Xi Jinping e o futuro da China – Parte 2

No momento, a classe capitalista chinesa, em sua totalidade, está feliz em cooperar com o status quo. Eles não enxergam nenhuma alternativa e estão com medo de levantar a tampa da panela de pressão da ira da classe trabalhadora, o que os faz buscar a estabilidade a todo custo.

A remoção de Bo Xilai, que não representava uma ameaça socialista, e sim uma política imprudente, demonstra suficientemente seu medo de que surjam quaisquer divisões e qualquer legitimação de uma alternativa esquerdista. Mas, como sugerem estes números, o capitalismo não pode oferecer estabilidade para sempre. Se irromper uma crise econômica e uma onda de inadimplências inundar todo o sistema, engolindo as finanças estatais, o que acontecerá então?

Não obstante, a retomada da luta de classe é suscetível de gerar (o que não deve demorar) uma crise de tal envergadura que também exporá todas as divisões entre a classe dominante chinesa e o estado. Os que estão salivando diante da perspectiva de romper o monopólio dos SOEs tentarão aproveitar a oportunidade.

Em Wenzhou, o governo já está fazendo experiências com a liberalização do sistema bancário. The Financial Times informou que, “A China dará aos investidores externos maior acesso a sua bolsa e mercados financeiros como parte de um cauteloso empurrão reformista para abrir seu sistema financeiro ao mundo.

“Guo Shuqing, o regulador de títulos, disse que a China aumentaria as cotas que são alocadas às instituições financeiras externas para investimento em seus cuidadosamente guardados mercados de capitais.

“Com o dominante Partido Comunista se reunindo em Pequim nesta semana para um congresso no qual eles nomearão a liderança do país para a próxima década, o Sr. Guo assinalou que o governo queria acelerar a abertura do sistema financeiro do país”.

Já o departamento de Li Keqiang, como anteriormente mencionado, publicou um informe conjunto com o Banco Mundial que concluiu que os bancos e outros monopólios devem ser rompidos. Se estes monopólios, que são basicamente empresas subsidiadas pelo estado, têm o apoio estatal retirado, muitos deles abririam falência. Dessa forma, a situação é análoga à crise na economia britânica nos anos 1970, quando o keynesianismo terminou sua carreira. As empresas estatais não lucrativas foram privatizadas, outras tiveram os subsídios estatais retirados. O resultado foi despedimentos massivos, piora nos termos e condições trabalhistas e crua especulação de cujas consequências a classe trabalhadora britânica ainda está sofrendo.

Os liberais presunçosos que, em seus jornais, como The Economist e The Guardian, apontam para o rompimento destes monopólios como o anúncio de uma gloriosa era democrática na China, estão iludidos. Ainda que, diante da crise econômica e de uma vaga de greves, um setor da liderança chinesa possa posar de reformadores democráticos na esperança de desviar a ira (fala-se frequentemente da reforma democrática como necessária, tanto pelos políticos chineses quanto pelos intelectuais liberais, porque pode ajudar a afastar a revolução), isto não deixa de ser um biombo para a privatização em larga escala. Tal política não é nenhuma solução para os problemas da classe trabalhadora chinesa. Aumentaria o desemprego, a desigualdade e aceleraria o desenvolvimento do capitalismo. As únicas pessoas a se beneficiarem realmente seriam os burocratas no topo dos SOEs. Como marxistas, somos absolutamente contrários à privatização em todas as suas formas, mesmo quando encoberta pela máscara de “reforma democrática”.

É completamente falso, como asseguram os liberais, que a corrupção se deve ao caráter de propriedade estatal de grande parte da economia chinesa. Como explicado anteriormente, a corrupção representa a corrosão capitalista do velho aparato estatal. Muita da ira do povo chinês está corretamente dirigida à corrupção gerada pela privatização. Empresas são liquidadas a preços mínimos para os amiguinhos do topo burocrático, que logo se tornam capitalistas. A privatização envolve e encoraja a corrupção; não é sua solução.

A fermentação da crise econômica ameaça transformar a luta de classe latente na China em toda uma explosão. A desaceleração econômica levou recentemente a um aumento das dívidas entre as empresas. Outra expressão da escassez de dinheiro é o aumento súbito do atraso nos salários, de acordo com China Labour Bulletin [Boletim do Trabalho da China]. Isto levou ao aumento imediato da atividade grevista e dos protestos dos trabalhadores, que em outubro alcançou seu nível mais elevado em quase dois anos.

Houve uma explosão de greves igualmente em setembro, particularmente no setor de serviços. A famigerada Foxconn, que emprega incrivelmente um milhão de trabalhadores, tem sido particularmente propensa às greves e parece representar a vanguarda da luta de classe na China. Foxconn é uma reminiscência da legendária Usina Putilov de Petrogrado. A produção de iPhones foi detida cinco vezes devido às greves durante 14 dias em outubro. Apple, cuja margem de lucro está em torno de 30%, comparados aos 1,5% de Foxconn, é bem conhecida por colocar extremas exigências sobre Foxconn, que, por sua vez, coloca pressão insuportável sobre seus trabalhadores para que esta tênue margem de lucro seja mantida.

“Todo trabalho é interligado no tempo, há metas de quantas coisas devem ser produzidas em uma hora”, disse Xie Xiaogang, de 22 anos de idade, que trabalhou na planta de Foxconn em Shenzhen e que foi transferido para Tayyuan em junho deste ano. “Não há muito tempo para relaxar. Neste ambiente, muitas pessoas não podem fazê-lo” (citado de Bloomberg).

Tão intensa é a pressão que as revoltas são ocorrências frequentes. A mais recente teve lugar na fábrica da Foxconn em Tayyuan, na província de Shanxi. Esta fábrica emprega 79 mil pessoas e a revolta envolveu algo entre dois mil e 10 mil trabalhadores. A causa imediata da revolta parece ter sido a progressiva brutalidade do staff da segurança, que aparentemente golpeou uma trabalhadora. Em outro incidente, quatro ou cinco guardas quase mataram um trabalhador a golpes. Esta brutalidade é uma característica geral de Foxconn e é resultado direto da igualmente brutal perseguição ao lucro. Tão intensa é a pressão que esta fábrica sozinha perde entre 400 a 500 trabalhadores ao dia. Alguns deles, como já largamente informado, deixam a empresa cometendo suicídio.

“E alguns trabalhadores de outras plantas de Foxconn em Henan, Shandong e Shenzhen enviaram cartas agradecendo aos trabalhadores de Tayyuan por sua coragem em começar uma revolta… os trabalhadores não pretendiam instigar uma revolta, mas não tinham outro meio para protestar contra a injustiça. Quando pediram a abertura de um canal de comunicação para se queixarem dos abusos dos guardas da segurança, por exemplo, disseram-lhes que suas queixas não seriam acolhidas… Embora vários trabalhadores tenham colocado a demanda de ativação de seu próprio e mais representativo sindicato, não conseguiram ganhar o apoio dos sindicatos locais oficiais” (China Labour Bulletin).

Este é só um exemplo do extremismo das contradições de classe na China e ajuda a explicar porque a classe dominante chinesa não pode tolerar qualquer genuína reforma democrática, particularmente a concessão de uma verdadeira liberdade sindical.

Outubro também testemunhou uma greve vitoriosa em Xinfei Electronics Co., na Província de Henan. Durante uma consulta pública a respeito das revisões da Lei de Contrato de Trabalho, 500 mil pessoas colocaram sugestões, forçando o adiamento do projeto desta lei. Não há dúvida de que esta inundação de sugestões refletiu o incendiário desejo de genuínos direitos trabalhistas. São estas as tensões de classe que ameaçam explodir e que Xi Jinping estará encarregado de manter sob controle a todo custo.

Mais uma evidência do aquecimento da luta de classe é o famoso cerco de Wukan, de setembro a dezembro do ano passado. Fortes protestos de vários milhares de pessoas irromperam nesta pequena cidade de cerca de 15 mil habitantes do sul da China, unindo força e militância depois de a polícia ter cruelmente ludibriado a população na eleição de seus próprios líderes, cinco dos quais foram imediatamente sequestrados pela polícia e um deles, Xue Jinbo, foi assassinado. Embora a polícia tenha alegado que ele morrera de um ataque cardíaco súbito, ele não sofria de mal cardíaco, e os parentes que finalmente tiveram permissão de vê-lo (quando ainda estava vivo) informaram que o seu corpo estava coberto de grandes contusões, cortes, sangue coagulado e com seus polegares torcidos e voltados para trás. Sete mil pessoas participaram das cerimônias funerárias de Xue.  

O que causou este movimento é muito instrutivo tanto das crises sociais causadas pelo desenvolvimento do capitalismo na China quanto das relações entre o surgimento da crise econômica e a luta de classe. Nos passados 30 ou mais anos, o campesinato chinês tem experimentado algo semelhante aos infames Enclosure of the Commons [Fechamento das áreas rurais que pertenciam a todos na Idade Média, como florestas e pastagens naturais etc.] que colocou as bases da revolução industrial na Grã-Bretanha. Incontáveis centenas de milhões de camponeses tiveram sua terra roubada pelas autoridades locais “comunistas” em conluio com especuladores imobiliários predadores. Estes camponeses sem terra alimentaram o que é a maior revolução industrial jamais vista do mundo, afluindo às cidades, onde foram e ainda são explorados sem piedade.

Embora a solvência dos governos locais tenha agora ficado fortemente prejudicada por seu envolvimento no recente estímulo fiscal do governo central que lhes permitiu começar a vender bônus (dessa forma, arrastando-os a uma inescapável armadilha da dívida), até recentemente eles se basearam em vender terras comunais (lavradas por camponeses) para levantar fundos. Um relatório estimou que em 2010, 74% da renda dos governos locais vieram da venda ilegal das terras comunais. “De acordo com a Academia Chinesa de Ciências, no final de 2011 havia um total de 50 milhões de fazendeiros desalojados em toda a China (de todos os anos anteriores) e uma média de três milhões de fazendeiros são desalojados na China por ano” (Wikipédia).

Este processo acelerou fortemente desde 2008, porque os governos locais eram o carro chefe para a entrega do vasto estímulo cuja intenção era a de prevenir crises econômicas. Todos os encargos da dívida deste estímulo míope foram (e são) suportados pelos governos locais, que foram obrigados a se endividar pesadamente, contra garantias duvidosas das terras locais, comunais, para financiar os projetos de infraestrutura. Para manter a bola rolando, estes governos locais tiveram que roubar a terra dos camponeses, vendendo-as aos astuciosos especuladores, que aparentemente a compram em média por um preço 40 vezes maior do que o governo local paga aos camponeses (se é que pagam alguma coisa)! Excelente negócio se você pode fazê-lo!

Este é outro exemplo de como a economia chinesa se assemelha ao ônibus do filme de Hollywood Speed. O boom se baseou em alicerces tão instáveis, com tanta burla e tanta dívida com base no pressuposto de que o mercado continuaria subindo e subindo, que eles farão qualquer coisa para mantê-lo avançando de forma que a podre realidade não venha à superfície.

Assim o governo local de Wukan vinha praticando com naturalidade esta fraude sobre o seu próprio povo. O líder local do PCC, que estava nesta posição há 42 anos, estava muitíssimo feliz em vender a terra, sem a permissão dos camponeses, aos empreendedores locais, que já tinham construído vulgares nightclubs, estações de veraneio e a suntuosa sede do PCC local na área, durante anos. Isto também demonstra porque a corrupção na China não é nenhum tipo de erro opcional de seus políticos. Não é uma questão de má moralidade. Os líderes locais do PCC estão meramente executando os brutais requisitos da violenta entrada do capitalismo na China, e tirando vantagens para eles no processo.

Dois dias antes da morte de Xue, em 12 de dezembro, protestos diários contra este ladrão de terras começaram a ter lugar, e no dia 14, quando se tornou conhecido que Xue tinha sido assassinado pela polícia, uma massa incontrolável de aldeões subjugou as autoridades locais. Toda a polícia e os funcionários do PCC foram completamente expulsos da cidade, que agora era administrada pela própria população.

Mil policiais invadiram, mas fracassaram em retomar esta pequena cidade de somente 15 mil habitantes. A unidade e a militância de toda a população, sua determinação de vencer as formidáveis forças do estado chinês, mostram, de forma incidental, o compartilhamento da experiência de exploração e injustiça entre as massas chinesas, e o imenso potencial que elas têm para administrar a sociedade elas mesmas quando unidas.

Em 21 de dezembro o movimento terminou vitorioso. O PCC provincial de Guangdong interveio, aterrorizado com a indomável determinação incorporada neste pequeno número de camponeses. Concordaram com as exigências de recompor as finanças públicas de Wukan e de redistribuir toda a terra recentemente tomada. As eleições foram então realizadas e nelas as autoridades do PCC não tiveram nenhuma escolha senão a de permitir ao povo eleger seus próprios líderes, e surpreendentemente foram os reconhecidos líderes do movimento que ganharam as posições. Contudo, sendo o PCC único partido estatal, eles foram naturalmente eleitos como funcionários do PCC.

As demandas e o caráter político deste movimento são úteis como um teste de fogo para a consciência das massas chinesas. Embora, por um lado, tenha expulsado todos os funcionários do PCC e as forças do estado, a cidade também colocou faixas prometendo seu apoio ao PCC como um todo. Em certa medida, isto era para protegê-los da repressão do governo e para tornar mais fácil à seção provincial do partido ceder as suas exigências, salvando a própria cara. Mas também representa a contradição no centro da próxima revolução chinesa.

Certamente que há uma muito militante oposição ao aparato do PCC, que faz parte do estado e que é corretamente visto como completamente corrupto. Os trabalhadores e os camponeses com razão querem ver todos estes carreiristas, que têm lucrado com o trabalho de centenas de milhões na China, expurgados de todas as posições de influência. A este respeito, a revolução chinesa vai ter alguma semelhança com a da Tunísia, na qual o povo tunisiano tentou expulsar todo o aparato de poder. O odiado e corrupto partido do ditador Ben Ali foi expulso da política tunisiana, tal como a liderança local do PCC em Wukan foi expulsa da cidade. As demandas eram o confisco da fortuna de toda esta camada, que tinha forrado os bolsos à custa do povo tunisiano.

Esta seria uma boa demanda para todos os funcionários corruptos do estado chinês, em especial àqueles do topo como Wen Jiabao. Toda riqueza adquirida na China através da pilhagem da antiga economia planificada deve ser devolvida às mãos do povo.

Dessa forma, há um alto nível de consciência de que os que estão no comando do PCC são falsos comunistas. Há um forte desejo de se expurgar estes tipos e de construir um autêntico Partido Comunista, o que, para milhões de chineses, é a verdadeira tradição da China. Contudo, na luta, eles descobrirão que não é simplesmente uma questão de alguns funcionários corruptos e de carreiristas capitalistas na direção. De fato, muito do PCC se transformou pela metade em parte do aparato estatal, como uma rede de espionagem, e a outra metade em carreiristas e “velhos comparsas”. Isto significa que o PCC como um todo está distante dos interesses da classe trabalhadora.

No entanto, o partido tem cerca de 80 milhões de membros, e é o partido da revolução de 1949, da guerra contra o Japão e do fim do anacronismo feudal. É impossível imaginar que um movimento poderoso o suficiente para transformar a sociedade na China, isto é, uma revolução conduzida pelos trabalhadores envolvendo centenas de milhões, não se expresse de alguma forma dentro do PCC. Nem todos desses 80 milhões são carreiristas e escroques!

Por essa razão, no evento de uma nova revolução chinesa, podemos vaticinar a divisão do PCC e a formação de um PCC dos trabalhadores. Aqueles que representam o capitalismo, como Xi Jinping, terão destino semelhante ao de Ben Ali, Kadhafi e Mubarak. Os dez anos de Xi no poder não serão como os de Hu Jintao. Serão destroçados pela tempestade social e possivelmente pela revolução.

Por um Partido Comunista dos trabalhadores!

Não a privatização das SOEs! Pelo controle operário das SOEs para evitar a corrupção e a progressiva privatização!

Renacionalização das SOEs privatizadas! Nacionalizar todas as maiores corporações privadas!

Pelo confisco da propriedade de todos os que adquiriram riquezas através da corrupção e da privatização!

Plena liberdade sindical para todos os trabalhadores!

Parem a transformação capitalista da China! Por uma economia planificada e democraticamente controlada!

 

Tradução: Fabiano Adalberto