No dia 11 de março (quinta-feira), às 13h, o Museu Casa Leon Trotsky (México) irá realizar uma homenagem internacional a Esteban Volkov Bronstein por seus 95 anos de luta pelo legado de Leon Trotsky. Em razão desta importante atividade, publicamos aqui o artigo de Alan Woods, dirigente da Corrente Marxista Internacional (CMI), que, em 2003, foi convidado ao museu, em Coyoacán, para ser entrevistado para o documentário “Trotsky e o México – Duas revoluções do século 20”, de Adolfo Videla. O artigo que publicamos agora é produto daquela visita e das conversas que Alan manteve com Esteban Volkov, neto de Trotsky.
Recentemente visitei o México convidado por Esteban Volkov, neto de Trotsky, para participar do documentário sobre a vida e a morte deste grande revolucionário russo. O documentário, produzido pelo diretor argentino-mexicano Adolfo Videla, foi filmado na casa de Coyoacán onde Trotsky viveu os últimos anos de sua vida, junto à sua fiel companheira e camarada, Natalia Sedova. O documentário utilizou importantes documentos e incluiu valiosas contribuições de pessoas como o historiador trotskista Pierre Broué. Está previsto que seja exibido na televisão mexicana no próximo outono.
A história dos últimos dias de Trotsky, de seu exílio e assassinato, já foi contada muitas vezes, geralmente de forma trivial. A mais recente foi o filme sobre Frida Kahlo. Esteban Volkov, que conheceu bem a Frida, considera a obra como uma falsificação histórica de Hollywood. Frida não se parecia em nada a forma como é mostrada no filme. Na realidade, era uma pessoa manipuladora que via as pessoas que a rodeavam como objetos para suas intrigas. Era como se o mundo fosse um enorme teatro onde pudesse dirigir a ação, sendo as pessoas meros títeres, e sempre reservando o papel principal para ela. Era uma especialista em provocar escândalos que chamassem a atenção.
As pessoas que não têm vida própria adoram ler as chamadas “histórias privadas” sobre personagens importantes. Essas histórias compõem um subgênero literário típico de certos jornais. Dessa categoria de leitura, a gente pode derivar para um tipo de prazer puramente sensacionalista. Para eles, a história começa e termina aí mesmo. Na realidade, essas coisas não têm nada a ver com a história. Pertencem ao mundo das anedotas, dos acidentes e da ficção barata. Hegel já havia criticado esta forma de história psicológica:
Estes psicólogos tendem particularmente a se concentrar nas particularidades de grandes personagens históricos, examinando sua vida privada. Todo homem necessita comer e beber, necessita manter relações com amigos, tem impulsos e descargas de ira. Para o valete, nenhum homem é herói, diz um conhecido refrão francês, ao qual acrescentaria (Goethe também insistiu nisso): não porque não seja um herói, mas porque o valete se encontra em posição inferior. Tira suas botas, prepara sua cama, sabe que prefere o champanhe etc. Se avaliássemos a vida dos personagens históricos importantes a partir das histórias privadas de seus valetes, então seriam histórias muito pobres (Hegel, A Filosofia da História, p. 23).
Em outro trecho, Hegel escreve o seguinte sobre esse tipo de aproximação à história: “apenas percebe uma visão fugaz de um mundo enorme por meio de uma ranhura acanhada” (Ibid, p. 4). Que têm a ver essas coisas com a violenta tragédia de Leon Trotsky, que é, por sua vez, um reflexo do trágico destino da Revolução Russa? Ao lado dos importantes acontecimentos da época, as aventuras amorosas de dois indivíduos, embora sejam eles um grande revolucionário russo e uma artista mexicana, são meras trivialidades. Numa época de mão de ferro, em que milhares de pessoas eram assassinadas e a vontade de homens e mulheres era sufocada pela tortura da GPU, que utilizava os métodos da Inquisição espanhola, àqueles que estão mais interessados nas debilidades dos indivíduos só podemos responder encolhendo os ombros.
Trivializar dessa forma a história dessa época é tão ofensivo quanto estúpido. Eram anos em que a classe trabalhadora estava lutando contra a maré nefasta do fascismo, em que a Revolução Russa estava sendo enterrada sob uma pilha de cadáveres. E no centro desse rodamoinho estava o homem que, junto a Lenin, dirigiu a Revolução de Outubro: Leon Trotsky. O objetivo deste documentário é resgatar a verdade, ou seja, o verdadeiro Leon Trotsky, das mãos dos falsificadores e daqueles que querem trivializar sua figura.
Stalinismo e bolchevismo
Após a morte de Lênin em 1924, Trotsky e a Oposição de Esquerda conduziram uma luta corajosa para salvar a revolução da degeneração burocrática. Esta titânica luta era, em última instância, um reflexo da luta de classes. Não foi um debate político cortês, como alguns imaginam, mas uma luta mortal na qual perderam a vida milhões de pessoas, entre elas a flor e a nata do movimento revolucionário russo. Este fato costuma ser omitido por aqueles cínicos profissionais que escrevem agora tomos volumosos tentando “demonstrar” que não havia nenhuma diferença entre o bolchevismo e o stalinismo e que se Trotsky tivesse ganhado teria agido da mesma forma que Stalin.
A resposta a essas calúnias é muito simples. Se stalinismo e bolchevismo são a mesma coisa, por que Stalin, para consolidar o regime burocrático-totalitário, ordenou assassinar todos os velhos bolcheviques? O regime estabelecido depois da Revolução de Outubro não tinha nada em comum com o monstruoso Estado policial de Stalin e seus herdeiros. Era um regime de democracia operária, o regime mais democrático jamais visto na história do ponto de vista da classe trabalhadora. Este regime foi destruído por Stalin e pela casta burocrática em que ele se baseava. Isto incluiu a eliminação física do partido de Lênin, que era uma barreira no caminho de Stalin. O último ato deste drama foi o assassinato, no México, de Leon Trotsky, em agosto de 1940.
A decisão de assassinar Trotsky foi tomada em segredo e com bastante tempo de antecedência. Já nos anos 1920, Zinoviev e Kamenev avisaram a Trotsky. Eles lhe disseram: “Acreditas que Stalin vai lutar contigo no terreno das ideias. Stalin utiliza outras armas. Te atacará na cabeça”. Mas, em 1927, quando Trotsky foi expulso do Partido Comunista, o domínio da burocracia ainda não estava consolidado. Era cedo para assassinar uma pessoa que, junto a Lênin, e muita gente o sabia, foi o principal arquiteto da Revolução de Outubro e fundador do Exército Vermelho. Stalin teve que se contentar com o exílio de Trotsky na Turquia.
Stalin não conseguiu silenciar seu inimigo com estes métodos. Desde o exílio, primeiro na Turquia e depois na França, Trotsky continuou a tarefa de defender as ideias de Lenin e da Revolução de Outubro contra os usurpadores stalinistas. Organizou a Oposição de Esquerda Internacional apelando à base dos partidos comunistas para que estes voltassem aos princípios e ideias do bolchevismo-leninismo.
Trotsky não podia contar com a ajuda de nenhum governo burguês. Eles o odiavam e temiam por ser um revolucionário e um bolchevique comprometido. Mesmo uma das chamadas “democracias burguesas” fechou as portas na cara do grande revolucionário russo. A Grã-Bretanha, que no passado havia proporcionado asilo a Marx e Lênin, o rechaçou. O poeta surrealista francês, André Breton, que naquele momento simpatizava com Trotsky, falava do “planeta sem visto de entrada”.
Uma guerra civil unilateral
Enquanto isso, Stalin se preparava para a sua terrível vingança contra os líderes do partido de Lênin. A consolidação do regime totalitário e burocrático na URSS requeria a destruição de todas as tradições democráticas e igualitárias de Outubro, e Stalin não queria nenhuma lembrança ou testemunho do passado. A vitória da contrarrevolução política de Stalin se completou pelo do extermínio físico dos velhos bolcheviques. Conseguiu fazer isso por meio dos expurgos, caracterizados por Trotsky como uma guerra civil unilateral contra o Partido Bolchevique. Entre 1937 e 1938, foram presos por ordem de Stalin entre 5 e 5,5 milhões de pessoas. Destas, pelo menos um terço foram assassinadas e outra grande parte pereceu nos campos de concentração. A respeito disto, Trotsky escreveu o seguinte:
Stalin destruiu completamente toda a velha guarda bolchevique, todos os colaboradores e assistentes de Lênin, todos os lutadores da Revolução de Outubro, todos os heróis da guerra civil. Passará à história com o desprezível nome de Caim.
Mas Stalin não ficou satisfeito. Sabia que seu inimigo mais perigoso havia escapado e estava trabalhando no reagrupamento de todos os comunistas que permaneciam leais aos princípios do leninismo. Na realidade, a figura central dos expurgos era Trotsky, que foi repetidamente acusado de dirigir a oposição, em colaboração com Hitler e o Mikado! Foram inventadas as mais grotescas acusações para desacreditar Trotsky e seus colaboradores “contrarrevolucionários”. Tudo isto tinha a intenção de preparar o terreno para o futuro assassinato de Trotsky. No início de 1935, o agente
soviético Mikhail Shpigelglas recebeu ordens verbais de Yagoda, que, por sua vez, as recebia diretamente de Stalin, para “acelerar a eliminação de Trotsky”. Shpigelglas mobilizou a agência inteira na França, incluindo um comunista polaco chamado Ignace Reiss, que havia trabalhado para a GPU desde 1925. Mas Reiss não era um mercenário típico da GPU. Era um comunista genuíno e estava farto dos crimes de Stalin.
Demonstrando uma grande coragem, Ignace Reiss se posicionou a favor de Trotsky e escreveu uma carta ao Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética: “Vim até aqui com vocês, mas não darei mais um só passo (…) Permanecer em silêncio equivale a ser cúmplice de Stalin e um traidor da causa da classe trabalhadora e do socialismo”. Devolveu sua Ordem da Bandeira Vermelha que havia recebido por ser um “heroico lutador do comunismo” e comentou que “portar a insígnia quando os carrascos dos melhores elementos da classe trabalhadora também a portam está abaixo de minha dignidade pessoal”. Seis semanas mais tarde, em 4 de dezembro, o corpo assassinado de Reiss foi encontrado.
Trotsky foi advertido dos planos de Stalin por Ignace Reiss antes de seu assassinato, razão pela qual abandonou apressadamente a França antes de que o pudessem assassinar. Foi para a Noruega, mas os agentes de Stalin o perseguiram. Nesse momento os julgamentos de Moscou estavam em seu ponto culminante e os stalinistas exigiam que Trotsky fosse entregue às autoridades soviéticas. Consciente da hipocrisia e covardia dos dirigentes pequeno-burgueses da social-democracia escandinava, Trotsky temia ser entregue ante a chantagem de Stalin. Em uma conversa com um destes dirigentes perguntaram a Trotsky se pensava que eles estariam dispostos a vendê-lo, ante o qual Trotsky respondeu de forma muito diplomática: “Não, mas Stalin com certeza quer me comprar”.
A questão do asilo político adquiriu enorme importância. No final, só o México estava disposto a lhe dar as boas-vindas. Octavio Fernández, o veterano trotskista mexicano, que infelizmente faleceu pouco depois de se rodar este documentário, foi o responsável pela organização do asilo para Trotsky. Ele lembra as circunstâncias:
O Velho [Trotsky] corria o risco de ser entregue à GPU (a polícia secreta de Stalin) pelas autoridades norueguesas. Houve muitas tentativas de se obter vistos de entrada por todo o mundo, mas em nenhum lugar o conseguimos. Pelo contrário, havia ameaças de grupos fascistas, que apoiavam Stalin ante a possibilidade de se extraditar Trotsky da Noruega.
Trotsky no México
Finalmente, com a ajuda do famoso pintor e comunista mexicano Diego Rivera, conseguiram persuadir o governo de Lázaro Cárdenas a conceder asilo a Trotsky. Octavio Fernández lembra isso no documentário:
Fomos recebidos por Cárdenas e ele nos disse que, como a vida de Trotsky estava em perigo, o governo lhe daria asilo. Eram notícias maravilhosas para nós, já que havíamos conseguido salvar Trotsky das garras de Stalin. Os jornais publicaram as notícias do acordo com Cárdenas.
Trotsky não sabia nada do acordo. Mais tarde, soubemos que o Velho pensava que tudo fazia parte de um plano para assassiná-lo, já que lhe haviam dito que viajaria em um navio tanque: o Ruth. Pensava que haviam planejado o afundamento do barco para terminar com ele. Mesmo assim embarcaram no Ruth e chegou a Tampico com Natália, que pensava que havia chegado ao paraíso, a um país do outro mundo.
No entanto, a última fase do exílio de Trotsky foi qualquer coisa menos um paraíso.
Ao chegar, foram recebidos cerimoniosamente e levados à capital no trem do presidente: o Hidalgo. Cárdenas era um nacionalista burguês radical, que defendia ferozmente a independência nacional do México e enfrentou com grande coragem o imperialismo norte-americano. Naturalmente, não era um socialista, embora geralmente defendesse um programa progressista dentro dos limites do capitalismo. Em 1938, realizou a nacionalização da indústria do petróleo em um claro desafio aos Estados Unidos e suas grandes empresas petrolíferas.
Em outubro de 1939 a vida solitária de Trotsky se alegrou com a chegada de seu neto, Sieva (Esteban Volkov), que tinha treze anos. Depois de perder seus dois filhos, ele e Natália transbordavam de alegria quando deram as boas-vindas à Sieva, que havia perdido sua mãe, seu pai e sua avó (vítimas do banho de sangue ordenado por Stalin). Sua irmã mais nova, de que havia sido separado desde uma idade muito precoce, desapareceu em um gulag. Esteban pensava que ela também estava morta. Mas voltaram a se ver em condições muito trágicas. Ela estava viva, mas morrendo de câncer. Tragicamente não puderam se comunicar, pois Esteban havia esquecido o idioma russo e ela não falava a língua espanhola, nem a inglesa. Morreu pouco depois.
Sempre é interessante falar com pessoas que viveram importantes episódios históricos e que conhecem os protagonistas pessoalmente. Esteban Volkov lembra que Lázaro Cárdenas tratava com muita generosidade e carinho a família de Trotsky. Lázaro, diz ele, era basicamente uma pessoa que gostava de se misturar com sua gente, dormir nas tendas dos índios, falar com eles de seus problemas. Quando criança, Esteban costumava brincar com o filho do presidente, Cuhatemoc Cárdenas, hoje líder do Partido da Revolução Democrática (PRD). Lázaro ficou furioso ao saber do assassinato de Trotsky e acusou os stalinistas mexicanos de traidores da pátria.
Segundo confirma Esteban, depois da morte de Trotsky, continuou tratando sua família com consideração e carinho. Mostrou-me velhas fotos suas de criança quando ia de piquenique junto com Lázaro e o jovem Cuhatemoc. “Mas, em uma ocasião, tive uma desagradável surpresa quando saía de sua casa. Vi Lombardo Toledano entrar”. Este velho stalinista do núcleo duro havia se oposto à petição de asilo por parte de Trotsky e, então, pressionava Cárdenas para que expulsasse ao “chefe da vanguarda contrarrevolucionária”. Depois participou ativamente na preparação do assassinato de Trotsky, lançando uma série de ataque difamatórios em seu jornal El Popular. Trotsky comentava o seguinte: “As pessoas só escrevem assim quando estão preparadas para trocar a caneta pela metralhadora”.
Essas palavras se mostraram proféticas. Trotsky sabia que estava com os dias contados. Stalin havia decidido que ele tinha que morrer e não economizaria esforços para realizar seu plano. Um dos fatores que aceleraram sua morte foi que Trotsky estava trabalhando na biografia de Stalin. Segundo Dimitri Volkogonov, todas as manhãs Stalin tinha sobre sua mesa do Kremlin os últimos artigos de Trotsky, em muitas ocasiões antes de serem publicados. Em março de 1938, em meio aos julgamentos de Moscou, em uma carta ao editor do Boletim da Oposição, Trotsky escreveu o seguinte:
Estou me dedicando a escrever um livro sobre Stalin e quero terminá-lo nos próximos 18 meses. Todo o meu tempo, pelo menos nos próximos meses, estará dedicado a este trabalho. Necessitarei de tua ajuda para o livro de Stalin. Amanhã lhe enviarei uma lista dos livros que tenho sobre Stalin. Posso te dizer agora que não tenho o livro de Barbusse. Não sei se há alguma pasta especial sobre Stalin no arquivo de Lev.
Volkogonov assinala: “Não é muito difícil imaginar a reação de Stalin quando viu esta carta sobre sua mesa. Em 18 meses ia ser publicado um livro sobre ele e escrito por seu inimigo mais bem informado. Não podia consentir nisso. Foi precisamente nesse momento, durante os últimos meses de 1938, que Stalin deu ordens verbais para a liquidação de Trotsky” (Volkogonov, Trotsky, p. 197).
Shpigelglas, o agente encarregado do assassinato de Trotsky, foi preso, condenado e executado. A razão era muito simples, como confirmou o seu sucessor, o oficial da NKVD, Pavel Sudoplatov: “Não realizou a missão de matar Trotsky. Razão pela qual não podia ser perdoado” (Ibid, p. 443). Sudoplatov foi posto na chefia do departamento encarregado de assassinar Trotsky. Recebia ordens do próprio Stalin, a quem tinha que informar de seus progressos. Em 1989, numa carta ao Procurador Geral da URSS, Sudoplatov escreveu:
Durante os 30 anos ou mais em que trabalhei para a agência, todas as operações para as quais fui designado, o fui, não por Béria, mas pelo Comitê Central do Partido. Todos os meus informes sobre operações especiais podiam ser encontrados no Departamento Geral do Comitê Central e um desses informes está escrito a mão (Ibid, pp, 440-1).
Esse informe escrito a mão tratava do assassinato de Leon Trotsky.
O assassinato
Na noite de 24 de maio de 1940, um bando de stalinistas mexicanos dirigidos pelo pintor David Alfaro Siqueiros irrompeu na casa no meio da noite e disparou com metralhadoras sobre as habitações. O próprio Trotsky descreveu o ataque:
Estava dormindo, pois havia tomado uma pastilha contra a insônia depois de um dia duro de trabalho. O barulho das balas me acordou, mas minha mente estava confusa, imaginei que estavam lançando foguetes festivos para a celebração de alguma festa nacional. Mas as explosões soavam demasiado perto. Estavam dentro de meu quarto, muito perto, próximas a minha cabeça. O cheiro de pólvora era particularmente penetrante. Era óbvio que algo que sempre estávamos esperando estava ocorrendo nesse mesmo momento: estavam nos atacando. Mas onde estavam os policiais que protegiam a entrada? E os guardas dentro da casa? Amarrados? Sequestrados? Mortos? Minha mulher havia saltado da cama. A metralha de balas continuava. Minha mulher me disse depois que me havia empurrado para o chão para que me metesse no espaço entre a parede e a cama. Era perfeito. Colocou-se em cima de mim ao longo da parede, com a intenção de me proteger com o seu corpo. Sussurrando-lhe e gesticulando, a convenci para que se jogasse ao solo. As balas estavam impactando em todos os cantos. Era difícil saber de onde vinham. Pedaços de vidro das janelas e gesso das paredes voavam em todas as direções. Pouco depois dei-me conta de que me haviam feito duas feridas na perna. Quando cessaram os disparos, ouvi a voz de meu neto do quarto ao lado: “Vovô!” A voz da criança na obscuridade, em meio a todos os disparos, permanece como a lembrança mais trágica dessa noite.
Esteban Volkov lembra que foi despertado pelo barulho dos disparos que vinham de direções diferentes.
Foi bem planejado, como uma manobra militar. Mas cometeram um erro: não acenderam as luzes. É possível que não quisessem ver os rostos de suas vítimas. Pela razão que fosse, dispararam na absoluta obscuridade. Se tivesse luz não teriam falhado. Depois os disparos cessaram e ouvi uma voz do outro lado da porta. Escutei a palavra “bombas” e compreendi que iam lançar bombas dentro do quarto para terminar a missão. Consegui escapar correndo ao quarto ao lado e depois lançaram as bombas incendiárias.
Depois do ataque, um dos guardas, um jovem americano chamado Robert Sheldon Harte, desapareceu. Posteriormente, a polícia encontrou o seu cadáver. Harte estava de serviço nessa noite e havia aberto a entrada aos assassinos. A polícia acreditava que era um agente a serviço de Stalin, mas Trotsky, que sempre havia sido leal com seus camaradas, se negou a acreditar. Esteban agora está convencido de que Harte havia sido comprado pela GPU. Há vários fatos circunstanciais que apontam nessa direção, incluindo o fato de que ele havia sido visto com grandes somas de dinheiro. Se isso é verdade, pagou um preço alto por sua traição. Esteban pensa que Siqueiros e os outros o utilizaram como bode expiatório do fracasso em matar Trotsky.
Apesar dos enormes riscos que pesavam sobre ele, Trotsky continuou trabalhando normalmente, e até mesmo fazia incursões em busca de cactos, conduzindo de vinte a trinta quilômetros até as montanhas ou as pradarias. Recusou-se a ter que viver como um animal encurralado. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, sua vida estava perdida, que finalmente Stalin poderia dizer que havia acabado com sua vítima mais importante. O tempo que lhe restava devia ser utilizado para escrever e educar os jovens quadros da nova geração de bolcheviques-leninistas.
Com o desconhecimento de Trotsky, Stalin havia conseguido infiltrar um de seus agentes no coração de sua organização internacional em Paris, que sabia de tudo o que estava ocorrendo. Mark Zborowski, que representava os interesses de Trotsky em Paris depois do assassinato de Leon Sedov, era um agente da GPU. Havia mais alguns, como Silvia Franklin, a secretária pessoal de James Cannon, o líder do SWP americano. Por último, embora não menos importante, estava Ramón Mercader (“Jacson”), que conseguiu se infiltrar na própria casa de Trotsky, estabelecendo uma relação com Silvia Agelov, a irmã de uma das secretárias de Trotsky.
Esteban Volkov lembra-se muito bem de Ramón Mercader. Era um agente muito bem treinado que passava facilmente despercebido e nunca tentava fazer a menor aproximação a Trotsky que pudesse levantar suspeitas. Em troca, se concentrou em estabelecer boas relações com os guardas. “Sempre andava bem-vestido, tinha dinheiro e um bom automóvel”, lembra Esteban, “e sempre estava fazendo favores. Convidava os guardas a restaurantes e lhes emprestava o automóvel para que Trotsky saísse de excursão. Era sempre muito diplomático, com o que sempre conseguia evitar qualquer suspeita”.
A história do assassinato já foi contada muitas vezes e não há necessidade alguma de repeti-la aqui. Demonstrou que as medidas de segurança para proteger Trotsky tinham graves deficiências. No momento da verdade, deixaram Trotsky a sós com um estranho, ao qual, incrivelmente, os guardas haviam deixado entrar com um sobretudo, onde levava escondidos um picador de gelo, um punhal longo e uma pistola. Os guardas sequer chegaram a revistá-lo antes de deixá-lo entrar no escritório de Trotsky. Uma precaução tão elementar que, por si só, poderia ter abortado a missão. Mas aqueles que supostamente deviam defender Trotsky não tomaram as precauções mais elementares.
Ted Grant me contou que, quando chegaram as notícias do assassinato de Trotsky, os camaradas da Grã-Bretanha ficaram horrorizados. Ficaram muito surpresos de que o SWP americano tivesse permitido que tal coisa ocorresse nessas circunstâncias. Mais tarde, Healy tentou “provar” que o líder do SWP, Joseph Hansen, também era um agente da GPU. Ted nunca aceitou isso, considerando-o nada mais do que outra maliciosa intriga por parte de Healy contra seus rivais políticos, mas, por outro lado, considerava culpáveis os líderes do SWP por haver cometido uma grave irresponsabilidade.
Coloco estas palavras de Esteban Volkov que sempre teve muitas recordações pessoais sobre os guardas americanos. Pensou por um momento e disse: “Sim, é verdade, eram realmente amadores”, mas logo acrescentou pensativo: “Mas, sabes, não havia como escapar. Meu avô sabia muito bem que um só homem não poderia derrotar o enorme aparato da URSS. Mais cedo ou mais tarde, iam matá-lo. Se Jacson tivesse falhado, teriam lançado uma bomba sobre nós e agora eu não estaria aqui conversando contigo”.
No dia do assassinato, Esteban voltava do colégio quando viu uma multidão diante de sua casa. Entrou e viu a situação: Jacson se encontrava em estado lamentável, choramingando como um covarde, enquanto Natalia tentava consolar seu marido. Surpreendentemente, apesar da gravidade de seus ferimentos, Trotsky usou suas últimas forças para insultar e lutar com seu atacante, que não pôde escapar como estava planejado. Natalia lembra que Jacson gritava: “Obrigaram-me a fazer isso, têm a minha mãe”. Mas nunca voltou a dizer isso, tinha instruções de manter o mito de que era um seguidor desiludido com Trotsky.
Quando Trotsky se deu conta de que a criança estava na sala, ordenou que o tirassem dali: “Só lhe interessava me proteger”, disse Esteban.
Quando Stalin assassinou Trotsky sabia muito bem o que fazia. As jovens forças da 4ª Internacional ainda era débeis e imaturas. A morte do Velho privou a 4ª Internacional de sua figura mais inspiradora e de seu líder teórico. Sem o seu guia, os líderes da 4ª Internacional estavam perdidos. No final, ela estava morta.
O verdadeiro monumento de Trotsky
A principal razão do naufrágio da 4ª Internacional se encontra nas difíceis condições que surgiram depois da Segunda Guerra Mundial, que atalharam o caminho às forças do trotskismo. Os trabalhadores permaneceram sob as direções stalinistas e social-democratas. Os acontecimentos se desenvolveram de forma diferente a como Trotsky havia prognosticado em 1938. No final, tanto o stalinismo quanto o capitalismo saíram reforçados. Mesmo que Trotsky tivesse continuado a viver, teria sido um período difícil, embora tivéssemos podido manter nossos melhores quadros e preservar a organização, à espera de que a situação mudasse.
Há muitos paralelismos entre a luta de classes e a guerra entre as nações. Durante as guerras há momentos em que um exército pode avançar e, nesses momentos, é importante contar com bons generais. Mas, em momentos de grandes dificuldades, quando um exército tem que se retirar, a importância dos bons generais é ainda maior. Com bons generais, um exército pode se retirar ordenadamente, preservando a maior parte de suas forças para lutar na próxima batalha. Mas, com maus generais, a retirada pode se converter rapidamente em uma derrota total. Foi isso exatamente o que se passou com a 4ª Internacional depois de Trotsky.Não obstante, nada permanece intacto na natureza ou na sociedade. Com um atraso de várias décadas, a perspectiva de Trotsky para a União Soviética, apresentada em A Revolução Traída, foi confirmada de forma brilhante. A burocracia, que não estava satisfeita com os seus poderes e privilégios, transformou-se em uma classe capitalista particularmente corrupta e reacionária. Mas o colapso da URSS não resolveu os problemas do capitalismo, que está experimentando agora uma crise em escala global, ameaçando a humanidade com futuras guerras, com o desemprego massivo e com a pobreza. As ideias, o programa e o método de Trotsky constituem a única maneira de se alcançar o socialismo em escala mundial.
Marx disse em uma ocasião que as ideias se convertem em força material quando se apoderam das massas. Apesar de todas as derrotas e vicissitudes da história, a classe trabalhadora sempre voltará ao caminho da luta. Os acontecimentos destes últimos anos são prova suficiente, se é que se necessita de mais alguma prova. Em todos os lugares, os jovens e os trabalhadores estão se voltando para a luta, desafiando o antiquado e apodrecido sistema capitalista.
As velhas organizações do stalinismo e da social-democracia estão em crise. Há tempo que seus líderes abandonaram a causa do socialismo e do comunismo e se colaram aos caprichos do mercado, justamente quando este está dando claros sinais de que o conteúdo progressista que teve deixou de existir. A base dos sindicatos e dos partidos de massas está muito descontente com a atual direção e sua política. Está buscando uma alternativa. A única alternativa ao capitalismo é o socialismo e a única defesa coerente e consistente se encontra nos escritos de Marx, Engels, Lênin e, por último, embora não por isso menos importante, do grande líder, teórico e mártir da classe trabalhadora, Lev Davidovich Trotsky.
Um poeta romano escreveu certa vez um famoso trabalho chamado Exigi Monumentum (Erigi um monumento). O monumento ao que se referia não era de pedra ou de bronze, mas suas próprias obras poéticas. O real monumento de Trotsky não é tampouco de pedra, nem se encontra em uma casa em Coyoacán. O verdadeiro monumento desses revolucionários ainda tem que ser construído. É um monumento indestrutível que se constrói em torno a um partido revolucionário e a uma Internacional, que dará um fim às monstruosidades do capitalismo de uma vez por todas e criará a base para uma nova fase de desenvolvimento que a humanidade experimentará mediante uma federação socialista mundial. Nós, os militantes da Corrente Marxista Internacional (CMI), nos oferecemos com energias renovadas e dedicação à luta para recuperar as ideias e o programa de Lênin e Trotsky.
Londres, 30 de junho de 2003.
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.