em 1315-1317 atingiram a maior parte da Europa ao norte dos Alpes, exatamente nos locais de grande devastação florestal. O clássico estudo de Henry Lucas (22:1930, 343-377) mostra que as chuvas constantes e a queda de temperatura prejudicavam as vinhas, a produção do sal que se dava por evaporação, e sobretudo a produção dos cereais, cujos grãos não cresciam nem amadureciam.” (FRANCO Jr. . p. ). ↩︎
  24.  O debate entre Maurice Dobb e Paul Sweezy, publicado sob o título “A Transição do Feudalismo para o Capitalismo”, ajuda a pensar o papel que esses fatores tiveram nesse processo. ↩︎
  25.  Ver Capitalismo e Escravidão, pp. 12-24. ↩︎
  26.  (MEILLASSOUX, 1995, p. 59). ↩︎
  27.  (MARX, 2017, pp. 272-3). ↩︎
  28.  (PIRRENE, 2010, p.153). ↩︎
  29.  (MARX, 2013, p. 829).  ↩︎
  30.  (WILLIAMS, 1975, p.77). ↩︎
  31.  “Os capitalistas, ansiosos por baixar os salários, defendiam a política do the free breakfast table [mesa grátis de café da manhã]. Era injustiça e tolice impor tarifas protecionistas a alimentos” (WILLIAMS, p. 155). ↩︎
  32.  “Se Manchester ainda prosperava com ‘camisas para pretos’, as Índias Ocidentais Britânicas não tinham o monopólio de negros, e as maiores populações escravas dos Estados Unidos e Brasil ofereciam mercados atraentes. O plantador das Índias Ocidentais não pagavam um níquel a mais do que seu competidor brasileiro pelos tecidos de algodão. De que adiantava, então, perguntava Manchester com indignação, o sistema do monopólio para o industrial Britânico?” (WILLIAMS, 1975, pp.148-9) ↩︎
  33.  (JAMES, 2010, p. 33). ↩︎
  34.  “De modo geral, os Imbangala dessas localidades [Norte do Rio Kwanza] firmaram fortes alianças com os portugueses, sobretudo na cooperação do tráfico transatlântico de escravizados, a partir de 1610.” (SOUZA, 2022, pp. 352). Os do Sul também buscaram essas alianças a partir de 1670  (SOUZA, 2022, pp. 354). ↩︎
  35.  “João Malomi encabeçou o movimento a partir de sua base num quilombo situado nas bordas de Salvador, mais especificamente nas matas do Sangradouro, no atual bairro de Matatu de Brotas, hoje plenamente integrado ao tecido urbano. Na cidade, seu principal agente seria um escravo que atendia pelo nome de Francisco Cidade, sobre quem são mais amiudadas as informações do Acórdão.” (REIS, 2014, p. 84). ↩︎
  36.  isto é, negro alforriado. ↩︎
  37. ↩︎
  38.  Versos do ABC do Divino Mestre. ver Marcus de Carvalho. “Fácil é serem Sujeitos, De quem já foram Senhores”: O ABC do Divino Mestre↩︎
  39.  ver Guilhermo de Jesus Palacios y Olivares. Revoltas Camponesas no Brasil Escravista: a ‘Guerra dos Marimbondos’ (Pernambuco, 1851-1852). ↩︎
  40.   “Para os importadores de Liverpool durante 1785-1800, o Brasil foi a segunda fonte mais importante de fornecimento de algodão […] Liverpool importou 3,2 milhões de libras de algodão brasileiro na década de 1780 e 39,7 milhões de libras na década de 1790” [“For Liverpool importers during 1785-1800, Brazil was the second most important cotton supply source […] Liverpool imported 3.2 million lbs. of Brazilian cotton in the 1780s and 39.7 million lbs. in the 1790s”] (KRICHTAL, 2013, p. 21). ↩︎
  41.  (WILLIAMS, ,p. 79). ↩︎

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